Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:518/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
EXERCÍCIO DA GERÊNCIA
Sumário:I - Não há qualquer norma que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
II - Todavia, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
III - A gerência de facto de uma sociedade consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.
IV – No caso concreto, o Oponente era, ao menos a partir de 2001, o único gerente da sociedade executada, donde a Recorrente retira que a viabilidade funcional da devedora originária ficaria comprometida sem a intervenção do oponente.
V - Contudo, o Oponente nega qualquer exercício da gerência, sendo que a matéria de facto não provada é de sentido contrário à tese da Recorrente, afastando o efectivo exercício da gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que considerou procedente a oposição deduzida por J..., enquanto revertido, no âmbito da execução fiscal nº 15... e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade G... – A... Lda., para a cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRS e IRC, no montante total de € 133.629,65, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
A. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.
B. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que, da prova produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, determinando que se julgasse pela ilegitimidade da oponente.
C. Da análise da certidão de registo comercial junta aos autos verifica-se ter sido o oponente nomeado gerente único da devedora originária, desde a sua constituição em 21-04-1993,
D. sendo que, à data da sua designação a forma de obrigar da sociedade dependia da assinatura de um gerente, que só podia ser o ora oponente.
E. Constam, ainda, dos autos documentos, conforme dá a sentença como provado, documentos assinados pelo oponente, na qualidade de gerente da sociedade, nomeadamente, requerimento de pagamento de pagamento em prestações e pedido de dispensa de prestação de garantia, apresentados junto do PEF nº 15....
F. Um administrador/gerente, uma vez nomeado e iniciado o exercício das suas funções passa a ter direitos e obrigações para com a sociedade e para com terceiros.
G. Levando em consideração que o opoente era a único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava o mesmo, legítimo será presumir o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade.
H. Daqui decorre que o oponente tinha uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade,
I. Até porque, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção do oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.
J. No que respeita à alegada ausência de culpa, cumpre referir que, tendo a reversão sido efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º da LGT, verifica-se uma presunção de culpa do gerente pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período do exercício do seu cargo,
K. cabendo-lhe provar, por forma a ilidir tal presunção, que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias.
L. Ora, do invocado não se pode retirar que o oponente tenha ilidido essa presunção.
M. De facto, nenhuma prova foi apresentada quanto a medidas tomadas pelo oponente no sentido de recuperar a executada, nem quanto a medidas destinadas a satisfazer os interesses dos seus credores.
N. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o preceituado nos art. 24º, nº 1, al. b) da LGT, art. 153º do CPPT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA
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O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:

A - REJEIÇÃO DO RECURSO NO QUE SE REFERE À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
I. Nas suas alegações de recurso, a Recorrente propõe-se questionar factos dados como assentes na decisão recorrida, sem que para tal cumpra com os requisitos estabelecidos na lei para o correspondente efeito.
II. A Recorrente não deu satisfação - quer no corpo das alegações, quer nas respectivas conclusões - ao ónus que, nos termos do preceituado no artigo 640.º, do CPC, se encontrava a seu cargo, já que:
a) Não identificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Não designou quais os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e
c) Não expressou qual a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
III. Resulta das conclusões de recurso formuladas pela Recorrente que as mesmas se revelam insuficientes e inaptas a demonstrar erro na fixação da matéria de facto.
IV. A Recorrente limitou-se a singelas considerações sobre a sentença, incluindo factos que não constam do probatório da sentença ou reportando-se a prova documental, sem que identifique concretamente sequer quais documentos são esses.
V. Deste modo, a Recorrente deverá ser penalizada com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 640.º, do CPC, aqui aplicável, como referido, ex vi artigo 2.º, do CPPT.

B - FALTA DE MÉRITO DO RECURSO INTERPOSTO:

VI. A sentença recorrida pela Fazenda Pública decidiu dar como não provado «que no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários ou, no período em que se verificou o seu prazo legal de pagamento, o ora oponente praticou actos de gestão, agindo em nome e representação da sociedade devedora originária […]».
VII. Contrapôs a Recorrente que o Recorrido foi nomeado para o cargo de gerente e que, por tal razão, «será [de] presumir o exercício continuado dos poderes de administração e representação», daqui decorrendo «que o oponente tinha uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade».
VIII. Em socorro da sua tese, a Recorrente convoca o Acórdão do TCA - Sul, de 9 de Outubro de 2007, proferido no processo nº 01953/07.
IX. Porém, desde a prolação do acórdão do Pleno do STA, de 28 de Fevereiros de 2007, proferido no processo n.º 1.132/06, que a posição da jurisdição tributária é medianamente clara e, tal como se escreveu na sentença recorrida, passou a «entender-se que, não existe qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente o efectivo exercício da função não sendo possível hoje sustentar que, a Fazenda Pública beneficie da presunção judicial da gerência de facto e não tenha que fazer prova para poder reverter a execução contra o gerente “de direito” ou gerente nominal».
X. Este entendimento, de resto, consta exemplarmente plasmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul, de 20 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 04404/10, onde se escreveu que «o despacho de reversão deve conter, quais os concretos actos praticados pelo gerente ou administrador em nome e por conta dessa sociedade, enquanto pressupostos legalmente devidos para o exercício desse direito à reversão por banda da AT para contra eles a execução fiscal poder prosseguir».
XI. E foi precisamente esta a posição adoptada na sentença recorrida e que não se vê razão para ser alterada, pugnando-se pela manutenção da sentença recorrida.
XII. A Recorrente contrapôs ainda que existirão, assinados pelo Recorrido, um requerimento de pagamento de pagamento em prestações e um pedido de dispensa de prestação de garantia, apresentados junto do PEF nº 15....
XIII. Tais documentos foram tomados em consideração pela sentença recorrida para no ponto 4.4, onde se refere, em segmento final «para além dos dois requerimentos, identificados pelo OEF», a qual não os considerou relevantes, quer do ponto de vista de facto, quer do ponto de vista probatório.
XIV. E, em sede recursiva, a Recorrente chamou à colação os referidos documentos, mas não retirou daí nenhuma consequência, designadamente, quais as concretas razões pelas quais a existência de tal par de documentos deveria impor uma solução diferente daquela que foi adoptada pelo Tribunal na sua decisão final e, por tudo isto, deve tal alegação improceder.
XV. Mas ainda assim e à cautela, dirá o Recorrido que tais documentos, em abstracto, não são susceptíveis de provar a gestão de facto e efectiva de uma sociedade comercial.
XVI. A isto acrescente-se que se trata de dois documentos cujo teor nunca foi notificado ao agora Recorrido, pelo que, caso tal par de documentos viesse a ser considerado relevante para uma decisão desfavorável ao agora Recorrente, sempre estes teriam de lhe ser notificados, sob pena de nulidade.
V - PEDIDO:
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer que seja julgado improcedente, por não provado, o recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida, tudo com as
necessárias consequências legais.
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A EMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

a) De facto

“FACTOS PROVADOS, de acordo com o teor dos documentos, infra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório:

a) Em 24/04/2003, os serviços de finanças de Mafra instauraram o processo de execução fiscal n.º 5... à sociedade G... - A... Ld.ª, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas ao último trimestre de 2001, no valor de € 233,57, cuja data de pagamento voluntário terminava em 31/12/2002 - autuação do PEF e certidão de dívida junta a fls. 1 verso do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) Em datas não apuradas, foram apensados ao PEF, identificado na alínea antecedente, outros PEFs, instaurados para cobrança coerciva dos seguintes impostos: IVA, IRS e IRC, dos anos de 2002 a 2006 inclusive, perfazendo a quantia exequenda o montante global de € 133.629,65 (cento e trinta e três mil, seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) - Nota de Citação do Oponente, junta a fls. 138 do PEF e listagem de dívidas a esta apensa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

c) Por despacho, datado de 19/10/2011, o chefe do serviço de finanças de Mafra, determinou a preparação dos processos de execução fiscal, ids. em a) e b), para reversão dos respectivos créditos tributários contra o ora oponente J... - despacho junto a fls. 130 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

d) No citado projecto de reversão refere-se taxativamente o seguinte, quanto aos fundamentos da reversão:

“Relativamente à obrigação de pagamento:

(…) Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim nos termos da alínea b), do n.º1, do artigo 24.º da LGT, os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Assim, e face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição de responsabilidade subsidiária, temos que são responsáveis pelo pagamento da dívida (…) J... (…)“- citado projecto de reversão, junto ao PEF.

d) Em 19/10/2011 foi expedido ofício registado com o n.º 8873 destinado a notificar o Oponente para o exercício do direito de audição - Ofício junto a fls. 132 do PEF e registo n.º RC704639800PT junto a fls. 133 verso do PEF.

e) Em 17/11/20114, foi proferido despacho de reversão contra o ora oponente, o qual, replica os fundamentos do projecto de reversão, remetendo para o conteúdo do mesmo - despacho junto a fls. 134 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

4.4.

FACTOS NÃO PROVADOS:

1 - Que, no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários ou, no período em que se verificou o seu prazo legal de pagamento, o ora oponente praticou actos de gestão, agindo em nome e representação da sociedade devedora originária, nomeadamente, representando a sociedade, em actos reiterados e sucessivos, junto de entidades públicas ou privadas, preenchendo e assinando títulos de crédito como representante da referida sociedade, contratando com fornecedores, clientes ou funcionários, de forma reiterada e pagando-lhes o respectivo salário, ou ainda auferindo rendimentos, na qualidade de gerente da sociedade ou assinando declarações fiscais e outros requerimentos junto da AT, para além dos dois requerimentos, identificados pelo OEF.


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4.5.

CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto ao facto não provado, identificado em 4.3.1., resultou a convicção do Tribunal de a AT, se ter limitado a fazer uma prova meramente formal, isto é, da inscrição do oponente como gerente “de direito”, no registo comercial.

E, sendo certo que, era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental (prova que, de acordo com a jurisprudência pacífica existente nesta matéria, terá que ser contemporânea do despacho de reversão), resta concluir que, não tendo a AT reunido e coligido documentos suficientes que permitam fazer a prova da gerência de facto, por parte do Oponente, no período em apreço, o referido facto foi dado como não provado”.


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b) De Direito


Como resulta evidente daquilo que para trás ficou exposto, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição deduzida, por J..., à execução fiscal nº 15... e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade G... – A…, Lda, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRS e IRC, no montante total de € 133.629,65.
Inconformada com tal decisão, a Recorrente, Fazenda Pública, interpôs o presente recurso jurisdicional.

Ora, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que a Fazenda Pública se insurge contra o decidido em 1ª instância quanto à ilegitimidade do Oponente para a execução fiscal nº 15... e apensos que contra si reverteu.

Com efeito, analisando a responsabilidade do Oponente, e após fazer o devido enquadramento legal e jurisprudencial da questão, a Mma. Juíza a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que (parcialmente) de reproduz:

“(…)

Ora, de acordo com a factualidade apurada e com a corrente jurisprudencial hoje firmada, temos de concluir não ter a Fazenda Pública feito prova da gerência de facto, por parte do oponente nos exercícios fiscais de 2002 a 2006 (anos da constituição dos factos tributários e da ocorrência dos respectivos prazos legais de pagamento).

Pois que, conforme supra se afirmou, em sede de probatório, não há quaisquer documentos juntos aos autos que comprovem que o ora oponente auferiu remunerações ao serviço da sociedade devedora originária ou que dirigiu, de alguma forma, os destinos desta, contratando funcionários, procedendo ao seu pagamento, dando-lhes orientações, contratando com fornecedores, atendendo clientes, fazendo encomendas ou pagando facturas.

Não foram juntos aos autos quaisquer títulos de crédito, subscritos pelo Oponente nem se comprovou que a(s) conta(s) bancária(s) da sociedade era(m) movimentada(s) pelo Oponente.

O oponente é, pois, parte ilegítima, procedendo assim a oposição, quanto ao fundamento da ilegitimidade, quanto às dívidas em epígrafe”

Regressando ao articulado que nos vem dirigido, da leitura conjugada das conclusões da alegação de recurso e do corpo das alegações, é possível concluir que a Recorrente se insurge contra o juízo formulado, considerando que o TT apreciou incorretamente a matéria de facto relevante e errando na interpretação e aplicação das normas legais sub judice. Em particular, como se constata, refere-se a Fazenda Pública à prova produzida e às conclusões que lhe serviram de base.

Vejamos, então,

Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Ainda que com pouco rigor, as conclusões evidenciam pretensão de aditamento à matéria de facto da condição gerente da sociedade devedora originária, por parte do Oponente. Trata-se de matéria com relevo para a decisão da causa e que se mostra documentalmente demonstrada.

Nestes termos, adita-se ao probatório o seguinte:

g) Para a gerência da sociedade G... foi nomeado o não sócio J..., tal como consta da escritura de cessão de quotas, unificação, aumento e redenominação de capital e alteração do pacto, de 30/10/01 (cfr. fls. 25 a 32 da certidão do PEF);

h) A sociedade obriga-se com a intervenção de um gerente (cfr. fls. 25 a 32 da certidão do PEF e, bem assim, 122 e ss do PEF);

No mais pretendido, dir-se-á que a leitura do transcrito artigo 640º do CPC, no confronto com as conclusões da alegação de recurso (e até do teor das alegações), mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma, concretamente os pontos incorrectamente julgados (provados ou não provados) e a indicação dos meios probatórios que implicavam uma diversa apreciação de facto.

Note-se que o Tribunal recorrido não desconsiderou os elementos a que genericamente se refere a conclusão E), como resulta da leitura da passagem já transcrita a propósito da matéria de facto não provada, onde se alude aos “dois requerimentos, identificados pelo OEF”.

Ora – repete-se – tal factualidade não provada, tal como foi fixada, não se mostra eficazmente impugnada, nos termos assinalados supra, pelo que qualquer pretensão adicional de alteração da matéria de facto só pode estar condenada ao insucesso.

Estabilizada a matéria de facto, avancemos.


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Apreciemos, então, a sentença do TT de Lisboa que decidiu pela procedência da oposição, com fundamento, na ilegitimidade do oponente, tendo presente que já acima mencionámos o essencial do discurso fundamentador adoptado.

Tal como resulta da matéria de facto, o oponente, ora Recorrido, foi designado gerente da sociedade devedora originária, o que, aliás, quanto à gerência nominal, não é sequer questionado pelo Oponente, ora Recorrido.

Ora, a AT reverteu a execução fiscal contra a J... com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial G..., invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Nos termos de tal preceito, temos que:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, face à prova produzida, como o Tribunal a quo evidenciou, que a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada apenas resulta – repita-se – que o oponente foi designado gerente da sociedade G..., da qual, pelo menos a partir de 2001, não era sócio. Mais se apurou que era suficiente para obrigar a sociedade a assinatura de um gerente.

Daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito, a qual, repete-se, não foi questionada.

Com relevo determinante, no caso em apreciação, emerge como não provado na sentença que “no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários ou, no período em que se verificou o seu prazo legal de pagamento, o ora oponente praticou actos de gestão, agindo em nome e representação da sociedade devedora originária, nomeadamente, representando a sociedade, em actos reiterados e sucessivos, junto de entidades públicas ou privadas, preenchendo e assinando títulos de crédito como representante da referida sociedade, contratando com fornecedores, clientes ou funcionários, de forma reiterada e pagando-lhes o respectivo salário, ou ainda auferindo rendimentos, na qualidade de gerente da sociedade ou assinando declarações fiscais e outros requerimentos junto da AT, para além dos dois requerimentos, identificados pelo OEF”.

Trata-se – sublinhe-se – de matéria considerada não provada e que não foi eficazmente impugnada e, nessa medida, assume-se como um circunstancialismo determinante e que este Tribunal não pode ignorar na apreciação que lhe vem pedida.

Na verdade, rigorosamente nada ficou provado com interesse para a conclusão sobre o exercício da gerência de facto por banda do J..., sendo que – repete-se - a matéria de facto não provada é inequívoca no sentido do não exercício da gerência. Note-se, de resto, que já no articulado inicial de oposição o Recorrido defendia o não exercício de facto da gerência da devedora originária.

Em boa verdade, a Fazenda Pública, a este propósito, praticamente se limitou a invocar a condição de gerente nominal do Oponente relativamente à devedora originária, o que se afigura manifestamente insuficiente, atento o ónus da prova que sobre a Fazenda recai quanto ao efectivo exercício da gerência.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

É verdade – e este parece ser o argumento de maior peso apresentado pela Fazenda Pública - que o Oponente era, ao menos a partir de 2001, o único gerente da sociedade executada, o que parece levar a Recorrente a considerar que a viabilidade funcional da devedora originária ficaria comprometida sem a intervenção do oponente.

Contudo, como se considerou no acórdão do TCA Norte, de 12/06/14, no processo nº 00013/12.0BEBRG, “tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.

Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado” – no mesmo sentido, o acórdão deste TCA de 06/12/18, processo nº 550/11.3 BESNT.

No caso, porém, e tal como resulta da p.i, o Oponente nega qualquer exercício da gerência, sem que tal seja comprovadamente contrariado pela FP. Mais, aliás: a matéria de facto não provada - e não eficazmente impugnada – é de sentido contrário à tese da Recorrente e, nessa medida, não permite que este Tribunal se afaste das conclusões alcançadas em 1ª instância.

Em face de tudo o que vem dito e tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz à oposição/ recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte do ora Recorrido, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma (no caso, repita-se, foi considerado não provado precisamente o contrário da gerência efectiva).

Em suma, não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17/09/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Cristina Carvalho)