Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:26/14.7BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/26/2023
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:EMPREITADA
PEDIDO INDEMNIZATÓRIO
PRORROGAÇÃO CONTRATO
SUSPENSÕES DA EXECUÇÃO DOS TRABALHOS
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO- ART.ºS 160.º, 189.º, N.º 4, 190.º, 197.º, 255.º E 256.º DO RJEOP
Sumário:I - O prazo de 132 dias, previsto no art.º 255.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março- que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (doravante, apenas RJEOP)- contabiliza-se nos moldes descritos no art.º 274.º do mesmo diploma, ou seja, (i) não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, (ii) o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados nacionais, e, finalmente, (iii) o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o 1.º dia útil seguinte.
II - isto é, o momento que determina o início da contagem do referido prazo de 132 dias é o da notificação do ato que denegou a pretensão indemnizatória, e a contabilização do prazo refere-se a dias úteis.
III - O chamamento do regime previsto no art.º 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA para sustentar a caducidade do direito de ação apresenta-se manifestamente inadequado, visto que a presente ação não é impugnatória, mas antes uma ação de responsabilidade civil contratual, exercitada ao abrigo de uma ação administrativa comum e não especial.
IV - O que quer dizer que, os prazos aplicáveis à fórmula processual civil comum não são os descritos no art.º 58.º do CPTA, mas sim os descritos no art.º 41.º do mesmo diploma, sem prejuízo da aplicação de prazos específicos consagrados em lei substantiva, como sucede, precisamente, no caso do art.º 255.º do RJEOP.
V - A causa de pedir que suporta a pretensão indemnizatória da Recorrente assenta na delonga global da execução da empreitada em questão, motivada por várias suspensões dos trabalhos, aparentemente determinadas por motivos não imputáveis à Recorrente empreiteira, mas imputáveis ao Recorrido, ainda que as circunstâncias provocadoras dessas suspensões não derivem propriamente da prática de atos ou imposições por banda do Recorrido, mas sim de factos que ultrapassam o domínio da sua vontade.
VI - Não ocorre caducidade do direito de ação nos termos do art.º 197.º, n.ºs 1 e 6 do RJEOP, pois as suspensões dos trabalhos de execução da empreitada que determinaram a prorrogação do prazo contratual respeitam, fundamentalmente, a vicissitudes naturais e previsíveis, à existência de erros no projeto ou à demora de um procedimento administrativo a correr em simultâneo. O que permite afastar a aplicação do preceituado no art.º 197.º ao caso versado, especialmente, do prescrito nos n.ºs 1, 3 e 6.
VII - Em concomitância, também se apresenta destituída de sentido a afirmação de que a Recorrente deveria ter espoletado o procedimento descrito no art.º 197.º, sob pena de não poder posteriormente exercitar qualquer pretensão indemnizatória, porque a tal obriga o disposto n.º n.º 5 desse mesmo preceito, visto que, as situações a que pretende aludir esta norma são as que estão aí referidas, ou as que decorram da maior onerosidade da obra provocada por factos ou atos expressamente praticados pelo dono da obra, em conformidade com o estabelecido no art.º 196.º do RJEOP. O que não sucede no caso dos autos.
VIII - Por isso, a pretensão indemnizatória fundada diretamente neste tipo de causas encontra respaldo direto nos art.ºs 160.º, 189.º, n.º 4 e 190.º do RJEOP, não lhe sendo aplicável o procedimento descrito no art.º 197.º.
IX - Também não se mostra racional a convocação do disposto no art.º 256.º do RJEOP, visto que, evidentemente, não está em discussão o acatamento de qualquer ordem ou determinação emanada pelo Recorrido durante o período de execução da empreitada.
Votação:C/ VOTO DE VENCIDO
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
T…., Sociedade de Construções, S.A. (Recorrente), tendo proposto ação administrativa comum contra o Município de Loulé (Recorrido), vem interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Loulé em 26/05/2014, nos termos da qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito a propor a ação e, em consequência, o Recorrido Município foi absolvido dos pedidos.

Inconformada, vem a Recorrente interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo, sendo que as alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
«1- A acção administram a comum corresponde o processo declarativo comum, regulado no Código do Processo Civil, pelo que a resposta às excepções deduzidas na contestação é feita nu audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência de julgamento.
2- Findos os articulados, o Juiz profere despacho pré-saneador ou convoca audiência prévia, apenas não se realizando a audiência prévia nos casos previstos no art.º 592.° do CPC, ou seja, nas acções não contestadas e quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
3- O Juiz só pode dispensar a realização de audiência previa nas acções que hajam de prosseguir apenas para os fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art.º 591.º do CPC e desde que as partes, devidamente notificadas, não requeiram a sua realização.
4- O Juiz não pode dispensar a audiência prévia quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, sem antes facultar às partes a discussão de facto e de direito e sem as notificar dessa dispensa, para os efeitos previstos no n.º 3 do art.º 593.º do CPC.
5- O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, devendo assegurar um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso dc meios de defesa.
6- Não lendo o Meritíssimo Juiz a quo, findos os articulados, proferido despacho pré-saneador ou convocado a audiência prévia ou proferido despacho com vista à dispensa da audiência prévia ou promovido, mesmo oficiosamente, qualquer diligência no sentido de assegurar que a Recorrente tivesse a possibilidade de se pronunciar sobre as excepções deduzidas pelo Recorrido na Contestação, não lhe era lícito decidir sobre a matéria de tais excepções, por falta de cumprimento dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
7- Não sendo lícita tal decisão, o Meritíssimo Juiz a quo decidiu sobre questão da qual não podia tomar conhecimento, pelo que a douta sentença é nula, nos termos do art.º 615.º n.º 1 alínea d) do CPC.
8- O Recorrido alega duas excepções de caducidade com fundamentos distintos, a primeira nos art.ºs 1.º a 10.º da Contestação e a segunda nos art.ºs 11.º e 12.º da Contestação.
9- A douta sentença recorrida julgou a exceção de caducidade procedente por ter considerado que, entre a data da notificação do indeferimento do pedido indemnizatório e a data da instauração da acção, tinham decorrido mais de 132 dias, resultando essa conclusão, necessariamente, de a douta sentença recorrida ter efectuado a contagem do prazo em dias seguidos.
10- O prazo de caducidade previsto no art.º 255.º do DL n.º 59/99 de 2 de Março conta-se de acordo com as regras do art.º 274.º do mesmo diploma legal e suspende-se nos sábados, domingos e feriados nacionais.
11- Em consequência, a acção foi intentada antes do decurso do prazo de caducidade, devendo tal excepção ter sido julgada improcedente.
12- O direito da Recorrente emerge do art.º 160.º n.º 1 do DL n.º 59/99 de 2 de Março, que lhe confere o direito de ser indemnizada pelos danos sofridos em consequência de modificações do Plano de Trabalhos a que não tenha dado causa, e, no que respeita à suspensão parcial ordenada pelo Recorrido, emerge do art.º 190.º do mesmo diploma legal que, especificamente, prevê o direito a indemnização em caso de suspensão parcial de que resulte perturbação do normal desenvolvimento dos trabalhos, de acordo com o Plano de Trabalhos em vigor.
13- Estas disposições legais são compatíveis com a data em que a Recorrente deduziu o seu pedido indemnizatório, uma vez que o DL n.º 59/99 de 2 de Março, quanto a tal matéria, apenas refere, no seu art.º 222.º que o empreiteiro não poderá deduzir novas reclamações após a conta da empreitada e que resulta dos usos a submissão de uma reclamação única quanto a todos os eventos ocorridos ao longo da empreitada, a ter lugar no final dos trabalhos.
14- Quer o direito indemnizatório emergente de modificações do Plano de Trabalhos, quer o emergente de suspensões parciais (art.ºs 160° e 190.º do DL n.º 59/99 de 2 de Março) só não podem ser invocados e o ressarcimento dos respectivos danos só não pode ser peticionado a partir da conta da empreitada, como se extrai do disposto no art.º 222.º n.º 5 do DL n.º 59/99 de 2 de Março.
15- Tendo a conta da empreitada lugar a seguir à recepção provisória (art.º 220.º n.º 1 do DL n.º 59/99 de 2 de Março); a aceitação pelo empreiteiro das ordens de suspensão, bem como a apresentação por este de Planos de Trabalhos adaptados, em obediência ao estipulado no art.º 160.º n.º 2 do DL n.º 59/99 de 2 de Março, não o inibe de suscitar a sua pretensão indemnizatória até ao momento da conta da empreitada.
16- Igualmente, a aceitação pelo empreiteiro dos autos de recepção provisória da obra não o inibe de suscitar a sua pretensão indemnizatória até ao momento da conta da empreitada, que se processa em momento posterior.
17- A douta sentença recorrida decidiu a procedência da excepçâo de caducidade com fundamento no entendimento de que, na data da instauração da acção, já haviam passado mais de 132 dias desde a data do indeferimento da pretensão da Recorrente e não ponderou, nem fundamentou a sua decisão, em outras questões.
18- Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 3.º n.ºs 3 e 4, 4.º, 584.º, 590.º a 593.º e 595.º do CPC, devendo ser declarada nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º° do CPC.
19- E, violou o disposto nos art.ºs 255.º e 274.º do DL n.º 59/99 de 2 de Março, bem como nos art.ºs 160.º, 190.º. 197.º e 222.º, n.º 5 do mesmo diploma legal, pelo que sempre deverá ser revogada e substituída por outra que julgue as excepçoes improcedentes e determine a continuação da instância para julgamento do mérito da causa como é de Lei.»

O Recorrido apresentou as suas contra-alegações, ns quais concluiu do seguinte modo:
«Conclusões:
I- Ao contrário do afirmado pela Recorrente, se é certo que não foi determinada a realização de audiência prévia e/ou a sua dispensa, resulta dos autos que a Contestação apresentada pelo Município Recorrido foi-lhe devidamente notificada, acrescendo que ficou por demonstrar em que medida é que a utilidade verificada pudesse influir no exame ou decisão da causa, atenta a aceitação da matéria de facto provada.
II- Podemos, portanto, concluir ou considerar, com segurança, que observada a formalidade omitida, a decisão que viesse a ser tomada seria a mesma, inferindo-se assim que tal omissão não é suscetível de influir nos contornos que presidiram e nos quais assentou a decisão judicial ora posta em crise, ficando por demonstrar a alegada violação do disposto no art.º 3.º, n.º 3, 4.º e 590.º e segs. do NCPC.
III- Conforme resulta da douta sentença recorrida, a caducidade do direio de acção invocada, decorre da matéria de facto provada (não impugnada) e de diversas disposições do RJEOP, constituindo uma excepção peremptória determinante da absolvição do pedido, aliás conforme resulta do seu segmento decisório cujo teor é o seguinte: “Do exposto, nada mais resta que declarar procedente a excepção peremptória de caducidade do pedido de pagamento indemnizatório da Autora- cfr. n.ºs 1 e 3 do art.º 576.º e art.º 579.º do CPC, art.º 197.º, art.º 255.º e art.º 256.º do RJEOP- o que prejudica o conhecimento do mérito da causa.”
IV - Por outro lado, ainda que se admita, que efectivamente entre a data cia notificação contida no ofício de 08.07.2013 e a data da entrada da acção em Juízo não tenham decorrido 132 dias úteis, não pode olvidar-se que o prazo de 8 dias prescrito no artigo 256.º do RJEOP há muito que tinha decorrido cornupetamente, o que impõe e suporta, só por si, a caducidade do direito de acção.
V - Acresce quê, ainda quanto à deliberação de 08.07.2013, constituindo eia própria um acto administrativo impugnável, imporia considerar que notificada à Recorrente, não tendo sido objecto de impugnação judicial, à data da interposição do presente acção administrativa comum já tinha decorrido, completamente o prazo prescrito no artigo 58.º, n.º 2 al. b) do CPTA.
VI- Desta forma, se e certo que não tinham decorrido 132 dias úteis, mas apenas 130 dias, também não oferece contestação, que a prazo de 3 meses para interposição cm acção administrativa especial de impugnação da Deliberação, tinha já decorrido à data, não podendo a acção administrativa comum, ...ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto impugnável. (cfr. art.º 38.º n.º 2 do CPTA)
VII- Portanto, face à matéria de facto provada, é inequívoco que à data da interposição da acção, qualquer dos diversos prazos de caducidade que concorrem nesta matéria decorreram completamente, não se alcançando qualquer efeito útil na ulterior tramitação da lide, carecendo de fundamento a posição da Recorrente no sentido da inaplicabilidade dos prazos de reclamação às situações às situações previstas nos artigos 160.º e 190.º do RJEOP.
Termos em que, nos melhores de Direito, requer-se a improcedência do recurso interposto pela Recorrente e consequente manutenção da douta sentença recorrida. Assim fazendo Justiça.»

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul não emitiu parecer de mérito.
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Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, assim como atento o teor das contra-alegações, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a decisão a quo padece de nulidade e de erro de julgamento.
Com efeito, observada a impetração da Recorrente, importa, em primeiro lugar, averiguar se ocorre excesso de pronúncia, de acordo com o previsto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, determinada pela obliteração do direito ao contraditório relativamente à matéria excetiva que veio a ser declarada procedente.
Em segundo lugar, caso tal se imponha por improcedência da primeira questão ou ao abrigo do princípio da substituição, impõe-se apurar se ocorre erro de julgamento no que concerne à ocorrência de caducidade do direito de ação da Recorrente.


II- FACTUALIDADE PROVADA
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:
«A) O Réu adjudicou à Autora a Empreitada de ‘Beneficiação na V.N.C. 550 (Almancil – E.M. 527-2 – Escanxinas) e da E.M. 527 (Almancil – E.M. 527-2 – Curva da Floresta) (cfr docs nºs 1 e 2 da petição inicial);
B) Em 2009.04.24, foi celebrado entre a Autora e o Réu, o contrato de adjudicação da empreitada ‘Beneficiação na V.N.C. 550 (Almancil – E.M. 527-2 – Escanxinas e da E.M. 527 (E.M. 527-2 – Curva da Floresta)‘, pelo preço de 755.734,22€ (cfr doc nº 1 da petição inicial);
C) Em 2009.09.17, foi lavrado o Auto de Consignação de Trabalhos – OM:179/2008 (cfr doc nº 3 da petição inicial);
D) Em 2010.06.28, foi lavrado o ‘Auto de Recepção Provisória Parcial O.M.:179/2008’ (cfr doc nº 10 da petição inicial);
E) Em 2012.03.05, foi lavrado o ‘Auto de Recepção Provisória Parcial O.M.:179/2008’ (cfr doc nº 16 da petição inicial);
F) Por carta de 2012.05.08, a Autora comunicou ao Réu designadamente o seguinte:
“Anexamos à presente para V/ apreciação, uma valorização de custos adicionais decorrentes directamente das Prorrogações Legais do Prazo de Empreitada (…). Trata-se portanto de uma valorização parcial dos prejuízos e não de um pedido de reequilíbrio económico-financeiro do contrato, porque não inclui a totalidade dos encargos nem inclui lucros cessantes.
(…) Solicitamos assim o reconhecimento de Vexas quanto ao direito ao ressarcimento deste valor à T… – Sociedade de Empreitadas, S.A., manifestando desde já a N/ total disponibilidade para uma análise conjunta com os representantes do Dono da Obra, para que, num quadro de entendimento amigável e no rigoroso cumprimento das disposições legais e contratuais, se assegure a rápida resolução deste assunto” (cfr doc nº 17 da petição inicial);
G) Pelo ofício de 2013.01.14, o Réu enviou à Autora a conta final da empreitada (cfr doc nº 18 da petição inicial);
H) Por carta de 2013.01.18, a Autora pronunciou-se sobre o teor do ofício referido em G) (cfr doc nº 19 da petição inicial);
I) Por carta de 2013.04.22, a Autora insistiu junto do Réu, designadamente requerendo uma decisão sobre a sua carta de 2012.05.08 (cfr doc nº 20 da petição inicial);
J) Pelo ofício de 2013.07.08, o Réu notificou a Autora da deliberação camarária de 2013.07.03, tomada “com base nos pareceres emitidos pela Divisão Jurídica e de Contencioso e da informação do departamento de Obras e Gestão de Infra-Estruturas Municipais, deliberou o não pagamento de qualquer indemnização a essa empresa, por considerar que:
1) – Os factos que motivaram o deferimento das três prorrogações de prazo, a pedido do empreiteiro, não são imputáveis ao dono da obra e por isso não terá o empreiteiro direito ao ressarcimento de eventuais danos sofridos;
2) – O empreiteiro não requereu ao dono da obra qualquer indemnização por eventuais danos pela suspensão dos trabalhos nem no auto de suspensão (datado de 14/06/2010), nem nos oito dias subsequentes. Só o fez mais tarde, em 08 de Maio de 2012.
Assim sendo, o eventual direito de indemnização será de considerar extinto, por caducidade, nos termos do disposto nos artigos 187º, nº 2 e 256º, nº 2” (cfr doc nº 21 da petição inicial);
K) Em 2013.07.10, a Autora foi notificada do ofício referido em J) (por confissão – cfr artº 63º da petição inicial);
L) Em 2013.01.13, por e-mail, deu entrada neste Tribunal a presente acção (cfr fls 1 dos autos físicos e virtuais).»


III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
A Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Loulé a presente ação administrativa comum contra o Município de Loulé, peticionando, em suma, a condenação do Recorrido Município a pagar-lhe as quantias de 131.390,19 Euros a título de indemnização pelas modificações de planeamento da empreitada; de 29.597,51 Euros a título de custos financeiros atinentes à quantia anterior; e juros de mora sobre as ditas quantias, contados desde a citação e até integral pagamento.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Loulé proferiu decisão em 26/05/2014, nos termos da qual, julgando procedente a exceção de caducidade do direito de ação, absolveu o Recorrido do pedido.
Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe nulidade e erros de julgamento.
Passemos, pois, ao exame da decisão recorrida.

1. Como se disse antecedentemente, a Recorrente veio propor a vertente ação contra o Recorrido Município, peticionando a condenação deste no pagamento de determinadas quantias a título de “indemnização pelas modificações de planeamento da empreitada”, bem como pelos custos financeiros daí decorrentes.
Para tanto, a Recorrente alega, em suma, que estando prevista a execução da empreitada desde 17/09/2009 até 15/03/2010- respetivamente, as datas de consignação da obra e de conclusão prevista para os trabalhos-, a conclusão total da obra apenas sucedeu em 05/03/2012, ou seja, cerca de dois anos após a data prevista. A razão de tal prende-se com a existência de sucessivas suspensões dos trabalhos, que motivaram outras tantas prorrogações do prazo contratual, sempre aprovadas e autorizadas pelo Recorrido, e que motivaram múltiplas alterações ao Plano de Trabalhos inicialmente apresentado pela Recorrente, também autorizadas pelo Recorrido.
Invoca a Recorrente, por isso, que sofreu danos emergentes derivados do acréscimo temporal de execução da obra, atinentes à montagem e desmontagem do estaleiro devido à suspensão parcial dos trabalhos da empreitada e à receção provisória da parte dos trabalhos não suspensos, à desmobilização e remobilização de equipamentos, à afetação de equipamentos à obra por mais 201 dias do que estava inicialmente previsto, à afetação de equipa técnica também por mais esse acréscimo temporal e, finalmente, o acréscimo dos custos financeiros.
O Recorrido, por seu turno, para além de impugnar a tese da Recorrente, veio invocar ter caducado o direito de ação da Recorrente por duas razões: a primeira, porque foi ultrapassado o prazo de 132 dias, estabelecido no art.º 255.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (doravante, apenas RJEOP); a segunda, porque a Recorrente não espoletou o procedimento descrito no art.º 197.º, n.º 5 do RJEOP, o que a impede de vir acionar agora qualquer responsabilização por banda do Recorrido, nos termos previstos nos art.ºs 197.º, n.º 6 e 256.º, n.º 2 do mesmo RJEOP.
O Tribunal recorrido veio a acolher a visão do Recorrido no que tange à matéria excetiva, considerando, por um lado, que a presente ação foi proposta após o decurso do mencionado prazo de 132 dias e, por outro lado- e se bem compreendemos a decisão recorrida-, porque a Recorrente nunca apresentou qualquer pedido indemnizatório na sequência dos vários autos de suspensão, o que inviabiliza o acionamento posterior de qualquer responsabilização do Recorrido.
A Recorrente não se conforma com esta decisão. Imputa-lhe nulidade, por excesso de pronúncia, de acordo com o previsto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, e erros de julgamento.
Vejamos se tem razão.

2. Efetivamente, observada a impetração da Recorrente, importa, em primeiro lugar, averiguar se ocorre excesso de pronúncia, de acordo com o previsto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, determinada pela obliteração do direito ao contraditório relativamente à matéria excetiva que veio a ser declarada procedente.
Realmente, compulsados os presentes autos, apura-se que o Recorrido convocou a matéria excetiva no seu articulado contestatório apresentado em 11/02/2014. Por ofício datado de 14/02/2014, a agora Recorrente foi oficiosamente notificada da contestação apresentada e da apensação do processo instrutor. E, tendo sido aberto termo de conclusão em 26/05/2014, na mesma data foi proferida a decisão objeto do vertente recurso.
Sendo assim, é cristalino que a Recorrente nunca foi notificada para exercer o seu direito ao contraditório no que concerne à matéria excetiva convocada pelo Recorrido na sua contestação.
E é igualmente cristalino que tal notificação impunha-se ao Tribunal a quo.
É que, estando em causa a fórmula processual de ação administrativa comum, a tramitação processual da mesma desenrola-se em consonância com o direito processual civil- cfr. art.ºs 37.º, n.º 2, al. h) e 42.º, n.º 1 do CPTA, na versão em vigor à data.
Ora, tendo desaparecido a possibilidade de o autor da ação de usar a réplica apenas para responder à matéria excetiva- cfr. art.º 584.º, n.º 1 do CPC, a contrario-, é lógico concluir que a Recorrente não poderia replicar à matéria excetiva arguida na contestação do Recorrido Município. Pelo que, uma vez que se projetava a não realização de audiência prévia, nem da audiência final- momentos em que a Recorrente poderia exercer o seu direito de defesa, de acordo com o art.º 3.º, n.º 4 do CPC- , deveria o Tribunal a quo, ao abrigo dos seus poderes de gestão processual, ordenar a notificação da Recorrente para responder à matéria excetiva, em cumprimento do previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC.
E não se diga em contrário ao vindo de afirmar que a audição da Recorrente em sede de contraditório é desnecessária. É que, não só a matéria excetiva não contraditada foi a determinante da decisão que veio pôr termo ao litígio, como a defesa que a Recorrente poderia esgrimir quanto a tal matéria revela-se útil e imprescindível para a compreensão, em toda a amplitude, dos termos da presente ação. Reitere-se que, diversamente do que pretende o Recorrido, nada indica que a decisão a tomar quanto à matéria excetiva seria sempre a mesma, sendo a pronúncia da Recorrente despicienda para tal, até porque, a causa de pedir é bastante complexa, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito, sendo bastante discutível o respetivo enquadramento no âmbito do RJEOP.
Decorre do que vem de dizer-se, pois, que o exercício do contraditório por parte da Recorrente não poderia ter sido dispensado, visto que, (i) a questão excetiva em discussão não é simples, (ii) foi determinante do desfecho dado ao litígio pelo Tribunal recorrido e (iii) a decisão a proferir poderia, hipoteticamente, ser diferente da que agora se escrutina.
Sendo assim, impera concluir que o Tribunal recorrido, ao julgar a matéria excetiva em causa, debruçou-se sobre uma questão que não poderia ter conhecido naquela oportunidade processual, pelo que a decisão proferida nestas condições caracteriza-se por excesso de pronúncia, o que conduz à respetiva nulidade, nos termos descritos no art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do CPC.
Secundamos, portanto, a Jurisprudência acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, e de que destacamos, exemplificativamente, o Acórdão prolatado em 16/12/2021, no processo 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1 (sumário):
“I- Encontrando-se a nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (in casu, o saneador-sentença recorrido), o meio adequado para invocar essa infracção às regras do processo é o recurso contra a decisão de mérito, a apresentar junto da instância superior (se for admissível), e não a sua reclamação directamente perante o juiz a quo.
II – O conhecimento do pedido, em fase de saneamento dos autos obriga, de forma imperativa, o juiz à designação de audiência prévia, a realizar nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, facultando às partes a possibilidade de alegarem de facto e de direito sobre a matéria de que irá conhecer.
III – Havendo o juiz contrariado a tramitação processual até aí seguida (a audiência prévia foi designada várias vezes e entretanto adiada), procedido à (implícita) dispensa da realização da audiência prévia sem se encontrarem reunidos os respectivos requisitos processuais indispensáveis para esse mesmo efeito e passado ao conhecimento imediato do mérito da causa, a respectiva sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte do Código de Processo Civil.
IV – A violação das regras processuais que consiste na omissão ilegal da realização de uma diligência obrigatória que deveria ter tido lugar nos autos (a audiência prévia), comunica-se à decisão de mérito subsequente que é proferida fora do momento próprio, numa altura em que ao juiz se encontrava expressamente vedada a possibilidade de tomar conhecimento dessa matéria.
V – Tal decisão de dispensa da audiência prévia, que era no caso obrigatória, constituiu uma verdadeira decisão surpresa entendida enquanto “decisão que decide o que não pode decidir sem audiência prévia das partes”, surpreendendo as partes com o conhecimento que não poderia ter tido lugar antes de as mesmas exercerem o seu direito ao debate da matéria de fundo, de facto e de direito, não se circunscrevendo ao limitado e estrito âmbito da mera irregularidade procedimental, invocável nos comuns termos do artigo 195º, do Código de Processo Civil.
VI – A análise da situação e suas consequências seria completamente diferente se o juiz a quo houvesse, antes de proferir a decisão de mérito, notificado as partes, informando-as deste seu propósito e advertindo-as de que o faria na ausência de oposição destas, o que, a verificar-se, significaria, nessas circunstâncias, a sua anuência a esta agilização do processado, bem como o seu reconhecimento quanto à desnecessidade de alegarem de facto e de direito antes da prolação decisão que, conhecendo do fundo da causa, definiria a sorte do pleito.
VII - A dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está ela própria igualmente sujeita ao contraditório, evitando-se assim decisões surpresa, expressamente vedadas pelo artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
VIII – O respeito pelo princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, não depende de um juízo subjectivo do juiz quanto à necessidade, segundo o seu entendimento pessoal, de ouvir ou não ouvir as partes, aquilatando se elas ainda têm algo a dizer-lhe que ache relevante para o que há a decidir, mas é, bem pelo contrário, substantivamente assegurado pela imposição do dever processual, que especialmente lhe incumbe, de garantir às partes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que, no momento processualmente adequado (definido previamente pela lei), ainda entenderem ser, do seu ponto de vista, relevante.”
Quer tudo isto significar, pois, que a decisão recorrida padece de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, procedendo, deste modo, a impetração da Recorrente nesta parte.
3. Reconhecida a nulidade da decisão objeto do vertente recurso, importa proceder ao julgamento do mérito da exceção arguida pelo Recorrido, de caducidade do direito de ação.
Com efeito, se é certo que a Recorrente não pôde, em momento anterior ao do proferimento da decisão sob recurso, exercer o respetivo direito ao contraditório relativamente à matéria excetiva, também é certo que a Recorrente, em sede do vertente recurso, espraiou adequadamente a sua contra-argumentação.
Pelo que, atendendo ao princípio da substituição, consagrado nos art.ºs 149.º, n.º 1 do CPTA e 665.º, n.º 1 do CPC, deve este Tribunal julgar o mérito da apelação que lhe foi apresentada, também em consonância com a jurisprudência dominante, citando-se- a este propósito e exemplificativamente- o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 22/06/2021, no processo 1431/20.5T8PVZ.P1, em que se afirma: “(…) III- A nulidade processual cometida por falta de contraditório fica consumida pela nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CP Civil. IV- Estando os factos relevantes para apreciação desta excepção peremptória plenamente provados nos autos e tendo os Recorrentes, em sustentação supletiva no presente recurso, invocado os argumentos jurídicos que entenderam como pertinentes para revogação da decisão proferida, o Tribunal da Relação pode, por aplicação do disposto no art.º 665.º, n.º 1, do CP Civil, conhecer do mérito da decisão.”
Por conseguinte, cumpre apurar agora se a decisão recorrida é correta ou se ocorre erro de julgamento no que concerne à caducidade do direito de ação da Recorrente.

Como se explicou supra, o Tribunal a quo julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação e absolveu o Recorrido dos pedidos. Entendeu o Tribunal recorrido que a exceção em causa devia proceder porque a presente ação foi proposta após ter sido ultrapassado o prazo de 132 dias, estabelecido no art.º 255.º do RJEOP, bem como porque a Recorrente não espoletou o procedimento descrito no art.º 197.º, n.º 5 do RJEOP, o que a impede de vir acionar agora qualquer responsabilização por banda do Recorrido, nos termos previstos nos art.ºs 197.º, n.º 6 e 256.º, n.º 2 do mesmo RJEOP.
Mas este julgamento não está correto.
Expliquemos porquê.
O primeiro fundamento de caducidade do direito de ação estriba-se na regulação estabelecida no art.º 255.º do RJEOP, que estabelece que “as acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado”.
É de realçar que este prazo de 132 dias contabiliza-se nos moldes descritos no art.º 274.º, n.º do RJEOP, ou seja, (i) não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, (ii) o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados nacionais, e, finalmente, (iii) o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o 1.º dia útil seguinte.
Assim, atentando aos normativos citados, e considerando que o momento que determina o início da contagem do referido prazo de 132 dias é o da notificação do ato que denegou a pretensão indemnizatória da Recorrente, é mister concluir que o dito prazo iniciou a sua contagem em 11/07/2013, uma vez que a Recorrente foi notificada em 10/07/2013 da deliberação do Recorrido que lhe recusa qualquer indemnização (cfr. pontos F, G, H, I, J e K do probatório).
Por conseguinte, realçando que tal prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados (a este propósito, veja-se, por exemplo, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 29/01/2014, no recurso 01563/13), verifica-se que o seu terminus sucedeu em 16/01/2014.
Assim, tendo a presente ação sido proposta em 13/01/2014, não resta dúvida alguma que não ocorre a caducidade do direito de ação a que se refere o art.º 255.º do RJEOP.
Acrescente-se que, o chamamento do regime previsto no art.º 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA para sustentar a caducidade do direito de ação apresenta-se manifestamente inadequado, não podendo deixar de fracassar redondamente.
Realmente, esta argumentação cai imediatamente por terra com a consideração de que a presente ação não é impugnatória, mas antes uma ação de responsabilidade civil contratual, exercitada ao abrigo de uma ação administrativa comum e não especial. O que quer dizer que, os prazos aplicáveis à formula processual civil comum não são os descritos no art.º 58.º do CPTA, mas sim os descritos no art.º 41.º do mesmo diploma, sem prejuízo da aplicação de prazos específicos consagrados em lei substantiva, como sucede, precisamente, no caso do art.º 255.º do RJEOP.

Pelo que, em consequência de todo o expendido, não pode manter-se a decisão recorrida, pelo menos nesta parte, em virtude do seu flagrante desacerto.

O segundo fundamento que conduziu à procedência da exceção de caducidade do direito de ação prende-se com o entendimento do Tribunal a quo de que a Recorrente está a impedida de vir acionar agora qualquer responsabilização por banda do Recorrido, por não ter espoletado o procedimento descrito no art.º 197.º, n.º 5 do RJEOP, nos termos previstos nos art.ºs 197.º, n.º 6 e 256.º, n.º 2 do mesmo RJEOP.
Mas, também nesta parte, a decisão recorrida revela-se desacertada.
Com efeito, nos pontos 1.º a 10.º da sua contestação, o Recorrido vem convocar a caducidade do direito de ação da Recorrente, alegando, muito sumariamente, que a Recorrente nunca fez registar, nos diversos autos de suspensão da obra e de receção provisória da obra, qualquer pretensão indemnizatória, como deveria face ao prescrito no art.º 187.º, n.º 2 do RJEOP, assim como, nos diversos pedidos de prorrogação do contrato que realizou, a Recorrente nunca requereu o apuramento de quaisquer factos, nem a quantificação dos seus efeitos, designadamente indemnizatórios, o que deveria ter empreendido ao abrigo do estabelecido nos art.ºs 197.º, n.ºs 1 e 6 e 256.º do RJEOP.
O Tribunal recorrido veio a acolher esta tese do Recorrido, sufragando realmente que, porque a Recorrente nunca apresentou qualquer pedido indemnizatório na sequência dos vários autos de suspensão, queda inviabilizado o acionamento posterior de qualquer responsabilização do Recorrido.
Ora, se a argumentação do Recorrido assume natureza essencialmente conclusiva, mais conclusiva e vaga é a fundamentação que a decisão recorrida dedica à apreciação desta questão.
Realmente, após a transcrição simples dos normativos atinentes aos art.ºs 187.º, 189.º e 190.º do RJEOP, a decisão sob recurso limita-se a afirmar o seguinte: «Compulsados os documentos relativos à Recepção Provisória Parcial dos trabalhos e bem assim aos vários Autos de Suspensão, verifica-se que neles não se encontra aposto qualquer pedido indemnizatório, em decorrência de alguma contingência, designadamente fortuita que, à data, o robustecesse.» E, em seguida, transcreve integralmente os normativos do art.º 197.º do RJEOP, nada mais exarando no que se refere à questão agora içada. E, não fora a convocação dos art.ºs 197.º e 256.º do RJEOP na fundamentação da decisão recorrida- no último parágrafo da decisão recorrida antes do dispositivo-, sempre se diga que resultaria duvidosa a inclusão da questão agora em discussão no julgamento firmado pela decisão a quo.
Seja como for, ante o que vem de se explicar, é de concluir que a decisão recorrida abrange, portanto, a apreciação e julgamento desta segunda causa de inviabilidade do direito de ação da Recorrente.
Porém, esta decisão revela-se precipitada, não resistindo a uma análise mais atenta da pretensão da Recorrente.
Na verdade, percorrido o articulado inicial, verifica-se que a Recorrente ancora a sua pretensão indemnizatória na delonga global da execução da empreitada em questão, uma vez que, estando prevista a sua execução desde 17/09/2009 até 15/03/2010- respetivamente, as datas de consignação da obra e de conclusão prevista para os trabalhos-, a conclusão total da obra apenas sucedeu em 05/03/2012, ou seja, cerca de dois anos após a data prevista. A razão de tal prolongamento prende-se com a existência de sucessivas suspensões dos trabalhos, que motivaram outras tantas prorrogações do prazo contratual, sempre aprovadas e autorizadas pelo Recorrido, e que motivaram múltiplas alterações ao Plano de Trabalhos inicialmente apresentado pela Recorrente, também autorizadas pelo Recorrido.
Com efeito, examinada a petição inicial- pontos 14.º a 46.º-, constata-se que a Recorrente invoca terem existido quatro prorrogações do prazo de execução da empreitada, provocadas por condições climatéricas, tráfego na via em trabalhos, incompatibilidades entre o projeto de obra e as infraestruturas existentes, decurso do processo de expropriação de terrenos a serem abrangidos na execução dos trabalhos e alteração do projeto de sinalização inicial, prorrogações essas derivadas das diversas suspensões dos trabalhos de execução em virtude das enumeradas causas, e que foram objeto de autorização e aprovação por parte do Recorrido. Diga-se, aliás, que o Recorrido sempre acedeu aos pedidos de suspensão e prorrogação dos trabalhos de execução peticionados pela Recorrente, tendo aprovado os mesmos, bem como a alteração inerente ao Plano de Trabalhos inicialmente em vigor.
Quer isto significar, por conseguinte, que as diversas suspensões da execução da obra, as diversas prorrogações do prazo contratual e as diversas alterações ao Plano de Trabalhos fundaram-se em causas muito variegadas, abrangendo condições climatéricas, erros no projeto, alterações do plano de sinalização e, principalmente, o facto de nem todos os terrenos necessários à execução dos trabalhos estarem disponíveis, uma vez que o processo de expropriação dos mesmos ainda se encontrava em curso. De resto, esta indisponibilidade dos terrenos veio a motivar a suspensão parcial da execução dos trabalhos da empreitada por período superior a um ano, tendo por isso, ocorrido duas receções provisórias parciais da obra: uma em 28/06/2010 e outra em 05/03/2012.
A Recorrente descreve, aliás, estas causas, enquadrando-as juridicamente nos art.ºs 160.º e 190.º do RJEOP (cfr. pontos 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 77.º, 78.º e 79.º da petição inicial) para efeitos ressarcitórios, sustentando que as disposições convocadas pelo Recorrido não são aplicáveis ao seu caso.
O que vem de se explanar permite concluir, então, que a causa de pedir que suporta a pretensão indemnizatória da Recorrente é realmente complexa (contrariamente ao que decorre da decisão recorrida), na medida em que estão em discussão várias suspensões dos trabalhos, aparentemente determinadas por motivos não imputáveis à Recorrente empreiteira, mas imputáveis ao Recorrido, ainda que as circunstâncias provocadoras dessas suspensões não derivem propriamente da prática de atos ou imposições por banda do Recorrido, mas sim de factos que ultrapassam o domínio da sua vontade.
Adicionalmente, o que vem de se explicar conduz ainda, e desde logo, à conclusão lógica de que as suspensões dos trabalhos de execução da empreitada que determinaram a prorrogação do prazo contratual não são devidas à verificação de caso de força maior, nos termos inscritos nos art.ºs 195.º, n.ºs 2 e 3 e 197.º do RJEOP, antes respeitando, fundamentalmente, a vicissitudes naturais e previsíveis, à existência de erros no projeto ou à demora de um procedimento administrativo a correr em simultâneo. O que permite afastar a aplicação do preceituado no art.º 197.º ao caso versado, especialmente, do prescrito nos n.ºs 1, 3 e 6.
Em concomitância, também se apresenta destituída de sentido a afirmação de que a Recorrente deveria ter espoletado o procedimento descrito no art.º 197.º, sob pena de não poder posteriormente exercitar qualquer pretensão indemnizatória, porque a tal obriga o disposto n.º n.º 5 desse mesmo preceito.
Sucede, todavia, que as situações a que pretende aludir o sobredito normativo são as que estão referidas, ou decorrem da maior onerosidade da obra provocada por factos ou atos expressamente praticados pelo dono da obra, em conformidade com o estabelecido no art.º 196.º do RJEOP.
Porém, no caso versado, não se discutem situações dessa natureza, mas sim e meramente a suspensão parcial da obra derivada da impossibilidade de a Recorrente perseguir com os trabalhos de execução (devido à inconclusão do processo expropriativo), bem como as sucessivas alterações do Plano de Trabalhos em virtude dos diversos períodos de suspensão da obra. Ora, a pretensão indemnizatória fundada diretamente neste tipo de causas encontra respaldo direto nos art.ºs 160.º, 189.º, n.º 4 e 190.º do RJEOP, não lhe sendo aplicável o procedimento descrito no art.º 197.º.
Refira-se que, perscrutada a causa de pedir da pretensão indemnizatória da Recorrente, é de assumir que a causa dos danos cujo ressarcimento vem peticionado é, efetivamente, a duração global da empreitada, considerando o prolongamento da mesma para além do prazo inicialmente previsto, em virtude, essencialmente, da suspensão parcial dos trabalhos ocorrida por causa da inconclusão do processo expropriativo, e das alterações inerentes que tiveram de ser refletidas no Plano de Trabalhos.
E, adite-se, que não é despiciendo salientar que as suspensões dos trabalhos de execução, as prorrogações do prazo da empreitada e as alterações ao Plano de Trabalhos sempre se desenrolaram pacifica e concordantemente entre a Recorrente e o Recorrido, inexistindo, por isso, motivo justificativo para apresentação de qualquer reclamação por parte da Recorrente, mormente, aquela a que se refere o ar.º 187.º, n.º 2 do RJEOP, ou qualquer outra que projetasse a quantificação de danos, uma vez que, só após a conclusão total da empreitada é que a Recorrente pode avaliar a ocorrência de danos na sua esfera jurídica e a sua quantificação.
Por conseguinte, atentando no especial circunstancialismo sobre o qual a Recorrente faz erigir a sua pretensão, também não se mostra racional a convocação do disposto no art.º 256.º do RJEOP, visto que, evidentemente, não está em discussão o acatamento de qualquer ordem ou determinação emanada pelo Recorrido durante o período de execução da empreitada.
Quer tudo isto significar, portanto, que a decisão recorrida errou ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, afrontando o disposto nos art.ºs 255.º, 274.º, 160.º, 187.º, n.º 2, 189.º, n.º 4, 190.º, 197.º e 256.º do RJEOP.

Destarte, e em suma, ao decidir positivamente a exceção de caducidade do direito de ação, a decisão a quo realizou um périplo decisório manifestamente incorreto. Pelo que, cumpre concluir que o alegado pela Recorrente nas respetivas conclusões do recurso merece inteira procedência, apresentando-se a decisão a quo merecedora de censura.

Desta feita, atentando na constelação argumentativa, o recurso jurisdicional presente merece provimento, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a exceção de caducidade do direito de ação da Recorrente, e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que os mesmos prossigam para julgamento do mérito se nada mais obstar a tanto.


IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao vertente recurso jurisdicional e, em consequência:
I- Declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC;
Em substituição,
II- Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação; e
III- Ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que os mesmos prossigam, se nada mais obstar a tanto.

Custas a cargo do Recorrido.

Lisboa, 26 de outubro de 2023,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora

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Catarina Gonçalves Jarmela- com voto de vencida, em anexo

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Jorge Pelicano




Voto de vencida:
Voto vencida por entender que a violação do contraditório se consubstancia numa nulidade processual nos termos do art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, a qual implica a baixa dos autos à 1ª instância, a fim de ser dado o necessário contraditório à autora (como tem entendido de forma reiterada o STA – cfr., entre outros, Acs. de 22.9.2022, proc. n.º 01834/21.8 BELSB, 16.9.2020, proc. n.º 01762/13.0 BEBRG, 23.4.2020, proc. n.º 0126/14.3 BELLE, 20.4.2020, proc. n.º 01763/13.9 BEBRG, 30.10.2019, proc. n.º 0637/12.5 BEPNF, e 7.6.2017, proc. n.º 01044/14) - nos termos que infra serão melhor explicitados -, fixados os necessários factos para conhecimento das excepções peremptórias alegadas pelo réu, em especial da excepção de caducidade relativa aos arts. 197º e 256º, do DL 59/99, de 2/3, pois, mesmo que as suspensões dos trabalhos de execução, as prorrogações do prazo da empreitada e as alterações ao plano de trabalhos se tenham desenrolado de forma concordante entre a autora e o réu, tal não implica que não tivesse que ocorrer por parte da autora a reclamação ou reserva do seu direito de indemnização (cfr. Ac. Do STA de 18.2.2021, proc. n.º 03288/06.0 BELSB).
Ora, in casu, e conforme se explicita no presente acórdão, a decisão recorrida foi proferida sem que antes tivesse sido notificada a autora para exercer o seu direito ao contraditório no que concerne à matéria de excepção alegada pelo réu na sua contestação.
Esta violação da lei processual, ou seja, a falta de audição da autora, consubstancia-se na omissão de um acto que a lei prescreve.
Além disso, esta omissão, e de forma manifesta, pode influir no exame e na decisão da causa - pois, se observada a formalidade omitida e perante a eventual pronúncia da autora e os argumentos aduzidos na mesma, pode eventualmente ser proferida decisão com um teor distinto da proferida em 26.5.2014-, pelo que constitui uma nulidade processual secundária [cfr. art. 195º nº 1 do CPC de 2013 (“Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa(sublinhados nossos)].
Neste sentido se pronunciou (tendo presente que está em causa a omissão de um acto que a lei prescreve a fim de assegurar o princípio do contraditório) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1996, pág. 48 [“A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 201º, nº 1 1 : dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.”], e, na jurisprudência, entre outros, Acs. do STA de 22.9.2022, proc. n.º 01834/21.8 BELSB, 16.9.2020, proc. n.º 01762/13.0 BEBRG, 23.4.2020, proc. n.º 0126/14.3 BELLE, 20.4.2020, proc. n.º 01763/13.9 BEBRG, 30.10.2019, proc. n.º 0637/12.5 BEPNF, e 7.6.2017, proc. n.º 01044/14, Ac. do STJ de 2.7.2015, proc. n.º 2641/13.7 TTLSB.L1.S1, Acs. da Rel. do Porto de 10.1.2008, proc. n.º 736877, e 23.9.2013, proc. n.º 430/11.2 TTMTS.P1, e Ac. da Rel. de Lisboa de 10.5.2012, proc. n.º 184229/11.8 YIPRT.L1-2.
Verifica-se, portanto, a nulidade decorrente da não notificação da autora para se pronunciar sobre as excepções deduzidas pelo réu, o que, nos termos do art. 195º n.º 2, do CPC de 2013, implica a anulação de todo o processado a partir do momento em que se verificou tal omissão, ou seja, imediatamente antes da decisão recorrida, o que tem como efeito a anulação desta.
Assim, deveriam os autos voltar ao TAC de Loulé para que aí, observado que seja a notificação da autora para se pronunciar sobre as excepções deduzidas pelo réu, se profira nova decisão.
Dito por outras palavras, deveria ser concedido provimento ao recurso com base na invocada falta de notificação, geradora de nulidade processual (e não nulidade da sentença por excesso de pronúncia – cfr. art. 5º n.º 3, do CPC de 2013), ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.

1 Que corresponde ao art. 195º n.º 1, do CPC de 2013.

Lisboa, 26 de Outubro de 2023

Catarina Gonçalves Jarmela