Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9731/16.2 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CUSTOS
DENSIDADE DOCUMENTAL
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I-No âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode ser coadjuvada pela prova testemunhal.
II-A densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA.
III-Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, não tendo a dedutibilidade fiscal dos custos de estar adstrita a uma específica vinculação laboral.
IV-Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
V-A insusceptibilidade de assunção do concreto meio de pagamento, não permite, per se, pôr em causa a dedutibilidade fiscal do custo, quando a própria contabilização e o fluxo financeiro não são sindicadas, mas apenas a forma como foi materializado o pagamento.
VI-Não tendo sido colocada em causa a efetividade dos custos, e corporizando as asserções de facto constantes no probatório a densidade formal e material, alocada ao respetivo objeto societário, tal significa que se encontra legitimada a sua consideração e dedutibilidade como custo fiscal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “P…., LDA” contra o ato de liquidação adicional n.º 8310002291, referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 1997, e respetivos Juros Compensatórios (JC), no valor global de €50.542,82.


***

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

I- Na douta sentença a quo entendeu-se que seria de anular parcialmente a liquidação adicional de imposto (IRC/1997), considerando então que a Impugnante logrou provar ter incorrido em despesas com “alugueres de equipamentos”; “deslocações e estadas” e “outros custos - variação de produção", por considerar irrelevante que os documentos de suporte dos respectivos registos contabilísticos não estabelecerem qualquer relação entre os beneficiários das despesas e a Impugnante, assim como por considerar que os meios de pagamento utilizados foram os da Impugnante.

II- Do assim doutamente decidido dissente esta RFP, porquanto, relativamente a todas aquelas categorias de correcções, não resulta que os custos contabilisticamente registados tivessem sido pagos através de meios pagamento da Impugnante, facto que não permite verificar o circuito financeiro subjacente às operações registadas, não obstante ter sido aquela, para o efeito, instada, no âmbito do procedimento inspectivo, a apresentar fotocópias dos cheques ou de meios bancários de transferência.

III- Quer isto dizer que a Impugnante não comprovou os alegados pagamentos efectuados com cópia dos correspondentes meios de pagamento, quer fossem eles financeiros ou outros.

IV- Sendo que este nexo entre a despesa e a entidade que nela incorreu, se reputa de essencial para que se pudesse determinar com rigor a entidade que, de acordo com as melhores práticas contabilísticas, estaria em condições de lançar tais despesas a título de custos ou gastos.

V- Posto que, estando em causa um consórcio em que participaram várias entidades, os documentos referentes aos meios de pagamento, revelavam-se fulcrais para se saber quem efectivamente incorreu nos referidos custos.

VI- Quanto às correcções relativas a despesas com viagens, alojamento e alimentação, não ficou demonstrado que a Impugnante nelas tenha efectivamente incorrido, dado que os documentos de suporte não identificam os respectivos beneficiários.

VII- E no que respeita às correcções relativas a alugueres de equipamentos, não poderão ser as mesmas aceites, visto que os respectivos documentos de suporte não permitem discernir se os utilizadores das viaturas tinham com a Impugnante qualquer relação laboral ou de prestação de serviços ou se trabalhavam ou prestavam serviços a qualquer outra entidade.

VIII- Relativamente às correcções denominadas de variação de produção, que comportam alugueres de viaturas e passagens aéreas de ida e volta de e para Moçambique e alojamentos e refeições, verifica-se que os documentos existentes na contabilidade, não identificam os beneficiários das estadias nem o período a que respeitam, para além de também aqui não ser perceptível a relação existente entre os beneficiários e a Impugnante.

IX- Assim, os referidos encargos não podem deixar de ser qualificados como não documentados, nos termos do art.° 45° do CIRC, não sendo, por tal facto, dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, sendo certo que os depoimentos testemunhais não lograram abalar as conclusões do procedimento inspectivo quanto a esta matéria.

IX - Deste modo, entende a Fazenda Pública que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspecção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.° 74°, n° 1 e 75°, n° 1 da LGT, 41° e 23° do CIRC, na medida em que ali se considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente, através da prova testemunhal, sem que os documentos contabilísticos de suporte permitam retirar semelhantes conclusões.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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O Recorrido, devidamente notificado contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:

A) A dedutibilidade fiscal dos custos dos sujeitos passivos de imposto decorre, única e exclusivamente, da comprovação da sua indispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", nos termos do artigo 23° do CIRC;

B) A dedutibilidade dos custos, para efeitos de IRC, encontra-se adstrita a dois pressupostos cumulativos, um de natureza material, consistente na indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto; e, outro, de natureza formal, atinente à comprovação da realização dessas mesmas despesas, as quais devem encontrar-se devidamente documentadas, apoiando-se em “documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário";

C) Ora, face à factualidade dada como provada, máxime nos artigos O a AH, é evidente que se encontra mais do que comprovada a indispensabilidade das despesas para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto;

D) A impugnante era uma produtora cinematográfica, produzindo filmes cinematográficos, tendo co- produzido o filme “C….", em Moçambique (alineas A), U) e V) dos factos provados);

E) Nessa co-produção, “ficou responsável pelo pagamento das despesas logísticas da equipa 20 portuguesa (as quais incluíam despesas de viagens, seguros, profilaxia de malária), pelas despesas de alojamento de todas a equipa de produção em Moçambique e pelas despesas com o aluguer de viaturas” (Alínea Z dos factos provados);

F) Foi precisamente o que fez, ou seja, a impugnante suportou, entre outras:

as despesas logísticas da equipa portuguesa ( as quais incluíam despesas de viagens, seguros, profilaxia de malária);

as despesas de alojamento de todas a equipa de produção em Moçambique;

as despesas com o aluguer de viaturas.

(alíneas R), S), T), Y), Z), AC), AD), AF), AG) e AH) dos factos provados).

G) “[e]m sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23°, n°1 e 42°, n° 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova"

H) Ora, os recibos encontravam-se todos na contabilidade da impugnante comprovando que pagou:

Os alugueres dos veículos (Alíneas R) e S), AF), AG) e AH);

Os alojamentos ou estadias (Alíneas T), AC), AD), AE), AH);

I) Encontram-se assim reunidos os requisitos de natureza formal e material de que dependia a dedução dos custos nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC;

J) A Douta Sentença proferida faz uma interpretação correcta do disposto nos art.° 74°, n° 1 e 75°, n° 1 da LGT, 23°, 41°, 42° e do CIRC.

K) Quanto à parte dos custos agregados na rubrica “Variação da Produção", cuja dedutibilidade é rejeitada pela Administração Tributária, importa concluir que a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios daí decorrente é ilegal

L) Por todo o exposto, é de concluir que a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura ao considerar procedente a impugnação judicial e, em consequência, a anulação do acto de liquidação adicional de IRC/ 1997 e juros compensatórios impugnados.

Termos em que, negando provimento ao presente recurso, e confirmando na íntegra a mui douta sentença recorrida, V. Exas farão a costumada Justiça!”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos constantes dos autos:

A) No ano de 2001, a impugnante era uma sociedade de responsabilidade limitada registada com o CAE 92130 - “Projecção de Filmes e Vídeos” (cfr. fls. 6 do PAT apenso aos autos );

B) Em 7 de Agosto de 2001, teve início uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, referente a IRC, IVA e outros, que incidiu sobre a impugnante, com referência ao exercício de 1997, tendo por base a Ordem de Serviço n° 37497, de 17 de Maio de 1999 (cfr- fls. 8 e 86 do PAT apenso aos autos);

C) Em 17 de Setembro de 2001, foi emitido o ofício n° 021537, dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), com vista a notificar a impugnante do projecto de conclusões do relatório de inspecção, no qual se preconizavam correcções à sua matéria tributável de IRC, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, no valor de 20.285.310$00, e para exercer, no prazo de 10 dias, o seu direito de audição prévia (cfr. fls. 50 a 82 do PAT apenso aos autos);

D) Por requerimento entrado na 1ª. Direcção de Finanças de Lisboa em 2 de Outubro de 2001, a impugnante exerceu o seu direito de audição prévia, tendo pugnado, em síntese, pela desconsideração das conclusões enunciadas no projecto referido na alínea antecedente e arrolado duas testemunhas, cuja inquirição requereu (cfr. fls. 41 a 48 do PAT apenso aos autos);

E) Em 8 de Outubro de 2001, foi elaborado o relatório final de inspecção, no qual se propõem correcções técnicas à matéria tributável de IRC da impugnante, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, relativas ao exercício de 1997, perfazendo o valor de 20.285.3io$oo (cfr. fls. 6 a 48 do PAT apenso aos autos);

F) As correcções meramente aritméticas à matéria tributável foram efectuadas com base nos seguintes factos e fundamentos extraídos dos termos do ponto III do relatório de inspecção tributária referido na alínea antecedente:








«Imagem em texto no original»


A) Conforme resulta do parágrafo VIII - Direito de Audição/ Fundamentação - do relatório de inspecção tributária mencionado em E) que antecede, a Administração Tributária respondeu à argumentação expendida pela impugnante em sede de audiência prévia nos seguintes termos:

“(...) Que alguém tenha de pagar as Despesas é demasiado óbvio, mas quem é que as pagou é a nossa interrogação.

O parágrafo 2.º. [do requerimento apresentado] enferma por omissão da parte final de um dos nossos motivos de não aceitação do Custo, pois, além de não estar comprovado que as facturas contabilizadas fossem pagas através de meios financeiros da empresa, também não ficou esclarecida qualquer outra forma de pagamento, baseada em documentos e identificação do autor dos mesmos.’’ (cfr. fls. 12 a 14 do PAT apenso aos autos);

B) Em resposta à audiência prévia da impugnante, refere, ainda, a Administração Tributária, no mencionado parágrafo VIII - Direito de Audição/ Fundamentação - do relatório de inspecção tributária mencionado em E) que antecede, invocando o disposto nos artigos 17.º, n°s. 1 e 3, alínea b), 23.º, 41.º, n° 1, alíneas c) e h) e 98.º, n° 3, alínea a), todos do Código do IRC:

“Em síntese, à luz da Lei Fiscal Portuguesa, Os Custos para serem aceites, têm de estar suportados por documentos que cumpram determinadas regras legais e, não basta simplesmente invocar que foram pagos ou requerer-se a audição de testemunhas.

As alegações efectuadas pelo Sujeito Passivo, não trazem nada de novo à Inspecção que foi realizada à sua contabilidade, pois:

- Não comprova que as Despesas em causa foram pagas pela empresa, nem esclarece a forma de como foram concretizados esses pagamentos. Foi sugerida a

apresentação de fotocópias de cheques ou de documentos bancários de transferência, com a identificação dos remetentes e dos destinatários, mas, não foi obtida qualquer resposta.

Relativamente às Despesas com o Pessoal (viagens, alojamento, alimentação), também não é comprovado que o Sujeito Passivo estivesse legalmente autorizado a suportá-las, sendo apenas referido um acordo de co-produção, que para o efeito, não substitui nenhuma personalidade jurídica. De referir também, que diversos documentos de elevado valor não estão sequer endereçados à empresa, motivo, por si só suficiente, para não constarem na sua contabilidade." (cfr. fls. 14 do PAT apenso aos autos);

C) Em 16 de Outubro de 2001, foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças de Lisboa, sancionando o teor do relatório de inspecção tributária e determinando a alteração da matéria tributável, nos termos propostos (cfr. fls. 4 do PAT apenso aos autos);

D) Em 23 de Outubro de 2001, foi emitido o ofício n° 24850, com vista a notificar a impugnante, através de carta registada com aviso de recepção, das conclusões resultantes da acção de inspecção tributária, cujo teor se transcreve:

“Notificação das conclusões resultantes da acção de Inspecção Tributária, das correcções técnicas efectuadas em sede de IRC ao lucro tributável, à matéria colectável e/ou ao imposto, bem como da sua fundamentação

Fica V.a Exa. por este meio notificado nos termos dos:

- art°s 61º do RCPIT - do teor do(s) despacho(s) que recaiu(iram) sobre a acção Interna/Externa de Inspecção Tributária, ao(s) exercício(s) de 1997;

- art°s 77.º da LGT, 36.º e 38.º do CPPT e 129.º do CIRC - das correcções técnicas efectuadas ao:


bem como das suas fundamentações, as quais tiveram por base os factos, motivos, fundamentos, critérios e cálculos expressamente desenvolvidos no(s) Relatório / DC(s) - 22, que fazem parte integrante da presente notificação e que serve(em) de fundamentação para todas as liquidações que vierem a ser efectuadas em resultado da presente acção inspectiva.

- Das correcções ao lucro tributável referenciadas como susceptíveis de recurso hierárquico, poderá nos termos do art° 129.º do CIRC interpor o respectivo recurso para o Ministro das Finanças, no prazo de 30 dias, contados da notificação, o qual terá efeitos suspensivos devendo o requerimento conter os elementos previstos no n° 3 do referido artigo. A matéria recorrida não é susceptível de ser reclamada/impugnada nos termos do art° 128.º do CIRC.

- Da presente comunicação, na parte que diz respeito às correcções técnicas sem efeitos suspensivos, bem como dos seus fundamentos, não cabe qualquer reclamação ou impugnação, sem prejuízo da RECLAMAÇÃO GRACIOSA OU IMPUGNAÇÃO JUDICIAL do acto final de liquidação, nos termos, respectivamente, dos art°s 68° e 99.º do CPPT.

- Mais se informa que a liquidação do imposto com base nas referidas correcções será, a breve prazo, feita e notificada pelos Serviços Centrais da DGCI com emissão, sendo caso disso, da nota de cobrança necessária para proceder ao correspondente pagamento, ou do cheque relativo à importância a restituir.” (cfr. fls. 154 e 155 do PAT apenso aos autos);

A) Em 29 de Novembro de 2001, a impugnante apresentou na 1ª Direcção de Finanças de Lisboa recurso hierárquico para o Ministro das Finanças pugnando, em suma, pela revogação do despacho referido em G) que antecede (cfr. fls. 12 a 23 do procedimento de recurso hierárquico apenso aos autos);

B) Em 6 de Março de 2002, foi emitida a liquidação adicional n° 8310002291, relativa a IRC do exercício de 1997, da qual resulta imposto a pagar no valor de €34.102,83, acrescido de juros compensatórios no valor de €12.700,50, e derrama, a que é deduzido o valor de €299,28, relativo a liquidação anterior, perfazendo o valor de €50.542,82 (cfr. fls. 23 dos autos);

C) Em 16 de Julho de 2002, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 6 a petição inicial da presente impugnação judicial (cfr. fls. 2 a 19 dos autos);

D) Em 3 de Outubro de 2003, foi proferido despacho pelo Subdirector- Geral, por subdelegação de competências, negando provimento ao recurso hierárquico “por não ser o meio processual adequado” e determinando a sua remessa à Direcção de Finanças de Lisboa, em ordem à sua convolação “em reclamação graciosa, caso este meio não tenha sido utilizado” (cfr. fls. 2 do procedimento de recurso hierárquico apenso aos autos)

E) Em 10 de Setembro de 1996, a impugnante celebrou um contrato de co- -produção com a sociedade de direito sueco T…, “referente ao file “C…”, que será realizado por S…”, cujo teor se transcreve parcialmente:

“(...) CLÁUSULA SEGUNDA

A Direcção de Produção estará a cargo do Produtor II [Impugnante]. Cabe no entanto ao Produtor I [T…], além da Realização, participar em todas as diligências necessárias para a boa execução do filme.

CLÁUSULA TERCEIRA

O filme referido na Cláusula Primeira será inteiramente filmado em Moçambique (Maputo e arredores). (...)

CLÁUSULA QUINTA

O Produtor II organizará a contabilidade do filme que porá à disposição do Produtor I para consulta. 0 Produtor I apresentará as contas dos gastos de produção por si efectuados que se juntarão à contabilidade geral do filme para apuro final da totalidade dos custos de produção.

CLÁUSULA SEXTA

O Produtor I garante ao Produtor II estar de posse dos direitos de autor do argumento, adaptação cinematográfica e diálogos do filme referido na Cláusula Primeira bem como dos direitos de Realização. (...)

CLÁUSULA SÉTIMA

Os Produtores aqui designados acordam desde já que o Orçamento do filme é no montante de Esc. 207.500.000$00 (DUZENTOS E SETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL ESCUDOS). A participação do Produtor I é de 73% e a do Produtor II é de 27% do referido orçamento.

CLÁUSULA OITAVA

Se qualquer dos Produtores trouxer participação financeira para além das já existentes, as percentagens referidas na Cláusula anterior, poderão ser alteradas em função dos montantes acrescidos mas fica já aceite pelas partes que a percentagem do Produtor II não poderá diminuir. (...)

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA

Este contrato entra em vigor assim que for confirmada pelo Instituto Português de Arte Cinematográfica e Audiovisual a sua participação financeira neste projecto.” (cfr. fls. 131 a 133 dos autos);

F) Em 5 de Dezembro de 1996, a impugnante celebrou um “Acordo de Apoio Financeiro à Co-Produção do Filme “C…” com o Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual (IPACA), com vista à concessão de um subsídio a fundo perdido no valor de 20.ooo.ooo$oo (cfr. fls. 29 a 34 dos autos);

G) Em 29 de Julho de 1997, a impugnante celebrou um contrato com a Radiotelevisão Portuguesa SA, pelo qual foi acordada a participação desta última entidade na co-produção do filme “C ….”, conferindo-lhe direitos de exibição e venda da obra mediante a prestação de um conjunto de contrapartidas, de entre as quais se destaca o pagamento de 2o.ooo.ooo$oo(cfr. fls. 35 a 39 dos autos);

H) A «A… - Limitada» emitiu os seguintes documentos referentes a débito de alugueres de veículos:


«Imagem em texto no original»


A) Nas datas indicadas a «A….. Limitada» emitiu os seguintes recibos, com a indicação “Recebido/Received From: C….

Valor (USD)
    Número do recibo
Data de emissão
        4.817,00
        09242
9-jan-1997
        9-152,48
        09273
          17-fev-1997
        1.228,00
        08768
          28-fev-1997
        7.859,60
        10306
          13-mar-1997
        6.68741
        08941
          28-mar-1997
29.744,19
(cfr. fls. 17, 21, 22, 28 e 32 do PAT apenso aos autos);

A) Em 30 de Janeiro e 4 de Março de 1997, foram emitidos pela «M…. Lda - » os recibos n°s. 310 e 159, respectivamente, pelos quais declara ter recebido de “C....” os valores de USD 32.016,00 e USD 32.395,00, também respectivamente (cfr. fls. 38 e 39 do PAT apenso aos autos);

B) A filmagem do filme “C…” teve lugar em Moçambique, entre o início de Janeiro de 1997 e meados de Março de 1997 (cfr. fls. 141 e 142 e145 a 148 dos autos);

C) A filmagem da “C….” foi concluída e o filme foi exibido em salas e festivais de cinema (cfr. fls. 150 a 165 dos autos);

D) A concessão dos direitos de autor sobre a obra literária em que se baseou a “C…” foi condicionada à rodagem do filme em Moçambique (cfr. depoimento da testemunha S…);

E) O filme “C....” foi co-produzido pela impugnante, pela sociedade de direito sueco T… e pela sociedade de direito moçambicano A…. , com uma participação no orçamento de 20%, 75% e 5%, respectivamente (cfr. fls. 24 e 134 dos autos e depoimento da testemunha S….);

A) No âmbito da co-produção estabelecida, o director de produção H…., sócio-gerente da impugnante, ficou responsável pelos pagamentos e manipulação de dinheiro (cfr. depoimento da testemunha S…..);

B) No âmbito da co-produção estabelecida, a impugnante ficou responsável pelo pagamento das despesas logísticas da equipa portuguesa (as quais incluíam as despesas de viagens, seguros, profilaxia de malária), pelas despesas de alojamento de toda a equipa de produção em Moçambique e pelas despesas com O aluguer de viaturas (cfr. depoimento das testemunhas S…. e G…);

C) No âmbito da co-produção estabelecida, a T…. ficou responsável, entre outros, pelo pagamento dos direitos de autor, salários dos actores e técnicos, guarda-roupa, adereços e custos de laboratório (cfR.depoimento das testemunhas S…. e G……);

D) No âmbito da co-produção estabelecida, a sociedade A…. ficou responsável pela cedência do décor e do espaço onde funcionou o escritório de produção (cfr. depoimento das testemunhas S…. e G…);

E) A equipa de produção consistia num grupo de cerca de 25 a 30 pessoas, de entre os quais cerca de 10 pessoas eram portuguesas (cfr. depoimento das testemunhas S…. e G….);

F) A equipa de produção ficou alojada na Residencial K… (cfr. depoimento das testemunhas S…. N…. e G…. T….);

G) A Residencial K…. providenciava alojamento e catering à equipa de produção (cfr. depoimento da testemunha S….);

H) A filmagem do filme “C....” implicava o transporte de várias pessoas e equipamento entre locais de filmagem (cfr. depoimento das testemunhas S… N… e G… T….);

I) Os documentos emitidos pela A…. - …. Limitada identificavam a pessoa a quem o veículo alugado era entregue (cfr. depoimento da testemunha G… T….);

J) E comum a imputação e débito de custos e encargos em nome das produções (cfr. depoimento da testemunha G…. T…).


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O Tribunal a quo, consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto assentou “[n]o exame dos documentos, não impugnados, constantes dos autos e do PAT apenso, e, bem assim, no depoimento das testemunhas inquiridas – S… N…., realizadora do filme “C....”, e G…., secretária de produção da impugnante à data da produção do mesmo - as quais concretizaram os contornos específicos que circunstanciaram a co-produção daquela obra cinematográfica, e que responderam às questões formuladas de forma espontânea, credível e clarificadora, demonstrando possuir conhecimento directo da factualidade provada.”

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, DRFP, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRC, e respetivos JC, do exercício de 1997.

Importa, desde logo, ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

Ø O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que valorou, incorretamente, a prova carreada aos autos;

Ø A decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, por ter decidido pela ilegalidade das correções atinentes aos custos com Alugueres de equipamentos; Deslocações e estadas e Outros custos, sob a designação de “Variação da Produção”, na medida em que a densidade formal não está, devidamente, suportada, porquanto os beneficiários não pertencem aos quadros da empresa, e por outro lado, porque inexiste uma apresentação dos concretos meios de pagamento, não podendo, assim, subsumir-se no artigo 23.º do CIRC.

Apreciando.

Ab initio, importa referir que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, não requerendo qualquer aditamento por complementação, substituição ou supressão, apenas sindicando errónea ponderação e valoração da prova constante no acervo probatório, donde, mero erro de julgamento.

Assim, face ao exposto, encontrando-se a matéria de facto devidamente estabilizada, importa, então, aferir se a decisão recorrida cometeu erro de julgamento de facto e de direito, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente advoga erro de julgamento, porquanto relativamente a todas aquelas categorias de correções, não resultam evidenciados quais os concretos meios financeiros atinentes ao seu pagamento.

Mais aduz que, quanto às correções relativas a despesas com viagens, alojamento e alimentação, não ficou demonstrado que a Recorrida nelas tenha efetivamente incorrido, dado que os documentos de suporte não identificam os respetivos beneficiários.

Sendo que, no atinente às correções relativas a alugueres de equipamentos, os respetivos documentos de suporte não permitem discernir se os utilizadores das viaturas tinham com a Recorrida qualquer relação laboral ou de prestação de serviços ou se trabalhavam ou prestavam serviços para qualquer outra entidade.

Advogando, ainda, no concernente às correções denominadas de variação de produção, que comportam alugueres de viaturas e passagens aéreas de ida e volta de e para Moçambique e alojamentos e refeições, que os documentos existentes na contabilidade, não permitem aquilatar a concreta relação existente entre os beneficiários e a Recorrida.

Conclui, assim, que os referidos encargos não podem deixar de ser qualificados como não documentados, não sendo, por tal facto, dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que estão demonstrados os requisitos para se concretizar a sua dedutibilidade fiscal, concretamente os pressupostos formais atinentes à sua documentabilidade e o pressuposto material concatenado com a sua indispensabilidade, conforme resulta inequívoco do probatório dos autos.

Mais sufraga que, conforme evidenciado na decisão recorrida, há que ponderar e valorar a atividade tão peculiar por si exercida, sendo que o teor dos escritos contemplados no acervo fático dos autos permite, inequivocamente, estabelecer o nexo e suportar de forma idónea os custos visados, até porque em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos artigos. 23.°, n°1 e 42.°, n° 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Comecemos por convocar a fundamentação que esteou a procedência das visadas correções.

No atinente às despesas com alugueres de equipamentos refere, desde logo, que o fundamento atinente à inexistência de vínculo contratual dos respetivos utilizadores, é manifestamente insuficiente para a legitimar a correção, na medida em que a dedutibilidade fiscal desses custos não tem de estar adstrita a uma específica vinculação laboral.

Ademais, sublinha, que nos encontramos perante uma empresa que é produtora cinematográfica, tendo, nesse âmbito, co-produzido o filme “C....", em Moçambique, e, em rigor, “[a] Administração Tributária nada argui com vista a questionar a realização das despesas pela impugnante ou a sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora, como era seu ónus.”

Adensando, outrossim, que o probatório permite atestar “[o] interesse empresarial da impugnante que subjaz à indispensabilidade do custo na realização dessa despesa”, e bem assim que não é possível qualificarmos os encargos como não devidamente documentados em ordem ao consignado no artigo 41.º do CIRC.

No concernente ao fundamento invocado pela AT atinente aos comprovativos dos concretos meios financeiros, sustenta que a realidade constante no probatório permite atestar, de forma idónea, todos os elementos referentes à operação seja no âmbito do prestador, seja no âmbito do adquirente, comprovando a realização das despesas que lhes subjazem, nos termos e para os efeitos do n° 1 do artigo 23.º, da alínea h) do n° 1 do artigo 41.º e da alínea a) do n° 3 do artigo 98.º, todos do Código do IRC.”

Fazendo aqui enfoque que o “documento justificativo” para efeitos de IRC é conceitualmente mais lato do que a noção de “fatura”, para efeitos de IVA, sendo que toda a realidade contratual está, devidamente, contextualizada no acervo fático dos autos, o filme foi realizado, efetivamente, em Moçambique e no período assinalado nas faturas e recibos em contenda.

E a verdade é que, atentando na aludida fundamentação jurídica e cotejando-a com o recorte probatório dos autos, entende-se que não se verifica o arguido erro de julgamento na medida em que o Tribunal a quo analisou acertadamente o quadro jurídico aplicável, com a devida transposição para o caso vertente, e adequada abordagem da fundamentação contemporânea do ato.

Senão vejamos.

Atentando na fundamentação contemporânea do ato, verifica-se que a mesma radica, essencialmente, na circunstância dos beneficiários das despesas não fazerem parte dos quadros do pessoal da empresa, nem possuírem qualquer relação contratual de trabalho, e bem assim porque não foi cabalmente esclarecida a forma de pagamento, ou seja, como é que a importância em dívida foi satisfeita.

Concluindo, assim, que os custos em contenda não podem ser dedutíveis fiscalmente em ordem ao consignado nos artigos 23.º, 41.º, alíneas c) e h) e 98.º todos do CIRC.

Atentemos, então, no quadro normativo que releva para o caso dos autos, estabelecendo os devidos considerandos de direito atinentes ao efeito.

Importa, evidenciar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana, expressamente, do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme resulta da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;
c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;
e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta;
f) Encargos fiscais e parafiscais;
g) Reintegrações e amortizações;
h) Provisões;
i) Menos-valias realizadas;
j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.(…)”

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida, tão-somente, numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.

De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (1) TOMÁS TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, C.T.F. n.º 396, página 135”.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (2) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente..

No atinente à documentabilidade do custo, consignava, à data, o artigo 41.º, nº1, alíneas c) e g), do CIRC, que não são dedutíveis fiscalmente:

“ c) Os impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar;

h) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.”

Preceituando, por seu turno, o artigo 98.º, nº3, alínea a), do CIRC que na execução da contabilidade deve observar-se, em especial, o seguinte:

“Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de ser apresentados sempre que necessário”.

Sendo ainda de ressalvar que, à data, a densidade de suporte documental em termos de IRC era distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não coartava liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.

Com efeito, “o custo indocumentado, pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. (3) In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 2951/09, datado de 07.05.2020.

Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva” (4) in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80..

Feitos estes considerandos, e transpondo os mesmos para o caso vertente, ter-se-á de concluir, conforme já deixámos antever anteriormente, que a decisão recorrida -a qual, inversamente ao evidenciado pela AT, na sua conclusão A), foi julgada integralmente procedente e não, como refere, parcialmente procedente- não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados.

E isto porque, não tendo sido colocada em causa a efetividade dos custos, e corporizando as asserções de facto constantes no probatório a densidade formal e material, alocada ao respetivo objeto societário, tal significa que se encontra legitimada a sua consideração e dedutibilidade como custo fiscal.

Mas, expliquemos, então, porque assim o entendemos. Apreciando cada uma de per se.

Relativamente ao aluguer de equipamentos, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, secundamos que, por um lado, os elementos documentais que suportam a relação em contenda são suficientes e permitem estabelecer todos os elementos atinentes à visada operação, constando inclusive os competentes documentos de débito e correspondentes recibos, e por outro lado, o facto de os beneficiários do aluguer de viaturas não integrarem os quadros da empresa, não permite, sem mais, pôr em causa a dedutibilidade desses custos, até porque nada foi substanciado que permita sindicar a sua concreta indispensabilidade.

Acresce, outrossim, que face à presunção da verdade declarativa que goza a escrita do contribuinte (artigo 75.º da LGT), tendente a infirmá-la, a AT tem de provar que as verbas corrigidas não estão diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, não podendo limitar-se a juízos conclusivos.

Ademais, e no sentido propugnado na decisão recorrida não se pode descurar o caráter tão sui generis da atividade desenvolvida pela empresa, e todas as particularidades a ela atinentes, sendo certo que no caso sub judice, e como já evidenciado, é não controvertida a efetividade e a materialidade das despesas, dimanando, outrossim, provada a realização do filme em Moçambique, e nos períodos de janeiro de 1997 a março de 1997, logo em total consonância com as datas constantes nos documentos externos da fornecedora dos serviços e contemplados no probatório.

A atestar o supra expendido convoque-se, então, o plasmado no aludido acervo fático. Do probatório resulta, designadamente, o seguinte:

A Recorrida, a 10 de setembro de 1996, celebrou um contrato de co-produção com a sociedade de direito sueco T….., referente ao filme “C....”, que seria realizado por S…., e inteiramente filmado em Moçambique, dele resultando, desde logo, que a Direção de Produção e a organização da contabilidade estará a cargo da Recorrida.

Dimanando, igualmente, que a Recorrida, a 5 de dezembro de 1996, celebrou um “Acordo de Apoio Financeiro à Co-Produção do Filme C…” com o Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual, com vista à concessão de um subsídio a fundo perdido, e a 29 de julho de 1997, celebrou um contrato com a Radiotelevisão Portuguesa SA, pelo qual foi acordada a participação desta última entidade na co-produção do filme “C…”, conferindo-lhe direitos de exibição e venda da obra mediante a prestação de um conjunto de contrapartidas, mormente, o pagamento de €99.759,58.

Resultando inequívoco e assente que a filmagem do filme “C…” teve lugar em Moçambique, entre o início de janeiro de 1997 e meados de março de 1997, tendo o filme sido foi exibido em salas e festivais de cinema.

E que, no âmbito da referida co-produção, a Recorrida ficou responsável pelo pagamento das despesas logísticas da equipa portuguesa, as quais incluíam, designadamente, as despesas de viagens, seguros, profilaxia de malária, pelas despesas de alojamento de toda a equipa de produção em Moçambique e pelas despesas com o aluguer de viaturas.

E, outrossim, atestado que a filmagem do filme “C....” implicava o transporte de várias pessoas e equipamento entre locais de filmagem, e que nesse contexto, foram emitidos pela sociedade “a… limitada” os documentos respeitantes ao débito de alugueres de veículos, neles se patenteando, desde logo, o respetivo montante, a identificação do documento, da pessoa a quem o veículo alugado era entregue, com expressa alusão, na sua generalidade, ao filme “C….”.

Sendo ulteriormente emitidos os respetivos recibos, em total conformidade com os aludidos documentos e com clara indicação de “Recebido/Received From: C…”.

Ora, face ao supra expendido, infere-se que tais documentos congregam os elementos essenciais das operações que titulam, desde logo, se externando quem prestou o serviço, quem o faturou, e quem incorreu e suportou o respetivo custo, permitindo, assim, identificar as características fundamentais da operação, a sua individualização e a verificação da sua conexão com a fonte produtora.

Logo, a aludida documentação é idónea e suficiente para justificar e comprovar as despesas em questão, na medida em que é possível identificar a natureza do custo, a sua concreta mensuração, a quem se dirigiu o pagamento, estando, perfeita e cabalmente, identificado o emitente do recibo.

Neste concreto particular, elucida o Aresto do STA, proferido no processo nº 184/10, datado de 06 de maio de 2020, a propósito do âmbito e extensão da documentabilidade do custo o seguinte:

“A redação do CIRC a considerar e, por isso, a anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro. Não existia então uma norma equivalente à do n.º 6 do seu artigo 23.º (na redação atual), segundo o qual, «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo dos bens ou serviços (…) deve obrigatoriamente assumir essa forma».
Como se sabe, havia ao tempo duas correntes jurisprudenciais: uma que defendia que os gastos com operações sujeitas a faturação deviam ser obrigatoriamente comprovados por fatura emitida pelo fornecedor dos bens ou prestador dos serviços que observasse os requisitos estabelecidos no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado; outra que defendia que a comprovação desses gastos podia fazer-se com recurso a outros documentos que, não contendo embora as específicas solenidades da fatura, indicassem explicitamente as principais características da operação (sujeitos, objeto, data e preço).
Era a segunda a corrente maioritária e aquela que foi adotada, designadamente, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 8 de julho de 1999, no processo n.º 23535, e de 5 de julho de 2012, no processo n.º 658/11. Neste último se decidiu, além do mais, que «em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 42.º, n.º 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA».
Jurisprudência que agora se reafirma. À data dos factos, o documento justificativo de um lançamento contabilístico e, em particular, um documento comprovativo de um custo não tinha que ser constituído por uma fatura ou documento equivalente. O que importava era que o documento fosse adequado a comprovar a realização da operação e a relacioná-la com a fonte produtora.
Quer dizer, não relevava o conteúdo formal do documento, mas um certo conteúdo funcional, a sua adequação para cumprir uma certa função, que podemos agora designar de função de justificação ou de credibilização.
Trata-se de uma função dos documentos que não tem paralelo no direito civil, porque não está aqui em causa comprovar as declarações negociais e assegurar a sua eficácia externa (com a consequente estabilidade e segurança nos negócios jurídicos) mas indiciar a transferência de riqueza, isto é, constituir um indício fundado da ocorrência de uma operação com relevo fiscal.
Assim, os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos deviam ser adequados a relacionar um certo fluxo financeiro com uma operação subjacente com relevo económico (a jusante) e com a fonte produtora (a montante). Se permitissem o estabelecimento desse elo ou nexo na cadeia dos acontecimentos da empresa seriam documentos credíveis, no sentido de que conferiam uma certa aparência de verdade à operação e concorriam, assim, para suportar a credibilidade da própria escrita, tão necessária ao funcionamento da presunção a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Mas, se o enfoque estava no conteúdo funcional desses documentos (na função específica que cumpriam no plano contabilístico e do direito fiscal), isto também significa que, na falta de disposição legal que o impusesse, os documentos não tinham que ter uma forma específica, isto é, não tinham que observar específicos requisitos formais para cumprirem a sua função.
De salientar que as faturas têm – ainda hoje – uma função em sede de IVA que não tem paralelo no em sede de IRC e que podemos designar de função de acertamento ou até de substanciação. Porque servem para acertar (titular) um direito (o direito a deduzir o imposto nele mencionado) e consubstanciar (incorporar) o ato cuja estrutura e comando torna esse direito possível (o ato de faturar). Porque, como refere José Guilherme Xavier de Basto [«A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional»,in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (164), Lisboa 1991, pág. 140], em sede de IVA «cada fatura mencionando imposto constitui um cheque sobre o tesouro».
Nas palavras de Tomás Maria Cantista de Castro Tavares [«Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos», in Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 124], «as exigências formais em sede de IVA resultam das características e dos fins acautelados por este imposto, quais sejam de uma intervenção poligonal, por incidência financeira do imposto sobre as diversas fases de transação do bem(…).Ao nível do imposto sobre o rendimento, as exigências formais não são tão severas», porque «[a]o documento justificativo apenas se pede que identifique as operações societárias e que condense um eficaz mecanismo de controlo». (destaques e sublinhados nossos).

É certo que dos aludidos documentos não é possível aquilatar a forma como foi efetuado o pagamento, no entanto, tal realidade não permite, de todo, pôr em causa a dedutibilidade fiscal do custo, quando, ademais, a própria contabilização e o fluxo financeiro não é colocado em causa, mas apenas a forma como foi materializado o pagamento.

Neste âmbito, chama-se à colação o Aresto prolatado neste Tribunal, no processo nº 1055/08, de 16 de fevereiro de 2023, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“I-Para efeitos da dedutibilidade fiscal do custo, os documentos justificativos dos lançamentos contabilísticos, não têm que assumir uma forma específica, isto é, não têm que observar os específicos requisitos formais de uma fatura para cumprirem a sua função, podendo, assim, ser justificados por documentos internos/externos, desde que os mesmos permitam identificar as características fundamentais da operação, a sua individualização e a verificação da sua conexão com a fonte produtora.

II-A insusceptibilidade de assunção do concreto meio de pagamento, não permite, per se, pôr em causa a dedutibilidade fiscal do custo, quando, ademais, a própria contabilização e o fluxo financeiro não são colocadas em causa, mas apenas a forma como foi materializado o pagamento.”

Assim, face a todo o expendido anteriormente, e aderindo à fundamentação jurídica constante, designadamente, dos Acórdãos citados há que concluir que os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos são, in casu, documentos externos, credíveis, com todos os elementos identificativos da operação, donde, adequados a relacionar o fluxo financeiro com a operação subjacente com relevo económico (a jusante) e com a fonte produtora (a montante). Conferindo, assim, aparência de verdade à operação e em conformidade com a já convocada presunção a que se reporta o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

No mesmo sentido se terá de concluir relativamente à desconsideração dos custos incorridos pela Recorrida com deslocações e estadas, no valor de €49.798,51, porquanto subsumível no artigo 23.º do CIRC.

E isto porque, transpondo mutatis mutandis as considerações de direito expendidas anteriormente, ter-se-á de concluir que a correção padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto sendo não controvertida a sua realização-ainda que a Recorrente sindique, ora, tal efetividade mas sem qualquer valia em termos de legitimação da correção porquanto não contemporânea da fundamentação do ato- e tendo presente que o suporte documental dos autos permite identificar todos os elementos essenciais da operação e alocar ao escopo empresarial da Recorrida, há que secundar o ajuizado pelo Tribunal a quo.

Com efeito, e conforme resulta da alínea T), da factualidade assente foram emitidos a 30 de janeiro de 1997 e a 4 de março de 1997, pela “M….”, os recibos n°s. 310 e 159, respetivamente, nos quais atesta ter recebido de “C…” os valores de USD 32.016,00 e USD 32.395,00.

Logo, à semelhança do referido anteriormente, tais documentos têm natureza externa, e permitem retirar os elementos caraterizadores da operação, permitindo que a AT possa, no âmbito da sua atividade fiscalizadora, controlar a legalidade dos gastos, quando, ademais, recorde-se, resulta do probatório que a equipa de produção ficou, justamente, alojada nessa residencial e no período constante nesses mesmos documentos.

Reconhecendo-se, total acerto à esteira de entendimento constante na decisão recorrida porquanto, como visto, em consonância com o quadro jurídico e total respaldo na realidade constante no probatório, transcrevendo-se, por conseguinte e designadamente, o seguinte:

“Com efeito, neste contexto, também os recibos emitidos pela «M….» apresentam uma natureza externa, encerrado uma “densidade mínima” passível de carrear à sua qualificação como “documentos justificativos”, nos termos e para os efeitos dos artigos 98.º, n° 3, alínea a) c 41.º, n° 1, alínea h), a contrario sensu, ambos do Código do IRC.
Esta conclusão não é prejudicada pela circunstância de o adquirente dos serviços de alojamento e refeições identificado nos anteditos recibos ser a produção “C ….”, a qual é justificada pela especial natureza que a relação de co-produção cinematográfica estabelecida entre a impugnante, a T…. e a A…. reveste, designadamente no que respeita à participação de cada entidade nos proveitos e custos associados à produção (cfr. alíneas X) a AB) dos factos provados).
A isto acresce a circunstância de ter sido demonstrado nos presentes autos que o filme “C….” tinha, por motivos relacionados com a exploração de direitos de autor, de ser filmado em Moçambique, que essa filmagem ocorreu sensivelmente entre Janeiro e Março de 1997, que a equipa de produção era constituída por cerca de 25 a 30 pessoas (de entre as quais 10 eram portuguesas) e que essas pessoas tinham, naturalmente, de ficar instaladas numa unidade de alojamento, como ficaram (cfr. factos U), W) e AC) a AE) dos factos provados).”

E por assim ser, conclui-se que a documentação carreada é suficiente e idónea para asseverar os termos da operação e alocá-la ao escopo empresarial, e nessa medida subsumir normativamente no artigo 23.º do CIRC.

A fundamentação que vimos expendendo para as duas despesas supra evidenciadas, é inteiramente transponível para a correção atinente à variação com produção, até porque, conforme resulta do Relatório de Inspeção Tributária, e aliás, mencionado na decisão recorrida, a autonomização desta correção, pela AT, decorre da circunstância de os custos aí compreendidos se encontrarem indevidamente integrados na conta “Trabalhos em Curso” do exercício de 1996 da Recorrida, sendo que os fundamentos que acarretaram as correções são exatamente os mesmos, concretamente, beneficiários sem vínculo laboral com a empresa, e porque “não foi esclarecida a forma de pagamento, ou seja, como é que a importância em dívida foi satisfeita”.

Note-se, ademais, que relativamente ao alojamento e refeições resulta assente que a Residencial …. providenciava alojamento e catering à equipa de produção, a qual se encontra, devidamente, individualizada no probatório, dele se externando, assim, a sua ligação ao âmbito empresarial.

De relevar, ainda neste particular, que não logra provimento a alegação, aliás genérica, à existência de um consórcio e à falta de alocação das concretas despesas, na medida em que, há, como visto, contratos, e acordos a atestar essa concreta alocação, a qual está sedimentada nos documentos de suporte que vimos analisando e constantes no probatório, e que integram, como visto, as faturas e os competentes recibos.

Não podendo, assim, fundar a desconsideração das despesas visadas o juízo conclusivo no sentido de que “não é comprovado que o Sujeito Passivo estivesse legalmente autorizado a suportá-las, sendo apenas referido um acordo de co-produção, que para o efeito, não substitui nenhuma personalidade jurídica.”, porquanto, como visto, sem respaldo com a realidade constante no probatório e quando inclusive o projeto visado foi subsidiado a fundo perdido com Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual e logrou um acordo de transmissão com a RTP.

Ademais, há que ter presente que foi acolhida uma conceção ampla do conceito de indispensabilidade, designada e expressamente no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no âmbito do processo nº 01402/17, de 27 de junho de 2018, do qual deriva que “o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.”

De sublinhar, outrossim, que o facto de não ter sido “esclarecida a forma de pagamento, ou seja, como é que a importância em dívida foi satisfeita”, não permite, sem mais, fundar a correção em contenda, quando, conforme já tivemos oportunidade de referir e, ora, reiterar, a materialidade, efetividade, natureza e fluxo financeiro não é sindicado.

Assim, dando por reproduzido todo o expendido anteriormente, e sem necessidade de considerações adicionais há, efetivamente, que validar a anulação das visadas correções.

Destarte, face a todo o exposto, secunda-se o decidido, neste concreto particular, pelo Tribunal a quo, no sentido de que as despesas em contenda estão devida e idoneamente suportadas, sendo possível alocá-las ao seu escopo societário, subsumindo-se, assim, no normativo 23.º do CIRC, donde dedutíveis fiscalmente.

Pelo exposto, sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, improcede, na íntegra, o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida na ordem jurídica.


***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por a Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1.01.2004
Registe. Notifique.

Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Jorge Cortês)