Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:888/15.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
IVA
INTERRUPÇÃO E PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A falta de entrega da prestação tributária (IVA) dentro do prazo (T) constitui uma infração punida pelo artigo 114.º n.º 2 do RGIT trata-se de uma situação dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, para a qual o artigo 45.º, nº 1, da LGT, prevê um prazo de caducidade do direito à liquidação de quatro anos, esclarecendo no n.º 4 da mesma disposição legal que o prazo de caducidade se conta, excecionalmente a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
II - A interrupção do prazo de prescrição, determina o reinício da contagem do prazo, porém na situação em análise, o decurso do novo prazo encontra-se limitado pela regra imposta pelo n.º 3 do artigo 28° do RGCO, supratranscrita, que determina que a prescrição tem sempre lugar “quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
III - Para efeitos de contagem de prazo de suspensão ressalta das alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 27.ºA do RGCO que, nestes casos a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

C....., LDA., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, no processo de contraordenação nº .......19, no montante de € 22.459,47 acrescido de € 76,650 de custas, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea a) do CIVA - falta de pagamento do imposto (M), referente ao período 201304, cujo prazo de pagamento terminou em 11-06-2013 - e punida nos termos do disposto nos artigos 114.°, n.ºs 2 e 5, alínea a) e 26.°, n.° 4, do RGIT - falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 01 de outubro de 2020, julgou procedente o recurso anulou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos à autoridade administrativa para eventual renovação do ato sancionatório.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
« I – Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos presentes autos em 01-10-2020, a qual concedeu provimento ao pedido formulado pela Arguida, absolvendo-a da responsabilidade contra-ordenacional e anulando a coima de € 22.459,47, aplicada no âmbito do processo de contra-ordenação fiscal n.º .......19, que correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8 e foi instaurado pela falta de pagamento de IVA no valor de € 71.299,90, relativo ao período de 2013/04, o que constitui contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 27.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º, ambos do Código do IVA e do n.º 2 e da alínea f) do n.º 5, ambos do artigo 114.º do RGIT e do n.º 4 do artigo 26.º, também do RGIT.

II – Compulsada a Sentença recorrida, constatamos que a Meritíssima Juiz do Douto Tribunal a quo julgou os presentes autos totalmente procedentes, em virtude de ter considerado que a administração tributária desconsiderou a defesa apresentada pela Arguida ao abrigo do disposto no artigo 71.º do RGIT, o que reputou de ilegal em virtude de, nessa defesa, ter sido invoca matéria relativa a atenuação especial da coima, a qual impunha que fosse obtida pronúncia, previamente à decisão de aplicação da coima, por parte da entidade administrativa.

III – Na sua génese, o presente recurso tem como escopo demonstrar que, contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, os argumentos invocados pela Arguida em sede de defesa apresentada nos termos do disposto nos artigos 70.º e 71.º do RGIT não careciam de pronúncia expressa por banda da entidade administrativa, pois que os mesmos não eram susceptíveis de, por qualquer forma, alterar, corrigir ou modificar a decisão de aplicação de coima ora sindicada.

IV – Na esteira do proclamado no n.º 10 do artigo 32.º da Mater Legis, o artigo 71.º do RGIT, contempla e regula o exercício desses direitos. Trata-se, aqui, de uma faculdade que assiste ao arguido, que a poderá utilizar ou não, verbalmente ou por escrito, isto é, conforme entender e da forma que achar mais conveniente.

V – Ora, se o arguido lançar mão dessa faculdade, a defesa deduzida deverá, necessariamente, ser sopesada na decisão a proferir, assim se assegurando em plenitude o respectivo exercício, cabendo, por outro lado, à entidade administrativa que aplica a coima pronunciar-se sobre a bondade dos argumentos invocados pelo arguido em sede de defesa, deferir ou não a realização de eventuais diligências requeridas e abster-se de as realizar ou de se pronunciar sobre o que não se afigura útil para a descoberta da verdade material, cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, 2010, Áreas Editora, pág. 481

VI – Ora, na situação sub judice, e como se pode constatar pela análise das fls. 19 a 25 dos autos de contra-ordenação referenciados, a defesa da arguida cinge-se à alegação de que se verificam os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT, não sendo requeridas quaisquer outras diligências probatórios adicionais.

VII – E uma singela leitura de tal defesa não deixa qualquer tipo de dúvidas de que nenhum dos pressupostos legais cumulativos constantes do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT, como muito bem a arguida está cônscia, dado que actua mediante intervenção de advogado, o qual possui conhecimento técnico especializado sobre tal matéria.

VIII – De facto, em primeiro lugar, não foi realizado qualquer tipo de prova de que a situação tributária da arguida se encontra regularizada, não se alcançando dos autos que o obliterado pagamento tenha sido realizado.

IX – Depois, cfr. § 5.º, § 8.º e § 9. do requerimento de defesa, vislumbra-se que a arguida “empurrou” a responsabilidade pela não entrega do imposto nos cofres do Estado para os seus clientes e para factores exógenos, tais como a crise económica instalada no tecido empresarial nacional, e cuja argumentação é de molde a promover a desresponsabilização da infracção que cometeu.

X – E tais factos mereciam a dignidade de constar da matéria factual dada por provada na Sentença recorrida, o que ora se impõe nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, por se revelarem decisivos para a boa decisão da causa.

XI – Portanto, na sua defesa, ao invés de assumir a sua responsabilidade, a arguida utilizou argumentos e alegou factos que, devendo ter sido dados como provados e ainda que de forma ligeira, são tendentes à sua desresponsabilização da infracção cometida, o que, desde logo, não permite dar como verificado o pressuposto de reconhecimento da sua responsabilidade, cfr. o acórdão do STA de 02-07-2008, proc. n.º 331/08.

XII – Muito bem sabia a arguida, dado que se encontra representada por advogado, o qual possui competência técnica especializada para este efeito, tal argumentação, desacompanhada de qualquer tipo de meio probatório e com claras evidências de que não se verificam os requisitos legais alegados, é perfeitamente despicienda e reputa-se manifestamente improcedente.

XIII – Por tais motivos, previamente à tomada da decisão final no referido processo, a entidade administrativa não ponderou a necessidade da realização de diligências instrutórias e, do mesmo passo, não emitiu pronúncia sobre a eventual verificação dos pressupostos que legitimariam a requerida dispensa de aplicação de coima.

XIV – Dado que, atento o cariz absolutamente despiciendo e manifestamente improcedente do alegado em sede de defesa, a decisão final de aplicação da coima ora sindicada, independentemente de qualquer análise prévia ou não acerca da argumentação carreada na defesa da arguida, não poderia ter sido outra que não a efectivamente praticada.

XV – Subscrevendo, aqui, o entendimento vertido no acórdão do STA de 07-07-2010, proc. n.º 0356/10, e contrariamente ao que emana da Sentença recorrida, não era exigido à administração tributária que indicasse as razões pelas quais não foram atendidos os argumentos e elementos apresentados na defesa, pois que o dever de análise e de pronúncia por parte da entidade administrativa não pode ser interpretado de forma tão lata que a obrigue a pronunciar-se acerca de pedidos manifestamente improcedentes e desprovidos do plano jurídico vigente, especialmente em situações como as que ora se sindicam, em que a decisão final de aplicação de coima nunca poderia ter sido outra que não a efectivamente tomada.

XVI – Desta forma, a Sentença recorrida, ao decidir não atribuir qualquer relevância à manifesta improcedência de tudo quanto vem alegado pela arguida em sede do requerimento de defesa apresentado nos termos dos artigos 70.º e 71.º do RGIT, bem como ao julgar absolutamente obrigatório que, perante tal factualidade, a entidade administrativa emitisse pronúncia acerca do mérito de tal defesa, decidiu com errada interpretação das normas legais citadas, não podendo manter-se na ordem jurídica.

XVII – Pelo que, atenta a factualidade dada como provada, a Sentença recorrida, ao decidir nos termos em que o fez, estribou-se numa errónea apreciação da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS

EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE

RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA

RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,

ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA

JUSTIÇA!»

Apesar de devidamente notificada para o efeito, a arguida, não apresentou contra-alegações.


»«

Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal veio suscitar a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia por considerar que a matéria em recurso é exclusivamente de direito, face ao que indica como competente a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

»«

Também neste TCA Sul, foi, oficiosamente, verificada a possibilidade de se encontrar prescrito o procedimento contraordenacional e foi determinada a notificação às partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal questão.

Respondendo, vem a Fazenda Publica dizer que:

“(…)

1. Segundo a Decisão de Fixação da Coima, a infracção foi a falta de pagamento de IVA no montante de €71.299,90, relativo ao período 2013/04, cujo prazo de pagamento terminou em 2013.06.11, tendo sido infringidos os artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea a) do CIVA, a que corresponde a penalidade contraordenacional previstas nos artigos 114.°, n.° 2, n.° 5 al. a) e 26.°, n.° 4 do RGIT, tendo sido fixada a coima no valor de €22.459,47 com os fundamentos lá constantes.

2. Em conformidade com o disposto no n° 1 do art. 5° do RGIT, a prescrição do procedimento contraordenacional começa a contar-se da data do facto, sendo que, nos termos do seu n° 2, as infrações tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respetivos deveres tributários.

3. Como se trata de IVA, um imposto periódico, o prazo de caducidade conta- se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (cfr. art. 45°, n°s 1 e 4 da LGT), ou seja, neste caso concreto, a partir de 01.01.2014.

4. O artigo 33° RGIT no n° 1 estabelece um prazo geral de prescrição de cinco anos, mas no seu n° 2 institui-se um prazo especial, mais curto, para os casos em que a infração depende da liquidação da prestação tributária, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação.

5. No caso presente, em que estamos em presença de uma entrega de uma liquidação de IVA sem ter sido acompanhada pelo respectivo meio de pagamento, o prazo geral será de 4 anos (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, RGIT Anotado, anotação ao artigo 33.°).

6. Por outro lado, conforme dispõe o art. 28.°, n.° 3 do RGCO, aplicável ex vi al. b) do art. 3° do RGIT, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

7. Mas o art. 27°-A do RGCO limita a seis meses o prazo das causas de suspensão da prescrição.

8. Ou seja, independentemente da qualquer análise à situação concreta aqui em causa, tendo em consideração o prazo legal de prescrição acrescido de metade, e ressalvados os seis meses relativos ao período máximo de suspensão da contagem daquele prazo, o prazo de prescrição da presente infracção será, no máximo, de seis anos e seis meses a contar da data de 01.01.2014 já anteriormente estabelecida.

1. Assim sendo, o presente procedimento contraordencioanal encontrar-se-ia prescrito desde 01.07.2020.

2. E mesmo que se contassem as suspensões estabelecidas pela legislação motivada pela doença Covid [86 dias, de 9/3/2020 a 2/6/2020 inclusive (artigos 7°, n.° 3 e 10.° da Lei 1-A/2020, 5.° da Lei 4-A/2020, 37.° do DL 10- A/2020, e 8.° e 10.° da Lei 16/2020); e 74 dias, de 22/1/2021 a 5/4/2021 inclusive (artigos 6.°-C/3 da Lei 1-A/2020, 4.° da Lei 4-B/2021, e artigos 5.°, 6.° e 7.° da Lei 13-B/2021)], a que corresponde um total de 160 dias a acrescentar à data referida, no dia de hoje, a prescrição, parece-nos, já se teria igualmente verificado.

3. Quanto ao parecer do MP, independentemente dos seus fundamentos, não nos parece que constitua qualquer impedimento para que o TCA Sul se pronuncie imediatamente sobre a prescrição do procedimento.

(…)”

A arguida, C..... Lda., respondendo, vem dizer o seguinte:

“(…)

1) A alegada infracção diz respeito à falta de pagamento do IVA respeitante ao mês de Abril de 2013 que deveria ter sido paga até 10/06/2013.

2) O prazo de prescrição do procedimento contraordenacional começa a contar-se da data do facto sendo que nos casos das infrações tributárias consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respetivos deveres tributários, isto é 11/04/2013. ( Cfr. art. 5.° n.° 1 e 2 do RGIT)

3) O artigo 33° RGIT no n° 1 estabelece um prazo geral de prescrição de cinco anos, mas no seu n° 2 institui-se um prazo especial, mais curto de de 4 anos pois estamos perante de uma entrega de uma liquidação de IVA sem ter sido acompanhada pelo respectivo meio de pagamento

4) Por outro lado, conforme dispõe o art. 28.°, n.° 3 do RGCO, aplicável ex vi al. b) do art. 3° do RGIT, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, sendo que o art. 27°-A do RGCO limita a seis meses o prazo das causas de suspensão da prescrição.

5) Ou seja, tendo em atenção o supra exposto, nomeadamente o prazo legal de prescrição de 4 anos acrescido de metade, 2 anos, e ressalvados os seis meses, o prazo de prescrição da presente infracção será, no máximo, de seis anos e seis meses a contar da data de 11.06.2013.

6) Pelo que resulta claro que o presente procedimento contraordenacional encontrar-se prescrito desde 11.12.2019.

7) A prescrição é de conhecimento oficioso razão pela qual nada impede este Douto Tribunal de a conhecer, independente, do invocado pelo Ex.mo Senhor procurador no seu Douto parecer e independente de se poder concordar com o mesmo na integra.”


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Sobre esta questão o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aderindo, na íntegra aos fundamentos invocados pela AT naquele no requerimento de fls.282 do SITAF e, bem assim ao defendido no AC. do STA de 18.5.2022 também ali invocado manifesta-se no sentido de que o procedimento contraordenacional deve ser considerado prescrito, com o consequente arquivamento do mesmo, nada obstando a que a mesma possa ser declarada por este TCAS, independentemente da questão levantada no parecer do Ministério Público sobre a incompetência deste Tribunal para decidir a questão de fundo.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem” (artigo 411.º, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, artigo 3.º al. b), do RGIT e artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, cumpre em primeiro lugar apreciar as questões prévias suscitadas nos autos, nomeadamente, a verificação ou não da exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia e, caso assim não se entenda, a prescrição do procedimento contraordenacional.

Em caso de improcedência de ambas as exceções suscitadas cumpre aferir se a sentença recorrida, ao decidir nos termos em que o fez, se estribou numa errónea apreciação da matéria de facto e de direito relevante em violação do estatuído nos artigos 70.º e 71.º do RGIT, nomeadamente no que respeita à relevância atribuída na decisão administrativa ao alegado pela arguida em sede do direito de defesa.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

« A. Em 26 de Julho de 2013, foi levantado, contra a Recorrente, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, o auto de notícia n.° .......85/2013, com o seguinte teor essencial (cf. Auto de notícia constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“(texto integral no original; imagem)”

B. O que motivou a instauração, na mesma data, do processo de contra-ordenação n.° .......19 (cf. Autuação constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Por Ofício com a mesma data, foi a Recorrente notificada para defesa/pagamento/redução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.° RGIT (cf. Ofício constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 30 de Julho de 2014, foi proferida a decisão administrativa de aplicação de coima ora recorrida, com o seguinte teor essencial (cf. cf. Decisão constante dos autos);


(…)

“(texto integral no original; imagem)”


E. Em 28 de Julho de 2014, a Recorrente dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças requerimento em que invocou e requereu, entre o mais, o seguinte (cf. Requerimento constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

1.º

A aqui Requerente foi notificada da instauração do processo contraordenacional supra referido em 14/08/2013 tendo*lhe sido facultado o prazo de 10 dias para apresentar a respectiva defesa. (Cfr. Doc. n.º 1)

2.º

Em consequência dessa notificação constituiu mandatário juntou procuração para o efeito e apresentou a respectiva defesa em 26/08/2013 (último dia do prazo por corresponder ao l.° dia útil seguinte ao termo do prazo 24/08/2013 (sábado)), defeso esta apresentada pelo seu mandatário regularmente constituído. (Cfr. Doc. n.º 2)

3.º

Sendo que até à presente data a mandatária constituída não foi notificada de qualquer decisão que tenha recaído sobre o referido processo.

4.º

Acontece porém que foi com espanto que a aqui Requerente/arguida foi citada na dala de ontem (24/07/2014), da Instauração do processo de execução fiscal n.9 .......68 no montante de € 22.693,75. (Cfr. Doc. n.º 3)

5.º

Ora tal processo de execução fiscal supra identificado diz respeito à alegada aplicação de uma coima, supostamente já transitada em julgado, referente ao presente processo contra-ordenacional n.s .......19 e que agora se faz o presente requerimento.

6.º

Ora como já se referiu a aqui mandatária da Requerente não teve conhecimento nem foi notificada fosse porque forma fosse da decisão que recaiu sobre o presente processo de contra-ordenação, desconhecendo em absoluto a decisão que eventualmente possa ter recaído sobre o referido processo.

7.º

Apesar repita-se da aqui Requerente ter mandatário regularmente constituído para este processo desde 26/08/2013.


Pelo que não se entende o porque da instauração do processo de execução atrás identificado, pois nunca a mandatária do aqui Requerente foi notificado fosse porque forma fosse. da decisão proferida no âmbito do presente processo de contra- ordenação. tendo só na da de ontem (24/07/2014) tomada conhecimento que havia sido instaurado um processo de execução fiscal proveniente do presente processo contraordenacional.

9.º

Pelo que se a decisão proferida no presente processo contra-ordenacional foi efectivamente proferida foi tão só comunicada à arguida aqui Requerente e não à sua mandatária.

(…)

Termos em que se requer a V. Ex.ª que se digne:

a) A declarar cometida pela AT a nulidade/irregularldade supra identificada para a qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida para os devido efeito legais por falta de notificação à mandatária regularmente constituída da decisão proferida no âmbito do presente processo contra- ordenacional, procedendo-se a anulação de todo o processado, ordenando a notificação à mandatária da aqui arguida/ Requerente da decisão proferida nos presentes autos para que esta a possa, no prazo facultado para o efeito a impugnar, anulando-se, consequentemente o processo de execução fiscal n. .......68 que foi entretanto instaurado por ilegal.

F. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos docs. juntos com o requerimento referido na letra anterior, designadamente o requerimento de defesa por escrito que a Recorrente apresentara em 26 de Agosto de 2013, no qual reconhece que “não procedeu, na data em que estava obrigada, ao pagamento do imposto em falta no montante de € 71.299,90, quantia esta que a arguida assume que era devida, que não pagou atempadamente e que desde já, como aliás sempre o fez, se prontificou a pagar” (cf. artigo 2.°) e requer a atenuação especial da coima, nos termos do artigo 32.°, n.° 2, do RGIT;

G. Por mensagem de correio electrónico de 31 de Julho de 2014 e na sequência da “remoção dos dois últimos acontecimentos do processo de contra-ordenação (...), para efectivar a notificação da coima ao representante da arguida, conforme determina o art.° 40.° do CPPT”, foi a Mandatária da Recorrente notificada da decisão administrativa de aplicação de coima ora recorrida (cf. print informático constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

H. Em 18 de Agosto de 2015, deu o presente recurso entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 8 (cf. carimbo aposto no requerimento de recurso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


»«

Do direito

Conforme deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso, encetamos a nossa análise pelas questões prévias que nele veem suscitadas, nomeadamente, a verificação ou não da exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia e, a prescrição do procedimento contraordenacional.

Vejamos então:

Da competência em razão da hierarquia deste TCA

A competência em razão da hierarquia determina a (in)competência absoluta do Tribunal, esta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final - cfr. art. 32.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 3.º, alínea b), do RGIT e do art. 41.º, n.º 1, do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

Decorre do disposto na alínea b) do artigo 26º do ETAF(1) e no artigo 83º nºs 1 e 2 do RGIT, que a competência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários se restringe, exclusivamente, a matéria de direito (e de mérito), constituindo, assim, uma exceção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo (TCA), ao qual compete(2) conhecer “[D]dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26º”.

Extrai-se, assim, do que se deixa dito que o artigo 83º nº 1 e 2 do RGIT tem de ser lido em consonância com as normas acima indicadas, quando ali se prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso para o TCA (que seja territorialmente competente na área do tribunal tributário que proferiu a decisão recorrida), salvo se a matéria do mesmo for exclusivamente de direito, caso em que competirá à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Ora, como vimos, in casu, é manifesto que, sendo o objeto do presente a errónea apreciação da matéria de facto é, para nós, óbvio que este Tribunal é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso.

Improcede assim a questão suscitada.

Da prescrição do procedimento contraordenacional

Como se disse no acórdão proferido pelo STA em 20/05/2020 no processo n.º 01901/15.7BELRA, “Jurídico-conceptualmente, a prescrição do procedimento contra-ordenacional agrega a excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (…)”, o que justifica o seu conhecimento nesta sede.

Seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento que tem vindo a ser seguido por este Tribunal, de que destacamos a Acórdão proferido em 14/10/2021 no processo n.º 220/14.0BELRS, que, por concordância e pela sua clareza aqui, de perto, sufragamos sem qualquer reserva.

Para tal impõe-se antes de mais convocar o pertinente regime jurídico.

Decorre do probatório que a decisão da Autoridade Administrativa se consubstancia na infração aos artigos 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea a), ambos do CIVA, punida pelo disposto nos artigos 114.º, n.º 2, e 26º, nº4, todos do RGIT.

O artigo 114.º, n.os 1, e 2 do RGIT, estipulada que:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido(3).

Relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional estatui, o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT que: “[o] procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”,

Mais dispõe o seu n.º 2 que: “[o] prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.” (o destacado e sublinhado, são nossos).

Sendo que, nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Significa, então, conforme também se diz no acórdão, que vimos seguindo, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, a “… infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor.
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s 108.º, n.º 1, 109.º, n.º- 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.11, ("') do RGIT. ("')”.(4) – o destacado é nosso.

Nesta matéria, tem entendido a Jurisprudência, na esteira dos ensinamentos dos autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos)(5), que para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que “… a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.”(6) e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, “… o prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).”.(7)– o destacado é nosso

Na situação em análise a infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo encontrando-se, como vimos, dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludindo. Na situação em apreço, sendo o IVA, remete-se o respetivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto conforme decorre do n.º 4 do citado artigo 45.º da LGT.(8)

Dito isto volvemos ao caso dos autos.

Tendo presente que, in casu, a infração respeita ao período 201304, e a exigibilidade do imposto ocorreu a 11/06/2013, temos que o dies a quo, é o dia 01 de janeiro de 2014, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, nº4 da LGT.

Quer isto dizer que, aplicando o referido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 01 de janeiro de 2018.

Ressalvando, na contagem do referido prazo de prescrição o tempo de interrupção e suspensão, já que, como sabemos, existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT). Sendo que, por seu lado, a suspensão do prazo impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Quanto às causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional diz-nos o artigo 28.º n.º 3 do RGCO, que a prescrição deste (procedimento) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

As causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, contidas no artigo 27º-A do RGCO, são aqui aplicáveis ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT.

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão, porém, enuncia no artigo 27.º-A n.º 2 do RGCO, que:” [N)nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses”(8).

Concretizando, então, por reporte ao acervo fático dos autos.

Assim, aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2020.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito, verificando-se assim a exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto



III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da Subsecção da execução fiscal e de recursos de contraordenação do Contencioso Tributário deste TCA Sul declarar extinto o procedimento contraordenacional por prescrição com o consequente arquivamento dos autos, deixando prejudicado o conhecimento de mérito do objeto do recurso.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de outubro de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes – 2.ª Adjunta
(assinado digitalmente)



(1)Na redação introduzida pela Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro
(2)Cfr. artigo 38º do ETAF n.º 1 .º alínea a)
(3)Na redação dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12
(4)In “Regime Geral das Infracções Tributárias - Anotado”, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 323
(5)Vide obra citada pag. 323 a 325
(6)Vide, por todos o Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT
(7)Vide ainda o acórdão citado
(8)Vide, neste sentido o Ac. do STA proferido em 12/05/2021 do processo n.º 02248/15.4BEPNF 0550/16
(9)Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT, já citado.