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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3334/16.6, BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
CASO JULGADO
IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I - O caso julgado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.
II - Repete-se uma causa quando há identidade do sujeito, do pedido e da causa de pedir (artigo 581/1 CPC).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – Relatório

J…, com os sinais dos autos, notificado do despacho de indeferimento liminar da impugnação por verificação da exceção dilatória de caso julgado, dele veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

1. No presente recurso está em causa a douta decisão do Tribunal Tributário de Lisboa proferida em 19.04.2018 que:
a) Indeferiu liminarmente a ação por se julgar verificada a exceção de caso julgado;
b) Fixou o valor da ação em € 107,30;
2. A douta sentença recorrida e que foi notificada ao recorrente não dispões de qualquer assinatura, pelo que se requer nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 2 do CPPT;
3. Não foi cumprido o disposto no artigo 126.º do CPPT;
4. A douta sentença recorrida não cumpre o disposto no artigo 123.º, n.º 2, quanto a discriminar a matéria provada da não provada;
5. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe II e que aqui se dá por reproduzido, ocorre uma irregularidade que é suscetível de poder influir no exame ou na decisão da causa, pelo que nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT, tal irregularidade convola-se em nulidade, requerendo-se a Vossas Excelências que o declarem, com as legais consequências;
***
6. Por requerimento de 22.11.2017 o autor requereu “…a apensação aos presentes dos próprios autos físicos relativos ao processo com n.º 1840/14.9BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ou, se V. Exa. assim não entender, que seja determinada a obtenção de certidão de todo o processado naqueles autos de impugnação de decisão de indeferimento de reclamação graciosa.”
7. A douta sentença recorrida nada decide quanto à requerida pretensão do autor para ser obtida certidão de todo o processo que se identificou;
8. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe III e que aqui se dá por reproduzido, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, a douta decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia sobre os pedidos de junção aos autos de certidão de todo o processo com o n.º 1840/14.9BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, requerendo-se a Vossas Excelências que o declarem, com as legais consequências;
***
9. Na douta decisão recorrida vem referido como “ocorrência processual”, em alínea k) que: “k) O Autor deduziu a presente acção de impugnação a anulação da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2013 e 2014 referente ao veículo automóvel com a matrícula …-…-…, invocando vícios respeitantes ao procedimento de liquidação, designadamente pela rejeição, que considera ilegal, da audição prévia – cf. fls. 3 e sgs.”;
10. Nestes autos não está em causa a impugnação de nenhum ato relativo a liquidação oficiosa de imposto, mas sim a prática de três atos atinentes ao exercício do direito de audição prévia, que vem absolutamente postergado e negado ao recorrente;
11. Fica evidente que a “ocorrência processual” ou, porventura facto julgado, que ficou consignado na referida alínea k) tem um conteúdo que não corresponde à realidade dos autos, muito concretamente, ao que vem aduzido pelo autor na sua PI;
12. A douta sentença recorrida, na parte em que fixou a ocorrência processual” ou, porventura facto julgado que ficou consignado na referida alínea k) padece de erro de julgamento, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem no correspondente;
13. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe IV.1 e que aqui se dá por reproduzido requer-se a Vossas Excelências que em sua substituição deve fixar-se como “ocorrência processual” ou julgar-se provado o seguinte facto, que deve passar a constar na referida alínea k):
“O Autor deduziu a presente ação de impugnação em relação aos seguintes atos tributários relativos ao exercício do direito de audição prévia no âmbito do procedimento da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2013 e 2014 referente ao veículo automóvel com a matrícula …-…-…, invocando vícios legais que levaram à negação e ao indeferimento ilegal da audição prévia:
a. Notificação para audição prévia ao acto de liquidação oficiosa de IUC;
b. Acto administrativo respeitante a procedimento de liquidação oficiosa de IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014 que considera ter desconsiderado a comunicação do autor no qual declara pretender exercer o direito de audição prévia através de mandatário oficioso a nomear e que entendeu constituir o efectivo exercício de tal direito;
c. Acto administrativo que indeferiu por extemporâneo o exercício do direito de audição prévia. – cf. fls. 3 e sgs.”;
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14. Segundo o disposto no artigo 105.º do CPPT “…, os processos de impugnação judicial podem ser apensados ao instaurado em primeiro lugar …”;
15. Nos termos do disposto no artigo 105.º do CPPT a consideração da data em que o recorrente peticionou apoio judiciário para o presente caso é essencial para que se possa decidir sobre a questão da apensação de processo e da tempestividade e bem assim, poder-se aferir por que razão a ação relativa ao processo 1840.17.9BESNT que serviu de base para se julgar verificada a exceção de caso julgado, e não assim com a presente;
16. Por isso, importa considerar o facto atinente à data que consta no “Envelope n.º 0297117” que se juntou à PI como Doc. 6, a qual corresponde à data de 17.03.2014 em que o recorrente peticionou o apoio judiciário com nomeação de patrono e que lhe veio a ser deferido;
17. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe IV.2 e que aqui se dá por reproduzido, a douta decisão recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação e decisão sobre a matéria de facto, por se ter omitido facto atinente à data de propositura da ação, atento o disposto no 33.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, requerendo-se a Vossas Excelências que revoguem a decisão nesta parte (omissão), e determinem o aditamento do seguinte facto: “O impugnante pediu apoio judiciário com nomeação de patrono em 17.03.2014.”;
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18. Na douta decisão recorrida veio fixar-se o valor da causa em € 107,30, com fundamento no disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, no qual dispõe-se o seguinte: “Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: (…) a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
19. No presente processo não está em causa a impugnação da liquidação oficiosa de imposto, mas sim a prática de três atos atinentes ao exercício do direito de audição prévia, que vem absolutamente postergado, negado e indeferido ao recorrente;
20. Como mais se retira da PI, a matéria que ali vem concretamente alegada respeita ao exercício do referido direito fundamental à audição prévia;
21. Só como consequência da procedência do pedido de anulação dos atos administrativos que negaram ao recorrente o exercício do direito de audição prévia é que o recorrente peticionou, subsidiaria e preventivamente, a anulação do ato de liquidação oficiosa de imposto, bem como qualquer outro que tivesse sido praticado ou viesse a ser praticado sequentemente;
22. Acresce que nestes autos, como se disse, não consta qualquer liquidação oficiosa da qual conste estar em causa a importância de € 107,30 como devendo ser paga pelo recorrente, nem o recorrente invocou ou alegou sobre tal importância;
23. Atenta a concreta realidade processual o critério para fixar o valor à ação não pode ser o do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, como foi entendido e decidido na douta decisão recorrida;
24. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe V (1.ª parte) e que aqui se dá por reproduzido, a douta decisão recorrida, nesta parte, padece de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito por ter violado o disposto do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, requerendo-se a Vossa Excelência que a revogue correspondentemente, com as demais consequências legais;
25. Em segundo lugar, ainda na perspetiva de que é aplicável o artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, situação que se refuta em absoluto e que só por mero exercício académico e dever de patrocínio se configura, sem conceder, importa salientar que não é objeto destes autos qualquer ato de liquidação oficiosa de imposto, nem existe nos mesmos qualquer documento respeitante a tal ato, donde se possa retirar um valor ou importância;
26. Nem sequer foi julgado provado qualquer facto ou factos donde se possa retirar o referido valor que ficou a constar como sendo o do valor da ação;
27. Não se sabe qual foi o iter cognoscitivo-valorativo por que se decidiu como aconteceu e não noutro sentido, como de resto impõe a Lei, a bem, entre o mais, da transparência e fundamentação da decisão;
28. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe V (2.ª parte) e que aqui se dá por reproduzido, a decisão que fixou o valor da ação enferma de absoluta de fundamentação e é nula nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, requerendo-se a Vossas Excelências que o declarem;
29. Em terceiro e último lugar, para efeitos de determinação do valor da ação, importa ter em conta que em relação ao IUC sobre o veículo com a matrícula …-…-…, impendem vários processos, como também ficou percecionado na douta sentença recorrida;
30. Entende o recorrente que no valor da causa se há de considerar o valor acumulado nas diferentes ações onde está em causa o mesmo imposto relativamente ao mesmo veículo, na medida que as mesmas são suscetíveis de apensação, como já se requereu no requerimento a que se aludiu supra;
31. Nada desta realidade foi tido em conta na decisão que fixou o valor à causa, pelo que face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe V (3.ª parte) e que aqui se dá por reproduzido, a mesma padece de erro de julgamento, por não se saber ao certo o montante que está envolvido em relação à matéria em causa, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem, substituindo-a por outra em conformidade;
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32. Na douta sentença recorrida consignou-se sobre esta questão que: “Com efeito, neste processo, como na acção de impugnação judicial que correu no TAF de Sintra com o nº 1840/14.9BESNT está em causa a legalidade das liquidações de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014 com referência ao veículo automóvel cuja matrícula é …-…-… em que o autor é o mesmo, a acção em ambos os casos é instaurada contra a Fazenda Pública e o efeito jurídico pretendido pelo Autor nas respectivas petições são o da anulação das liquidações.”
33. Salvo o devido respeito, entende o recorrente que o que vem transcrito não é conforme a realidade processual, pois, como já se aduziu a propósito de outras questões, nestes autos não está em causa “a legalidade das liquidações de IUC “;
34. O que nestes autos está em causa é a impugnação de três atos do procedimento tributário atinentes ao exercício do direito de audição prévia, que vem absolutamente postergado, negado e indeferido ao recorrente;
35. Ainda que tais atos se possam inserir no procedimento de liquidação oficiosa de imposto, não correspondem ao ato de liquidação oficiosa que haveria de culminar o procedimento, caso Órgão Tributário não entendesse ignorar o exercício do direito fundamental do autor à audição prévia conforme comunicou que pretendia, prosseguindo o procedimento sem mais com a prática do ato de liquidação oficiosa;
36. Assim, além de se estar perante causas de pedir diferentes, também são diferentes os pedidos;
37. Ao contrário do que acontece naquela ação, como já se disse, nestes autos não está em causa qualquer “liquidação de imposto”;
38. Apreciando as peças destes autos e a sentença do processo n.º 1840/17.9BESNT, constata-se que existe uma identidade de sujeitos naquele e neste processo, porém, já não assim quanto à causa de pedir e ao pedido;
39. Ao contrário do decidido, não se verifica, cumulativamente, a tríplice identidade entre sujeitos causa de pedir e pedido, pelo que é manifesto que não ocorre a invocada exceção de caso julgado, não se podendo dizer que ocorre uma situação de repetição de causas;
40. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe VI e que aqui se dá por reproduzido, a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento nesta parte, tendo sido violadas as normas constantes nos artigos 577.º, al. i), 580.º e 581.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º al. e) do CPPT;
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41. Para o recorrente, a decisão recorrida conforma uma evidente e flagrante ofensa ao direito Constitucionl de participação dos administrados nos procedimentos administrativos, previsto no artigo 267.º, n.º 5 da Lei Fundamental;
42. É precisamente pelo exercício efetivo deste direito é que o recorrente impugnou judicialmente os atos tributários que vêm identificados, todos respeitando à preterição ou indeferimento do exercício de audição prévia previsto no artigo 60.º, n.º 2 da LGT, enquanto decorrência ou concretização do aludido direito fundamental;
43. Tais atos são fortemente lesivos dos direitos e interesses do autor legalmente protegidos, designadamente, os Direitos Fundamentais de “acesso ao direito” e à “tutela jurisdicional efetiva” e o direito ao exercício de audição prévia para o qual foi convidado;
44. O direito à participação procedimental é um direito constitucional de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias;
45. Face ao que antecede e o que vem alegado na epígrafe VII e que aqui se dá por reproduzido, a douta sentença recorrida é inconstitucional e deve ser revogada, o que se requer a Vossas Excelências.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências deverá ser admitido e proceder o presente recurso, só assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!


Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 641/7 CPC, a Autoridade Tributária e Aduaneira juntou o processo administrativo e apresentou contestação na qual termina pugnado pela absolvição da Fazenda Pública da instância.

Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a decisão recorrida é nula por não se encontrar assinada e por não discriminar a matéria provada da não provada ou se enferma de erro de julgamento ao considerar verificada a exceção dilatória do caso julgado.

II.1.a) - O Tribunal recorrido considerou como assente as seguintes ocorrências processuais:

«Com vista à prolação de despacho liminar, nos termos do disposto no artigo 590.º n.º 1 do CPC, aplicável por força do artigo 2.º e) do CPPT, fixam-se as seguintes ocorrências processuais, com relevo para a decisão:

a) O Impugnante foi notificado da liquidação oficiosa de IUC e dos respectivos juros compensatórios respeitante aos anos de 2013 e 2014 incidente sobre o veículo automóvel com a matrícula …--… – cf. certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT que correu termos no TAF de Sintra a fls. 47;
b) Em 23/7/2014 o Autor apresentou reclamação graciosa na qual invocou não ser o possuidor – cf. certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT que correu termos no TAF de Sintra a fls. 47;
c) A referida reclamação graciosa foi indeferida por decisão proferida em 28/8/2014 com fundamento na verificação de que, dos elementos constantes do registo automóvel é o Autor o proprietário do veículo – cf. certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT que correu termos no TAF de Sintra a fls. 47;
d) Da referida decisão de indeferimento o Autor deduziu impugnação que correu termos no TAF de Sintra com o n.º de processo 1840/17.9BESNT – cf. certidão da sentença a fls. 47;
e) Em 13/7/2015 no processo n.º 1840/17.9BESNT foi proferida sentença julgando improcedente a impugnação deduzida, mantendo os actos de liquidação – cf. certidão da sentença a fls. 47;
f) A referida sentença transitou e julgado em 10/9/2015 – cf. certidão da sentença;
g) O Autor deduziu processo de impugnação que correu termos no TAF de Sintra com o n.º 1937/14.5BESNT pedindo a anulação das liquidações de IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014 incidente sobre o veículo automóvel com a matrícula …--… – cf. consulta sitaf;
h) No referido processo foi proferida sentença absolvendo a Fazenda Pública da instância por verificação da procedência da excepçãode caso julgado por referência ao processo n.º 1840/17.9BESNT – cf. consulta ao sitaf;
i) Contra o Autor foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3166201401618431, que corre termos no Serviço de Finanças de Sintra 4 para cobrança coerciva de divida relativa a IUC (Imposto Único de Circulação) do ano 2013 referente ao veículo automóvel com a matrícula …--…, no valor de € 53,65 – cf. consulta ao processo de oposição n.º 686/16.4BESNT;
j) O Autor deduziu oposição ao PEF identificado na alínea anterior que corre termos no TAF de Sintra com o n.º 686/16. 4BESNT;
k) O Autor deduziu a presente acção de impugnação a anulação da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2013 e 2014 referente ao veículo automóvel com a matrícula …--…, invocando vícios respeitantes ao procedimento de liquidação, designadamente pela rejeição, que considera ilegal, da audição prévia – cf. fls. 3 e sgs.»


II.1.b) - É o seguinte o teor da decisão sob recurso:

«J…, NIF 1…, melhor identificado nos autos, veio ao abrigo do disposto no artigo 96.º do CPPT, apresentar «acção de impugnação de actos administrativos em matéria tributária» contra o Ministério das Finanças relativamente a diversos actos que identifica como sendo:
a) Notificação para audição prévia ao acto de liquidação oficiosa de IUC;
b) Acto administrativo respeitante a procedimento de liquidação oficiosa de IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014 que considera ter desconsiderado a comunicação do autor no qual declara pretender exercer o direito de audição prévia através de mandatário oficioso a nomear e que entendeu constituir o efectivo exercício de tal direito;
c) Acto administrativo que indeferiu por extemporâneo o exercício do direito de audição prévia.

Formula os seguintes pedidos:
i) a declaração de nulidade do acto de notificação para audição prévia identificado em a), do acto identificado em b) e subsidiariamente a sua anulação;
ii) a anulação do acto que considerou o exercício do direito de audição extemporâneo (c) com a consequente extinção do procedimento de liquidação;
iii) que, em qualquer das situações precedentes seja anulado o acto de liquidação oficiosa subjacente bem como todos os actos que foram ou possam vir a ser praticados em ordem e com base na referida liquidação oficiosa.

Notificado para identificar o acto de liquidação impugnado, bem como para se pronunciar sobre a tempestividade da acção respondeu através do articulado de fls. 27 informando não ter recebido qualquer documento respeitante à liquidação do imposto em causa e que atenta a existência de procedimento de protecção jurídica com pedido de nomeação de patrono, o prazo em causa é meramente ordenador.
A fls. 36 veio o Autor dar conhecimento da existência de processo de impugnação que corria termos no TAF de Sintra com o n.º 1840/17.9BESNT cujo objecto é o imposto em causa neste processo requerendo a apensação aos presentes autos daquele processo.
Foi determinada a junção de certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT com nota de trânsito em julgado e indeferida a apensação por impossibilidade material consubstanciada na prolação de sentença suscitando-se para pronúncia do Autor da existência de excepção que obsta ao conhecimento do mérito da acção por eventual existência de caso julgado.
A fls. 43 veio o Autor requerer a apensação aos presentes autos do processo de impugnação que corria termos no TAF de Sintra com o n.º 686/16.4BESNT invocando que o seu objecto é o imposto de IUC referente ao ano de 2013 com fundamento na existência de litispendência.
*
Com vista à prolação de despacho liminar, nos termos do disposto no artigo 590.º n.º 1 do CPC, aplicável por força do artigo 2.º e) do CPPT, fixam-se as seguintes ocorrências processuais, com relevo para a decisão:
a) O Impugnante foi notificado da liquidação oficiosa de IUC e dos respectivos juros compensatórios respeitante aos anos de 2013 e 2014 incidente sobre o veículo automóvel com a matrícula …--… – cf. certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT que correu termos no TAF de Sintra a fls. 47;
b) Em 23/7/2014 o Autor apresentou reclamação graciosa na qual invocou não ser o possuidor – cf. certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT que correu termos no TAF de Sintra a fls. 47;
c) A referida reclamação graciosa foi indeferida por decisão proferida em 28/8/2014 com fundamento na verificação de que, dos elementos constantes do registo automóvel é o Autor o proprietário do veículo – cf. certidão da sentença proferida no processo 1840/17.9BESNT que correu termos no TAF de Sintra a fls. 47;
d) Da referida decisão de indeferimento o Autor deduziu impugnação que correu termos no TAF de Sintra com o n.º de processo 1840/17.9BESNT – cf. certidão da sentença a fls. 47;
e) Em 13/7/2015 no processo n.º 1840/17.9BESNT foi proferida sentença julgando improcedente a impugnação deduzida, mantendo os actos de liquidação – cf. certidão da sentença a fls. 47;
f) A referida sentença transitou e julgado em 10/9/2015 – cf. certidão da sentença;
g) O Autor deduziu processo de impugnação que correu termos no TAF de Sintra com o n.º 1937/14.5BESNT pedindo a anulação das liquidações de IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014 incidente sobre o veículo automóvel com a matrícula …--… – cf. consulta sitaf;
h) No referido processo foi proferida sentença absolvendo a Fazenda Pública da instância por verificação da procedência da excepção de caso julgado por referência ao processo n.º 1840/17.9BESNT – cf. consulta ao sitaf;
i) Contra o Autor foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3166201401618431, que corre termos no Serviço de Finanças de Sintra 4 para cobrança coerciva de divida relativa a IUC (Imposto Único de Circulação) do ano 2013 referente ao veículo automóvel com a matrícula …--…, no valor de € 53,65 – cf. consulta ao processo de oposição n.º 686/16.4BESNT;
j) O Autor deduziu oposição ao PEF identificado na alínea anterior que corre termos no TAF de Sintra com o n.º 686/16. 4BESNT;
k) O Autor deduziu a presente acção de impugnação a anulação da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2013 e 2014 referente ao veículo automóvel com a matrícula …--…, invocando vícios respeitantes ao procedimento de liquidação, designadamente pela rejeição, que considera ilegal, da audição prévia – cf. fls. 3 e sgs.
*
Relativamente ao IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014 e com referência ao veículo automóvel cuja matrícula é …--…, é do conhecimento do tribunal que o Autor deduziu 3 processos de impugnação:
1 - o processo n.º 1840/17.9BESNT que já teve decisão com trânsito em julgado julgando a acção improcedente;
2 - o processo n.º 1937/14.5BESNT que julgou verificada a excepção de caso julgado por referência ao processo n.º 1840/17.9BESNT;
3 - os presentes autos.
Corre termos no Serviço de Finanças de Sintra 4 o processo de execução fiscal n.º 3166201401618431 instaurado contra o ora Autor para cobrança coerciva de divida relativa a IUC (Imposto Único de Circulação) do ano 2013 referente ao veículo …--…, no valor de € 53,65 ao qual o Autor deduziu oposição que corre termos no TAF de Sintra com o n.º 686/16. 4BESNT.
Tendo em conta os factos apurados, indeferem-se os pedidos de fls. 36 e 43 de apensação aos presentes autos dos processos n.º 1840/17.9BESNT e n.º 686/16. 4BESNT uma vez que o primeiro já foi decidido com trânsito em julgado, não existindo nenhuma utilidade decorrente da sua apensação. Já quanto ao segundo processo o indeferimento funda-se no facto de não existir fundamento para tal, uma vez que constitui um processo relacionado com a execução fiscal da liquidação de IUC de 2013 visando a sua extinção, que não tendo relevo para a decisão desta causa embora sua conexão em termos de eventual prejudicialidade, caso a presente acção fosse julgada procedente.
Importa agora proferir despacho de indeferimento liminar uma vez que se verifica a excepção de caso julgado.
O caso julgado é uma excepção dilatória, do conhecimento oficioso, cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e que determina a absolvição da instância (cf. artigo 577.º alínea i) e 580.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT).
O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
Com efeito, neste processo, como na acção de impugnação judicial que correu no TAF de Sintra com o nº 1840/14.9BESNT está em causa a legalidade das liquidações de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014 com referência ao veículo automóvel cuja matrícula é …--… em que o autor é o mesmo, a acção em ambos os casos é instaurada contra a Fazenda Pública e o efeito jurídico pretendido pelo Autor nas respectivas petições são o da anulação das liquidações.
Neste processo bem como na acção de impugnação judicial com o nº 1840/14.9BESNT, são o mesmo autor, o objecto processual e fundamentos de facto e de direito, no âmbito do qual foi proferida sentença, já transitada em julgado. Ocorre assim, identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, já que é o mesmo o Impugnante, bem como as liquidações impugnadas e a causa de pedir
Com a presente Impugnação Judicial, pretende o Impugnante discutir a legalidade das liquidações de IUC dos anos de 2013 e 2014 referentes ao veículo com a matrícula …--…, pedindo a anulação das mesmas tal como o pretendeu de forma mediata no processo n.º 1840/14.
Verificando-se os pressupostos supra referidos, conclui-se pela verificação da excepção do caso julgado.
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Termos em que se indefere liminarmente a acção por se julgar verificada a excepção de caso julgado.
Registe e notifique.
Valor da acção: € 107,30 (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º A do CPPT).
Custas pelo Impugnante, sem prejuízo da protecção jurídica na modalidade concedida.
Lisboa, 19 de Abril de 2018.


II.1.c): Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se o seguinte:

A) O despacho supratranscrito foi incorporado nos autos em 2018.04.19, e na mesma data foi aposta assinatura eletrónica avançada;

B) O despacho de indeferimento liminar identificado em II.1.b) foi notificado ao MI patrono do ora Recorrente por ofício datado de 2018.05.11 (cf. fls. 86 do processo – doc. nº 003661850 registado em 11-05-2018 às 13:27:59).


II.2 – De Direito

O ora Recorrente ao abrigo do artigo 96º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) intentou no Tribunal Tributário de Lisboa ação que intitulou «acção de impugnação de actos administrativos em matéria tributária» que foi liminarmente indeferida, indeferimento com o qual se não conforma e da qual vem interposto o presente recurso.

Nas alegações de recurso imputa as seguintes nulidades à decisão recorrida: (i) a falta de assinatura do juiz; (ii) nulidade por não discriminar os factos provados dos não provados e por omissão de pronúncia.

Vejamos, em primeiro lugar quanto à alegada nulidade por falta de assinatura do juiz.

Efetivamente, nos termos do artigo 125º do CPPT constitui nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, nulidade essa que pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento dos interessados, enquanto for possível obtê-la.

Não tendo o ora Recorrente desenvolvido porque é que considera que a decisão recorrida não está assinada interpretamos o alegado como relativo à falta de assinatura autógrafa, porquanto compulsada a decisão em causa constata-se que sobre a mesma foi aposta assinatura eletrónica avançada, no próprio dia em que foi proferida e incorporada no Sistema Informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF).

A notificação da sentença foi efetuada por via eletrónica pelo que, sem outros elementos quer nas alegações de recurso quer nas respetivas conclusões, mal se compreende porque é que o ora Recorrido alega não ter sido cumprido o disposto no artigo 126º CPPT.

Vejamos então:

O hoje revogado Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, aprovou o regime jurídico dos documentos eletrónicos e da assinatura digital, estabelecia no artigo 7º que «a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel».

Por seu turno, a Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto, veio regular a tramitação eletrónica dos processos judiciais e no artigo 19º (versão original) estabelecia:
Artigo 19.º
Atos processuais de magistrados em suporte informático
1 - Os atos processuais dos magistrados judiciais e dos magistrados do Ministério Público são sempre praticados em suporte informático através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com aposição de assinatura eletrónica qualificada ou avançada.
2 - A assinatura eletrónica efetuada nos termos dos números anteriores substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais.

O nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 325/2003, de 29 de dezembro, previa a que a tramitação dos processos nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal é efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, nomeadamente na alínea c) quanto «À prática, necessariamente por meios eletrónicos, dos atos processuais dos magistrados e dos funcionários».

A Portaria nº 380/2017, de 19 de dezembro, veio regular a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais administrativos de círculo, nos tribunais tributários, nos tribunais centrais administrativos e no Supremo Tribunal Administrativo, diz no artigo 16º:
Artigo 16.º
Atos processuais de magistrados
1 - Os atos processuais de juízes e de magistrados do Ministério Público são praticados no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, com aposição de assinatura eletrónica qualificada ou avançada.
2 - A aposição de assinatura eletrónica qualificada dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais.
(…)

As normas que acabamos de transcrever são claras e não necessitam de maior desenvolvimento: a aposição de assinatura eletrónica qualificada dispensa a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais.

A decisão recorrida foi assinada no próprio dia em que foi proferida e incorporada nos autos através da aposição de assinatura eletrónica avançada e tal consta da decisão proferida e notificada ao Recorrente, sendo aliás visível da mera consulta ao SITAF.

Termos em que improcede a alegada nulidade por falta de assinatura do juiz e de falta de cumprimento do artigo 126º CPPT.

Prosseguindo, vejamos agora quanto à alegada nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito e/ou omissão de pronúncia.

Na conclusão 4) das alegações de recurso, alega a ora Recorrente nulidade da sentença recorrida por não cumprir o disposto no artigo 123.º, n.º 2, quanto a discriminar a matéria provada da não provada.

Com efeito, nos termos do artigo 615/1.b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º CPPT, é nula a sentença quando: (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Tradicionalmente, para que a sentença padeça deste vício considera-se necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Segundo os ensinamentos de Alberto dos Reis: há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)».

No processo judicial tributário este vício da não especificação dos fundamentos de facto e de direito como causa de nulidade da sentença, está contemplado no artigo 125/1 CPPT.

No caso concreto em análise verifica-se que a decisão recorrida que transcrevemos supra se encontra fundamentada de direito citando os principais artigos de lei que considerou aplicáveis, discorrendo sobre o que se deve entender por caso julgado. Nela se encontram, pois, os fundamentos de direito que motivaram a decisão recorrida de indeferimento liminar da petição.

Nas alegações e conclusões de recurso, aliás, o ora Recorrente não alega que a decisão recorrida não se encontra fundamentada de direito mas sim que não se encontra especificada a matéria de facto provada da não provada.

Efetivamente, na decisão recorrida não encontramos uma discriminação formal da matéria de facto fixada, mas são assentes as «ocorrências processuais» que fundamentam a decisão.

Mas será que a decisão é nula como defende o Recorrente?

Desde já diremos que assim o não entendemos. Com efeito, não podemos deixar de relevar que a decisão recorrida é de indeferimento liminar da petição inicial, não havendo, pois, necessidade de se fixar qualquer matéria de facto.

Quando o despacho recorrido foi proferido, a ação não ainda sido contestada nem, naturalmente, instruído o processo: temos apenas os argumentos ou as alegações iniciais do autor.

Como tem sido entendimento jurisprudencial, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.09.26, Proc nº 0377/12 (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos: «Tratando-se de um indeferimento liminar, a questão é meramente de alegação, não havendo, por isso, necessidade de fixar qualquer matéria de facto.»

A jurisprudência citada, com a qual concordamos, é clara.

Termos em que improcedem as alegações de recurso relativas à nulidade por não especificação da matéria de facto provada e não provada.


Vejamos agora quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia.

Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 125/1 do CPPT, constitui também causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC), apenas ocorre quando o Tribunal não tenha decidido alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Continuando a citar Alberto dos Reis, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão

No caso em apreço, lidas as alegações de recurso, consideramos que a alegada não pronúncia se prende primeiramente com o não ter sido emitida pronuncia sobre os pedidos de junção aos autos de certidão de todo o processo com o n.º 1840/14.9BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Anote-se, todavia, que foi ordenada a junção de certidão da sentença proferida naquele processo.

Todavia, questão diversa da omissão de pronuncia é a de saber se o Tribunal a quo o fez com acerto ou se se verifica no caso erro de julgamento, mas esta não se confunde com a omissão de pronúncia.

Não procede, pois, a invocada nulidade do despacho por omissão de pronúncia porquanto sobre o pedido de apensação e da junção de certidão, bem ou mal, pronunciou-se a decisão recorrida, não estando o juiz obrigado, como vimos, a emitir pronuncia sobre os argumentos, fundamentos e razões invocadas pelo autor.

Em face do exposto, não procede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia porquanto o tribunal conheceu da questão que foi colocada pelo autor.


Vejamos agora:

Impugna o Recorrente o conteúdo da alínea k) das «ocorrências processuais» fixadas na sentença, entendendo que a mesma deverá ser corrigida por não corresponder ao conteúdo da petição inicial (cf. conclusões 9. a 13. das alegações de recurso).

Alega não ter impugnado nos presentes autos a liquidação de IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014, mas pretender sim a apreciação das irregularidades ou ilegalidades cometidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no procedimento de liquidação do imposto, nomeadamente de preterição do direito de audição prévia.

Recordemos aqui o conteúdo da alínea k) já supratranscrita:

«k) O Autor deduziu a presente acção de impugnação a anulação da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2013 e 2014 referente ao veículo automóvel com a matrícula …--…, invocando vícios respeitantes ao procedimento de liquidação, designadamente pela rejeição, que considera ilegal, da audição prévia – cf. fls. 3 e sgs»

Pretende o ora Recorrente que a alínea k) passe a ter a seguinte redação (cf. conclusão 13. das alegações de recurso):

“O Autor deduziu a presente ação de impugnação em relação aos seguintes atos tributários relativos ao exercício do direito de audição prévia no âmbito do procedimento da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2013 e 2014 referente ao veículo automóvel com a matrícula …--…, invocando vícios legais que levaram à negação e ao indeferimento ilegal da audição prévia:
a. Notificação para audição prévia ao acto de liquidação oficiosa de IUC;
b. Acto administrativo respeitante a procedimento de liquidação oficiosa de IUC respeitante aos anos de 2013 e 2014 que considera ter desconsiderado a comunicação do autor no qual declara pretender exercer o direito de audição prévia através de mandatário oficioso a nomear e que entendeu constituir o efectivo exercício de tal direito;
c. Acto administrativo que indeferiu por extemporâneo o exercício do direito de audição prévia. – cf. fls. 3 e sgs.”;


O ora Recorrente estruturou a alegação como se de uma verdadeira impugnação da matéria de facto fixada na decisão se tratasse. Todavia e como vimos já supra ao mesmo tempo alegou a nulidade da decisão recorrida por falta de especificação dos factos provados e não provados.

A decisão recorrida, como vimos, não fixou verdadeiros factos, mas «ocorrências processuais» que fundamentam a decisão.

Com efeito, na alínea k) em causa procurou-se sintetizar os principais argumentos do impugnante e ora Recorrente e o alegado respeita diretamente ao conteúdo da decisão e objeto do recurso, ou mais precisamente sobre se se verificam no caso os pressupostos do caso julgado.

Assim sendo e dizendo diretamente respeito ao objeto do processo e ao cerne da decisão recorrida, o alegado pelo Recorrente será analisada infra, a propósito do também alegado erro de julgamento, sobre se no caso concreto em análise, se verificam ou não os pressupostos do caso julgado, porquanto insiste-se não se trata de uma verdadeira e própria impugnação da «matéria de facto» que não foi (nem necessitava de o ser, com vimos supra) fixada na decisão recorrida.

Ainda a propósito do erro de julgamento «da matéria de faco», na conclusão 17. das alegações de recurso defende o ora Recorrente ter sido omitido e pretender que seja aditado «facto atinente à data de propositura da ação, atento o disposto no 33.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, requerendo-se a Vossas Excelências que revoguem a decisão nesta parte (omissão), e determinem o aditamento do seguinte facto: “O impugnante pediu apoio judiciário com nomeação de patrono em 17.03.2014.”».

Atendendo a que consideramos que o requerido «aditamento» estará relacionado com a alegada preterição de formalidades legais essenciais no procedimento de liquidação, mormente para se aferir da tempestividade do exercício do direito de audição prévia por parte do Impugnante e ora Recorrente, a sua apreciação não cabe ainda nesta fase liminar. Ora, da forma sintética como vem alegada e sem outros desenvolvimento, não vemos, pois, qual a relevância do requerido aditamento, nesta fase, pelo que se indefere o requerido.
Não será, pois, apreciado nesta fase ficando a sua análise reservada fase posterior, após instrução do processo.

Prosseguindo:

Alega o ora Recorrente que a decisão recorrida errou porquanto não se verifica no caso concreto ora em análise tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

O caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado [artigo 628º CPC, artigo 677º CPC de 1961]. O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. (1) SOUSA, Miguel Teixeira de, ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL, 2ª Ed., Lex Lisboa 1997, pág 567.

A exceção de caso julgado verifica-se quando se repete uma causa: previne o julgamento divergente e contraditório da mesma questão.

Como é consabido e alegado pelo ora Recorrente, nos termos do artigo 580/1 do Código de Processo Civil (CPC) – artigo 497/1 CPC de 1961 - as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.

O caso julgado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância [cf. artigos 577.i) e 580º CPC].

O caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa.

Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal (2) REIS, Alberto dos, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Coimbra Editora, 1950, III Vol pág. 94.

Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Mas esta regra comporta algumas exceções e a jurisprudência tem reiterado que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença (3) SOUSA, Miguel Teixeira de, ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL, 2ª Ed., Lex Lisboa 1997, pág 580-581.


De forma sintética e esquemática e já enunciada supra podemos dizer que se repete uma causa quando há identidade do sujeito, do pedido e da causa de pedir.

Por sujeito, devemos entender as partes de um litígio; neste caso este o contribuinte que recorre, no lado inverso, a administração fiscal aqui representado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por pedido: o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor; neste caso a anulação das liquidações impugnadas por preterição de formalidades essenciais no procedimento de liquidação.

Causa de pedir: é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido; neste caso, antes de mais, não lhe ter sido dada oportunidade de exercer o direito de audição prévia antes da liquidação.

O ora Recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento liminar que considerou verificada a exceção dilatória de caso julgado, defendendo que, contrariamente ao decidido, esta não se verifica, porquanto:
- além de se estar perante causas de pedir diferentes, também são diferentes os pedidos (conclusão 36ª das alegações de recurso);
- nestes autos não está em causa “a legalidade das liquidações de IUC“ (cf. alegação 69 e conclusão 37ª);
- O que nestes autos está em causa é a impugnação de três atos do procedimento tributário atinentes ao exercício do direito de audição prévia, que vem absolutamente postergado, negado e indeferido ao recorrente (cf. alegação 70 e conclusão 34ª);

Configuradas desta forma pelo próprio Recorrente não haverá, pois, inteira coincidência entre a causa de pedir nos presentes autos com o processo que correu termos sob o nº 1840/14.9BESNT, cuja sentença transitou em julgado e que pende sob recurso de revisão.

O mesmo não podemos dizer quanto ao pedido porquanto numa e na outra ação está em causa o mesmo objeto ou fim último: a apreciação da legalidade da liquidação do mesmo imposto.

Podendo e devendo equacionar-se, sim, sobre se a alegada preterição de formalidades essenciais no procedimento de administrativo de liquidação, mormente de falta de audição, são autonomamente impugnáveis em face do princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54º do CPPT. Como tem sido decidido pela jurisprudência, da qual citamos apenas o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2013.11.13, proferido no processo nº 0897/13 (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos: «Por força deste princípio, só é possível impugnar o ato final do procedimento tributário, dado que só este atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte.» Esta questão vem suscitada na contestação da Fazenda Pública entregue posteriormente ao requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações e sobre a qual o ora Recorrente não teve ainda oportunidade de se pronunciar.

Configurada desta forma a sua apreciação no âmbito do presente recurso constituiria uma verdadeira decisão surpresa e como tal proibida pelo nosso ordenamento jurídico processual, pelo que não será aqui analisada e decidida.

Na mesma contestação argumenta a Fazenda Pública que mesmo que se entenda que não se verifica a exceção de caso julgado, sempre se estará perante um caso de autoridade de caso julgado, citando Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto in ”Código de Processo Civil anotado”.

Aqui chegados uma conclusão desde já se impõe: a de que a decisão recorrida que considerou verificada a exceção dilatória do caso julgado não se pode manter, e deve ser revogada.

Os autos devem assim baixar ao Tribunal recorrida para audição do ora Recorrente sobre as questões suscitadas pela Fazenda Pública em sede de contestação nomeadamente sobre a tempestividade da impugnação (nos artigos 20º a 25º da contestação) e inimpugnabilidade do ato.


Face ao decidido, dá-se por prejudicado o demais alegado pelo Recorrente (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), nomeadamente sobre o valor fixado à causa.


Sumário/Conclusões:

I - O caso julgado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.
II - Repete-se uma causa quando há identidade do sujeito, do pedido e da causa de pedir (artigo 581/1 CPC).


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, para audição do ora Recorrente, nos termos expostos, e subsequente tramitação e prolação de nova decisão, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 19 de outubro de 2023

Susana Barreto

Jorge Cortês

Maria Cardoso