Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:219//20.8 BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:11/09/2023
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:EXCLUSÃO
ART. 146º, Nº 2, AL. L) CCP/2017
LEI 96/2015
FORMULÁRIO PRINCIPAL “NÃO PREENCHIDO”
CORRECÇÃO OFICIOSA PELO JÚRI
Sumário:I - Se a Lei n.º 96/2015 exige que a plataforma electrónica disponibilize o formulário principal e que o carregamento da proposta seja obrigatoriamente acompanhado pelo seu preenchimento (art. 66°), só assim se podendo considerar a proposta como completamente submetida (art. 70°). Estamos, pois, perante uma verdadeira condição, i.e., uma formalidade essencial, o preenchimento integral do formulário principal, de modo a que a proposta se considere completa e devidamente submetida.
II - Além de que, atento o disposto no artigo 68º, nº 14, da Lei 96/2015, o formulário principal não admite remissões, diga-se, para os documentos da proposta. Logo, a inversa também não é admissível.
III - Não cabia, pois, ao júri do procedimento completar ou preencher os dados que competem ao proponente indicar, sob pena de violação dos princípios da transparência e da imutabilidade das propostas, entre outros, que norteiam a contratação pública.
IV - Porquanto, não se trata, de qualquer campo mal preenchido ou de discrepância entre o que consta do formulário principal e o teor da proposta, mas antes do “preenchimento”, pelo júri, em substituição do formulário “vazio” da contra-interessada. Tal suprimento não se insere na possibilidade estabelecida pelo legislador no art. 72º, nº 4 do CCP, reservada às situações em que o eventual erro resulta do teor e contexto da própria proposta.
V - Tendo sido incumpridas as formalidades exigidas na Lei 96/2015 para a submissão e perfeição da proposta da Contra-interessada, esta teria de ser excluída nos termos do art. 146º, nº 2, al. l) do CCP.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

C…, LDA (Autora) intentou contra o MUNICÍPIO DE LAGOA (Entidade Demandada) a presente acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual de impugnação do acto de adjudicação à contra-interessada C... — Construção e Manutenção Eletromecânica, S.A., no âmbito do Concurso Público — Procedimento 89/2019 - Empreitada de requalificação da rede de iluminação pública da vila de Porches — Fase 2.
Indicou como Contra-interessada a sociedade C... – Construção e Manutenção Electromecânica, S.A., adjudicatária no procedimento.
Alegou, em suma, que a proposta da contra-interessada deveria ter sido excluída.
Por Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de29.10.2020, foi a acção julgada procedente e, em consequência,
a) anulado o despacho impugnado, com as consequências legais;
b) condenada a ED a anular o acto de adjudicação da empreitada denominada de "Concurso Público — Procedimento 89/2019 - Empreitada de requalificação da rede de iluminação pública da vila de Porches — Fase 2”, à contrainteressada C... — Construção e Manutenção Eletromecânica, S.A., pelo valor de 135.165,50€, mais IVA à taxa legal em vigor, com as legais consequências legais;
c) Caso já tenha sido celebrado o contrato de empreitada, condenar-se o Réu a anular o contrato celebrado com a mencionada concorrente, com fundamento na ilegalidade do ato de adjudicação;
d) Condenar-se o Réu a praticar o ato de adjudicação a favor da Autora;
e) Condenar-se o Réu em custas e procuradoria

Inconformada a Entidade Demandada, Município de Lagoa, ora Recorrente, interpôs o presente recurso terminando a Alegação com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“A. A douta decisão de que se recorre é a que consta da sentença proferida a fls. … e ss. nos autos de Contencioso Pré-Contratual com o n.º 219/20.8 BELLE, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, e que julgou procedente o peticionado pela Autora, ora Recorrida.
B. Mal andou, por isso, a douta sentença recorrida quando julgou procedente a ação e anulou o ato de adjudicação e o respetivo contrato, condenando a Entidade Adjudicante, aqui Recorrente, a excluir a proposta da contrainteressada e adjudicar o contrato à “C…, Lda”, Autora/Recorrida.
C. O formulário principal é um documento de apresentação obrigatória, mas cuja falta a Lei não comina com a exclusão do procedimento.
D. Resulta evidente pela proposta apresentada e pela documentação que a acompanha quais são os atributos da proposta da Contrainteressada.
E. O não preenchimento integral do formulário principal da proposta apresentado pela concorrente CI “C… — CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO ELETROMECÂNICA, S.A.” configura um erro de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário, sendo retificável.
F. Neste contexto teria, ainda, cabimento um pedido de esclarecimento ao concorrente ou sua correção oficiosa, tal como sucedeu.
G. Não cabe censurar a decisão do júri na interpretação e aplicação do direito, ao concluir com segurança que o erro/lapso cometido pela CI “C… — CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO ELETROMECÂNICA, S.A.” no não preenchimento formulário principal se subsume inequivocamente a um erro de natureza meramente formal, perfeitamente percetível a um declaratário normal segundo o critério do bonus pater familiae e irrelevante no contexto geral e global da proposta e da documentação que acompanha a mesma.
H. Não contenda com nenhum atributo que inquinasse a proposta admitindo a sua retificação oficiosa, ao abrigo do previsto no artigo 72º n.º 4 do CCP.
I. Na verdade, se essa falta fosse cominada com a exclusão do concorrente, dada a sua obrigatoriedade, seria a plataforma eletrónica a impedir a submissão da proposta no caso de o formulário principal não se encontrasse devidamente preenchido.
J. A proposta apresentada pela CI “C… — CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO ELETROMECÂNICA, S.A.” não pode deixar de ser considerada ao abrigo dos poderes que lhe assistem ao júri, por via do disposto no artigo 72.º do CCP se materializassem no procedimento os princípios da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade, da transparência, da publicidade e da boa-fé, que constituem as traves mestras da contratação pública.
K. A falta do formulário principal encontrava-se expressamente prevista no n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 143-A/2008, de 25 de Julho, com a cominação de exclusão da proposta ou da candidatura – essa norma foi expressamente revogada.
L. Fruto da redação do n.º 3 do artigo 70.º e n.º 14 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, a exclusão motivada no não preenchimento do formulário principal não encontra respaldo na lei.
M. Devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que mantenha a validade e eficácia da decisão de adjudicação à proposta da Contrainteressada e do contrato entretanto celebrado entre esta e o Recorrido”.
Termos em que, requer, deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que mantenha a validade e eficácia da decisão de adjudicação à proposta da Contra-interessada e do contrato entretanto celebrado entre a Recorrente e esta.
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O recurso da contra-interessada C… foi rejeitado por extemporâneo (vide despacho de 06.01.2021).
Não foram apresentadas contra-alegações.
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O DMMP notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, não emitiu pronúncia.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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I.2. DA DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO/ DAS QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Por conseguinte, atentas as conclusões recursivas - onde não foi questionada qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia - as questões a decidir neste recurso residem em aferir do erro de julgamento de Direito da sentença recorrida, designadamente por errada interpretação da alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos, conjugado com o n.º 4 do artigo 62º e alínea a) do n.º 2 do artigo 70°do mesmo Código e n.º 3 do artigo 70° da Lei n.º 96/2015 de 17 de Agosto.


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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:
Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade não impugnada, que se reproduz, na íntegra:
1. No dia 22 de Janeiro de 2020 foi publicado, no Diário da República, o anúncio de procedimento 650/2020, onde consta “Designação da entidade adjudicante: Município de Lagoa […] Designação do contrato: Empreitada de requalificação da rede de iluminação pública da vila de Porches - Fase 2 Descrição sucinta do objeto do contrato: Requalificação de rede de iluminação pública Tipo de Contrato: Empreitada de Obras Públicas Preço base do procedimento: Sim Valor do preço base do procedimento: 153642.25 EUR […]” e que deu origem ao Processo n.º 300.10.001/89/2019 – cfr. Diário da República, a págs. 14 a 16 do suporte digital dos autos;

2. Foram efectuadas cinco propostas ao processo referido em 1), todas admitidas, sendo que a proposta da sociedade C… - Construção e Manutenção Electromecânica, SA tinha o campo “Formulário Principal” em branco – Cfr. sessões de negociação, a págs. 115 do suporte digital dos autos;

3. No dia 19 de Fevereiro de 2020 foi elaborado, no processo n.º 300.10.001/89/2019, relatório preliminar onde se lê
“3. ADMISSÃO DAS PROPOSTAS A CONCURSO Após análise das propostas verifica-se os concorrentes apresentaram os documentos exigidos no programa de concurso, deliberando, por unanimidade, admitir a concurso todas as propostas apresentadas.
4. CRITÉRIO DE APRECIAÇÃO DAS PROPOSTAS O artigo 22.º do Programa de Concurso preceitua que o critério de adjudicação das propostas é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 74.2 do CCP, de acordo com os seguintes fatores e subfactores que o densificam, e com os coeficientes de ponderação seguintes: […] Após aplicação da pontuação a cada um dos fatores e subfactores de avaliação das propostas obtém-se a seguinte pontuação, correspondendo a valor mais alto à ordenação final das propostas. Classificação 1º Firma C... - Construção e Manutenção Electromecânica S.A. Pontuação 62,15 Valor 135.165,50€ Classificação 2º Firma C..., Lda Pontuação 59,38 Valor 144.700,00€ […] Face ao exposto, e de acordo com a pontuação atribuída a cada fator, verifica-se que a proposta classificada em primeiro lugar é a apresentada pela empresa C... - Construção e Manutenção Electromecânica S.A., com o valor de 135.165,50 € (Cento e trinta e cinco mil, cento e sessenta e cinco euros e cinquenta Cêntimos), acrescidos de I.V.A. à taxa legal em vigor. 6. AUDIÊNCIA PRÉVIA Tendo em consideração o disposto no artigo 123.s do Código dos Contratos Públicos, o Júri vai proceder seguidamente à notificação das concorrentes tendo em vista a respetiva pronúncia em sede de audiência prévia” – cfr. relatório preliminar, a págs. 98 a 109 do suporte digital dos autos;

4. Por ofício datado de 28 de Fevereiro de 2020, a sociedade C…, Lda. “notificada em 21 de Fevereiro de 2020 do conteúdo do Relatório Preliminar emitido pelo Júri do Procedimento, no qual se propõe a intenção de adjudicação da proposta do concorrente C… - Construção e Manutenção Electromecânica, SA, vem, nos termos do disposto nos artigos 123 ° e 1470 do Código dos Contratos Públicos (CCP), apresentar a sua PRONÚNCIA EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA”, onde peticiona a “Exclusão da proposta do concorrente C… - Construção e Manutenção Electromecânica, S.A. Este concorrente não preencheu o formulário principal, conforme é exigido no n.º 3 do artigo 70.° da Lei n ° 96/2015 de 17 de Agosto, não podendo este ser objeto de remissões, nos termos do n 0 14 do art.° 68 ° da referida Lei, sendo o formulário principal um componente obrigatório de cada proposta, conforme definido na alínea b) do n.º 1 do art ° 66 °, da dita Lei n.º 96/2015 de 17 de Agosto. Esta situação implica a exclusão da proposta do concorrente C… - Construção e Manutenção Electromecânica, S.A., nos termos da alínea I) do n.º 2 do art° 146 ° do Código dos Contratos Públicos e alínea a) do n0 2 do art.° 70.° do mesmo diploma” – cfr. requerimento, a págs. 110 e 111 do suporte digital dos autos;

5. No dia 05 de Março de 2020 foi elaborado relatório final no processo n.º 300.10.001/89/2019, onde consta “Na sequência do Relatório Preliminar de Análise de Propostas e analisado todo o conteúdo da resposta em sede de audiência prévia, do concorrente C…, Lda., o júri deliberou por unanimidade não dar razão à pretensão da referida empresa, porquanto: • No que se refere ao facto alegado pela empresa C…, Lda. de o concorrente C… - Construção e Manutenção Electromecânica, S.A., não ter preenchido o formulário principal na sua proposta, considera o Júri que apesar de a proposta deste concorrente não cumprir integralmente com o disposto no nº 3 do artigo 70.º e com o n.º 3 do artigo 67.º da Lei n.º 96/2015, os dados não constantes no formulário principal da proposta de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 66.º da Lei n.º 96/2015, não são relevantes, porque toda essa informação pode ser obtida nos documentos constituintes da sua proposta, e em consequência tal facto não constitui motivo de exclusão. Pelo exposto, o júri, por unanimidade deliberou não aceitar os argumentos expendidos pelo concorrente C..., Lda., e indeferiu a reclamação apresentada por esta empresa, pelo que se mantém a proposta de adjudicação contida no Relatório Preliminar, previamente elaborado. Verificando-se na análise prévia efetuada no Relatório Preliminar de Análise de Propostas, que a proposta classificada em l9 lugar é a proposta da empresa C… -Construção e Manutenção Electromecânica, S.A., NIF: 50…., o júri propõe a adjudicação da empreitada supra referida a esta firma, pelo valor de 135.165,50 € (Cento e trinta e cinco mil, cento e sessenta e cinco euros e cinquenta Cêntimos), acrescidos de I.V.A. à taxa legal em vigor, sendo o prazo de execução de 6 meses” – cfr. relatório final, a págs. 112 e 113 do suporte digital dos autos;

6. No dia 25 de Março de 2020 foi enviado aos concorrentes no processo 300.10.001/89/2019 “Notificação de Adjudicação - Procedimento 89/2019”, onde consta “Notificam-se todos os concorrentes da tomada de decisão sobre a adjudicação, iniciando-se a contagem do prazo para entrega dos documentos de habilitação. O(s) adjudicatário(s) deve(m) a partir de agora apresentar os documentos de habilitação e fazer prova da prestação da caução se esta for devida. A informação pode ser consultada em https://login.saphety.com/pt/gov/ , mediante introdução de login e password” – cfr. notificação, a págs. 114 do suporte digital dos autos;

7. Por requerimento de 01 de Abril de 2020, a sociedade C..., LDA., “notificada em 25 de Março de 2020 do conteúdo do Relatório Final emitido pelo Júri do Procedimento, no qual se propõe a intenção de adjudicação da proposta do concorrente C... - Construção e Manutenção Electromecânica, S.A., vem, nos termos do disposto nos artigos 269 ° e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), apresentar a sua IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA” pedindo a “Exclusão da proposta do concorrente C... - Construção e Manutenção Electromecânica, S.A.” uma vez que “é um facto que este concorrente não preencheu o formulário principal, conforme é exigido no n.º 3 do artigo 70.° da Lei n.º 96/2015 de 17 de Agosto” – cfr. requerimento, a págs. 116 a 118 do suporte digital dos autos;

8. No dia 02 de Abril de 2020 foi elaborada “ATA n.º Concurso Público - Procedimento 89/2019 - Empreitada de requalificação da rede de iluminação pública da vila de Porches - Fase 2”, onde se lê que “No que se refere ao facto alegado pela empresa C..., Lda. de o concorrente CMB - Construção e Manutenção Electromecânica, S.A., não ter preenchido o formulário principal na sua proposta, considera o júri que apesar de a proposta deste concorrente não cumprir integralmente com o disposto no n.º 3 do artigo 70.º e com o n.º 3 do artigo 67.º da Lei n.º 96/2015, os dados não constantes no formulário principal da proposta a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 66.º da Lei n.º 96/2015, não são relevantes, porque toda essa informação pode ser obtida nos documentos constituintes da sua proposta, e em consequência tal facto não constitui motivo de exclusão. Face ao exposto o Júri deliberou por unanimidade considerar improcedente e indeferir a impugnação administrativa apresentada pelo concorrente C..., Lda. O Júri deliberou, por unanimidade, propor ao órgão competente para a decisão de contratar a aprovação da presente ata” – cfr. acta, a págs. 119 e 120 do suporte digital dos autos;
9. No dia 24 de Abril de 2020 foi apresentado o requerimento que deu início ao presente processo – cfr. comprovativo de entrega, a págs. 1 a 4 do suporte digital dos autos.
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Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão.
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II.2 De Direito

Conforme delimitado em I.1., importa aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de Direito ao entender que a proposta da contra-interessada C... teria de ser excluída por não ocorrido o preenchimento integral do formulário principal.
Para tal o Tribunal a quo julgou procedente o vício de violação de lei invocado pela Recorrida/Autora, nomeadamente do art. 70º da Lei 96/2015 e artigos 62°, n° 4, e 146, n° 2, l), ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP), pelo que anulou o acto de adjudicação [e o subsequente contrato], condenando ainda a Recorrente/Entidade Demandada a excluir a proposta da Contra-interessada e a adjudicar a empreitada à Recorrida/Autora, atento o critério da proposta economicamente mais vantajosa e a avaliação por si efectuada das propostas, cristalizado no relatório final.

Apreciando;

Atentemos no quadro normativo relevante:
O artigo 146º do CCP, no seu nº 2, dispõe: “[n]o relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…)
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º…”
Por seu turno, o artigo 62º do mesmo Código remete, no número 4, para a Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública.
O n.º 3 do artigo 70º da Lei 96/2015 refere que “a submissão de uma proposta só deve ter lugar após o completo preenchimento do formulário principal”, incluindo nos casos em que exista, o anexo referido na alínea c) do nº 1 do artigo 60º, que é parte integrante da mesma.
Neste contexto, e perante os factos provados na presente acção, nomeadamente, no ponto 2 do probatório, de que a proposta da sociedade C... - Construção e Manutenção Electromecânica, SA tinha o campo “Formulário Principal” em branco, importa aferir quais as consequências da ausência desse preenchimento.

A sentença recorrida teve o seguinte discurso fundamentador:

“Nos termos do art. 3.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas electrónicas de contratação pública, as comunicações, as trocas de dados e de informações processadas através de plataformas electrónicas nos termos estabelecidos no CCP, bem como o respectivo arquivo, devem obedecer às regras, requisitos e especificações técnicas previstos na presente lei. Quanto aos componentes de cada proposta, prevê o art. 66.º da mencionada lei que: “1 - Para efeitos do carregamento de uma proposta, no âmbito de um procedimento de formação de um contrato público, a plataforma eletrónica deve incluir obrigatoriamente: […] b) O formulário específico para preenchimento, doravante designado por formulário principal, conforme modelo aprovado pela portaria referida no artigo 38.º, a enviar posteriormente ao Portal dos Contratos Públicos; c) Os campos para recolha de informação dos preços propostos pelos operadores económicos, sempre que definido pela ESPAP, I. P., nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 30.º […]”. Por sua vez, no que respeita à submissão das propostas, determina o art. 70.º que: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 65.º, a proposta considera-se apresentada, para efeitos do CCP, quando o concorrente finaliza o processo de submissão. […] 3 - A submissão de uma proposta só deve ter lugar após o completo preenchimento do formulário principal, incluindo, nos casos em que exista, o anexo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 66.º, que é parte integrante da mesma.” Tendo em conta o previsto nos artigos 3.º, 66.º, e 70º da Lei nº 96/2015, conclui-se que a contra-interessada não cumpriu o ali preceituado nestes normativos legais, sendo que não entregou o “formulário principal” previsto na al. b) do nº 1 do art. 66.º, pelo que a sua proposta não se pode considerar apresentada para efeitos do CCP, porquanto a mesma só é válida após o completo preenchimento do “formulário principal” (art. 70.º, nº 3 da citada lei). Nesta conformidade, mal andou o júri do concurso ao deliberar a não exclusão da Contra-interessada do concurso objecto dos presentes autos. Por outro lado, determina a alínea d) do número 2 do artigo 146.º do CCP que no relatório preliminar o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no número 1 do art. 57º. Em consonância, dispõe a alínea a) do número 2 do art. 70º do CCP que são excluídas as propostas cuja análise revele que não apresentam alguns dos atributos nos termos do disposto na alínea b) do número 1 do art. 57.º.

Sendo que, o art. 57.º, nº 1, al. b) do CCP estipula que a proposta é constituída, entre o mais, pelos documentos que contenham os atributos da proposta de acordo com os quais a concorrente se disponha a contratar. O art. 56.º do CCP estabelece o seguinte: “1 - A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo. 2 - Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos.” A doutrina defende que “a proposta (…) constitui uma declaração de adesão do concorrente às condições que a entidade adjudicante declarou estar na disposição de contratar (…). Mas não se confina a isso, pois o proponente igualmente declara as suas próprias condições para celebrar o contrato (…), nomeadamente o preço e o prazo de execução. Estes elementos assim submetidos à concorrência e a preencher por cada um dos concorrentes, constituem os atributos da proposta” – cfr. Jorge Andrade da Silva in “Código dos Contratos Públicos”, comentado e anotado, 2008, Almedina, p. 212. Uma vez que não restam dúvidas que o preço é um atributo da proposta e que o mesmo, por questões legais e até de concorrência, deve ser indicado pelo concorrente no “formulário principal” constante da plataforma electrónica, a Contra-interessada, ao não apresentar tal formulário preenchido, violou também o disposto nos artigos 146.º, 70.º, 57.º e 56.º, todos do CCP, cuja consequência inevitável seria a sua exclusão do concurso.
Esta obrigatoriedade de preenchimento do “formulário principal” constitui o garante do princípio da justiça, livre concorrência e transparência que deve nortear qualquer concurso público, já que é inviolável, é introduzido na plataforma electrónica pelo promotor do concurso e é o único meio que o CCP prevê para a apresentação de propostas e dos seus atributos. Dito de outra forma, “a Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto […] determinou a revogação dos referidos DL e Portaria. Nesta nova lei não consta previsão expressa de que o não preenchimento do formulário principal seja causa de exclusão da proposta. Mas prevê e exige que a plataforma electrónica disponibilize esse formulário e que o carregamento da proposta obrigatoriamente seja acompanhado pelo seu preenchimento (art.° 66°), só assim se podendo a proposta como completamente submetida (art.° 70°). Pese a expressa previsão de uma nova Portaria definidora de modelo (art.° 38°), ela não foi, entretanto, emitida. Porém, assim acontecendo, e a despeito da expressa menção de revogação da anterior Portaria n.º 701-G/2008, isso não significa um “vazio”, antes devendo ter-se como inoperante essa revogação no que respeita ao modelo desse formulário, continuando a exigência de preenchimento a pautar-se por tais termos (Mário Esteves de Oliveira, "Código do Processo Administrativo Anotado”, Almedina, notas ao artigo 119°; Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo”, Almedina, vol. II, 2a Reimp., pág. 200 e ss.). Constituindo o preenchimento desse formulário formalidade essencial, precisamente, como explicou o tribunal “a quo”, em prol dos princípios que a própria recorrente defende que devem ser prosseguidos no procedimento, sem que se reconheça que na situação se justifique apelar à “degradação” da formalidade por apelo à junção de mapa de quantidades em formato Excel[Cfr. Ac. do TCAS, de 20-09- 2012, confirmado em revista do STA, de 28-02- 2013, proc. n° 0224/13, “por não preenchimento deve entender-se não só a falta de preenchimento total como a parcial, pois que um documento insuficientemente preenchido não cumpre as funções para que foi concebido, que no caso em apreço se traduzem (também) em exigências de transparência e publicidade que andam associadas à difusão dos contratos públicos no Portal dos Contratos Públicos”, ora, “sendo um ónus posto a cargo do concorrente interessado, logo se vê que o júri não pode suprir as falhas do formulário, mesmo com recurso a elementos constantes de outro documentos da proposta, porque a tal se opõem os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, erigidos como nucleares da contratação pública logo no art.° 1.°, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, e o da imparcialidade da Administração, transversal a todos os domínios de actuação desta, que lhe impõe uma posição de neutralidade sobre interesses conflituantes e veda a adopção de condutas que possam consistir no auxílio a um dos interessados ou mesmo que possam ser encaradas como tal"] […] Justificando-se a exclusão, que se não tem por desproporcional. Exclusão que, ainda que não prevista na nova Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, nem por isso tem qualquer peso de ruptura, pois que encontra seu fundamento de direito nos termos dos art°s. 62°, n° 4, e 146, n° 2,1), do CCP”. [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14 de Julho de 2017, processo 376/16.8BEVIS, sublinhado nosso]. Ou ainda [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04 de Outubro de 2017, processo 01029/17, que recaiu sobre o Acórdão antes citado], “Na 1ª instância entendeu-se que o júri fez bem em excluir a proposta do ora recorrente com fundamento no art. 79º, 2, a) do CCP, entendendo assim que a proposta não fora constituída por todos os documentos exigidos nos termos do art. 57º, 1, b) do mesmo Código. Entendeu, em suma, que a proposta não se pode considerar apresentada para efeitos do CCP, porquanto a mesma só é válida após o completo preenchimento do formulário principal (art. 70º, n.º 3 da Lei 86/2015). O TCA Norte manteve a decisão recorrida. Apesar de ter referido que na Lei 96/2015, de 17 de Agosto não consta previsão expressa no sentido de que o não preenchimento do formulário principal seja causa de exclusão da proposta, a mesma exige que a plataforma electrónica disponibilize esse formulário e que o carregamento da proposta obrigatoriamente seja acompanhado pelo seu preenchimento (art. 66º) só assim se tendo a proposta como completamente submetida (art. 70º).[…] Todavia, embora o TCA Norte tenha aludido à sobrevivência da lei revogada, a verdade é que a justificação da exclusão da proposta da ora recorrente se fundamentou também no disposto no art. 70º, 3 da Lei 96/2015, de 17 de Agosto, segundo o qual: “A submissão de uma proposta só deve ter lugar após o completo preenchimento do formulário principal, incluindo, nos casos em que exista, o anexo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 66.º, que é parte integrante da mesma.” Daí que, tenha terminado o TCA Norte, se justificasse a exclusão da proposta. “Exclusão que, ainda que não prevista na nova lei 96/2015, de 17de Agosto, nem por isso tem qualquer peso de ruptura, pois que encontra seu fundamento de direito nos termos dos art.s 62º, n.º 4 e 146º, 2, l) do CCP).” […] Tendo o júri prestado um esclarecimento vinculativo de onde resultava o dever de apresentar novas propostas […] ficou claro que os concorrentes deveriam apresentar as propostas através do preenchimento do formulário principal na plataforma electrónica […] como referiram as instâncias - a nova lei - Lei 96/2015, de 17 de Agosto sem o preenchimento do formulário principal a proposta não é submetida a concurso. Em suma, por se tratar de um litígio que […] foi decidido no mesmo sentido pelas instâncias, com um discurso fundamentador juridicamente plausível (a proposta foi excluída por se entender que não foi validamente submetida através da plataforma electrónica, nos termos do art. 70º, 3 da Lei 96/2015, de 17 de Agosto) não se justifica admitir a revista”. Pelo exposto, procede o vício de violação de lei invocado pela Autora - violação do art. 70º da Lei 96/2015 e artigos 62°, n° 4, e 146, n° 2, l), do CCP – pelo que se anula o acto de adjudicação [e o subsequente contrato], condenando-se ainda a Entidade Demandada a excluir a proposta da Contra-interessada e a adjudicar a empreitada à Autora, atento o critério da proposta economicamente mais vantajosa e a avaliação por si efectuada das propostas, cristalizado no relatório final”.

O caso sub iudice encontra, pois, respaldo na jurisprudência supra citada.

Segundo a Recorrente, a circunstância de a Lei nº 96/2015, ao invés do previsto na lei precedente, o DL 143-A/2008, no seu artigo 13º, nº 2, não prever como causa de exclusão a falta de formulário principal, enquanto consagra outras situações, por exemplo, no n.º 5 do artigo 54º da referida Lei 96/2015, em que se encontra expressamente previsto um fundamento de exclusão de proposta, significa que foi afastada tal censura. Porquanto, se o diploma que regulava esta matéria anteriormente previa expressamente a falta do formulário principal como motivo de exclusão de propostas, e o legislador optou por revogar e não transpor tal norma para o diploma vigente, poder-se-á questionar se pretendeu que essa mera irregularidade não constituísse fundamento de exclusão.

Dúvidas a que alude Luís Verde de Sousa, Algumas considerações sobre o novo regime de suprimento de irregularidades das propostas, in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, 3ª edição/2019, [929 (944-945) 957]

A este respeito, a nossa maior dúvida prende-se apenas com o disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 146º do CCP, que prevê a exclusão das propostas “que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62º”. Com efeito, neste caso, e para um conjunto de aspectos formais atinentes à construção e apresentação eletrónica da proposta, o nº 4 do artigo 62º do CCP remete para o regime a definir em diploma próprio (hoje a Lei nº 96/2015, de 17 de agosto). Ou seja, a norma que encerra a causa de exclusão não recorta aqui, de forma precisa, o conjunto de aspectos formais da proposta cuja inobservância deve determinar a exclusão, limitando-se a remeter, em bloco, para um diploma em que as “formalidades de modo de apresentação das propostas”, além de constituírem apenas uma reduzida parte das suas disposições, se encontram dispersas. Atenta esta dupla remissão, poder-se-ia questionar se o legislador efetivamente ponderou os princípios essenciais da contratação pública quando construiu esta causa de exclusão. Não obstante o referido, o certo é que o legislador não podia desconhecer a abertura desta causa de exclusão, que entendeu manter no CCP, nem a circunstância de recentemente ter procedido a uma intervenção legislativa que incidiu sobre o diploma para o qual o nº 4 do artigo 62º do CCP remete (…)
Em suma, entendemos que a ponderação acerca da suscetibilidade de a preterição de uma norma que disciplina um aspecto formal da proposta violar os princípios estruturantes da contratação pública já foi realizada pelo legislador aquando da construção das diferentes alíneas do nº 2 do artigo 146º, não podendo ser erigido a critério para o intérprete qualificar, num determinado procedimento concursal, uma determinada formalidade como não essencial.
De acordo com esta leitura, deve, assim, entender-se por “formalidades não essenciais” os aspetos formais da proposta que a própria lei desqualifica, bem como aquelas regras respeitantes ao modo de construção e apresentação da proposta cujo objetivo ou interesse específico se mostre, em concreto, alcançado por outra via”.
Atentemos então.
De acordo com a Lei 96/2015, no seu artigo 66.º, sob a epígrafe “Componentes de cada proposta”:
1 - Para efeitos do carregamento de uma proposta, no âmbito de um procedimento de formação de um contrato público, a plataforma eletrónica deve incluir obrigatoriamente:
a) As áreas específicas para carregamento dos ficheiros correspondentes aos documentos que constituem a proposta, de acordo com o definido pela entidade adjudicante;
b) O formulário específico para preenchimento, doravante designado por formulário principal, conforme modelo aprovado pela portaria referida no artigo 38.º, a enviar posteriormente ao Portal dos Contratos Públicos;
(…)
3 - A discriminação do valor da proposta que caiba a cada um dos membros do agrupamento concorrente, incluída no formulário principal, não substitui nem tem o mesmo âmbito que a informação requerida nos termos do n.º 5 do artigo 60.º do CCP”.

Por seu turno, o artigo 68º da mesma Lei estipula que:
“(…)
3 - A plataforma eletrónica deve disponibilizar ao interessado as aplicações informáticas que permitam automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor uma assinatura eletrónica nos ficheiros de uma proposta, localmente, no seu próprio computador.
4 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada.
5 - As plataformas eletrónicas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão.
6 - O formulário principal e outros formulários a preencher no âmbito do procedimento devem ser disponibilizados ao interessado, por descarga de XML, para alojamento local, no respetivo computador, sendo aplicável, neste caso, o disposto nos n.os 3 e 4.
(…)
14 - O formulário principal não é passível de remissões, devendo, em todo o caso, a plataforma eletrónica garantir que não há introdução de dados de identificação já antes introduzidos.

Por último, o artigo 70º da Lei sob a epígrafe “Submissão das propostas” diz-nos que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 65.º, a proposta considera-se apresentada, para efeitos do CCP, quando o concorrente finaliza o processo de submissão.
2 - Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 68.º, o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta.
3 - A submissão de uma proposta só deve ter lugar após o completo preenchimento do formulário principal, incluindo, nos casos em que exista, o anexo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 66.º, que é parte integrante da mesma” (d/n).
Do quadro legal extrai-se que a proposta da contra-interessada só deveria ter sido submetida após o preenchimento completo do formulário principal, o que não aconteceu, tendo sido submetido um formulário “em branco”.

Entendeu o júri do procedimento que “os dados não constantes no formulário principal da proposta, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 66º da Lei nº 66/2015 não são relevantes, porque toda essa informação pode ser obtida nos documentos constituintes da sua proposta”.

Labora, em erro, tal como entendeu a decisão recorrida.

Desde logo, como resulta do citado artigo 68º, nº 14, da Lei 96/2015, o formulário principal não admite remissões, diga-se, para os documentos da proposta. Logo, a inversa também não é admissível.
Se a Lei n.º 96/2015 exige que a plataforma electrónica disponibilize esse formulário e que o carregamento da proposta seja obrigatoriamente acompanhado pelo seu preenchimento (art. 66°), só assim se podendo considerar a proposta como completamente submetida (art. 70°). Estamos, pois, perante uma verdadeira condiçãocomo classifica Pedro Fernández Sháncez in Direito da Contratação Pública, II Vol. 2020, p. 78 -, i.e., uma formalidade essencial, o preenchimento integral do formulário principal, de modo a que a proposta se considere completa e devidamente submetida.

Vigora no âmbito da contratação pública “uma presunção inilidível”, iuris et de iure, de que os concorrentes têm pleno conhecimento das regras e exigências do procedimento quanto à formulação e apresentação das propostas e de que conhecem também o seu sentido e alcance.

O art. 56.º da Directiva 2014/24/EU, de 26/02/2014, admite que “3. Quando a informação ou documentação a apresentar pelos operadores económicos for ou parecer incompleta ou incorreta, ou quando faltarem documentos específicos, as autoridades adjudicantes podem, salvo disposição em contrário da legislação nacional que der execução à presente diretiva, solicitar aos operadores económicos em causa que apresentem, acrescentem, clarifiquem ou completem a informação ou documentação pertinentes num prazo adequado, desde que tal seja solicitado no respeito integral dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência”.
Como consta do julgamento de facto (não questionado) a contra-interessada, apesar de formalmente ter entregue o formulário principal, o mesmo não foi preenchido, designadamente o campo relativo ao valor total da proposta – quando o artigo 22.º do Programa de Concurso preceitua que o critério de adjudicação das propostas é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 74º, nº 2 do CCP -, ou em que o concorrente confirma os dados e que os mesmos refelectem a sua proposta.
Donde, não cabe ao júri ou ao Tribunal completar ou preencher os dados que competem ao proponente indicar, sob pena de violação dos princípios da transparência, da imutabilidade das propostas, entre outros, que norteiam a contratação pública. A atitude do júri constante dos pontos 5 e 8 do probatório, simplesmente “ignora” tais princípios, ao considerar a proposta da Contra-interessada “preenchida” através dos demais documentos juntos com a proposta.
Ainda que assim se não entendesse, sempre os normativos supra citados da Lei 96/2015 teriam de ser interpretados à luz das restantes normas aplicáveis à presente situação, nomeadamente o artigo 72º do Código dos Contratos Públicos, e os artigos 238º e 249º do Código Civil.
Com efeito, sendo o formulário principal um elemento constituinte de uma proposta, conforme deriva do nº 3 do art. 70º da Lei 96/2015, e obrigatório, atento o definido na al. b) do nº 1 do art. 66º da referida Lei, o seu não preenchimento é insuceptível de ser suprido a convite e, muito menos, ainda por via da correcção oficiosa nos termos do art. 72º, nº 4 do CCP, segundo o qual, “O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido”.
Para que, como defende a Recorrente, se possa entender que se tratou de um lapso, este sempre teria de ser manifesto e resultar do próprio teor da proposta (artigo 249º do Código Civil), como foi decidido, v.g., no Acórdão do STA de 11.09.2019 (Proc. nº 984/18.2BEAVR) in www.dgsi.pt:
“Dispõe o artº 249º do Código Civil, sob a epígrafe “Erro de cálculo ou de escrita”:
“O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
O erro de cálculo ou de escrita distingue-se do erro na declaração uma vez que este constitui uma figura que consubstancia divergência entre a vontade real e a vontade declarada, e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo.
E este erro na declaração ou erro obstáculo só existe quando, não intencionalmente – v.g., por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor; existente, mas de sentido diverso.
Porém, no artº 249º do CC, supra referido, acolhe-se um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
Mas, para o preenchimento legítimo daquela premissa importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade – cfr. entre muitos outros, Acórdão do STA, de 26/06/2014, proferido no âmbito do processo nº 0586/14.
Ou seja, os erros dizem-se, de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação – lapsus calami - cfr. artigo 249.º do Código Civil.
O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita. Se as circunstâncias em que a declaração foi efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo”.

Neste conspecto, verifica-se que não se trata, pois, de qualquer campo mal preenchido ou de discrepância entre o que consta do formulário principal e o teor da proposta, mas antes do “preenchimento” em substituição do formulário “vazio” da contra-interessada. Tal suprimento não se insere na possibilidade estabelecida pelo legislador no art. 72º, nº 4 do CCP, reservada às situações em que o eventual erro resulta do teor e contexto da própria proposta, tal como foi decidido no citado Ac. do STA de 11.09.2019.

Tal impossibilidade de “suprimento” está intimamente associada ao princípio da imutabilidade ou intangibilidade das propostas em procedimentos concursais, enquanto decorrência dos princípios da concorrência e da igualdade, o qual proíbe, em regra, que elas sejam objecto de modificações posteriormente ao termo do prazo da sua apresentação.

Pelo que a Contra-interessada bem devia saber que era legalmente imposta e fundamental para a perfeição da sua proposta o preenchimento do referido formulário principal. Porquanto, tendo sido incumpridas as formalidades exigidas para a submissão e perfeição da sua proposta, esta teria de ser excluída nos termos do art. 146º, nº 2, al. l) do CCP, tal como entendeu a sentença recorrida, com as legais consequências que se impõem, como a anulação do acto de adjudicação e a condenação da Recorrente/Município à prática de acto consubstanciado na adjudicação à Recorrida/Autora, que ficou classificada em 2º lugar e cuja graduação e admissão não vêm disputadas.

Donde, a análise feita na sentença recorrida encontra-se em sintonia com a citada jurisprudência, inexistindo fundamentos, em face dos concretos contornos fácticos do litígio em presença, para dela divergir.
Em face do que se impõe concluir pela manutenção da decisão recorrida, por improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional.


*

III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Novembro de 2023


Ana Cristina Lameira (Relatora)

Catarina Gonçalves Jarmela

Jorge Pelicano