Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8781/15.0 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/04/2023
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
NULIDADE POR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário:I - A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento (error in judicando), a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.
II - A contradição entre os fundamentos e a decisão, verifica-se quando os fundamentos evidenciados pelo julgador seguem uma linha de raciocínio que conduziriam lógica e inelutavelmente a uma decisão de sentido contrário ou de sentido diferente.
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

S.- S., SGPS, S.A. inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, que negou procedência aos pedidos formulados: [“ de (…) ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento de reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação (…) das autoliquidações de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, dos exercícios de 2011 e 2012 (…)” e de “(…) ser declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente aos montantes de €811.209,88 e relativamente ao exercício de 2011, e de €167.805,10 relativamente ao exercício de 2012 (…) julgando prejudicada a apreciação do pedido de reconhecimento do direito ao reembolso das importâncias liquidadas e pagas com juros indemnizatórios”] – veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante designado por RJAT), apresentar impugnação formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«A) A decisão arbitral em crise dedica-se a analisar, preparatoriamente à decisão a adoptar, a natureza jurídica das tributações autónomas, e conclui que são IRC, mais reforçando que o que a redacção da alínea a) do nº1 do artigo 23º-A do CIRC (introduzida pela Lei nº 2/2014, e que substituiu a alínea a) do nº 1 do artigo 45° do CIRC) fez a esse propósito foi explicitar o que já era possível concluir sem essa explicitação (carácter meramente interpretativo da mesma), e efectivamente se concluiu em inúmeras decisões arbitrais.

B) Em razão desta natureza de IRC, a decisão arbitral em crise reafirma a validade das decisões arbitrais que, em aplicação da alínea a) do n°1 do artigo 45° do CIRC (em vigor até 2013) concluíram no sentido da inclusão das tributações autónomas como parte integrante da colecta de IRC e, em consequência, no sentido da indedutibilidade da colecta das mesmas no processo de determinação do lucro tributável.

C) Em dissonância com o que tinha imediatamente antes acabado de concluir relativamente à natureza de IRC das tributações autónomas, a decisão arbitral em crise conclui assim no que respeita à previsão normativa – dirigida também à colecta de IRC, agora a respeito do que é de deduzir a esta colecta do IRC - constante do artigo 90° do CIRC:
“Assim é que, no caso sub juditio, não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90° do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela requerente.
Daí que não ocorra a pretendida ilegalidade no cálculo da colecta relativa a IRC nos exercícios da requerente de 2011 e 2012 (...)" (cfr. o último parágrafo da p 21 e primeiro e segundo parágrafos da p.22 da decisão arbitral em crise).

D) Ora, é irreconciliável concluir-se que as tributações autónomas são IRC e que por isso quando o CIRC se refere à indedutibilidade do IRC no apuramento do lucro tributável (artigo 45°, nº1, alínea a), do CIRC, em vigor até 2013) abrange também as tributações autónomas, e do mesmo passo concluir-se imediatamente a seguir ("contra-corrente", “contra-fundamentação") que quando o CIRC se refere à dedutibilidade de benefícios fiscais ao IRC (artigo 90.° do CIRC), o conceito de IRC não abrange as tributações autónomas.

E) Como se escreve no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 5 de Março de 2015, proferido no processo n° 08065/14 (Desembargadores Anabela Russo - relatora -, Lurdes Toscano e Ana Pinhol) uma decisão padecerá de oposição entre os fundamentos e a decisão se houver “contradição entre os pressupostos atendidos no processo lógico - dedutivo e a decisão em que aqueles deviam culminar, isto é, ela verificar-se-á sempre que a conclusão extraída pelo julgador for totalmente divergente ou oposta daquela a que necessariamente conduziria o raciocínio que imediatamente a antecedeu [cfr. neste sentido e mantendo posição reiterada do nosso Supremo Tribunal, os recentes Acórdãos de 29-5-2013 e de 5-6-2013 (respectivamente, processos n.°s 842/13 e 1315/12)".

F) É isso que sucede na decisão arbitral em crise, donde o pedido para que seja anulada, para que seja reconhecida a sua nulidade, por oposição dos fundamentos com a decisão (cfr. a alínea b) do nº 1 do artigo 28° do RJ AT).

Subsidiariamente: da falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão em crise

G) Caso se conclua (possibilidade que, sem conceder e por cautela de patrocínio, se admite) que no discurso argumentativo preparatório da decisão arbitral se afirma uma coisa, mas também o seu contrário, i.e., que se afirma que as tributação autónomas são IRC e, simultaneamente, que não o são, então, como algo (as tributações autónomas) não pode simultaneamente ser e não ser (IRC, no caso), haverá que concluir haver omissão de indicação da fundamentação, por impossibilidade de co-habitação destas duas antinomias.

H) Omissão de indicação da fundamentação por absoluta ininteligibilidade da fundamentação da decisão. Com efeito, se se considerar que a conclusão inequivocamente constante da decisão arbitral no sentido de que as tributações autónomas são IRC, não prevalece sobre a (possível) diferente conclusão aparecida num dos parágrafos de permeio, então não é possível saber o que realmente pensa ou pensou o decisor sobre esta questão, prejudicial na economia da decisão, e, consequentemente, tem de se dar por incognoscível a fundamentação (se alguma) da mesma.

I) O que levou o decisor a decidir como decidiu? Afinal de contas, naquilo que foi a questão crítica que se dedicou a analisar para preparação da decisão, o decisor entende ou não entende que as tributações autónomas são IRC?

J) Daí, sem conceder e por cautela de patrocínio, o pedido subsidiário para que seja anulada a decisão arbitral por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão (cfr. alínea a) do n°1 do artigo 28° do RJAT).

Da questão de mérito a julgar por força do disposto no artigo 27°, n.° 2, do RJAT, enquanto remete, entre outros, para o 149°, n.º 1, do CPTA

K) O que está aqui em jogo foi analisado com cristalina transparência no voto de vencido desta decisão arbitral. E esta análise e as conclusões a que chegou está muito longe de estar sozinha.

L) O ponto de partida é este: do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45°, nº 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC,

M) se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código uns metros mais à frente (artigo 90°, n°1, e n°2, alínea b), do CIRC, na redacção em vigor em 2011 e 2012) abrange a colecta das tributações autónomas em IRC.

N) Donde que a negação da dedução do crédito de IRC no âmbito do SIFIDE à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea b) do n°2 do artigo 90° do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83°) e, bem assim, o artigo 4°, n°s 1 e 2, da Lei n° 40/2005 (SIFIDE adquirido até 2010 inclusive) e o artigo 4°, n.°s 1 e 3, do regime do SIFIDE aprovado pelo artigo 133° da Lei 55°-A/2010 (SIFIDE adquirido em 2011 e 2012).

O) Assim mesmo concluiu o colectivo arbitral no processo n°769/2014-T (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Prof. Doutor Paulo Nogueira e Dr. Luís Miranda Rocha), a propósito justamente de uma situação de utilização de crédito de imposto por SIFIDE (referente a uma sociedade dominada pela impugnante), no caso sem necessitar sequer de se apoiar na qualificação das tributações autónomas como IRC (cfr. Doc. n° 2):
(...) o diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu nº1 do artigo 4.°, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».
O n° 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90 ° do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90° do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».
Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90ºdo CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas.
O artigo 90° do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações prevista no Código, incluindo a liquidação adicional (n°10). Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90º. [p 7 da decisão arbitral em referência]
(...) Por isso, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4º, nº1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90º do CIRC." [p 9, penúltimo parágrafo, da decisão arbitral em referência].

P) Acresce que, bem ou mal, tem sido sistematicamente decidido pelos tribunais tributários, no caso na modalidade de tribunais arbitrais, que as tributações autónomas são IRC, daí se retirando como consequência que se lhes aplicam normas dirigidas ao IRC como a referente à não consideração da colecta do IRC para o cômputo do lucro tributável em IRC (artigo 45°, n°1, alínea a) do Código do IRC, em vigor até 2013).

Q) Relembra-se a identificação das (pelo menos) vinte e quatro decisões arbitrais produzidas até à data em que se concluiu pela natureza de IRC das tributações autónomas: processos n.°s 187/2013-T, 209/2013-T, 210/2013-T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 292/2013-T, 298/13-T, 6/2014-T, 36/2014-T, 37/2014-T, 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T, 93/2014-T, 94/2014-T, 163/2014-T, 166/2014-T, 167/2014-T e 211/2014-T, 659/2014-T, 697/2014-T e 769/2014-T.

R) Pegando quer na matriz decisória gerada no processo n°59/2014-T, quer nas matrizes decisórias (seguidas em muitas outras decisões) geradas nos processos n.°s 80/2014-T e 287/2013-T, o que ressalta é isto:
i) as tributações autónomas relativas a encargos com viaturas, despesas de representação e ajudas de custo, mas também as incidentes sobre bónus e indemnizações a gestores (processos n.°s 80/2014-T, 659/2014-T e 769/2014-T) são IRC;
ii) tributam ainda o rendimento, por serem um substituto da medida alternativa de aumentar o rendimento tributável via indedutibilidade da despesa ou encargo sobre que incide a tributação autónoma (cfr. em especial processos n.°s 80/2014-T e 287/2013-T);
iii) por serem IRC, deve-se-lhes aplicar a norma dirigida à colecta (imposto apurado) do IRC constante da alínea a) do n°1 do artigo 45° do CIRC;
iv) extraindo uma regra mais geral, como faz a decisão proferida no processo n°59/20 1 4-T, "as tributações autónomas de que são sujeitos passivos pessoas colectivas são consideradas IRC, pelo que lhes serão aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis.” (sublinhado nosso).

S) Concluiu-se nesta decisão arbitral (processo n° 59/20 1 4-T) que a especial forma de incidência e taxas aplicáveis às tributações autónomas do tipo esmagadoramente aqui em causa em nada contendiam com a aplicação da norma que determina a irrelevância da colecta do IRC no cômputo do lucro tributável. Também aqui se não vê, nem a AT, que o mostre, vê, por que razão haveria de ficar afastada a norma que determina a relevância da colecta do IRC no operar de certos benefícios fiscais (entre os quais o SIFIDE) adquiridos pelos contribuintes.

T) Aplica-se, pois, igualmente, à colecta das tributações autónomas aqui esmagadoramente em causa, a norma dirigida à colecta do IRC contante da alínea b) (actual c)) do n°2 do artigo 90° do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na "sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis'".

U) Devem, pois, ser anuladas as autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do grupo fiscal S., relativas aos exercícios de 2011 e 2012, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 811.209,88 relativamente ao exercício de 2011, e de € 167.805,10 relativamente ao exercício de 2012, por aplicação (dedução) às mesmas dos créditos de SIFIDE disponíveis para o efeito.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER ANULADA A DECISÃO ARBITRAL POR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO E, SUBSIDIARIAMENTE, SEM CONCEDER, POR OMISSÃO DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO.
E, DECIDINDO ESTE TRIBUNAL EM SUBSTITUIÇÃO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 149.°, N°1, DO CPTA, EX. VL ARTIGO 27°, N° 2, DO RJAT, DEVE SER DECLARADA A ILEGALIDADE DO, E ANULADO O, INDEFERIMENTO PARCIAL DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA E, BEM ASSIM, DECLARADA A ILEGALIDADE PARCIAL DAS AUTOLIQUIDAÇÕES DE IRC, INCLUINDO TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA, DO GRUPO FISCAL S., RELATIVAS AOS EXERCÍCIOS DE 2011 E 2012, NO QUE RESPEITA AOS MONTANTES DE TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA EM IRC DE € 811.209,88 RELATIVAMENTE AO EXERCÍCIO DE 2011, E DE € 167.805,10 RELATIVAMENTE AO EXERCÍCIO DE 2012, COM A SUA CONSEQUENTE ANULAÇÃO NESTAS PARTES, ATENTA A MANIFESTA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO NESTAS PARTES, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À REQUERENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE 31 DE MAIO DE 2012 QUANTO A € 811.209,88 E CONTADOS DESDE 1 DE SETEMBRO DE 2013 QUANTO A € 167.805,10, ATÉ INTEGRAL REEMBOLSO.»

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Contra-alegou a recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, pugnando pela improcedência da impugnação, por infundado, e pela manutenção do julgado, nos seguintes termos conclusivos:

«A. Improcede, na sua totalidade, a impugnação, apresentada ao abrigo do disposto no artigo 27º do Decreto-lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), da decisão arbitral proferida no âmbito do pedido de pronúncia arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sob o nº84/2014-T.

B. Na verdade, a Impugnante não logra demonstrar, nas alegações que para o efeito produziu, de que forma é que a douta decisão arbitral padece dos vícios de cariz processual que lhe são imputados, a saber, contradição entre os fundamentos e a decisão e não especificação dos fundamentos de facto, este último a título subsidiário.

C. O primeiro vício apontado (contradição entre os fundamentos e a decisão) ocorre, nas palavras utilizadas no Acórdão do TCAS proferido no processo 05946/12, em 03-05-2015 «quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente».

D. Ora, tal vício não ocorreu no douto acórdão arbitral em análise, porquanto o percurso fundamentador e decisório do Tribunal foi desenvolvido e explanado dentro de um quadro lógico e congruente, permitindo ao destinatário a perfeita percepção da motivação.

E. Simplesmente, a ora Recorrente, então Requerente arbitral não logrou convencer o tribunal da bondade da sua tese.

F. Tese esta que pode resumir-se, numa simplificação extrema ao seguinte: a jurisprudência arbitral tem considerado que as tributações autónomas são essencialmente IRC para efeitos de (im)possibilidade de dedução no cálculo do lucro tributável; logo, se são IRC, produzem colecta de IRC, logo deve ser permitida a dedução de crédito de SIFIDE à colecta resultante das tributações autónomas.

G. Ora, conforme ressaltou a Requerida, resolver a questão da natureza das tributações autónomas para efeitos da sua inclusão no âmbito da norma constante do artigo 452 do CIRC (à época), isto é, para decidir se poderiam ser deduzidas para efeitos de cálculo do lucro tributável não equivale a decidir pelo postergar total da sua autonomia (aliás, expresso na designação) e dos objectivos tendentes à sua introdução e manutenção no sistema jurídico tributário.

H. Sendo perfeitamente congruente a fundamentação constante do acórdão, conforme se destacou supra e ora se reitera, muito sumariamente,
«Relativamente às tributações autónomas, adiante-se que estas são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90 °do CIRC.
(...) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do ano do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
(…)
Assim, não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas

I. Permitindo-se a ora Recorrida destacar ainda, a págs. 20 e 21,
«Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC - que tributa os rendimentos - as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos - e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.
Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbrincadas (…)
Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesa, pela sua natureza, potência, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.» (sublinhado do Autor, demais destaques nossos).

J. É igualmente indevido considerar que o Tribunal, no acórdão impugnado, não procedeu à especificação dos fundamentos da decisão, porquanto - conforme se demonstrou - as razões de ser da sua consideração se mostram expressos na decisão.

K. Ademais, a própria alegação - ainda que meramente a título subsidiário - da falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão é, ela própria, ininteligível.

L. Isto porque parte a Recorrente da alegação de excertos da fundamentação que entende contraditórios entre si, o que não se sufraga, para concluir pela ininteligibilidade da fundamentação, o que se reconduziria, ipso facto, à falta de especificação dos fundamentos.

M. Nada disso ocorre, todavia, não passando a presente impugnação de uma tentativa (aliás, expressa) de obter a reapreciação de mérito da questão decidenda.

N. Tal reapreciação é, no entanto, vedada pelo regime legal vigente, conforme resulta da lei de autorização legislativa e do regime da arbitragem tributária aprovada na sua sequência e é pacificamente aceite pela doutrina e constante da vasta jurisprudência supro citada.

O. Falecendo integralmente os argumentos esgrimidos pela impugnante em prol da ambicionada anulação da decisão arbitral, deve a presente impugnação improceder, assim se fazendo JUSTIÇA.

Termos em que, e nos doutamente supridos, deverá ser negado provimento à impugnação, por manifestamente infundada, e em consequência manter-se a decisão arbitral sindicada, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), nada disse.
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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II – DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o teor das conclusões da impugnação apresentada, importa apreciar e decidir se a decisão arbitral impugnada padece de nulidade por oposição dos seus fundamentos com a decisão no que se refere à qualificação das tributações autónomas como IRC e à não admissibilidade da dedução de benefícios fiscais às tributações autónomas apuradas.

A título subsidiário importa apreciar se a decisão padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão impugnada por omissão na sua fundamentação.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A. A S. (Por facilidade de leitura deste acórdão, designa-se a requerente S. – S., SGPS, S.A., também por "S."). é uma sociedade comercial que exerce a atividade de "gestão de participações sociais". [PA:, p. 156].
B. Integram o grupo fiscal as seguintes empresas:
a. E. –I. SGPS. S.A.
b. SE. – C. S., S.A.
c. I. – I. S.A.
d. A. – C. C., S.A.
c. B. – G. I.. Lda.
[23° RI e seus documentos n.°s 9 a 18 e PA. p. 157].
C. Em 31-05-2012 a S. apresentou a sua declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 no regime de tributação dos rendimentos dos grupos de sociedades, enquanto sociedade dominante, referente ao exercício de 2011, tendo nesse momento procedido à auto-liquidação do IRC desse ano, tendo no respetivo cálculo apurado o valor de tributações autónomas no montante de 1.906.358,08€. [2° RI (Nesta peça utiliza-se o acrónimo RI para referenciar o Requerimento Inicial da requerente) e seu documento n° 1. p. 5 e 4° R-AT (Nesta peça utiliza-se a sigla R-AT para referenciar a Resposta da AT ao Requerimento Inicial da requerente)].
D. Em 31-05-2012 a S. tez o pagamento de IRC na quantia de € 1.113.170,94 à AT, referente a autoliquidação do exercício de 2011 através do documento com o n° de identificação 164.135.342.453.917. [19° do RI e seu documento n° 6].
E. Em 31-05-2013 a S. apresentou a sua declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 no regime de tributação dos rendimentos dos grupos de sociedades, enquanto sociedade dominante, referente ao exercício de 2012, tendo nesse momento procedido à auto-liquidação do IRC desse ano, tendo no respectivo cálculo apurado o valor de tributações autónomas no montante de €215.066,60. [2° RI e seu documento nº 2. p. 5 e 4° R-AT].
F. O sistema informático da AT não permitiu que a requerente inscrevesse o valor relativo à tributação autónoma de IRC, deduzido dos montantes de benefício fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (Também designado pela forma abreviada "SIFIDE”), na modalidade de crédito de imposto dedutível à coleta de IRC, que a S. considerava dever ser levado em linha de conta [21° RI e 42° R-AT].
G. Em 31-05-2013 a S. fez à AT o pagamento do IRC referente a autoliquidação do exercício de 2011. [19° do RI].
H. Em 30-04-2014 a requerente apresentou reclamação graciosa contra as autoliquidações mencionadas em C. e em E. e respeitantes aos exercícios de 2011 e 2012. [3° RI e seu documento nº3 e 5° R-AT]
l. Na reclamação graciosa foi proferido projeto de decisão que foi comunicado à requerente por ofício de 25-06-2014, recebido em 27-06-2014, com o teor:
Somos de propor que o pedido inserto nos autos seja parcialmente deferido, aceitando-se uma dedução à coleta da derrama estadual declarada pelo grupo, a titulo de beneficio fiscal atribuído no âmbito do SIFIDE, no valor de €38,593,82 e €34.720,81, respetivamente, nos períodos de tributação de 2011 e 2012, de acordo com o teor do "quadro-síntese":
CORREÇÃO AO CÁLCULO DO IMPOSTO
VALORES (€)
PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO
NORMATIVO LEGAL
ASSUNTO
RECLAMADO
DEFERIDO
2011
CIRC, Artº 90° nº 2, alínea b)SIFIDE - Dedução à coleta da Derrama Estadual e à Coleta das Tributações Autónomas
416.994,82
38.593.82
2112
CIRC, Artº 90° nº 2, alínea b)
SIFIDE - Dedução à coleta da Derrama Estadual e à Coleta das Tributações Autónomas
202.325,91
34.720.81
[Documento n° 5 do RI e PA, p. 154]:
J. Na reclamação graciosa foi proferida decisão por despacho, baseada em parecer que foi fundado em informação, comunicados à S. por ofício de 10-07-2014, recebido em 22-07-2014, cujas linhas fundamentais se reproduzem (A reprodução de determinados excertos do elementos dos autos destina-se apenas a facilitar a leitura e o entendimento deste acórdão, com redução das necessidades de consulta a outros documentos e não permite atribuir a essas passagens maior importância relativamente a outras que não se transcrevem). [4° RI, seu documento n° 4 e PA. p. 171]:

Informação:

(…)

4. Permite a inexistência de elementos novos suscitadas na audição, permanecendo a validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior projecto de decisão entendemos ser de torná-lo definitivo, com todas as consequências legais.

5. Em fase do exposto, será de deferir parcialmente o pedido inserto nos autos, considerando a dedução à colecta da derrama estadual declarada pelo grupo, a título de beneficio fiscal atribuído no âmbito do SIFIDE, no valor de €38.593.82 e €34.720,81, respectivamente, nos períodos de tributação de 2011 e 2012, com todas as consequências legais.

(...)

Parecer: Confirmando o teor da presente informação, promovo o seguinte:

O deferimento parcial do pedido formulado nos autos, disso se notificando a Reclamante, nos termos dos artigos 35º e 41º do C.P.P. T.

(…)

Despacho: Concordando com o informado, determino o indeferimento do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando a Reclamante para os termos e efeitos do disposto nos artigos 35ºe 41º do C.P.P. T., conforme Parecer infra.
K. Por declarações emitidas nas datas indicadas e por referência ao ano de 2010, a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, certificou que as empresas designadas realizaram atividades de investigação e desenvolvimento, podendo assim recomendar a atribuição de um crédito fiscal nos seguintes valores:
Data da declaração
Empresa
Crédito fiscal cuja atribuição à empresa foi recomendado
02-12-2011
E. SGPS. S.A.
347.355.78€
02-12-2011
SE.— C. S.. S,A,
34.023.28€
02-12-2011
I. – I. S.A,
165.913.90€
02-12-2011
A.- C. C. S.A.
43.674,22€
23-12-2011
B.- G. I.. Lda.
7.755.60€
[23° RI e seu documento n.° 7].
L. Por declarações emitidas nas datas indicadas e por referência ao ano de 2011, a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial do Ministério da Economia e Emprego, certificou que as empresas designadas realizaram atividades de investigação e desenvolvimento, podendo assim recomendar a atribuição de um crédito fiscal nos seguintes valores:
Data da declaração
Empresa
Crédito fiscal cuja atribuição à empresa foi recomendado
21-01-2013
E.-I. SGPS. S.A.
212.472.76€
27-11-2012
SE.— C. S.. S,A,
81.387.73€
02-05-2013
I. – I.. S.A,
123.134,33€
[27° RI e seu documento n° 19].
M. Por declarações emitidas nas datas indicadas e por referência ao ano de 2012, a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial, do Ministério da Economia, certificou que as empresas designadas realizaram atividades de investigação e desenvolvimento, podendo assim recomendar a atribuição de um crédito fiscal nos seguintes valores:
Data da declaração
Empresa
Crédito fiscal cuja atribuição à empresa foi recomendado
14-11-2013
E. –I. SGPS. S.A.
107.969,71€
17-09-2013
SE.— C. S.. S,A,
25.864,14€
20-09-2013
I. - I. S.A,
68.692,06€
[31ºRI e seu documento n.° 20J.
N. Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direcção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que em face dos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a E. – I., SGPS, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respectivos juros. [38° RI e seu documento n° 21].
O. Em 18-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a E. –I., SGPS. S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n°21].
P. Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a SE. C. S. S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedor perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n°21 ].
Q. Em 20-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a SE. –C. S., S.A, tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n.° 21].
R. Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a I. I., S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento nº21],
S. Em 23-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a I.-I., S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n.° 21].
T. Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a A. C. C., S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n°21].
U. Em 20-05-2011 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a A. C. C. S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n° 21].
V. Em 18-05-2011 o Chefe de Finanças do quadro da Direção Geral dos Impostos, a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a B. G. I., LDA, tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedor perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n° 21].
W. Em 18-05-2011 o Instituto da Segurança Social. I.P., declarou que a B. G. I.. LDA, tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n° 21].
X. Em 23-05-2012 a AT, pelo seu Serviço de Finanças de Loures-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a E. – I., SGPS, S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda nacional de quaisquer impostos em prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n° 22].
Y. Em 15-05-2012 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a E. –I. SGPS. S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n.° 22].
Z. Em 17-05-2012 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a SE. C. S.. S.A., tinha a sua situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n° 22].
AA. Em 11-04-2012 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a SE. –C. S., S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n.° 22].
BB. Em 17-05-2012 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, a exercer funções no Serviço de Finanças de CORUCHE, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a I. I., S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n.° 22].
CC. Em 03-04-2012 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a I.-I-, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n.°22].
DD. Em 14-03-2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo seu Serviço de Finanças de Loures-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a E. –I., SGPS, S.A. e a E.. S.A. tinham a situação tributária regularizada visto não se encontrar pendente qualquer processo de execução fiscal, não devendo naquela data e por aquele serviço de finanças qualquer contribuição ou imposto ao Estado. [38° RI e seu documento n° 23],
EE. Em 07-05-2013 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a E. –I., SGPS, S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documentos n.° 23].
FF. Em 07-05-2013 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, a exercer funções no Serviço de Finanças de LOURES-1, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a SE. C. S. SA tinha a sua situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento n° 23].
GG. Em 31-01-2013 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a SE. –C. S., S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n° 23].
HH. Em 07-05-2013 o Chefe de Finanças do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, a exercer funções no Serviço de Finanças de Coruche, certificou que face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, a I. I. S.A. tinha a situação tributária regularizada uma vez que não era devedora perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros. [38° RI e seu documento nº 23].
II. Em 07-05-2013 o Instituto da Segurança Social, I.P., declarou que a I.-I., S.A. tinha a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social. [38° RI e seu documento n° 23].»

*
A título de factualidade não provada exarou-se na decisão impugnada que: «Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa».

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que: «A convicção do tribunal arbitral assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada».
*

III. 2 – Fundamentação de direito

A impugnante apresentou pedido de pronúncia arbitral constituindo a sua pretensão a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como da liquidação impugnada, na parte em que não lhe foi reconhecida a dedução à colecta relativa à tributação autónoma, do beneficio fiscal ao abrigo do SIFIDE, na modalidade de crédito de imposto que nos termos do artigo 90.º do CIRC, esgotada a dedução à colecta de IRC.

O Tribunal Arbitral julgou improcedente os pedidos formulados decisão com a qual não se conforma.


*

Comecemos por apreciar e decidir a questão de saber se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 697/2014-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), ora impugnada incorre na arguida nulidade por oposição dos seus fundamentos com a decisão.

Alega a impugnante que a nulidade por oposição dos seus fundamentos com a decisão decorre da circunstância de a decisão arbitral, discorrendo sobre a natureza das tributações autónomas, ter concluído que a colecta de tributações autónomas é IRC e que o benefício a obter com o SIFIDE se traduz na possibilidade de deduzir à colecta de IRC apurada no exercício, o montante de crédito fiscal decorrente do referido benefícios declarando depois, de forma incongruente, que para efeitos de dedução do benefício fiscal SIFIDE não é de incluir a colecta de IRC das tributações autónomas.

Com tal fundamentação conclui-se na decisão impugnada que não ocorre a ilegalidade do cálculo da colecta relativa a IRC nos exercícios em causa, para efeitos de dedução do SIFIDE.

Vejamos, então.

Nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, podendo o pedido impugnatório ser apresentado com os fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do artigo 28.º do mesmo diploma.

Deste modo, nos termos da aludida disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

«a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º

Nos termos do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, além das normas de natureza procedimental e processual dos códigos e demais normas tributárias, as normas de organização e funcionamento da administração tributária, são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral tributário as normas constantes do CPPT, do CPTA, do CPA e do CPC.

No caso que nos ocupa, está em causa a invocação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, que estatui que a decisão arbitral é impugnável com base em oposição entre os fundamentos e a decisão.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão, regime que se encontra igualmente consagrado no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

Para que ocorra a oposição entre os fundamentos e a decisão não basta uma mera divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) não assumindo a gravidade da nulidade da sentença.

A. Varela e outros, Manual de Processo Civil 2ª edição, pg 686 a 691 referem que «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário

Também Amâncio Ferreira refere que «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

A contradição entre os fundamentos e a decisão, verifica-se quando a elaboração da sentença é viciosa, ou seja, quando os fundamentos evidenciados pelo julgador seguem uma linha de raciocínio que conduziriam lógica e inelutavelmente a uma decisão de sentido contrário ou, no mínimo, de sentido diferente.

Neste sentido, v.g. o Acórdão proferido pelo STA em 26/05/2022 no processo n.º 058/10.4BEPRT: «III - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, tem como escopo sancionar a contradição lógica entre um e outra: se o julgador, seguindo na fundamentação da decisão uma determinada linha de raciocínio que aponta para uma determinada conclusão, em vez de a extrair decide noutro sentido (oposto ou divergente), há que julgar verificada a oposição prevista na primeira parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC.

IV - Não existe nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão quando, como in casu, o raciocínio delineado só podia logicamente conduzir ao julgamento final alcançado.

V - Não há fundamento para qualificar o acórdão nulo nos termos previstos na segunda parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC se resulta claro e compreensível da leitura da decisão o pensamento do julgador e o sentido da decisão não comporta outros significados ou sentidos que não o que nele ficou exarado.»

Ora, no caso, não ocorre tal situação.

Na verdade, quanto muito, a discordância com o decidido pode encerrar um erro de julgamento, não integrando a invocada nulidade.

Com efeito, o Tribunal Arbitral apreciou o regime jurídico que aprovou o SIFIDE bem como as normas constantes do CIRC com o objectivo de determinar «a natureza das tributações autónoma e o seu grau de conexão com o IRC», título a que deu destaque, para concluir precisamente o contrário do que afirma a impugnante.

Senão vejamos.

Na página 20 da decisão arbitral declara-se o seguinte:

«Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2011 e atual artigo 23º-A/1-a), do CIRC) (sublinhado nosso).

Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, na redação de 2011 (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”).

Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

Concluindo: as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

Este entendimento foi legal e recentemente clarificado pelo artigo 3º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 23º A) ao CIRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13º revogou o artigo 45º) com a seguinte redação:

Artigo 23º A)- Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

“1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros” .

Não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não relevam para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Assim é que, no caso sub juditio, não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90º, do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela requerente.

Daí que não ocorra a pretendida ilegalidade no cálculo da coleta relativa a IRC nos exercícios da requerente de 2011 e 2012 para efeitos da dedução das sobreditas despesas elegíveis no âmbito do SIFIDE.»

Consubstanciando-se a nulidade em apreciação na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório também nesta vertente não se verifica a imputada nulidade, na medida em que não ocorre contradição entre o iter constante na motivação com a decisão a final proferida, já que o julgamento foi efectuado no sentido da total improcedência dos pedidos formulados, em congruência com os fundamentos sura referidos.

O que sucede no caso é que a Recorrente não se conforme a com a decisão recorrida no sentido de não admitir a dedutibilidade de benefícios fiscais às tributações autónomas apuradas. Tanto assim é, que reafirma os argumentos que invocou no pedido de pronuncia, nas conclusões K) a U), no que se refere à qualificação das tributações autónomas, que na sua óptica integram o IRC e assim sendo, tal qualificação deveria conduzir à decisão de admitir a dedutibilidade de benefícios fiscais às tributações autónomas apuradas.

Quanto às conclusões K) a U) como a própria impugnante as intitula, constituem questões relativas ao mérito da causa que extravasam o âmbito dos seus poderes de cognição deste Tribunal, já que os únicos fundamentos legalmente admissíveis de impugnação das decisões arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, dos quais não consta o erro de julgamento (neste sentido pode ver-se o recente Acórdão deste Tribunal, em que a aqui relatora integrou a formação do colectivo no processo n.º 31/21.7BCLSB datado de 13/07/2023).

« I. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1, do mesmo diploma.

II - está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. (…)»

Restam-nos as concussões G) a J) nas quais, a título subsidiário, a impugnante invoca a nulidade da decisão por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão impugnada por omissão na sua fundamentação.

No entanto, atenta a formulação efectuada pela impugnante, concluímos que a apreciação das aludidas conclusões se encontra prejudicada, uma vez que, alega o seguinte: «G) Caso se conclua (…) que no discurso argumentativo preparatório da decisão arbitral se afirma uma coisa, mas também o seu contrário, i.e., que se afirma que as tributação autónomas são IRC e, simultaneamente, que não o são, então, como algo (as tributações autónomas) não pode simultaneamente ser e não ser (IRC, no caso), haverá que concluir haver omissão de indicação da fundamentação, por impossibilidade de co-habitação destas duas antinomias (…) Omissão de indicação da fundamentação por absoluta ininteligibilidade da fundamentação da decisão. Com efeito, se se considerar que a conclusão inequivocamente constante da decisão arbitral no sentido de que as tributações autónomas são IRC, não prevalece sobre a (possível) diferente conclusão aparecida num dos parágrafos de permeio, então não é possível saber o que realmente pensa ou pensou o decisor sobre esta questão, prejudicial na economia da decisão, e, consequentemente, tem de se dar por incognoscível a fundamentação (se alguma) da mesma.»

Ao concluirmos pela improcedência da imputação à decisão arbitral impugnada da nulidade por oposição dos seus fundamentos com a decisão, fica desde logo prejudicada a apreciação das conclusões na medida em que apenas seria de apreciar caso concluíssemos pela verificação da invocada oposição.


*


A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Ficando a impugnante vencida na ação, sobre ela impende este ónus (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).


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IV – CONCLUSÕES

I - A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento (error in judicando), a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

II - A contradição entre os fundamentos e a decisão, verifica-se quando os fundamentos evidenciados pelo julgador seguem uma linha de raciocínio que conduziriam lógica e inelutavelmente a uma decisão de sentido contrário ou de sentido diferente.


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V – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes que integram a Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em julgar improcedente a impugnação da decisão arbitral.


Custas pela Impugnante.

Registe e notifique.

Lisboa, 4 de Outubro de 2023.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Susana Barreto – 1ª Adjunta

Patrícia Manuel Pires – 2ª Adjunta