Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:855/21.5 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CUSTAS
DISPENSA PARCIAL DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*** ***
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:



O…- Limpeza Profissional, Ld.ª vem interpor recurso de revista para o Colendo Supremo Tribunal Administrativo do Acórdão prolatado por este Tribunal de Apelação em 31/07/2023, nos termos do qual foi concedido provimento aos recursos apresentados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e C…, S.A., e julgada improcedente a presente ação de contencioso pré-contratual.
Com efeito, a ora Recorrente O… tinha proposto a vertente ação de contencioso pré-contratual contra Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e C…, S.A., nos termos da qual tinha peticionado a «declaração da nulidade do ato de adjudicação, nos termos do artigo 161.º, n.º 1, alíneas d) e g), do Código do Procedimento Administrativo», bem como, «subsidiariamente, a anulação do ato de adjudicação à contrainteressada, nos termos do artigo 163.º, n.ºs 1 a 3, do Código do Procedimento Administrativo, por violação de lei (e, mais concretamente, por violação dos artigos 56.º, n.ºs 1 e 2, 57.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos)». E, em cumulação, tinha ainda peticionado a «condenação da Entidade Adjudicante a admitir a proposta da Autora, revogando a decisão de sua exclusão, a reordenar os concorrentes com a graduação da Autora no primeiro lugar, e a proferir novo ato de adjudicação do contrato à Autora».
Em 25/11/2021 foi proferida sentença, que julgou a ação procedente e, consequentemente, anulou a deliberação n.º 886/2021, de 13 de maio, proferida pela Recorrente Santa Casa e condenou esta a admitir a proposta da Recorrida, a graduá-la em primeiro lugar no procedimento concursal e a proferir novo ato de adjudicação, com as demais consequências.
Inconformadas com tal julgado, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e C…, S.A. apresentaram recursos jurisdicionais, sendo que, por acórdão proferido em 31/07/2023, este Tribunal de Apelação concedeu provimento aos recursos jurisdicionais interpostos pelas então Recorrentes Santa Casa e C…, revogou a sentença recorrida e, em consequência, julgou a presente ação de contencioso pré-contratual totalmente improcedente.
Inconformada com o Aresto mencionado, vem agora a autora da vertente ação de contencioso pré-contratual, O…- Limpeza Profissional, Ld.ª, interpor recurso de revista para o Colendo Supremo Tribunal Administrativo.
Neste recurso, a agora Recorrente O…- Limpeza Profissional, Ld.ª imputa ao Acórdão promanado em 31/07/2023 nulidade decorrente de excesso de pronúncia.
Por seu turno, notificadas da interposição do recurso de revista, as agora Recorridas Santa Casa e Clece apresentaram as suas contra-alegações, pugnando, em suma, pela inexistência da dita nulidade.
Vejamos, então, se o Acórdão recorrido padece da nulidade que a Recorrente O... lhe vem assacar.

I. DA NULIDADE
No caso sob exame, reclama a Recorrente O… que o Acórdão impetrado padece de nulidade, por excesso de pronúncia, pois que considera matéria de facto que não foi dada como provada na sentença recorrida, sendo certo que em nenhum dos recursos foi impugnada a matéria de facto fixada na aludida sentença.
Concretamente, as conclusões que a ora Recorrente dedica à imputação de nulidade são as seguintes:
«L) O acórdão recorrido extrai conclusões de Direito sobre matéria que não se encontra dada como provada (e que não foi alvo de impugnação, em sede de recurso), visto que a matéria de facto, consolidada pela sentença de primeira instância, nunca deu por provado que a ora Recorrente: i) não preencheu corretamente o referido Anexo III anexo à proposta por si apresentada; ii) tivesse omitido qualquer informação reveladora dos atributos da sua proposta, ao não preencher qualquer campo relativo ao Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III); iii) que constava do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos qualquer obrigação de preenchimento do referido Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III).
M) Ora, a determinação sobre quais são os elementos específicos que constavam quer da proposta apresentada pela ora Recorrente, quer das próprias peças concursas não é matéria de Direito, mas matéria de facto, pelo que – não tendo havido recurso quanto à matéria de facto –, não podia o acórdão recorrido dela conhecido.
N) Encontrando-se provado que a ora Recorrente apresentou a proposta que consta do processo administrativo (cfr. Doc. n.º 3, já junto) e que não se provou que a mesma omitisse qualquer elemento exigido pelo Programa do Concurso ou pelo Caderno de Encargos, o acórdão recorrido estava impedido de concluir, como o fez – num juízo inadmissível sobre matéria de facto –, que não constam da proposta apresentada pela ora Recorrente elementos essenciais que configuram os atributos da proposta.
O) Tal conhecimento sobre matéria sobre a qual não podia ter conhecido implica a necessidade de revogação do acórdão recorrido, devendo o Supremo Tribunal Administrativo determinar a manutenção da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.»
Assim, se bem entendemos o ataque invalidante, o fundamento que a Recorrente O... identifica em sustento do excesso de pronúncia por parte deste Tribunal materializa-se na circunstância de o Acórdão agora sob recurso ter entendido que a «Recorrente: i) não preencheu corretamente o referido Anexo III anexo à proposta por si apresentada; ii) tivesse omitido qualquer informação reveladora dos atributos da sua proposta, ao não preencher qualquer campo relativo ao Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III); iii) que constava do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos qualquer obrigação de preenchimento do referido Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III).»
É que, na visão da Recorrente, o «acórdão recorrido extrai conclusões de Direito sobre matéria que não se encontra dada como provada (e que não foi alvo de impugnação, em sede de recurso)», especificamente, que a Recorrente: «i) não preencheu corretamente o referido Anexo III anexo à proposta por si apresentada»; que a Recorrente «ii) tivesse omitido qualquer informação reveladora dos atributos da sua proposta, ao não preencher qualquer campo relativo ao Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III)»; e, finalmente, «iii) que constava do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos qualquer obrigação de preenchimento do referido Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III).»
Ora, como é bom de ver, a Recorrente não tem qualquer razão, uma vez que, as asserções de que a Recorrente «não preencheu corretamente o referido Anexo III anexo à proposta por si apresentada», de que «tivesse omitido qualquer informação reveladora dos atributos da sua proposta, ao não preencher qualquer campo relativo ao Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III)» ou de que «constava do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos qualquer obrigação de preenchimento do referido Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III).» constituem, claramente, juízos jurídicos, de natureza conclusiva, e que se ancoram, por um lado, na interpretação do quadro normativo ditado pelas peças do procedimento concursal e, por outro lado, na matéria de facto constante ipsis verbis do probatório reunido na sentença, especificamente, os pontos B, C, F e I.
Ademais, releva dizer que a regulação contida nas peças do procedimento- Programa do Concurso e Caderno de Encargos- não constituem, verdadeiramente, matéria de facto, mas sim antes enformam uma parte significativa do quadro normativo que disciplina o desenrolar do procedimento concursal, a celebração do contrato e a execução do mesmo. Por conseguinte, é destituída de qualquer sentido a exigência de que o teor de tais peças deva constar expressamente do probatório.
E, no que concerne ao teor exato da proposta apresentada pela Recorrente O..., a mesma está integralmente incluída no ponto C do probatório, razão pela qual nem se perceciona a tese da Recorrente de que este Tribunal atentou a factualidade nova. De resto, nem as questões ou argumentos debatidos no Aresto do Tribunal configuram qualquer novidade, face ao que já resultava da posição assumida pela Santa Casa e Clece.
Destarte, é forçoso concluir que não ocorre o excesso de pronúncia que a recorrente O... imputa ao Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 31/07/2023.
E, por isso, improcede a arguição da referida nulidade do Acórdão.

II. DA REFORMA QUANTO A CUSTAS
A Recorrente O... vem, no seu recurso de revista, peticionar a reforma do Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 31/07/2023 no que concerne à condenação em custas.
Com efeito, no julgado por este Tribunal de Apelação foi a agora Recorrente dispensada do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça devida nos recursos, « considerando o elevado valor da presente ação de contencioso pré-contratual, (…) por se entender proporcional à complexidade fáctico-jurídica envolvida no vertente litígio, que é significativa.»
E, por isso, no dispositivo do Acórdão proferido em 31/07/2023 foi feita constar a condenação da agora Recorrente nos seguintes moldes:
«V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I- Indeferir o pedido de rejeição, do recurso apresentado pela Recorrente C..;
II- Conceder provimento aos recursos e revogar a sentença recorrida;
E em consequência,
III- Julgar a presente ação de contencioso pré-contratual totalmente improcedente.
Custas pelos recursos e pela ação a cargo da Recorrida, nos termos do disposto no art.º 527.º do CPC, com dispensa do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça em dívida, devida nestes recursos, em conformidade com o disposto no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.»
Insurge-se a Recorrente, agora, quanto à dispensa do pagamento de apenas 50% do remanescente da taxa de justiça devida por ter ficado vencida quanto a ambos os recurso, pretendendo que lhe seja concedida a integralidade daquela dispensa.
Fundamenta a sua discordância, em síntese, no facto de o valor devido a título de custas ser excessivo- 24.253,06 Euros-, não obstante a dispensa do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça, por não corresponder aos custos efetivos suportados pelo Estado na prolação do Acórdão agora atacado, violando, assim, a regra da sinalagmaticidade das taxas, o princípio da proporcionalidade, o direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito à propriedade privada.
Entende a Recorrente que a questão jurídica em causa é de reduzida complexidade, que ocorreu demora excessiva na prolação do acórdão recorrido, que a utilidade patrimonial indicada pelo valor da ação não beneficia uma concorrente cuja proposta foi excluída, e que a conduta processual da Recorrente não justifica qualquer penalização.
Ora, examinada a constelação argumentativa da Recorrente, desde já se adianta que lhe assiste parcialmente razão.
Com efeito, ainda que a delonga processual não configure, objetivamente, causa de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, este Tribunal não deixa de ser sensível a essa circunstância, a que acresce a valorização positiva da conduta processual das partes, que não produziram articulados ou requerimentos inoportunos ou desnecessários e, bem assim, o facto de não ter sido produzida prova para além da documental, atinente ao processo administrativo respeitante ao procedimento concursal.
Mas o que, realmente, este Tribunal valoriza superlativamente, é o valor da quantia global devida a título de remanescente da taxa de justiça, após a aplicação da fórmula constante do art.º 6.º, n.ºs 2 e 7 e da Tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais, e mesmo com a dispensa do pagamento de 50% desse remanescente.
Por conseguinte, ponderando as circunstâncias vindas de referir, é nosso entendimento que assiste parcialmente razão à Recorrente quanto ao seu pedido de reforma.
Contudo, contrariamente ao que a Recorrente clama, a matéria fáctico-jurídica versada no vertente litígio e, especialmente, no recurso que originou o Aresto agora impetrado é dotada de complexidade assinalável, por ter reclamado uma profunda análise e interpretação do quadro normativo em jogo, bem como da subsunção da factualidade relevante ao sobredito quadro normativo, que implicou um estudo cuidado e aprofundado da Doutrina e Jurisprudência em múltiplos aspetos.
E tanto não está em causa a apreciação de um litígio de reduzida complexidade, que a própria Recorrente assim o confessa em sede de justificação da admissibilidade do recurso de revista que interpôs. E, seja como for, é de realçar, neste ensejo, que a sentença do Tribunal a quo e o Acórdão deste Tribunal de Apelação divergem no seu julgamento, tendo a sentença do Tribunal a quo espoletado a apresentação de dois recursos, com alegações e contra-alegações de extensão significativa.
Sendo assim, por razões de proporcionalidade, entende este Tribunal não dever dispensar a Recorrente do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça em dívida, considerando, todavia, e face à valia de parte dos argumentos aduzidos pela Recorrente, ser adequado, justo e proporcional proceder à dispensa da Recorrente do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça devida.

III. DECISÃO
Desta feita, acordam em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo em:
A) Indeferir a arguição de nulidade quanto ao Acórdão proferido por este Tribunal em 31/07/2023;
B) Julgar o pedido de reforma quanto a custas parcialmente procedente e, em consequência, reformar o acórdão, determinando a dispensa do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça em dívida, devida nos recursos, em conformidade com o disposto no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.



Notifique as partes.

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Lisboa, 26 de outubro de 2023,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora

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Catarina Gonçalves Jarmela

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Vital Lopes