Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1734/15.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:IMT
UTILIDADE TURÍSTICA
ISENÇÃO
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que integradas no empreendimento em causa e se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção do Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S… e L… , contra os atos de liquidação de IMT e liquidações adicionais de IS, do ano de 2010, no montante total de €53.907,00, respeitantes à aquisição onerosa de fração autónoma, dela interpôs recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por S… e L…, contra as liquidações de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT) e liquidações adicionais de Imposto do Selo (IS), referentes a 2010, no montante total de € 53 907,00.

II. Por sentença datada de 29-11-2022, ora recorrida, veio a Mm. ª Juiz do Tribunal a quo, estribando-se na factualidade dada como assente em III, conceder provimento à Impugnação apresentada e, em consequência, determinar a anulação da liquidação porque verificada a caducidade do direito à liquidação. III. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 31.º e 35.º CIMT.

IV. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida, relativamente ao modo como logrou concluir pela caducidade do direito de liquidação aos sujeitos passivos, o qual com o respeito, deriva não só da incorreta perceção e valoração da prova, mas também da desacertada interpretação jurídica que fez das disposições legais supra citadas.

V. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vetores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis.

VI. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra atualmente consagração genérica no artigo 45.º da LGT. Sob a epígrafe caducidade do direito à liquidação preceitua aquele normativo que direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

VII. Isto posto, há que considerar as exceções legais, como prevê o art. 35.º do CIMT, sob a epígrafe “Caducidade do direito à liquidação”: “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária”.

VIII. Resulta do probatório que, “(…) em face das declarações Modelo 1, de IMT apresentadas pelos Impugnantes, em 29-09-2010, a Administração Fiscal emitiu os documentos de cobrança de IMT n.ºs 160810027228203 e 160310027224003, no valor de € 0,00…”. E nessa conformidade, decidiu o Douto tribunal que “(…) o facto da primeira liquidação de IMT, ter sido no valor de € 0,00, não deixa de ser uma liquidação, na qual foi considerada uma isenção de IMT. Criou a expectativa aos Impugnantes de que beneficiavam da isenção de IMT, na aquisição da fração destinada à instalação de empreendimento turístico. Ao rever este entendimento, a Administração Fiscal procedeu a uma liquidação adicional de IMT, pois teve em conta a anterior, que havia apurado o valor de € 0,00.”IX. Ora, salvo melhor opinião, não concordamos com o entendimento, assim, plasmado na sentença ora recorrida porquanto, como bem fundamentado no acórdão do STA de 13.09.2017, proferido no processo n.º 1126/17 a análise desta questão impõe que, previamente, se aprecie se a isenção de IMT a que se refere o art.º 20º do DL nº 423/83, de 5 de dezembro, configura um benefício fiscal de natureza automática ou, antes, um benefício dependente de reconhecimento.

X. Trata-se, aliás, de posição pacífica e reiterada, há muito consolidada na jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo que o aludido benefício não opera a pedido do interessado, isto é, através de requerimento autónomo dirigido especificamente à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo, por conseguinte, ato administrativo de reconhecimento em procedimento tributário próprio e autónomo.

XI. O que, no caso, se verificou foi que os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, fizeram operar, de forma direta e automática, a isenção de tributação ao declararem que a aquisição das frações se destinava à instalação de empreendimento turístico nos termos previstos no nº 1 do art.º 20 do DL 423/83, isto é, ao declararem a existência de uma realidade que faz automaticamente espoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT.

XII. Não obstante, o facto de os impugnantes, ora recorridos, terem requerido a emissão das notas de cobrança de IMT relativas aos atos de transmissão da propriedade mencionados nas als. A) a I) do probatório ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro (assim beneficiando da isenção de imposto) e o facto de as mesmas terem sido emitidas em conformidade com o declarado pelos mesmos, não impede que a Administração Tributária, no exercício das suas funções, detete irregularidades, designadamente pelo facto de a verdade material não coincidir com os factos e elementos declarados, e proceda às correções devidas, quer ao nível do enquadramento quer do acerto que se impuser em termos de liquidação do imposto em falta.

XIII. Ou seja, apesar de ter sido requerida a emissão da nota de cobrança como estando em causa a aquisição de frações com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, considerou a AT, que não se verificavam, in casu, os pressupostos legais de que dependia a isenção do imposto de que beneficiaram, procedendo às respetivas correções de enquadramento, o que conduziu à liquidação do imposto considerado devido em cada caso. Aquando da escritura de compra e venda, não houve lugar a liquidação de IMT, por haver um reconhecimento automático de isenção daquele imposto nos termos do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

XIV. De onde se conclui que as liquidações impugnadas não são liquidações adicionais, mas sim uma primeira liquidação e como tal o prazo de caducidade aplicável era o prazo especial de oito anos previsto no n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT, e não, como decidido pela sentença ora recorrida, o prazo de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Código.

XV. In casu, constatando-se que não ocorriam os pressupostos para a isenção de que os impugnantes haviam beneficiado de forma automática, mas indevida, a AT tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito” – cfr. art.º 35º do CIMT).

XVI. Não é legítimo – porque destituído de fundamento legal - ficcionar a existência de uma prévia liquidação à taxa zero ocorrida no momento da escritura para efeitos de aplicação do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT quando nenhuma prévia liquidação existiu, sendo as impugnadas as primeiras e únicas.XVII. Nesta linha de entendimento, merece censura a sentença ora recorrida, ao decidir verificada a caducidade do direito à liquidação, uma vez que conforme resulta do probatório supra, a transmissão aconteceu em 29.10.2010, e a liquidação data de 18.02.2015, pelo que aconteceu dentro dos oito anos de que a Administração Tributária dispunha para liquidar.

XVIII. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


*




Notificados da admissão do recurso jurisdicional, os recorridos S… e L… apresentaram contra-alegações rematando-as as com as seguintes conclusões:« I. Resulta da lei que a operação de liquidação ocorre desde o momento em que o sujeito passivo alega um determinado acto susceptível de tributação até à decisão sobre se há imposto a pagar ou não, qual o imposto e qual o seu valor, sendo, portanto, de considerar que a operação realizada pelo Serviço de Finanças de reconhecimento da isenção de pagamento de IMT se enquadra neste procedimento de liquidação e que a liquidação do imposto foi efectuada em 2010.II. Por conseguinte, existindo uma liquidação, não se deverá considerar o prazo de oito anos estipulado no n.º 1 do Artigo 35.º do CIMT, invocado pela Recorrente.

III. Não se poderá olvidar que, perante a subsunção do Direito aos factos operada pelo Serviço de Finanças, são criadas nos contribuintes expectativas legítimas de que o imposto é ou não devido.

IV. Dispondo a Recorrente de todas as informações necessárias para alterar a liquidação realizada, pode logicamente fazê-lo, mas no prazo previsto no Artigo 78.º da LGT e do n.º 3 do Artigo 31.º do CIMT, i.e., quatro anos e não oito.

V. Apenas se podendo concluir que a Recorrente apurou o montante de IMT devido através de uma liquidação adicional, o prazo de quatro anos previsto no n.º 3 do Artigo 31.º do CIMT encontra-se largamente ultrapassado, sendo de concluir pela caducidade do direito de revisão dos actos tributários e da possibilidade de efectuar a liquidação adicional, nos termos Artigos 78.º da LGT e 31.º do CIMT, respectivamente.

VI. No caso dos autos, as informações necessárias chegaram directamente ao conhecimento da Recorrente, razão pela qual não se deverá premiar a mesma em detrimento da tutela jurídica do contribuinte.

VII. Torna-se evidente concluir que a Recorrente viola flagrantemente os princípios da igualdade e da legalidade tributárias, princípios basilares de Direito fiscal com consagração constitucional (Artigos 13.º, 103.º, n.º 2 e 104.º da Constituição da República Portuguesa), ao considerar que, na data da celebração da escritura de compra e venda, não ocorreu liquidação do imposto devido sem qualquer fundamento legal.

VIII. Caso se entenda que o acto de reconhecimento da isenção não é uma liquidação – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona - sempre será de questionar qual a natureza do acto em causa, para efeitos de identificação do regime legal aplicável.

IX. Trata-se de um acto de natureza pública. Não se tratando de um acto tributário, apenas se poderá considerar que se trata de um acto administrativo, nos termos do Artigo 148.º do CPA.

X. Para que o mencionado deixasse de produzir efeitos na ordem jurídica, seria necessário um acto revogatório ou de anulação administrativa (como são os ofícios em causa nestes actos), nos termos dos n.ºs 1 e 2 do Artigo 165.º do CPA e dos Artigos 167.º e 168.º do CPA.

XI. Ora, no que respeita à revogação, não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas do n.º 2 do Artigo 167.º do CPA, pelo que a revogação não seria legalmente admissível. E, ainda que pudesse estar em causa o disposto na alínea c) – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona – sempre seria de referir que o prazo para revogação é de um ano, prorrogável num máximo de dois, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

XII. No caso da anulação administrativa, esta apenas poderia ocorrer no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, nos termos do n.º 1 do Artigo 168.º do CPA. Para além disso, nos termos do n.º 3 do Artigo 168.º do CPA, os actos constitutivos de direitos não podem ser objecto de anulação, a não ser nos casos do n.º 4, que não se verificam.

XIII. Ainda que assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que os ofícios e o procedimento tributário em causa nos presentes autos são ilegais, por se basearem em pressupostos que não constituem fundamento suficiente e ainda por existir de facto um direito de isenção.

XIV. É de considerar que a decisão tomada pela Recorrente, ao omitir a fundamentação dessa mesma decisão – não se alcançando qual é o momento em que, no entender da Recorrente, se devem considerar “instalados” os empreendimentos turísticos, se na data da atribuição de licença de utilização turística, se na data em que as fracções são disponibilizadas ao público ou em qualquer outra data, não localizando esse momento na factualidade em causa -, deverá ser anulável por vício de forma conforme o disposto no Artigo 135.º do CPA por violação das alíneas d) e e) do n.º 1 do Artigo 123.º do mesmo diploma.

XV. O preceito constante no n.º 1 do Artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro regula uma isenção objectiva, não se referindo aos sujeitos desta isenção, e não assenta apenas na expressão “com destino à instalação”, mas sim na realidade jurídica que constitui o objecto da norma e, portanto, no quid da instalação, i.e. no conceito de instalar.

XVI. Está previsto no RJIEFE que a fase de instalação só termina quando se possa iniciar a exploração e respectivo funcionamento do empreendimento, i.e., quando o imóvel esteja apto à exploração turística, o que só acontece no momento em que a fracção é entregue para exploração turística.

XVII. Deve considerar-se, por isso, que a aquisição do imóvel constituiu o momento relevante para a aplicação do n.º 1 do Artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, uma vez que é nesse momento que a fracção fica apta a desenvolver a finalidade para a qual foi construída, ou seja, para a exploração turística. Assim, a isenção deverá ser aplicada a todas as fracções que constituam apartamentos turísticos e que sejam adquiridas e assim tornarem-se aptas à exploração turística e, portanto, à dos Recorridos.

Nestes termos, e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.»


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O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

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Foi dado o contraditório nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.ºs 2 e 3 do CPC sem que as partes se pronunciassem.

*Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida:

i) Incorreu em erro de julgamento de facto ao efectuar incorreta apreciação da matéria de facto relevante quanto à qualificação dos factos;

ii) Efectuou errado julgamento de direito ao julgar aplicável ao caso o regime previsto no artigo 31.º do CIMT e ao julgar verificada a caducidade do direito de liquidação do imposto em causa;

Caso o recurso seja julgado procedente, impõe-se conhecer da questão da «ilegalidade dos ofícios que determinaram a liquidação» por falta de fundamentação e por se verificar na esfera dos impugnantes/recorridos o direito à isenção que invocam.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) Em 29-09-2010, o Impugnante S… entregou declaração Modelo 1, para liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), para aquisição do direito de propriedade sobre imóvel – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;B) Em 29-09-2010, a Impugnante L… entregou declaração Modelo 1, para liquidação de IMT, para aquisição do direito de propriedade sobre imóvel – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
C) Em 29-09-2010, em nome do Impugnante S…, foi emitida a liquidação do IMT, documento n.º 160810027228203, no montante de € 0,00 – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
D) Em 29-09-2010, em nome da Impugnante L…, foi emitida a liquidação do IMT, documento n.º 160310027224003, no montante de € 0,00 – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
E) Em 29-09-2010, em nome do Impugnante S…, foi emitida a liquidação do Imposto do Selo, documento n.º 163010001868110, no montante de € 604,00 – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
F) Em 29-09-2010, em nome da Impugnante L…, foi emitida a liquidação do do Imposto do Selo, documento n.º 163710001868076, no montante de € 604,00 – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
G) Em 29-09-2010, os Impugnantes celebraram com a O…, SA, um contrato de compra e venda respeitante à fracção autónoma designada pelas letras «BR», correspondente à Unidade de Alojamento do Aldeamento Turístico, com a identificação «I Cinquenta e Seis», constituída por moradia unifamiliar isolada, com dois pisos acima do solo, logradouro, piscina, anexo e jardim, do prédio urbano sito na Quinta da Ribeira, freguesia do Turcifal, Concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 29.., da freguesia do Turcifal e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 24.. – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
H) O prédio identificado na alínea precedente integra o Aldeamento Turístico Campo Real, sito no Turcifal, Concelho de Torres Vedras, Distrito de Lisboa, ao qual foi atribuída Licença de Utilização Turística n.º 5…/2008 emitida pela Câmara Municipal de Torres Vedras, em 05-12-2008 – cfr. Teor do documento 3 da petição de impugnação;
I) No Título de compra os Impugnantes declararam que “o imóvel adquirido vai ser objecto de contrato de exploração turística conforme contrato de gestão e exploração particular assinado na presente data.” – cfr. Teor do documento 3 da petição de impugnação;
J) No Título de compra os Impugnantes declararam que conheciam e aceitavam «o projecto de regulamento do Conjunto Turístico Campo Real, depositado na anteriormente designada por Direcção-Geral do Turismo, cuja certidão se encontra arquivada a instruir o Procedimento Casa Pronta n.º 23554/2008» e que conheciam e aceitavam os seus termos e condições e bem assim «o Título Constitutivo do Aldeamento Turístico em que se integra a fracção, que se encontra depositado na então Direcção-Geral do Turismo, actualmente Instituto do Turismo de Portugal, bem como as alterações que venham a ser determinadas pelas autoridades competentes» – cfr. Teor do documento 3 da petição de impugnação;
K) No Título de Compra e Venda consta referido o seguinte: “O Ofício n.º DSEAP/DPEE/20551607 emitido em 15/11/2005, pela anteriormente designada Direcção-Geral do Turismo, dele constando que, por Despacho da Senhora Subdirectora-Geral de Turismo, por Delegação foi deferido o pedido de depósito do Título constitutivo da composição do Aldeamento Turístico Campo Real, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 167/97 de 4 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei 55/2002, de 11 de Março, arquivado como parte integrante da certidão, arquivada a instruir o Procedimento Casa Pronta número 23…/2008, e atrás mencionada” – cfr. Documento 3 da petição de impugnação;
L) No Título de Compra e Venda consta que “Foi efectuada a liquidação do IMT, no Serviço de Finanças de Torres Vedras, em 29-09-2010 – DUC`s n.ºs 16… e 16…” – cfr. Título de Compra e Venda, documento 3 da petição de impugnação;
M) No Título de Compra e Venda consta que “Foi efectuada a liquidação e pagamento do I. de Selo, no Serviço de Finanças de Torres Vedras, em 29-09-2010 – DUC`s n.ºs 163…. e 163…” – cfr. Teor do Título de Compra e Venda, documento 3 da petição de impugnação;
N) Os comprovativos de liquidação dos impostos foram arquivados na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras – cfr. Teor do Título de Compra e Venda, documento 3 da petição de impugnação;
O) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 23-09-2002 publicado por Aviso do Ministério da Economia, Direcção-Geral do Turismo, Comissão de Utilidade Turística, Sector de Utilidade Turística, no Diário da República – III Série, de 24 de Outubro de 2002, «foi atribuída utilidade turística, a título prévio, a um conjunto turístico (…) na Quinta da Ribeira, freguesia do Turcifal, concelho de Torres Vedras, distrito de Lisboa” – cfr. Documento 4 da petição de impugnação;
P) Pelo Despacho n.º 29671/2007, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República, II Série – n.º 248, de 26/12/2007, foi prorrogada por três anos a validade da utilidade turística prévia ao Conjunto Turístico Campo Real – cfr. Documento 5 da petição de impugnação;
Q) Pelo Despacho 2233/2015, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República – II Série foi decidido “1- Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, confirmar a utilidade turística atribuída a título prévio ao Conjunto Turístico Campo Real, atualmente denominado Campo Real Golfe Resort & Spa, sito em Torres Vedras, de que é requerente a sociedade S… C.., SA; 2 – Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro , fixar a validade da utilidade turística e, 7 (sete) anos, contados da data fixada para o termo do prazo de validade da utilidade turística prévia concedida para a 1.ª (primeira) fase do empreendimento, com as referências temporais constantes do quadro anexo ao Despacho SET n.º 2967/2007, de 3 de outubro, publicado no Diário da República, n.º 428, 2.ª Série, de 26 de dezembro, isto é, a contar de 23 de setembro de 2008” – cfr. Documento 6 da petição de impugnação;
R) Pelo ofício n.º 918 de 18-02-2015 emitido pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras foi o Impugnante S… notificado da liquidação de IMT e de Imposto de Selo, pela aquisição de ½ da fração BR, do prédio urbano inscrito sob o artigo 2927, sito na Quinta da Ribeira, Turcifal, e para solicitar as guias de pagamento do IMT, na importância de € 24 537,50 e de Imposto de Selo, na importância de € 2 416, com o seguinte teor: “Por documento particular lavrado em 2010/09/29 em Torres Vedras na Conservatória do Registo Predial – Casa Pronta, foi adquirido ½ indiviso da fr. BR do prédio urbano inscrito sob o art. 2927 sito na Quinta da Ribeira, Turcifal, tendo beneficiado de isenção de IMT e I. Selo conforme 2010/268509 – Utilidade Turística (art. 20 DL 423/83).
O art. 20 do DL 423/83 estabelece um benefício fiscal de isenção total em sede de IMT e outro de redução a 1/5 em sede de I. Selo da verba 1.1 da TGIS, desde que estejam reunidos os seguintes pressupostos:
- A aquisição tem que se destinar à instalação de empreendimentos;
- Tais empreendimentos têm que estar qualificados de UTILIDADE TURISTICA, ainda que a título prévio.
A simples aquisição onerosa de um imóvel urbano que não seja conducente à instalação de empreendimento novo, não tenha sido objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento totais ou parciais (previamente submetidas à aprovação do Turismo de Portugal), nem se verifiquem a elevação da sua capacidade em valor igual ou superior a 50%, não beneficia de isenção de IMT prevista no art. 20.º do DL 423/83 de 5/12.
Pelo que vai este Serviço de Finanças proceder à liquidação do IMT e I Selo que se mostrar devido aplicando a taxa prevista no art. 17.º alínea c) do CIMT e verba 1.1 da TGIS.
O Sujeito Passivo foi notificado através do ofício n.º 89 de 2015/01/08, nos termos do art. 60.º da LGT.
Assim, fica por este meio notificado para no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de receção, para efectuar o pagamento do IMT, na importância de € 24 537,50 e o I. Selo da verba 1.1 da TGIS na importância de € 2 416, nos termos do art. 34 e 36 do CIMT, solicitando as guias neste serviço de Finanças de Torres Vedras.
Da liquidação do IMT e I Selo poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º, 99.º e 102.ºdo CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do n.º 3 do art. 38.º do CIMT.
DEMONSTRAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Valor declarado: € 377 500; VPT c/ IMI: € 79 515 (referente a ½ indiviso)
IMT
Matéria Colectável: € 377 500 x 6,5% = € 24 537,50 IMT DEVIDO: € 24 537,50
SELO (verba 1.1 da TGIS)
Matéria Colectável: € 377 500 x 0,8% = € 3 020
I. SELO DEVIDO: € 3 020
I. SELO PAGO: € 604
I. SELO A PAGAR: € 2 416 (…)” – cfr. Documento 1 da petição de impugnação;S) Pelo ofício n.º 919 de 18-02-2015 emitido pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras foi a Impugnante L… notificada da liquidação de IMT e de Imposto de Selo, pela aquisição de ½ da fração BR, do prédio urbano inscrito sob o artigo 29…, sito na Quinta …, e para solicitar as guias de pagamento do IMT, na importância de € 24 537,50 e de Imposto de Selo, na importância de € 2 416, com o seguinte teor: “Por documento particular lavrado em 2010/09/29 em Torres Vedras na Conservatória do Registo Predial – Casa Pronta, foi adquirido ½ indiviso da fr. BR do prédio urbano inscrito sob o art. 29… sito na Quinta …, tendo beneficiado de isenção de IMT e I. Selo conforme 2010/26… – Utilidade Turística (art. 20 DL 423/83).
O art. 20 do DL 423/83 estabelece um benefício fiscal de isenção total em sede de IMT e outro de redução a 1/5 em sede de I. Selo da verba 1.1 da TGIS, desde que estejam reunidos os seguintes pressupostos:
- A aquisição tem que se destinar à instalação de empreendimentos;
- Tais empreendimentos têm que estar qualificados de UTILIDADE TURISTICA, ainda que a título prévio. A simples aquisição onerosa de um imóvel urbano que não seja conducente à instalação de empreendimento novo, não tenha sido objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento totais ou parciais (previamente submetidas à aprovação do Turismo de Portugal), nem se verifiquem a elevação da sua capacidade em valor igual ou superior a 50%, não beneficia de isenção de IMT prevista no art. 20.º do DL 423/83 de 5/12.
Pelo que vai este Serviço de Finanças proceder à liquidação do IMT e I Selo que se mostrar devido aplicando a taxa prevista no art. 17.º alínea c) do CIMT e verba 1.1 da TGIS.
O Sujeito Passivo foi notificado através do ofício n.º 90 de 2015/01/08, nos termos do art. 60.º da LGT.
Assim, fica por este meio notificado para no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de receção, para efectuar o pagamento do IMT, na importância de € 24 537,50 e o I. Selo da verba 1.1 da TGIS na importância de € 2 416, nos termos do art. 34 e 36 do CIMT, solicitando as guias neste Serviço de Finanças de Torres Vedras.
Da liquidação do IMT e I Selo poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º, 99.º e 102.ºdo CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do n.º 3 do art. 38.º do CIMT.
DEMONSTRAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Valor declarado: € 377 500; VPT c/ IMI: € 79 515 (referente a ½ indiviso)
IMT
Matéria Colectável: € 377 500 x 6,5% = € 24 537,50 IMT DEVIDO: € 24 537,50
SELO (verba 1.1 da TGIS)
Matéria Colectável: € 377 500 x 0,8% = € 3 020
I. SELO DEVIDO: € 3 020
I. SELO PAGO: € 604
I. SELO A PAGAR: € 2 416 (…)” – cfr. Documento 2 da petição de impugnação;
T) Em 22-06-2015 foi apresentada a presente petição de impugnação judicial – cfr. Sitaf.»

*
Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Considero os factos provados, atendendo, ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.»
*

III – 2. Da apreciação do recurso

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial anulando as liquidações de IMT e I Selo emitidas na sequência da caducidade da isenção de que beneficiavam os impugnantes respeitantes à aquisição onerosa de fracção autónoma que havia beneficiado de isenção de IMT e redução de IS nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83. O Tribunal recorrido reputando-as de ilegais por violação do disposto nos artigos 31.º, n.º 3 do CIMT e 39.º, n.º 1 do CIS, por verificação da caducidade do direito de liquidar, julgando ainda prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelos impugnantes.

Inconformada com a sentença veio a Fazenda Pública recorrer alegando que não estão em causa liquidações adicionais, pelo que não lhe é aplicável o prazo de caducidade previsto no artigo 31.º, n.º 3, defendendo antes a aplicação do prazo consagrado no artigo 35.º, n.º 1 do CIMT.

A questão que importa decidir no recurso traduz-se, pois, em saber se o direito às liquidações de IMT e IS impugnadas se encontra caducado por aplicação do prazo de quatro anos a que alude o artigo 31.º, n.º 3, do CIMT, como se decidiu na sentença recorrida, ou se lhe é antes aplicável o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 35.º, n. 1 ambos do CIMT, como defende a recorrente, o que passa por saber se as liquidações impugnadas constituem ou não liquidações adicionais, como bem refere o Procurador Geral-Adjunto no seu parecer.

Caso o direito à liquidação não tenha caducado, impõe-se julgar em substituição, as questões que o Tribunal recorrido julgou prejudicadas.

Vejamos, então.

Os recorridos adquiriram uma fracção autónoma correspondente a uma unidade de aldeamento Turístico declarando que o imóvel iria ser objecto de contrato de exploração turística com um terceiro (cf. pontos G) a K) dos factos assentes). No título aquisitivo fez-se menção de que foram emitidas duas liquidações, uma de IMT e outra de Imposto do Selo, através de DUC – Documento Único de Cobrança, identificados nos pontos C) a F) dos factos provados.

Antes de mais, importa salientar que a qualificação dos documentos de cobrança efectuada no título de compra e venda, ou pelas partes não vincula o tribunal nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC.

À data dos factos estabelecia o artigo 19.º do CIMT (na redacção vigente à data dos factos, conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/1) a quem cabe a iniciativa da liquidação em sede de IMT nos seguintes termos:

«1 – A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida.

2 – A liquidação é promovida oficiosamente pelos serviços de finanças que forem competentes e sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazer dentro dos prazos legais, bem como quando houver lugar a qualquer liquidação adicional, sem prejuízo dos juros compensatórios a que haja lugar e da penalidade que ao caso couber.

3 – A declaração prevista no n.º 1 deve também ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, antes do acto ou facto translativo dos bens, nas situações de isenção

Em sede de IMT, sobre liquidação adicional dispunha o artigo 31.º o seguinte:

«1 – Em caso de omissão de bens ou valores sujeitos a tributação ou havendo indícios fundados de que foram praticados ou celebrados actos ou contratos com o objectivo de diminuir a dívida de imposto ou de obter outras vantagens indevidas, são aplicáveis os poderes de correcção atribuídos à administração fiscal pelo presente Código ou pelas demais leis tributárias.

2 – Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional.

3 – A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º

4 – A liquidação adicional deve ser notificada ao sujeito passivo, nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fim de efectuar o pagamento e, sendo caso disso, poder utilizar os meios de defesa aí previstos

Ainda com interesse para a decisão da causa, dispunha o n.º 1 do artigo 35.º sobre a caducidade do direito à liquidação:

«1 - Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária.»

Vejamos.

A jurisprudência tem vindo a decidir de forma reiterada e uniforme que a liquidação efectuada na sequência da caducidade de uma isenção, não constitui uma liquidação adicional, mas antes uma primeira liquidação.

Com efeito, tem sido definido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, citando-se por todos o Acórdão de 14/09/2011 – P. 0294/11 que o conceito de liquidação adicional «pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou rectificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido. Ou seja, a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes».

Ao declarar que a aquisição se destina à instalação de empreendimento turístico, pretendendo operar a isenção prevista no nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, impõe-se aos sujeitos passivos o cumprimento do dever declarativo estatuído no n.º 3 do artigo 19.º do CIMT. A aludida declaração determina de forma automática e directa a isenção de tributação.

Com vista à prova da isenção, perante o notário ou outras entidades com funções notariais para o efeito da celebração do contrato de compra e venda, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 49.º do CIMT, impunha-se a apresentação da referida declaração de modelo oficial que gera, na esfera do serviço de finanças, a obrigação de emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto.

Importa ainda ter presente o que dispõe o artigo 5.° do EBF, que esclarece que:

«1. Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.

2. O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

3. O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

Ora, do quanto se deixou dito, podemos concluir que a declaração de modelo oficial prevista no artigo 19.º, n.º 1 do CIMT, serve para que o serviço de finanças proceda à liquidação de imposto, caso ele seja devido, bem como para documentar que foi invocada a isenção pelo interessado, que opera de forma automática. Estamos assim, em presença de um benefício fiscal automático pois, ele resulta directamente da lei sem necessidade da prática de um acto administrativo pela AT.

No caso dos autos, com a apresentação da referida declaração, os recorridos fizeram operar a isenção que à data dos factos estava prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, decorrente da aquisição de fracção com destino à instalação de empreendimento turístico qualificado de utilidade turística, por a isenção não depender de reconhecimento de nenhuma entidade.

Dispõe o artigo 14.º, n.º do EBF: «a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra»

Assim, tendo em consideração as normas supra elencadas, constatamos que em momento anterior ao acto translativo, não foi efectuada qualquer liquidação de IMT, dado que o recorrente beneficiava de isenção, destinando-se a declaração de modelo oficial prevista no artigo 19.º, n.º 1 do CIMT a comprovar tal isenção e não a efectuar uma liquidação pois a ser assim estaríamos perante uma liquidação ficcionada, sem fundamento legal.

Ora, assim sendo, não existindo uma liquidação inicial, detectando a AT no exercício dos seus poderes de fiscalização e controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais, previsto no artigo 7.º do EBF, que os pressupostos em que se suportou a invocação do aludido benefício não se verificam, não procedem à correcção através de liquidação adicional, uma vez que não foi liquidado imposto ab inicio, procedendo sim à liquidação do imposto devido, operando a reposição da tributação legalmente devida.

À liquidação assim efectuada, é aplicável o prazo de caducidade previsto no artigo 35.º, n.º 1 do CIMT, sendo tal prazo de 8 anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, salvo quanto ao restante, o disposto no artigo 46.º da LGT.

É este o sentido da jurisprudência dos Tribunais superiores que aqui se reitera, podendo ver-se o Acórdão proferido pelo STA datado de 15/03/2017, proferido no processo n.º 0755/16 cuja fundamentação aqui também acolhemos:

«Trata-se de um prazo especial de caducidade do direito à liquidação, cuja existência a parte final do n.º 1 do artigo 45º da LGT ressalva, e que é o aplicável ao caso dos autos, em que liquidação notificada aos impugnantes ocorreu 22.11.2013 (cfr. As alíneas H e I do probatório fixado), antes de completados oito anos contados da data da escritura de transmissão da fracção (celebrada em 27-12.2005 – cfr. A alínea a) do probatório fixado).

No caso dos autos inexiste uma prévia liquidação a corrigir, sendo a liquidação impugnada a primeira e única relativa à transmissão da fracção, daí que careça de fundamento legal a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT, que pressupõe a prévia existência – real e não apenas ficcionada –, de uma liquidação objecto de correcção pela liquidação adicional, o que no caso dos autos manifestamente inexiste e não se presume.
Como se disse no Acórdão deste STA de 14 de Setembro de 2011, rec. N.º 0294/11 (citado na sentença recorrida) a aplicação do prazo de quatro anos só poderia encontrar justificação ao abrigo do n.º 3 do art. 31.º do CIMT, que dispõe: «A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35º». Ou seja, só poderia aplicar-se o prazo de caducidade de quatro anos se a liquidação constituísse uma liquidação adicional (…), sendo que então o prazo seria a contar da liquidação a corrigir (E sempre respeitando o prazo de oito anos fixado no art. 35.º do CIMT). Seja como for, nada permite qualificar como liquidação adicional o acto tributário que deu origem à dívida exequenda. Na verdade, a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou rectificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido. Ou seja, a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 909/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 96 a 102, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da11decbc3b9dabd8025726d003b7579?OpenDocument;

– de 18 de Maio de 2011, proferido no processo com o n.º 153/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/94e29e68a39ec0468025789a0039e45a?OpenDocument..

É, pois, irrelevante, para efeitos de determinação do prazo de caducidade aplicável, que tenha sido em razão da declaração dos contribuintes ou de erro dos serviços que (indevidamente) se tenha consignado na escritura haver lugar a isenção de IMT, pois que o prazo de caducidade é o mesmo numa e noutra situação, não sendo legítimo – porque destituído de fundamento legal -, ficcionar a existência de uma prévia liquidação à taxa zero ocorrida no momento da escritura para efeitos de aplicação do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT quando nenhuma prévia liquidação existiu, sendo a impugnada a primeira e única.

Também a propósito da SISA, perante norma semelhante à do n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT – in casu o §3.º do artigo 111.º do CIMSISD – decidiu já este STA no seu Acórdão de 18 de Maio de 2011, rec. N.º 0153/11 que a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes.

O seu objectivo é apenas apurar a diferença de imposto de forma que ao contribuinte seja exigido, no total, importância igual à que resultaria de liquidação efectuada de uma só vez – cfr., neste sentido, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, in Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, volume II, pág. 992.

Ora, neste caso, quando foi efectuada a escritura de compra e venda não foi efectuada qualquer liquidação dado que o recorrente beneficiava de isenção (…).

É certo que ocorreu o facto tributário mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o recorrente isento; pelo contrário, por força dessa isenção, não se procedeu, então, a qualquer liquidação de sisa. A liquidação que veio posteriormente a ser efectuada em consequência da inspecção levada a cabo ao recorrente não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.»

Mais recentemente o STA reiterou tal jurisprudência em Acórdão proferido no processo n.º 01126/16 de 22/03/2018: «O que, no caso, se verificou foi que os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, fizeram operar, de forma directa e automática, a isenção de tributação ao declararem que a aquisição das frações se destinava à instalação de empreendimento turístico nos termos previstos no nº 1 do art.º 20 do DL 423/83, isto é, ao declararem a existência de uma realidade que faz automaticamente espoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT.

Mas vindo a administração tributária a verificar, posteriormente, através de acção inspectiva, que a aquisição das frações não se destinava, afinal, à declarada instalação de empreendimento turístico, e que, por conseguinte, não ocorriam os pressupostos para a isenção de que aqueles haviam beneficiado de forma automática mas indevida, a administração tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito” – cfr. art.º 35º do CIMT)».

No mesmo sentido, entre outros, v.g. Ac STA proc. 054/14, de 03/05/2017, 01128/16 de 22/03/2018 e deste TCA Sul os processos n.º 35/16.1BELLE de 23/03/2017 e 1292/16.9BELRA de 22/05/2019.

Não estando em causa uma liquidação adicional, o prazo de caducidade do direito à liquidação aplicável é o previsto no artigo 35.º do CIMP, pelo que, tendo a transmissão ocorrido em 29/10/2010, a liquidação emitida em 18/02/2015 mostra-se emitida em momento em que ainda não havia caducado o direito a tal liquidação impondo-se julgar procedente a pretensão da recorrente.

No que se refere às liquidações de Imposto do Selo, embora no corpo das alegações a recorrente as inclua no objecto do recurso, a verdade é que não extrai qualquer consequência dessa alusão, nem imputa qualquer vício à sentença quanto ao respectivo segmento, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões. Donde se impõe concluir que a questão não integra o objecto do recurso e assim sendo, ocorreu o trânsito em julgado da sentença nessa parte.

Assim sendo, procede o recurso apresentado pela Fazenda Pública.


*

Atenta a procedência do recurso quanto ao julgamento da questão da caducidade do direito à liquidação, impõe-se o conhecimento em substituição das questões que o Tribunal recorrido julgou prejudicadas.

Os impugnantes formularam na petição inicial o seguinte pedido: «deve ser declarada a ilegalidade das Ordens de Pagamento de IMT e Imposto do Selo constantes dos Ofícios n.ºs 918 e 919, de 18 de Fevereiro de 2015, do Serviço de Finanças de Torres Vedras.»

Alegam os impugnantes que «os ofícios (…) são ilegais por (i) se basearem em pressupostos que não constituem fundamento suficiente; (ii) por efectivo direito à isenção. (…) os ofícios que determinaram a liquidação deverão ser anulados, por ilegais, no âmbito do presente processo nos termos dos artigos 68.º, n.º 1, alíneas a) e c) do 99.º, por remissão do artigo 70.º, n.º 1 todos do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).»

Antes de mais, importa ter presente que, tanto a reclamação graciosa como a acção de impugnação visam a anulação parcial ou total dos actos tributários e não de ofícios. Estes constituem o suporte que materializam a notificação, neste caso, de actos tributários.

Dito isto, o objecto da acção constituem os actos tributários de liquidação oficiosa de IMT e não os ofícios.

Vejamos qual a fundamentação dos actos notificados aos impugnantes:

«Por documento particular lavrado em 2010/09/29 em Torres Vedras na Conservatória do Registo Predial – Casa Pronta, foi adquirido ½ indiviso da fr. BR do prédio urbano inscrito sob o art. 29… sito na Quinta…, tendo beneficiado de isenção de IMT e I. Selo conforme 2010/26… – Utilidade Turística (art. 20 DL 423/83).
O art. 20 do DL 423/83 estabelece um benefício fiscal de isenção total em sede de IMT e outro de redução a 1/5 em sede de I. Selo da verba 1.1 da TGIS, desde que estejam reunidos os seguintes pressupostos:
- A aquisição tem que se destinar à instalação de empreendimentos;
- Tais empreendimentos têm que estar qualificados de UTILIDADE TURISTICA, ainda que a título prévio.
A simples aquisição onerosa de um imóvel urbano que não seja conducente à instalação de empreendimento novo, não tenha sido objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento totais ou parciais (previamente submetidas à aprovação do Turismo de Portugal), nem se verifiquem a elevação da sua capacidade em valor igual ou superior a 50%, não beneficia de isenção de IMT prevista no art. 20.º do DL 423/83 de 5/12.
Pelo que vai este Serviço de Finanças proceder à liquidação do IMT e I Selo que se mostrar devido aplicando a taxa prevista no art. 17.º alínea c) do CIMT e verba 1.1 da TGIS.
O Sujeito Passivo foi notificado através do ofício n.º 89 de 2015/01/08, nos termos do art. 60.º da LGT.
Assim, fica por este meio notificado para no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de receção, para efectuar o pagamento do IMT, na importância de € 24 537,50 e o I. Selo da verba 1.1 da TGIS na importância de € 2 416, nos termos do art. 34 e 36 do CIMT, solicitando as guias neste serviço de Finanças de Torres Vedras.
Da liquidação do IMT e I Selo poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º, 99.º e 102.ºdo CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do n.º 3 do art. 38.º do CIMT.
DEMONSTRAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Valor declarado: € 377 500; VPT c/ IMI: € 79 515 (referente a ½ indiviso)

IMT
Matéria Colectável: € 377 500 x 6,5% = € 24 537,50
IMT DEVIDO: € 24 537,50

SELO (verba 1.1 da TGIS)
Matéria Colectável: € 377 500 x 0,8% = € 3 020
I. SELO DEVIDO: € 3 020
I. SELO PAGO: € 604
I. SELO A PAGAR: € 2 416 (…)»

Resulta claramente que foi comunicada aos impugnantes a fundamentação dos actos. Se não vejamos.

É referido que os impugnantes adquiriram uma fracção beneficiando de isenção de IMT e I. Selo referente a Utilidade Turística (art. 20 DL 423/83).

São enunciados os pressupostos da referia isenção: a aquisição tem que se destinar à instalação de empreendimentos; e o empreendimento qualificado de utilidade turística.

Decorre ainda da notificação que não beneficia de isenção de IMT prevista no art. 20.º do DL 423/83 de 5/12, a simples aquisição onerosa de um imóvel urbano que não seja conducente à instalação de empreendimento novo, não tenha sido objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento totais ou parciais (previamente submetidas à aprovação do Turismo de Portugal), nem se verifiquem a elevação da sua capacidade em valor igual ou superior a 50%.

Tendo presente os pressupostos elencados, percebe-se que a aquisição efectuada pelos impugnantes não reúnem os pressupostos necessários ali elencados, que lhes permitam beneficiar da isenção, não bastando a mera aquisição onerosa do imóvel.

Alegam os impugnantes que não alcançam qual o momento em que, no entender da R., se devem considerar “instalados” os empreendimentos turísticos, se na data da atribuição de licença de utilização turística, se na data em que as fracções são disponibilizadas ao público ou em qualquer data, não localizando esse momento na factualidade em causa.

A fundamentação dos actos encontra-se focada no facto de não estar em causa a instalação de empreendimento turístico (novo, remodelado, objecto de beneficiação ou reequipamento total ou parcial). A simples aquisição onerosa de um imóvel urbano que não seja conducente à instalação, não beneficia da aludida isenção. Para o efeito, não releva o momento em que se operou a instalação do empreendimento, relevando sim, que a simples aquisição efectuada pelos impugnantes, que não conduza à instalação de empreendimento truístico, não beneficia de isenção de IMT.

Tal fundamentação mostra-se suficiente, clara e acessível permitindo a um destinatário médio perceber as razões que determinaram a liquidação dos impostos em causa, pelo que improcede o vício imputado aos actos impugnados.


*

Os impugnantes invocam o direito à isenção de IMT. Para o efeito, sustentam que a AT refere que o artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não é aplicável a prédios ou fracções autónomas que integrem um empreendimento turístico já instalado.

Defendem que não é esse o alcance da norma e do benefício fiscal. Que nessa lógica, apenas o construtor do empreendimento, o promotor imobiliário ou uma entidade que licenciasse e/ou explorasse o empreendimento, poderia beneficiar de tal isenção.

No caso, tratando-se de um aldeamento turístico, defendem os impugnantes que são os proprietários ou adquirentes, em propriedade plural que tornam viável a instalação e funcionamento do empreendimento turístico, concluindo que o não reconhecimento da aplicabilidade da isenção automática previsto no artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83 pela AT padece de erro de direito.

Ora, como é bom de ver, a realidade a que se referem os impugnantes é a da exploração do empreendimento e não o da instalação, que é a que constitui o objecto da atribuição dos benefícios fiscais aqui em causa.

Sobre esta questão tem sido produzida vasta jurisprudência, sendo de destacar o Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, supra citado que uniformiza a jurisprudência no sentido de que “O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»”.

Destaca-se também o Acórdão Pleno da Secção do CT do STA, no Recurso Para Uniformização de Jurisprudência, datado de 16/03/2016 proferido no processo n.º 01102/15 «O conceito de “instalação” densificado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2013 para efeitos de aplicação da isenção prevista no nº 1 do art. 20º do DL nº 423/83, não resulta apenas do DL nº 39/2008, de 7/3, antes da teleologia da norma atributiva do benefício fiscal e dos respectivos elementos histórico e sistemático, daí que seja aplicável a transmissões ocorridas antes da entrada em vigor do DL nº 39/2008, de a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.»

Esta jurisprudência tem vindo a ser reafirmada em vários Acórdãos, como sucedeu no Acórdão datado de 24/02/2016, proferido no processo n.º 0289/14 no qual se sumariou o seguinte: «A primeira aquisição de uma fracção autónoma de um empreendimento turístico já licenciado não integra o conceito de instalação para efeitos dos benefícios fiscais decorrentes do artigo 20 do DL 423/83 de 5 de Dezembro

Sustenta-se no referido Acórdão o seguinte discurso fundamentador que aqui subscrevemos: «Sobre esta questão o STA teve ocasião de por várias vezes se pronunciar designadamente no acórdão 0/1000/12 e no acórdão de 23/1/2013 no processo 968/12 o qual deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência de 4/3/2013 nº 3/2013 em que a sentença se escudou.

O entendimento perfilhado nestes arestos pode sintetizar-se nas seguintes razões:

A) Decorrer do DL 39/2008 de 7 de Março – diploma que traça o regime da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos um conceito de instalação que integrando várias componentes (actos e actuações jurídicas todas visando a construção do e a obtenção dos requisitos que permitam o seu funcionamento de exploração da actividade turística.

B) Daí decorrendo que a aquisição de fracções ou de prédios com destino à instalação beneficiária da isenção de IMI e redução do Imposto de Selo nos termos do artigo 20 do DL 423/83 de 5 de Dezembro se restringe às aquisições para a construção de um empreendimento e não às aquisições de fracções que integrando já o empreendimento visam uma finalidade de alojamento próprio ou de exploração pelo adquirente.

C) Os benefícios fiscais são sempre excepcionais por contenderem como princípio constitucional da igualdade tendo a sua razão de ser no interesse público que a lei que os cria discrimina e embora tal lei possa passível de ser interpretada de forma extensiva, essa interpretação tem de ter apoio sempre na letra da lei.

D) Não sendo os adquirentes das fracções já compreendidas e integradas no empreendimento de utilidade turística co-financiados ou promotores desse empreendimento com responsabilidade na sua instalação mas antes meros adquirentes de um produto final não pode tal aquisição ainda que continue afecta a essa exploração turística beneficiar da isenção de IMI ou da redução do imposto de Selo já que esta aquisição em nada difere da aquisição de outro qualquer imóvel e em nada contribui para a instalação e construção do empreendimento.

Não se vê razão alguma para agora inflectir tal posição sintetizado no sumário do citado acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que agora se passa a transcrever, até porque não foram aventadas razões novas relevantes para decidir em contrário. (…).»

Também este TCA tem produzido jurisprudência no memso sentido, podendo ver-se por todos o Acórdão proferido no processo n.º 2221/12.4BELRS de 31/10/2019 cujo sumário é o seguinte: «Não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no artº. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.»

Destaca-se, por fim que a interpretação referida submetida ao crivo da sua conformidade constitucional, tendo o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 855/2014, proferido no Processo n.º 512/14 decidido «[n]ão julgar inconstitucional a norma constante do artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, na medida em que exclui do âmbito de incidência da norma os primeiros adquirentes de fração autónoma que faz parte de aldeamento turístico, aquisição essa feita com a opção deliberada de a afetar à exploração turística».

Assim, atendo o exposto, concluimos pela improcedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, o que determina a improcedência da acção de impugnação.


*

No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à procedência do recurso, considera-se que foram os impugnantes que deram causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), em ambas as instâncias, pelo que, devem ser condenados nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).

IV – CONCLUSÕES

Não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que integradas no empreendimento em causa e se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional e decidindo em substituição, julgar improcedente a impugnação.

Custas pelos recorridos em ambas as instâncias.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Tânia Meireles da Cunha – 1ª Adjunta

Jorge Cortês – 2º Adjunto