Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:97/18.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:QUESTÕES QUE O TRIBUNAL DEVE CONHECER.
ARGUMENTOS.
Sumário:1. O tribunal tem o dever de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
2.As  “questões” cujo conhecimento se impõe ao tribunal, são aquelas que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes  e “...que decidem do mérito do pleito ou de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância...”
3. São distintas de argumentos. Estes são meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, mobilizados pelas partes em defesa da procedência das questões que apresentam ao tribunal.
4. As segundas constituem mero erro de julgamento, pois não“...seria razoável que se impusesse ao tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia e que não se afiguram como controvertíveis no caso concreto.”
5. O juiz deve conhecer são não só as questões alegadas pelas partes mas também as que sejam de conhecimento oficioso, embora só as primeiras conduzam à nulidade da decisão.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: J..........., S.A.
RECORRIDO: Autoridade Tributária
OBJECTO DO RECURSO:

Decisão proferida pelo CAAD que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante ao ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.° .......... que manteve o indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente sobre a legalidade da liquidação oficiosa de imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de juros compensatórios (121 673,14 € de IMT e 4 733,59 € de juros compensatórios) por, no seu juízo, padecer do vício de violação de lei.


CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DA J.........., S.A.:
“A. A presente impugnação incide sobre a decisão proferida pelo tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD, nos autos com o n.° 83/2018-T.
B. Nos referidos autos, peticionou a Impugnante a apreciação da legalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, referente à transmissão das fracções AI, AJ, AZ e BG do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Lordelo do Ouro e Ramalde, concelho do Porto, sob o artigo n.° 9...
C. O prédio em causa, aquando da sua aquisição, usufruiu da isenção prevista no artigo 7.° do Código do IMT (doravante, Código do IMT tendo esta sido reconhecida em virtude de o mesmo ter sido adquirido pela Impugnante com o fito de ser revendido.
D. O acto de liquidação cuja apreciação da legalidade se peticionou apenas foi emitido pela AT em virtude de esta ter considerado que a Impugnante «deu ao prédio adquirido para revenda um destino diverso daquele que originou a concessão da isenção».
E. No pedido de constituição do tribunal arbitral a Impugnante pugnou pela ilegalidade da sobredita liquidação por duas ordens de razões:
a. Por um lado, porque a dação em cumprimento deveria considerar-se como inserido no conceito de revenda. obstando assim à caducidade da isenção: e
b. por outro, porque o circunstancialismo que rodeou a celebração do negócio em causa - não foi por sua vontade que a Impugnante transmitiu o imóvel nos aludidos moldes, mas antes porque assim lhe foi imposto pelo PER - é subsumível ao conceito de justo impedimento.
F. Quanto a esta segunda questão, nos artigos 189.° e seguintes da sua petição, expôs a Impugnante que o próprio Supremo Tribunal Administrativo havia já considerado que a caducidade prevista no artigo 11.° do Código do IMT não poderia operar caso existisse um justo impedimento de, no prazo de três anos, retransmitir o imóvel ao abrigo de um contrato de compra-e-venda.
G. Tendo o processo percorrido os seus trâmites normais, veio a ser proferida uma decisão na qual o tribunal a quo se focou em determinar se o negócio realizado pela Impugnante (a dação em cumprimento) poderia ser, ou não, enquadrado no conceito de revenda ínsito no Código do IMT, tendo chegado a uma conclusão negativa: a de que o negócio em causa não se poderia inserir no aludido conceito, motivo pelo qual agiu bem, a AT, ao emitir a liquidação de IMT em causa.
H. No entanto, quanto à segunda questão - a de que à caducidade da isenção obstaria o facto de a Impugnante se encontrar numa situação de justo impedimento - O TRIBUNAL A QUO NADA DISSE. Com efeito, perscrutada a decisão que agora se impugna, constata-se que da mesma não consta uma única palavra acerca desta questão.
I. Nos termos da alínea c), do n.° 1, do artigo 28.° do RJAT, um dos fundamentos para a impugnação de decisão do tribunal arbitral é a omissão de pronúncia.
J. Este fundamento da impugnação deve ser analisado à luz daqueles que são os poderes cognitivos do tribunal arbitral, que tem de conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes.
K. Tal é-lhe imposto pelo princípio do dispositivo, previsto no n.° 2 do artigo 608.° do Código do Processo Civil (aplicável à arbitragem tributária por força do disposto no artigo 29.°, n.° 1, do RJAT).
L. Assim, quanto a questões — envolvendo estas «tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.° 01007/06, de 31/10/2007) por força este princípio, o tribunal tem o dever de resolver todas aquelas que sejam submetidas à sua apreciação.
M. Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.° 07647/14, de 18/09/2014, temos que recai sobre o julgador o «poder/dever prescrito no art. 608. °. n. ° 2. do CPC o qual consiste. por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso» (realce aditado).
N. Nessa medida, «a decisão arbitral em matéria tributária estará viciada de omissão de pronúncia sempre que na decisão final proprio sensu não conste pronúncia sobre todos os pedidos deduzidos pelo sujeito passivo» (CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária—Anotado, Almedina, Coimbra, 2015, p. 543).
O. No mesmo sentido pronunciou-se já este Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.° 08065/14, de 05/03/2015, nos termos do qual «a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando devendo o juiz pronunciar-se sobre uma determinada questão colocada pela parte ou que seja de conhecimento oficioso, o não faça (artigo 125.° do CPPT».
P. E não se diga que o tribunal recorrido não tinha o dever de se pronunciar sobre a matéria em causa:
a. porque, não obstante a Impugnante conhecer o facto de a doutrina e a jurisprudência considerarem que questões são distintas de razões e argumentos, sendo que só a falta de apreciação das primeiras consubstanciará a nulidade de omissão de pronúncia, no presente caso não estamos perante uma razão ou um argumento levantado pela Impugnante com vista a sustentar o seu entendimento. Não, aqui está em causa, precisamente, uma autêntica causa de pedir.
b. porque não se trata de uma questão de conhecimento oficioso que não tenha sido alegada pelas partes, não valendo o entendimento de que, não se tendo pronunciado pela mesma, este entendeu implicitamente que a sua resolução não seria relevante para a solução da causa; e
c. porque não se trata de uma questão cuja apreciação devesse ser precludida por motivos de prejudicialidade. Com efeito, a partir do momento em que concluiu pela não procedência da primeira causa de pedir da Impugnante, o dever que recaía sobre o tribunal a quo de se pronunciar sobre a segunda era ainda mais relevante.
Q. Como se vê, não se tendo pronunciado o tribunal arbitral acerca do justo impedimento em que se encontrava a Impugnante por força do PER a que foi sujeita - e que a impossibilitava de vender o imóvel em causa, determinando assim a não verificação da caducidade com base na qual a Impugnada procedeu à liquidação de IMT contestada -,
R. Incorreu este numa omissão de pronúncia, manifesta e absoluta, pois não dedicou uma única palavra da decisão impugnada a essa questão.
S. Padecendo assim, a decisão impugnada, da nulidade prevista na alínea c), do n.° 1. do artigo 28.° do RJAT.
TERMOS EM QUE DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, DETERMINANDO ESTE DOUTO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL A ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS”

CONTRA ALEGAÇÕES:

Em sede de contra-alegações apresentadas pela entidade recorrida, expendeu o seguinte:

“A. A Impugnante entende que a Decisão Arbitral proferida no processo acima identificado incorreu no vício previsto na al. c), do n°1 do art. 28° do RJAT, de omissão de pronúncia ao não se pronunciar, conforme alínea Q. das conclusões da sua Impugnação, “acerca do justo impedimento em que se encontrava a impugnante por força do PER a que foi sujeita - e que a impossibilitava de vender o imóvel em causa, determinando assim a não verificação da caducidade com base na qual a Impugnada procedeu à liquidação de IMT contestada -,(...)”

B. E defende que o tribunal arbitral tinha o dever de conhecer todas as questões suscitadas pelas partes e que tal lhe é imposto pelo n.°2 do 608° do CPC, nomeadamente por: “(...) aqui está em causa, precisamente, uma autêntica causa de pedir, (...) não valendo o entendimento de que não se tendo pronunciado pela mesma, este entendeu implicitamente que a sua resolução não seria relevante para a solução da causa;_e (...) a partir do momento em que concluiu pela não procedência da primeira causa de pedir da Impugnante,, o dever que recaía sobre o tribunal a quo de se pronunciar sobre a segunda era ainda mais relevante.

C. Mas não tem razão, em primeiro lugar, porque esta, não é uma questão que tivesse sido individualizada ou relevante por si só, nem alternativa nem subsidiária, para avaliar da legalidade ou não da liquidação em causa.

D. Aliás, como ficou supra demonstrado, o Acórdão impugnado identificou com base no PPA correctamente as questões a decidir, e nem a Impugnante lhe havia dado essa relevância.

E. Não recaía por isso sobre tribunal o dever de se pronunciar expressamente relativamente ao agora invocado "justo impedimento”.

F. Na verdade, a relevância agora atribuída ao alegado "justo impedimento” cai por terra, se atendermos aos factos dados como provados no douto Acórdão.

G. É que, dali se conclui que só poderia equacionar-se numa situação de "justo impedimento” se a Impugnante tivesse celebrado uma escritura de compra e venda com a DIMO no âmbito da sua actividade, no sentido em que lhos adquiria com o intuito de fazer negócio e realizar lucro.

H. No entanto, resulta do acordo constante no PER, que os imóveis não seriam adquiridos à DIMO para revenda, mas seriam dados em pagamento para saldar o crédito da JFS e seguidamente esta celebrar dação em pagamento com o B.......... para extinguir a sua dívida com esta instituição financeira.

I. Pelo que, em bom rigor, nunca se poderia equacionar se quer, que estivéssemos perante uma situação de "justo impedimento”, pois a Impugnante ao celebrar a primeira escritura - que foi de compra e venda - ao arrepio do determinado no PER, não podia deixar de saber, por ser uma empresa com tantos anos de actividade, que ao celebrar a dação em cumprimento não preenchia os pressupostos para manter a isenção de IMT.

J. Pelo exposto, não se encontra aqui razão para a Impugnante afirmar que o invocado "justo impedimento” consubstancia uma autêntica causa de pedir, não tendo o douto tribunal arbitral incorrido em omissão de pronúncia, pois não tinha que se pronunciar sobre esta matéria.

K. Em suma, carece totalmente de fundamento a douta impugnação, pois que o Tribunal a quo não incorreu em omissão de pronúncia nos termos da alínea c) do artigo 28° do RJAT, razão pela qual não se verificam os pressupostos para a admissão da presente impugnação.

L. A Decisão Arbitral o apreciou e valorou correctamente a prova trazida aos autos bem como fez correcta interpretação do direito aplicável e das questões que lhe foram colocadas no ppa, razão por que deve ser mantida.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão,

Não deve ser admitida a presente Impugnação da Decisão Arbitral proferida no processo n° 83/2018-T, por manifesta inexistência do fundamento de Impugnação previsto na al c), do n°1 do art. 28° do RJAT; e se assim se não entender, ainda que sem conceder,

A Decisão arbitral deve ser mantida por ter efectuado uma correcta apreciação e valoração da prova trazida aos autos, bem como a uma interpretação do direito aplicável aos factos provados nos autos, com as todas legais consequências.”

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se decisão arbitral é nula por omissão de pronúncia.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A decisão fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
4.1.1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto a «indústria de construção civil, compra, venda, revenda e arrendamento de bens Imobiliários».
4.1.2. A Requerente sujeitou-se a PER que correu os seus termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o n.° 957/12.9TYVNG.
4.1.3. No teor do referido PER consta que a Requerente aceitou efetuar a dação em cumprimento das frações AI, AJ, AZ e BG do prédio Inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos sob o art. 9.0 (anterior art. ….. da freguesia de Lordelo do Ouro), por 2109 267,92 € ao B.........., S.A. (atual N..........). 
4.1.4. A Requerente adquiriu à D.........., S. A. em 07/08/2013 as frações AI, AJ, AZ e BG do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Lordelo do Ouro e Massarelos sob o art, ….º, por 2109 267,92 €, constando na escritura que foi arquivado o documento que titula a Isenção de IMT, ao abrigo do art.7.0,n,°i do CIMT.
4.1.5. No PER constava que as aludidas frações seriam objeto de dação em pagamento pela D.........., S. A. à Requerente para extinguir um crédito desta, com fonte em contrato de empreitada de construção civil.
4.1.6. No dia 07/08/2013 a Requerente celebrou uma escritura de dação em cumprimento das frações previamente adquiridas para extinção de responsabilidades bancárias junto do B.........., S. A. (atual N..........) no montante de 2109 267,92 €,
4.1.7. 0 Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto enviou a Ol n.° 201403338 para o Serviço de Finanças do Porto - 5, por ter apurado que houve caducidade da isenção de IMT.
4.1.8. 0 Serviço de Finanças do Porto - 5 elaborou uma proposta de correção da liquidação (121 673,141 de IMT e 4 733,59 € de juros compensatórios), por caducidade da isenção de IMT, prevista no art. 7.º do CIMT.
4.1.9. No dia 10/10/2014 foi a Requerente notificada da liquidação de IMT e de juros compensatórios, no montante total de 126 406,73 €.
4.1.10. A Requerente em 02/02/2015 apresentou reclamação graciosa da referida liquidação. 
4.1.11. Por despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças do Porto - 5 de 23/06/2015 (enviado a 30/06/2015) a reclamação graciosa foi expressamente indeferida.
4.1.12. A Requerente apresentou recurso hierárquico no dia 31/07/2015.
4.1.13. Por ofício datado de 05/12/2017 foi o recurso hierárquico expressamente indeferido.
4.1.14. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação de IMT e de juros compensatórios no dia 23/10/2015.
4.1,15. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 05/03/2016,
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitrai que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Defende a Impugnante que a decisão arbitral é nula por omitir pronúncia sobre questão alegada no requerimento inicial referente ao justo impedimento na revenda do imóvel, o qual se entende ser fundamento de não caducidade da isenção de IMT.
 
Sendo esta a questão que nos cumpre conhecer, teremos presente que as impugnações das decisões proferidas pelo CAAD podem ser anuladas pelo TCA (art.º 27º/1 RJAT) com fundamento nos vícios previstos no art. 28º/1 RJAT:

a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) Oposição dos fundamentos com a decisão;

c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º.


Como no processo arbitral tributário são de aplicação subsidiária, entre o mais,  as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC (cfr. art.º 29.º/1-a)-c)-e), do RJAT), o art.º 125.º/1 do CPPT, comina com nulidade por  omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. art.º 615.º/1-d), do CPC).

Esta nulidade só ocorre quando existe uma violação do dever de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar.

Na falta de norma no RJAT sobre os deveres de cognição do TA, recorre-se à norma do art. 608º/2 do CPC da qual resulta o dever de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Se o tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Esta só ocorrerá nos casos em que o tribunal não toma posição sobre questão que deveria conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que dela não pode tomar conhecimento.

Para este efeito, “questões” abrange tudo quanto diga  respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir bem como às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.[1] Ou, dito de outro modo,  “questões”, são aquelas que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes  e “...que decidem do mérito do pleito ou de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância[2]...”

“Questões” são distintas de argumentos. Estes são meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, mobilizados pelas partes em defesa da procedência das questões que apresentam ao tribunal para decisão[3].

Resta acrescentar que as questões que o juiz deve conhecer são não só as alegadas pelas partes mas também as que sejam de conhecimento oficioso, embora só as primeiras conduzam à nulidade da decisão. As segundas constituem mero erro de julgamento[4], pois não“...seria razoável que se impusesse ao tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia e que não se afiguram como controvertíveis no caso concreto”[5].

Uma vez que só a preterição do dever de pronúncia sobre questões é suscetível de gerar nulidade da decisão, há que indagar se a matéria não conhecida na decisão arbitral configura uma questão, ou um mero argumento.

Recordemos que a Impugnante pediu a constituição do TA “imediatamente, sobre o indeferimento expresso do Recurso Hierárquico (...) que veio concluir no sentido de manter o acto de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, sobre a legalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante, IMT), referente à transmissão dos prédios urbanos infra identificados, no montante de € 126.406,73...” alegando, entre o mais, que a dação em cumprimento em     que interveio como sujeito ativo pode considerar-se abrangida para efeitos de CIMT, no conceito de  revenda.

Para além disso, referiu nos artigos 189º e segs. do Requerimento de constituição do TA o seguinte:
“189.º

Será assim, quanto mais não seja, atendendo ao circunstancialismo próprio que rodeou a celebração do negócio em apreço, o qual é subsumível ao conceito de JUSTO IMPEDIMENTO: não foi por sua vontade, mas porque assim lhe foi imposto pelo PER, que a Requerente transmitiu o imóvel ao abrigo de uma dação, e não de um contrato de compra e venda.

190.º

Ora, em decisão de 6 de Março de 2013, o STA admitiu expressamente a possibilidade de a caducidade prevista no artigo 11.º do CIMT não operar quando estejamos perante um justo impedimento de, no prazo de três anos, retransmitir o imóvel ao abrigo de um contrato de compra e venda (vide acórdão proferido nos autos do processo 0104/13),

191.º

tendo então considerado que só se poderia concluir pela existência de um justo impedimento em face de “uma verdadeira impossibilidade de realizar a venda, ainda que com perdas, não sendo suficiente a dificuldade ou, eventualmente, a impossibilidade de a efectuar nos termos desejados em virtude das circunstâncias não imputáveis ao vendedor”.

192.º

No caso em apreço, não restam dúvidas de que esta verdadeira impossibilidade, não imputável à Requerente, se verificou: ainda que esta pretendesse transmitir o imóvel ao abrigo de um contrato de compra e venda, essa possibilidade estava-lhe vedada pelo PER.

193.º

Ou a Requerente o transmitia ao abrigo de uma dação em cumprimento, ou incumpria o PER, violava as condições impostas pelos seus credores, e – certamente – se veria confrontada com um pedido de decretamento da sua insolvência, que a impediria, ao fim e ao cabo, de transmitir o imóvel!”
Considerando o conteúdo da jurisprudência que se tem debruçado sobre as consequências e requisitos do justo impedimento na revenda de prédio,[6] resulta que esta configura matéria suscetível de influir na decisão sobre o mérito do pleito.
Claramente, trata-se de uma questão e não de um mero argumento.

Questão que o TA efetivamente não apreciou.  E não só não a apreciou como não justificou que dela não podia tomar conhecimento, nem indicou razões para essa abstenção.
E da decisão tão pouco resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio[7].

É certo que, como diz o Exmo. Representante da Fazenda Pública nas doutas contra alegações, a Impugnante não individualizou a questão (no sentido, cremos, de que não foi destacada como um capítulo próprio na impugnação) nem o TA a identificou como questão a decidir.

Isso está certo. Porém, esta alegação não elimina o facto de que a questão foi efetivamente colocada ao TA para apreciação que não o fez.

Assim, a decisão é nula por omissão de pronúncia.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento à impugnação e anular a decisão impugnada por omissão de pronúncia.

Os autos deverão ser remetidos ao CAAD para que seja proferida nova decisão, se nada mais obstar.

Custas pela Impugnada.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)



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[1] Seguimos de perto Jorge Lopes de Sousa  in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II pp. 363 
[2] Ac. do STA n.º  0245/11.8BEMDL 0579/15 de         27-11-2019 Relator:    JOSÉ GOMES CORREIA     
Sumário:    II - Mas, como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
III - Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.
IV - Quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes mas que são de conhecimento oficioso e prejudicam todas as demais questões colocadas, não está a agir de modo a cometer uma nulidade.
V - Assim, apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia. Obviamente, sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
[3] Ac. do TRP n.º 0413679    nº Convencional: JTRP00037530, de 20-12-2004, Relator MACHADO DA SILVA
Sumário:            I - Na apreciação da nulidade por "omissão de pronúncia", importa distinguir entre as questões postas na acção e os argumentos apresentados para sustentar a pretensão, ou posição processual.
II - A referida nulidade por "omissão de pronúncia" só existe se o juiz deixar de se pronunciar sobre as questões postas pelas partes e não se deixar de apreciar algum dos argumentos utilizados.
[4] Cfr. Ac do STA n.º 0355/08 de 30-07-2008 Relator:    ANTÓNIO CALHAU
Sumário:
II – Embora o tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso, ainda que não suscitadas pelas partes (parte final do nº 2 do artigo 660.° CPC), a omissão de tal dever não constituirá, a nosso ver, nulidade, mas sim erro de julgamento.

E Ac. do STA n.º 0650/14 15-02-2017 - Relator:     FRANCISCO ROTHES    
Sumário:        I - Não pode falar-se de omissão de pronúncia relativamente a questão que, sendo do conhecimento oficioso, não foi suscitada pelas partes ao tribunal.
[5] Jorge Lopes de Sousa  in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II, pp. 365 
[6] Cfr., entre outros, Acs do TCAS n.º 07063/13 19-03-2015 Relator: JORGE CORTÊS
Sumário:          1) A invocação do justo impedimento exige a demonstração de que a não celebração do contrato definitivo de revenda dos prédios em causa dentro do limite temporal de caducidade da isenção não é imputável a conduta da recorrente.
E ac n.º 314/13.0BEALM de 21-05-2020 Relator:   PATRÍCIA MANUEL PIRES         
Sumário:           I-A isenção de IMT de que goza a aquisição de prédios para revenda caduca no caso de não serem vendidos no prazo de três anos, logo encontra-se sujeita a uma condição resolutiva que o legislador apenas pretendeu fixar por referência ao tempo decorrido e já não aos motivos subjacentes à falta de revenda
II-Se foi o próprio devedor que se apresentou à insolvência, se já apresentava uma situação patrimonial negativa desde 2010, não se percebendo, e não se demonstrando quais os motivos que terão estado no “arrastar” da apresentação à insolvência e mais ainda quais as razões e os motivos concretos porque não se consumou a revenda durante cerca de 35 meses, então a questão da insolvência do devedor não pode ser entendida e configurada como “justo impedimento”, visto que a impossibilidade prática de venda do bem no prazo legal, entenda-se no prazo de três anos, não pode, senão, entender-se que seja a si imputável, ou noutra formulação que a parte não tenha contribuído para a consumação de tal impossibilidade.
III-Para que pudesse considerar-se verificado o “justo impedimento” era necessário que houvesse uma verdadeira impossibilidade de realizar a venda, ainda que com perdas, em virtude de circunstâncias não imputáveis ao vendedor.
[7] Ac. do TCAS n.º  33/19.3BCLSB 14-11-2019 - Relator:    VITAL LOPES   
Sumário:        2. Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento