Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:546/09.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/04/2023
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:ARTIGO.º 17.º, N.º 1 EBF;
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
Sumário:I - Constituem requisitos do direito ao benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF a admissão por contrato sem termo, de trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.

II – Em regra o contrato de trabalho não está sujeito a forma escrita.

III - Não estabelecendo a lei laboral a exigência de forma escrita como requisito de prova dos contratos sem termo, a prova da admissão através de contrato sem termo pode ser efectuada por qualquer meio geral de prova em Direito permitida, não podendo reconduzir-se, exclusivamente, à apresentação do aludido contrato escrito, ou de uma adenda com a mesma formalidade, desde que resulte inequívoco o estabelecimento do vínculo laboral.

Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO


A Representação da Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação deduzida por P., Lda., determinou a anulação liquidação adicional de IRC nº 2008.8310033303, referente ao exercício de 2004, e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 14 835,15, e condenou a Fazenda Pública ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, em montante a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, porquanto determinou a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2008.8310033303, referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, no valor global de €14.835,15, e ainda condenou a Fazenda Pública ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, por procedência do vício de ilegalidade.

II. A douta sentença considerou que a questão cinge-se, nomeadamente, “…à prova da admissão por contrato sem termo (ab inito ou por conversão de contrato a termo), em especial, aferir da necessidade de formalização por contrato escrito.”

III. Conforme proferiu a Digníssima Procuradora da República “…emitiu parecer no sentido da improcedência da impugnação, aderindo à posição plasmada no acórdão do STA de 23.09.2009, processo nº 0248/09 e de 25.02.2009, processo nº 0916/09, considerando não se verificam os pressupostos para concessão do benefício fiscal previsto no artigo 17º do EBF.” o que reiteramos e subscrevemos integralmente.

IV. Sobre a criação liquida de postos de trabalho e da prova da existência de contratos de trabalho o tribunal ad quo considerou que: “…ao restringir os meios de prova, sem qualquer sustentação legal, para comprovar o aludido requisito, a AT incorreu vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a ilegalidade da correcção efectuada em sede de inspecção”

V. Nada mais errado, consistindo em a nosso ver erro de julgamento de facto e de direito, considerando que:

VI. Primeiramente à que estabelecer que, ao contrário do designado na douta sentença, o ónus da prova sobre os pressuposto do artigo 17.º do EBF, caberá à Impugnante e não à AT, conforme preconizado no artigo 7.º do EBF ”Todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios.”

VII. De acordo com a fundamentação de facto, baseia a sua decisão na douta sentença, em contratos de trabalho celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal com termo certo, sem qualquer adenda integrada, o que desde logo não constitui criação liquida de emprego para jovens, porquanto deve o empregador demonstrar que essas contratações laborais reproduzem ipsis verbis o constante no artigo 17.º do EBF, para poder usufruir da majoração, seja em qualquer momento dos 5 anos, desde que solicitadas essas provas, apenas quando houver aumento do número global de trabalhadores da empresa num exercício fiscal, é que há lugar à aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17.º EBF.

VIII. Além do mais defende a administração fiscal nestas condições, de usufruição de benefícios fiscais e como é consabido trata-se de matéria de exceção tributária, devendo ser aplicada com as devidas cautelas e desde que demonstrados todos os pressupostos de aplicação.

IX. Facto que veio a ser corrigido em sede de ação de inspeção interna, a qual subscrevemos integralmente o relatório de inspeção realizado e constante nos autos, com a descrição dos factos e fundamentos das correções à matéria coletável, concluindo, após análise de diversos documentos contabilísticos e dos contratos laborais constatou-se não estarem reunidos todos os quesitos previstos no artigo 17.º de Estatuto dos Benefícios Fiscais e por insuficiência documental comprovativa.

X. Neste aspeto, a Fazenda Pública não poderá concordar com a decisão proferida na douta sentença do tribunal ad quo, por ser baseada em pressupostos completamente errados, sobre os quais constrói todo o seu iter cognoscitivo, assim delapidando um verdadeiro e efetivo erro de julgamento de facto e de direito, porquanto não aplicou corretamente os circunstancialismos fácticos ao exigível e prescrito na Lei.

XI. Assim sendo, constata-se que a decisão do Tribunal ad quo padece erro de julgamento de facto e de direito não podendo permanecer no ordenamento jurídico, por não consubstanciar os pressupostos delineados na redação do art.º 17.º do EBF, e não atender às regras denominativas do ónus da prova, pelo que a mesma deve ser alterada para improcedente, sob pena de violação de Lei.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.»


*


A Recorrida apresentou contra-alegações as quais rematou com as seguintes conclusões:

«I. Ao contrário do que a Fazenda Pública parece fazer crer no Recurso, nunca esteva em causa nos presentes autos a elegibilidade dos contratos a termo (posteriormente convertidos em contratos sem termo) para efeitos do benefício da criação líquida de postos de trabalho.

II. Essa elegibilidade foi expressamente reconhecida pela Autoridade Tributária nos presentes autos, e , posteriormente em resposta a um Pedido de Informação Vinculativa (proferida no processo 2691/2007) e junta à p.i. como doc. n.º 8.

III. Nos presentes autos, a única questão em discussão foi e é, saber quais os meios de prova de que podem os contribuintes fazer uso para provar a conversão de um contrato a termo num contrato sem termo sendo que a AT insiste na necessidade de uma “adenda” escrita.

IV. O entendimento da Autoridade Tributária relativamente à necessidade de uma “adenda” que justifique a passagem do contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo é manifestamente erróneo porquanto o artigo 19.º do EBF (artigo 17.º na numeração em vigor à data dos factos) não impõe qualquer forma específica para essa renovação nem limita os meios de prova a que os contribuintes podem recorrer para demonstrar tal conversão.

V. Como bem decidiu o Tribunal recorrido, valem, nesta matéria, as regras vertidas na legislação laboral e, no que se refere à prova, os artigos 72.º da LGT e 50.º do CPPT.

VI. As folhas de remunerações da segurança social referentes ao período decorrente entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2002 e 2003 juntas aos autos pela Impugnante demonstram, de forma inequívoca, que as colaboradoras em questão se mantiveram na empresa ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo.

VII. Em particular, resulta dessa documentação que não obstante se tenha verificado o termo dos contratos de trabalho celebrados com as colaboradoras em questão, as mesmas continuaram a sua actividade ao serviço da empresa para além desse período, o que demonstra, de modo inequívoco, que os contratos inicialmente celebrados a termo se converteram em contratos sem termo, pois ao abrigo das normas laborais, só nessa qualidade poderiam as trabalhadoras manter-se ao serviço da empresa.

VIII. Como resulta de diversas informações prestadas pela Autoridade Tributária no âmbito de pedidos de informação vinculativa proferidas em momento posterior à emissão da liquidação aqui impugnada, a própria Administração Tributária refere aceitar folhas de remuneração da segurança social como elemento bastante para prova do vínculo jurídico do trabalhador à empresa – em expressa contradição, sublinhe-se, com a posição assumida nos presentes autos.

IX. Os Tribunais Superiores já se pronunciaram sobre a correcção subjacente aos presentes autos tendo-a considerado ilegal cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 11 de Março de 2021 e proferido no âmbito do processo n.º 414/09.0BESNT ou os Acórdãos do mesmo Tribunal datados de 24/06/2021 e 11/03/2021 e proferidos, respetivamente, no âmbito dos Processos 587/10.0BELRS e 414/09.0BESNT, em que estava subjacente um processo em que a Fazenda Pública recorreu, precisamente, com os mesmos fundamentos que invoca nos presentes autos.»


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Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, a Procuradora–Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que a prova da existência de contratos de trabalho sem termo prescinde da prova documental, admitindo outros meios de prova e por não ter tido em consideração o requisito necessário subjacente ao benefício fiscal previsto no artigo 17.º EBF, relativo ao aumento do número global de trabalhadores da empresa no exercício fiscal.


III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« A) A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao "Comércio por Grosso de Produtos Farmacêuticos" – CAE 046460 (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 3);
B) A Impugnante encontra-se enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 3);
C) A política de recrutamento seguida pela Impugnante consistia na admissão dos colaboradores a termo certo, pelo prazo de 6 meses, com assinatura do respectivo contrato a termo; ao fim do referido prazo era efectuada uma avaliação interna do trabalho prestado pelo colaborador; sendo positiva a avaliação, era comunicado verbalmente ao trabalhador, pelo superior hierárquico e/ou director geral, a passagem a efectivo, geralmente acompanhada de aumento do respectivo salário (depoimento das testemunhas M. S., S. L., A. P. e H. E.);
D) A Impugnante celebrou, designadamente, os seguintes Contratos de Trabalho a Termo certo:

Nome do colaborador Data de Nascimento Data do Contrato Início de funções Prazo Fls. dos autos
A. P. P. P. 1..0..19.. 17.05.1999 17.05.1999 6 meses Fls. 124/125
A. P. A. M. R. G. G. 2..1..19.. 02.01.2001 02.01.2001 6 meses Fls. 126/127
H. B. G. E. 1..0..19.. 15.01.2001 15.01.2001 6 meses Fls. 128/129
L. S. S. C. 0..0..19.. 02.01.2002 02.01.2002 6 meses Fls. 130/131
(Cfr. Docs. 10 e 11 juntos com a p.i.);
E) Em 08.09.2000, a Impugnante admitiu ao serviço a trabalhadora P. F., com data de nascimento a 0..1..19.., tendo tal facto sido comunicado aos serviços da Segurança Social (cfr. Comunicação de admissão junto à p.i. como Doc. 12);
F) As remunerações das colaboradoras elencadas na alínea D) supra constam dos seguintes Extractos de Declaração de Remunerações, submetidos pela Impugnante, via Internet, ao Instituto da Segurança Social, para efeitos de apuramento das contribuições para a Segurança Social:
Mês de referência Código de Certificação Págs.
Dezembro de 2002 2003/…829 2, 4, 5/8
Dezembro de 2003 2004/…666 2, 4, 5/8
Janeiro de 2004 2004/…588 2, 3, 4/7
Dezembro de 2004 2005/…437 2, 4 e 5/8
(Cfr. Doc. 11 junto com a p.i.);
G) As remunerações da colaboradora identificada na alínea E) supra, P. F., constam dos seguintes extractos de Declaração de Remunerações submetidos pela Impugnante à Segurança Social, para efeitos de apuramento da contribuição devida:
Mês de referência Código de Certificação Págs.
Dezembro de 2002 2003/…829 7/8
Dezembro de 2003 2004/…666 7/8
Janeiro de 2004 2004/…588 6/7
(Cfr. Doc. 11 junto com a p.i.);
H) A colaboradora P. F. cessou o seu vínculo contratual com a Impugnante em Agosto de 2004 (cfr. fls. 56 dos autos);
I) Por referência ao exercício de 2004, a Impugnante procedeu à inscrição no Campo 234 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do IRC, o benefício fiscal de Criação Líquida de Postos de Trabalho (“CLPT”), no montante de € 48.336,36, decorrente dos seguintes colaboradores e encargos:
Ano da CLPT Beneficiário Período dos encargos considerados de 2004 Montante total dos encargos considerados
1999 A. P. N. P. P. Janeiro a Maio € 4.457,71
2000 P. R. F. Janeiro a Agosto € 8.890,79
2001 A. P. G. G. Janeiro a Dezembro € 12.302,46
H. g. E.Janeiro a Dezembro € 13.087,73
2002 L. S. S. C. Janeiro a Dezembro € 9.597,67
Total € 48.336,36

J) Em cumprimento da Ordem de Serviço n° OI200801514, a Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial (IVA e IRC), incidente sobre o exercício de 2004, no âmbito do “Acompanhamento Permanente”, visando a verificação do cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento, bem como o cruzamento de informação (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 3);
K) Através do ofício datado de 09.04.2008 da Direcção de Finanças de Lisboa, foi remetido à Impugnante o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária (cfr. Doc. 1 junto à p.i.);
L) A Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia, através de requerimento escrito apresentado na DF de Lisboa em 08.04.2008, que se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. Doc. 2 junto à p.i.);
M) Em 24.04.2008, foram elaboradas as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), tendo sido efectuada correcção à matéria tributável de IRC, de natureza meramente aritmética, no montante de € 48.336,36, com base na seguinte fundamentação:
“(…) III – ANÁLISE CONTABILÍSTICO-FISCAL
Em 2008-02-12 através do nosso ofício n° 11281, foi solicitado ao contribuinte que, nos termos dos artigos 37° e 48° do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento da inspecção Tributária), esclarecesse algumas dúvidas e remetesse aos n/ serviços os Balancetes Analíticos e o Dossier Fiscal, tendo sido obtida resposta em 2008-03-04.
Posteriormente, em 2008-03-17, através do n/ ofício n° 21289, foram solicitados esclarecimentos complementares, cuja resposta foi obtida em 2008-04-01.
Da análise efectuada aos documentos recebidos, salienta-se o seguinte:
(…)
B) Benefícios Fiscais deduzidos no Campo 234 do Quadro 07 da Dec. Rend. Modelo 22
O Valor deduzido tem a seguinte repartição:
- Majoração de donativos € 1.634,30
- Criação Líquida de Postos de Trabalho € 48.336,36
- Majoração de Quotizações (5.060,67 x 50%) € 2.530,44__
€ 52.501,10
(…)
Quanto ao valor inscrito no Anexo F da Declaração Anual, como majoração de emprego, o contribuinte enviou os mapas de apuramento do benefício relativo à majoração dos encargos correspondentes à criação de emprego para jovens, remeteu folhas da Segurança Social dos meses de Janeiro a Dezembro de 2004, conforme havia sido solicitado, e enviou cópia dos contratos de trabalho, excepto o da colaboradora P. A. R. F..
Após análise dos documentos, verifica-se que em 2004, não houve criação líquida de postos de trabalho. O valor considerado pelo contribuinte é relativo a jovens admitidos em exercícios anteriores (1999 a 2002).
De harmonia com o artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho com contrato sem termo e idade inferior a 30 anos contam por 150%, durante um período de cinco anos.
Embora o contribuinte tenha tido em consideração a contagem do tempo e os limites do montante máximo de majoração anual por posto de trabalho permitidos por lei quando elaborou os mapas para apuramento do valor a deduzir, esse valor não é dedutível ao lucro tributável, porque os Contratos de Trabalho não respeitam o estabelecido no n° 1 do artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Por conseguinte, do montante deduzido no Campo 234 do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, não ó aceite o valor de € 48.336,36, devendo ser acrescido ao lucro tributável.
(…)
IV - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Após análise dos documentos enviados pelo contribuinte, verificou-se que foi indevidamente deduzido o valor da € 48.336,36, relativo a majoração de emprego, uma vez que, os Contratos de Trabalho não estão de acordo com o estabelecido no n° 1 do artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Por conseguinte, o resultado fiscal deverá passar a ser o seguinte:

(…)
VI - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
(…) Em 2008-04-18, dentro do prazo concedido, o contribuinte exerceu o direito de audição por escrito (…)
Analisados os argumentos invocados pelo contribuinte, temos a informar o seguinte:
1.°) Em relação aos contratos dos trabalhadores J. O. e M. P., não foi feita qualquer objecção no Projecto de Conclusões do Relatório de inspecção, simplesmente porque, no exercício de 2004, estes dois trabalhadores da empresa não estão em causa para o apuramento do benefício fiscal previsto no artigo 17º do EBF.
No caso em apreço, o montante inscrito pelo sujeito passivo no Campo F155 do Anexo F da declaração anual foi a majoração dos encargos tidos com as seguintes colaboradoras:
Imagem: Original nos autos
Em relação à colaboradora P. F., tal como foi dito no ponto III-B deste relatório, não foi recebido nos nossos serviços qualquer tipo de contrato de trabalho. Quanto às restantes colaboradoras, foram enviadas cópias de "Contratos de Trabalho a Termo”, conforme se pode constatar em anexo.
2.°) Quanto ao disposto no artigo 47° do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, no qual se determina que um contrato de trabalho a termo certo se converte em contrato sem termo, embora o DL 64-A/89 não obrigue que o contrato sem termo assuma a forma escrita, essa não obrigatoriedade poderá originar situações abusivas de aproveitamento ilícito do benefício fiscal previsto no artigo 17º do EBF, pelo que, cabe ao sujeito passivo provar os pressupostos de que depende a usufruição do respectivo benefício fiscal.
No caso em apreço, os Serviços de Inspecção Tributária só poderão constatar a verificação desse pressuposto se existirem contratos de trabalho sem termo reduzidos a escrito, ou, se no contrato a termo houver alguma adenda que refira a integração no quadro dos trabalhadores em causa.
3.°) Em relação à informação referida no processo n° 649/03, proferido pela Direcção de Finanças de Lisboa, podemos confirmar que o contribuinte fez uma interpretação correcta.
De facto, é esse o entendimento da Administração Tributária relativamente à elegibilidade da conversão dos contratos de trabalho para efeitos do cálculo da criação líquida de postos de trabalho.
Quando houver criação líquida de postos de trabalho e os "contratos de trabalho a termo” se convertem em “contratos de trabalho sem termo”, se na data da sua transformação os colaboradores da empresa tiverem idade inferior a 30 anos, podem usufruir do respectivo benefício, a partir do momento da sua admissão por contrato sem termo.
4.°) De acordo com a informação n° 288/05 da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, para usufruir do benefício previsto no artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais torna-se necessário que a transformação do Contrato de Trabalho seja formalizada por escrito e, neste caso, o sujeito passivo não apresentou documentos que comprovem ter ocorrido tal procedimento.
Por conseguinte, não pode ser aceite a pretensão do contribuinte e mantêm-se as correcções propostas no capítulo anterior deste relatório.
(…)” (cfr. RIT constante do Doc. 3 junto à p.i. e fls. 172 e seguintes do PA apenso);
N) O RIT foi remetido à Impugnante através do ofício nº 036387, de 08.05.2008, por meio de correio registado com A/R, o qual foi assinado em 12.05.2008 (cfr. fls. 97 a 99 do PA apenso);
O) Na sequência da acção inspectiva, por referência ao exercício de 2004, foram emitidos em nome da Impugnante, os seguintes actos tributários:
- Liquidação adicional de IRC nº 2008.8310033303, de 20.05.2008, no valor de € 13.292,50 (que, acrescido de juros compensatórios, perfaz € 14.835,15);
- Liquidação de juros compensatórios nº 2008.00000077381, no valor de € 1.542,65;
­- Demonstração de acerto de contas, com valor a pagar de € 14.835,15, tendo como data limite para pagamento voluntário 09.07.2008 (cfr. Doc. 4 junto com a p.i. e fls. 216 a 222 do PA apenso);
P) Em 10.07.2008, a Impugnante apresentou junto da DF de Lisboa, reclamação graciosa das liquidações identificadas na alínea antecedente, com base nos fundamentos que se dão aqui por reproduzidos, procedimento que correu termos sob o nº 3255200804001567 (cfr. Doc. 5 junto com a p.i. e fls. 3 e seguintes do PA apenso);
Q) Em 02.08.2008, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, em nome da Impugnante, o processo de execução fiscal nº ….658, para cobrança coerciva da dívida de IRC a que se refere a alínea O) supra e acrescidos, no montante total de € 15.224,93 (cfr. Doc. 6 junto com a p.i. e fls. 168 do PA apenso);
R) Em 23.09.2008, a Impugnante prestou, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal indicado, Garantia Bancária nº GA/….65, do Banco B.., SA, pelo valor de € 19.031,25 (cfr. Doc. 7 junto com a p.i. e fls. 168 do PA apenso);
S) Perante o indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Impugnante apresentou a presente impugnação, cuja petição inicial foi remetida a este Tribunal, por meio de correio electrónico, em 20.03.2009 (cfr. fls. 2 dos autos);
T) Por requerimento de 25.03.2009, a Impugnante informou a DF de Lisboa da apresentação de impugnação em Tribunal, peticionando que procedessem à junção do processo de reclamação graciosa aos autos de impugnação, nos termos do artigo 111º, nº 3 do CPPT (cfr. fls. 143 a 150 do PA apenso);
U) Em 02.04.2009, a Divisão de Justiça Contenciosa da DF de Lisboa elaborou o projecto de decisão do processo de reclamação graciosa, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…) III – DO MÉRITO
(…) 5.5 - A trabalhadora P. F., nasceu em 0./1./19.. e foi admitida através de contrato sem termo ao serviço da impugnante em 08/09/2000. As trabalhadoras A. F., A. G., H. E. e L. C., foram admitidas através de contratos a termo em 17/0511999, 02/01/2001, 15/01/2001 e 02/01/2002 respectivamente, e que segundo a impugnante vieram a converter-se em contratos sem termo em 13/11/2000, 01/07/2002, 16/07/2002 e 01/07/2003 respectivamente.
5.6 - Por "criação líquida de postos de trabalho" entende-se a diferença positiva entre o número de contratações efectuadas no exercício e o número de saídas de trabalhadores no mesmo exercício ...
(…) 5.8 - Pelos documentos juntos aos autos constata-se que não se encontra demonstrado que tenha havido criação líquida de postos de trabalho em relação aos trabalhadores em causa, uma vez que, de acordo com o Relatório da Inspecção Tributária, apenas foi analisado o ano de 2004, constatando-se que nesse ano não houve criação líquida de postos de trabalho.
5.9 - Uma vez que os contratos em causa para efeito do benefício fiscal se iniciaram nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002, é absolutamente necessário provar que houve criação líquida de postos de trabalho em cada um dos anos referidos.
(…)
5.11 - Efectivamente, não ficou provado existir, qualquer Criação Líquida de Emprego, pois não apresenta todos os documentos justificativos nesse sentido, nomeadamente o Balanço Social e comprovativos das rescisões contratuais estabelecidas com os seus funcionários.
(…)
5.14 - Uma das outras questões em análise diz respeito, à consideração dos contratos de trabalho sem termo celebrados pela impugnante na sequência da caducidade dos anteriores contratos de trabalho a termo.
5.15 - Os trabalhadores em causa não foram admitidos por contrato sem termo, não se encontrando preenchido o requisito consignado no n.° 1 do art.° 17.° do EBF, não sendo possível concluir que os contratos a termo certo se tenham convertido em contratos sem termo, como a seguir se demonstrará.
5.16 - De acordo com a informação n.° 288/05 — Proc. 123/05, emitida pela Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, é referido …que "Sendo a admissão por contrato sem termo um dos pressupostos essenciais para a utilização do beneficio previsto no art.° 17. ° do EBF, afigura-se necessário que o mesmo seja formalizado por escrito".
5.17 - A mesma informação considera no ponto 17 que a não obrigatoriedade de formalização por escrito destes contratos poderá originar situações abusivas de aproveitamento ilícito do benefício fiscal previsto no artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, cabendo ao sujeito passivo provar os pressupostos de que depende a usufruição do respectivo benefício fiscal, que consiste na criação líquida de postos de trabalho sem termo. O ponto 18 da referida informação refere ainda que: "os Serviços da Inspecção Tributária apenas poderão constatar a verificação desse pressuposto caso exista um contrato de trabalho sem termo reduzido a escrito".
5.18 - … "quanto à exigência de formalização por escrito de contrato de trabalho Sem Termo, após contratação a Termo Certo, sem que deste primeiro contrato (a Termo Certo) conste qualquer adenda que refira a integração do trabalhador no quadro da empresa", foi elaborada a informação n.° 1691/08 da SAIR, em que é referido o seguinte entendimento na Conclusão, "- cabendo à entidade empregadora provar a existência do contrato sem termo para efeitos do benefício fiscal, parece relevante que esta tenha a cautela de reduzi-lo a escrito; - Contudo, para efeitos de benefício fiscal, em certas circunstâncias, é possível, através de outros elementos apresentados pelos sujeitos passivos, elaborar um raciocínio que permita atestar a celebração de contrato sem termo; - O que se deve exigir é que os elementos de prova sejam vinculativos para a entidade empregadora, envolvendo, pelo menos, as duas partes do contrato; - A permanência ao serviço de determinado trabalhador após o decurso do período de duração máxima do contrato de trabalho a termo (este obrigatoriamente reduzido a escrito) é um facto que permite ajuizar da existência de contrato de trabalho sem termo; - Esta permanência ao serviço deve, no entanto ser comprovada através de documentos que vinculem externamente a entidade.".
(…) 5.20 - Neste caso, não existe adenda ao Contrato assinada pelas duas partes, nem sequer existe uma comunicação de conversão em contrato sem termo, assinada pela entidade patronal e assinada pelo trabalhador a dizer que tomou conhecimento da conversão do contrato a termo certo num contrato sem termo.
(…)
5.24 - Nos encargos a ter em consideração na majoração estão englobados, o vencimento ilíquido, os subsídios de férias e de natal, o subsídio de alimentação, os encargos sociais obrigatórios suportados pela Entidade Patronal e o seguro obrigatório de acidentes de trabalho; constata-se assim que não existem elementos contabilísticos que comprovem esses encargos e que permitam validar as deduções dos montantes em causa.
5.25 – Não foram carreados ao processo os recibos de vencimento de todos os meses do exercício de 2004 e a cópia da apólice de seguro de acidentes de trabalho …, elementos considerados relevantes para a análise dos valores do beneficio em causa.
5.26 – Também não foram carreados … os Bilhetes de Identidade, os Cartões de Segurança Social e Cartões de Contribuinte.
5.27 - Nesta fase do processo, o ónus da prova recai sobre quem o invoque, ora no caso concreto, compete à reclamante provar tudo aquilo que vem requerer. Da análise efectuada verificou-se que os elementos juntos ao processo não provam a existência de todos os requisitos necessários para a obtenção do benefício em causa.
(…)” (Cfr. fls. 132 a 139 do PA apenso);
V) Sobre a informação antecedente recaiu despacho concordante do Director de Finanças Adjunto, de 24.04.2009, ordenando ainda a notificação da Impugnante para efeitos de audição (cfr. fls. 132 do PA apenso);
W) O projecto de decisão e despacho antecedentes foram remetidos à Impugnante através do ofício nº 033479, de 27.04.2009 (cfr. fls. 140 a 142 do PA apenso);
X) A Impugnante apresentou requerimento em 06.05.2009, em sede de direito de audição, reiterando que fosse determinada a junção aos autos de impugnação o processo de reclamação graciosa (cfr. fls. 151 a 164 do PA apenso);
Y) Não foi proferida decisão final no âmbito do processo de reclamação graciosa (cfr. PA apenso);
Z) À data da audiência de inquirição de testemunhas, nos presentes autos, ocorrida a 24.09.2012, A. P. e H. E. mantinham o seu vínculo contratual à Impugnante, desempenhando a função de delegadas de informação médica (depoimento das testemunhas A. P. e H. E.).
*
Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.»

No que respeita à motivação de facto, refere a sentença que: «Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos e do PA apenso, que contém o procedimento de reclamação graciosa, conforme explicitado em cada uma das alíneas supra.
Para a fixação dos factos constantes das alíneas C) e Z) supra, foram relevantes os depoimentos das testemunhas M. S., S. S., A. P. e H. E., todas elas colaboradoras da Impugnante, que passaram pelo processo de recrutamento e, por conseguinte, com conhecimento directo dos factos.
Depuseram de forma clara, objectiva e coerente, tendo todas elas coincidido na mesma versão dos factos. Deram os seus exemplos pessoais, aquando do recrutamento, evidenciando que apenas assinaram o primeiro contrato a termo, por 6 meses, tendo posteriormente recebido informação de que se tornaram efectivas pelo superior hierárquico, do próprio departamento, e nalguns casos (como o de H. E.), também pela Directora Geral.
A. P. e H. E., que foram elegíveis para efeito do beneficio fiscal em causa nos autos confirmaram que passaram a efectivas após contrato a termo, por comunicação dos seus superiores, e inclusive, se mantêm em funções na sociedade Impugnante.»
*
III. 2 – Fundamentação de direito

Na sequência de uma acção inspectiva interna, a Administração Fiscal considerou que o montante deduzido pela Impugnante a título de benefício fiscal respeitante à criação líquida de postos de trabalho, previsto no artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), no exercício de 2004 não podia ser aceite na sua totalidade, pelo que, procedeu à correção da matéria tributável no valor de total de € 48 336,36.

Como se salienta na sentença, a referida correcção foi suportada no facto de a conversão dos contratos de trabalho em contratos sem termo não terem sido formalizados por escrito, ou inexistência de adenda que referisse a integração no quadro de trabalhadores da empresa, concluindo que, no caso a ora impugnante não apresentou documentos que comprovem ter ocorrido tal procedimento.

O Tribunal recorrido julgou a acção procedente começando por reafirmar a jurisprudência uniforme no sentido de que a fundamentação que releva é a que consta do relatório de inspecção não relevando a fundamentação constante do procedimento de reclamação graciosa, por representar fundamentação a posteriori.

Na sentença sob recurso foram anuladas as liquidações adicional de IRC e de juros compensatórios e condenada a AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

A recorrente restringe o seu recurso ao segmento da decisão que anulou a liquidação adicional de IRC imputando à sentença recorrida a verificação de erro de julgamento na apreciação da prova e erro de julgamento de direito.

Considerar que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida quanto à existência dos contratos de trabalho sem termo subjacentes à dedução objecto de correcção e em consequência impunha-se a manutenção da correcção em causa.

Alega que atento o carácter exceptional dos benefícios fiscais, cabia à impugnante provar a existência dos contratos sem termo. Que a inexistência de contrato de trabalho sem termo reduzido a escrito, assinado por ambas as partes, ou qualquer adenda ao contrato a termo determina a conclusão de que não estão provados os pressupostos para a recorrida beneficiar do regime previsto no artigo 17.º do EBF.

Ao assim não decidir, considera a recorrente que o tribunal a quo se baseou «em pressupostos completamente errados» incorrendo «em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto não aplicou correctamente os circunstancialismos fácticos ao nível do prescrito na Lei.»

Antes de mais, vejamos qual o regime aplicável.

À data em que os contratos aqui em causa se converteram em contratos sem termo, dispunha o n.º 1 do artigo 17.º do EBF:

«1. Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos, são levados a custo em valor correspondente a 150%».

Ora, conforme decorre da norma acabada de citar, os critérios para a admissão da dedução dos encargos com majoração constituem a criação líquida de postos de trabalho, especificamente para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos com idade não superior a 30 anos.

Vejamos agora o discurso fundamentador da sentença, salientado que o Tribunal delimitou negativamente o conflito afirmando que «no caso vertente, não é controvertida a questão da criação líquida de postos de trabalho, já que se conclui no RIT que em 2004 não houve criação líquida de emprego, referindo-se o benefício aos encargos com jovens trabalhadores admitidos em anos anteriores [1999 a 2002 – cfr. ponto III.B da alínea M) e alínea I) do probatório], tendo em conta que o benefício é concedido por um período de 5 anos.

Neste caso, atribuído o benefício no ano da admissão, o mesmo mantém-se pelo período de 5 anos, desde que o trabalhador conserve o vínculo contratual e independentemente de nesses anos subsequentes, haver criação líquida de emprego (ou seja, novos trabalhadores elegíveis).

Refira-se, por outro lado, que não está em apreciação a questão de saber se as conversões de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo são elegíveis para efeitos de apuramento do benefício em causa (…)»

A fundamentação da sentença é a seguinte:

«(…) a questão controvertida reconduz-se simplesmente à prova da admissão por contrato sem termo (ab initio ou por conversão de contrato a termo), em especial, aferir da necessidade de formalização por contrato escrito.

Esta temática foi já apreciada e decidida pelo TCA Sul, designadamente no recente acórdão de 11.03.2021, proferido no processo nº 414/09.0BESNT (disponível em www.dgsi.pt) , pelo que, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios – e bem assim, visando a interpretação e aplicação uniformes do direito em casos análogos, como impõe o legislador nos termos do artigo 8º, nº 3 do Código Civil –, seguimos de perto a argumentação jurídica ali aduzida, com as devidas adaptações.

(…)

Aqui chegados, impõe-se a seguinte questão: não obstante a lei laboral não impor a sua redução a escrito, deverá o Direito Tributário exigir que a prova se concatene, exclusivamente, com essa outorga, implementando-a como uma formalidade ad probationem?

Ajuizamos … que a resposta à questão terá de ser negativa, porquanto ainda que a prova da admissão mediante contrato sem termo tenha de ser inequívoca, a verdade é que não pode circunscrever-se à apresentação do aludido contrato, sob pena inclusive de o Direito Tributário se tornar mais exigente que o próprio direito que rege as relações laborais e bem assim subverter a ratio que subjaz à substancialidade da relação e do respectivo vínculo.

Ajuíza-se, neste concreto particular, que a prova da existência do contrato de trabalho pode ser feita através de prova testemunhal ou qualquer meio probatório, face ao consignado nos artigos 392º e 376º do CC, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

É certo que as normas de benefícios fiscais merecem tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto.

Razão pela qual, devem respeitar o princípio de interpretação estrita ou declarativa, fundado precisamente na sua natureza excepcional ou antissistemática, mas a verdade é que a letra da lei utiliza a expressão “trabalhadores admitidos por contrato sem termo”, não implementando enquanto requisito formal e para efeitos probatórios a redução a escrito, logo, ajuíza-se que a prova pode ser efectuada por outros meios probatórios que não, apenas e redutoramente, pela outorga de um contrato escrito.(…).»

Subscrevemos na integra a sentença, até porque suportada em jurisprudência actualizada deste Tribunal.

Com efeito, não decorre do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do EBF supra transcrito, que a prova da existência dos contratos seja reconduzida à prova documental da conversão do contrato a termo em contrato sem termo.

Aliás, a própria AT aceitou tal interpretação como referencial de decisão interna expressando esse entendimento em diversos documentos, citando-se a título de exemplo a informação vinculativa a que se refere a ficha doutrinária relativa ao processo 2691/2007, sancionada por Despacho do Subdirector –Geral, de 26/11/2007, proferido no uso de subdelegação de competências. Recorda-se aqui o seu teor: «Considera-se que um trabalhador é admitido por contrato sem termo quando no contrato não está determinado o número de meses ou anos que o trabalhador deverá prestar serviço na respectiva empresa. Pelo que, só os contratos firmados nessas condições contam para o cálculo da criação líquida de postos de trabalho.

Uma vez que os contratos com termo não relevam para efeitos do artigo 17º do EBF, quando estes se transformam em contratos sem termo podem entrar, a partir do respectivo exercício, para a aferição da criação líquida de postos de trabalho, desde que todos os outros requisitos de acesso ao benefício estejam preenchidos.» (disponível em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/beneficios_fiscais/Documents/Ficha_Doutrinaria_Artigo_17_EBF.pdf).

No mesmo sentido pode ver-se o Acórdão deste Tribunal de 19/01/2023, processo n.º 1352/09.2 BELRS, em situação idêntica, a AT auto vinculando-se a tal entendimento: «no que respeita ao Ofício n.º 25944 de 30/11/2007 e informação N.º 1552/2007, ambos emitidos pela Direcção de Serviços do IRC e que constam em anexo 4, é claramente informado que terá de verificar todos os requisitos do artigo 17.º do EBF, sempre que os Contratos a Termo que se transformam em Contratos Sem Termo.

É afirmado - “Desde que todos os outros requisitos de acesso estejam preenchidos “De facto, é este o sentido do artigo 17.º do EBF, já que a contratação de Contrato Sem Termo é requisito essencial a verificar no benefício fiscal a usufruir. Assim, o sentido das informações apresentadas, Ofício n.º 25944 de 30/11/2007 e Informação n.º 1552/2007, ambos» emitidos pela Direcção de Serviços de IRC, é consistente com o disposto no artigo 17.º do EBF e esclarecimento vertido na Informação 288/05- Processo N.º 123/05, já referida

O essencial é que o interessado comprove a verificação dos requisitos previstos no artigo 17.º do EBF.

Com efeito, nos termos do artigo 7.º do EBF, o direito aos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios.

Conjugando este preceito normativo com o que dispõe o n.º 1 do artigo 74.º da LGT, que estipula que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração fiscal ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» impõe-se concluir que era à recorrente que se impunha comprovar que reunia os pressupostos necessários à constituição do direito ao benefício fiscal que serviu de fundamento à dedução majorada dos encargos a que alude o artigo 17.º do EBF, sob pena de se sujeitar à correcção de tal dedução pela AT, no âmbito do exercício dos seus poderes/deveres de fiscalização e de inspecção.

Assim sendo, cabia à recorrente efectuar a prova de que reunia os requisitos necessários à dedução dos encargos nos termos do artigo 17.º do EBF impondo-se comprovar que relativamente às trabalhadoras identificadas no ponto D), no ano aqui em causa – exercício de 2004 – os mencionados contratos a termo haviam sido convertidos em contratos sem termo.

O artigo 17.º do EBF não impunha a prova da existência dos contratos sem termo se reconduzisse à forma especial escrita.

Como tem sido reiterado pelos tribunais superiores, o benefício relativo à criação líquida de postos de trabalho para jovens depende da prova da existência do concreto contrato de trabalho por tempo indeterminado, prova que pode ser efectuada através de qualquer meio geral de prova, de entre os previstos nos artigos 392.º e 376.º do CC e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, neste sentido vide, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 694/09.1BELRS, 1352/09.2BELRS e 414/09.0BESNT, datados de 04/05/2023, 19/01/2023 e de 11/03/2021.

A razão de ser da solução apontada decorre do Decreto-lei n.º 49 408, de 24/11, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho e o Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27/2, que aprovou o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, incluindo as condições de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo.

Cm efeito, dispunha o artigo 6.º do Decreto-lei n.º 49408, quanto à sua forma: «o contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade, salvo quando a lei expressamente determinar o contrário

Já o contrato de trabalho a termo certo ou incerto está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter as indicações identificadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2.

Sublinha-se ainda que, nos termos do n.º 3 do artigo 42.º, do referido diploma legal, considera-se contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou denominação, bem como as referências exigidas na alínea e) do n.º 1 (estipulação de prazo) ou, simultaneamente, nas alíneas d) e f) do mesmo número (data de inicio do trabalho e data da celebração).

Ora, não estando o contrato de trabalho sem termo sujeito à forma escrita, compreende-se que a prova da sua existência se possa operar por qualquer meio geral de prova também para efeitos de comprovação dos requisitos necessários à constituição do benefício fiscal aqui em causa.

Importa ainda referir que a prova no caso de conversão de contrato a termo, pode resultar da prova da existência dos contratos a termo (necessariamente documental) e da permanência dos mesmos trabalhadores para além do período legalmente previsto para a contratação a termo. Isto porque de que tal prova permite-se inferir com elevado grau de verossemelhança e até de certeza que, decorrido tal prazo, se operou a sua conversão em contrato sem termo.

Com efeito, dispunha o artigo 46.º sobre a caducidade do contrato a termo certo o seguinte:

«1 - O contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que a entidade empregadora comunique ao trabalhador até oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o não renovar.

2 - A falta da comunicação referida no número anterior implica a renovação do contrato por período igual ao prazo inicial. (…)»

Resultava do disposto no artigo 44.º, n.º 2 e 47.º do mesmo diploma legal, que as renovações do contrato a termo não poderiam efectuar-se para além de duas vezes e a duração do contrato terá por limite, em tal situação, três anos consecutivos, sendo excedidos os prazos de duração fixados o contrato converte-se em contrato sem termo.

Aplicando o enquadramento jurídico aplicável ao caso dos autos, tal como se julgou na sentença recorrida, julgamento que subscrevemos na integra, concluímos que a recorrente efectuou a prova da verificação dos requisitos da constituição do direito ao benefício fiscal em causa nos autos.

Senão vejamos:

«(…) a lei laboral nem a lei fiscal preceituam qualquer exigência de forma escrita para os contratos sem termo, ou, bem assim, para as conversões de contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, pelo que a admissão dos trabalhadores pode ser comprovada por outros meios probatórios, que não apenas e redutoramente, pela outorga de um contrato escrito ou de uma adenda assinada pelas partes.

Com efeito, da factualidade provada, designadamente da conjugação das alíneas C) a H) e Z) do probatório, resulta patente que as colaboradoras elegíveis e consideradas pela Impugnante para o benefício da criação líquida de postos de trabalho, previsto no artigo 17º do EBF, no exercício de 2004, foram admitidas por contrato sem termo, quer ab initio, como o caso da colaboradora P. F., quer por efeito da conversão de contrato de trabalho a termo (por 6 meses) em contrato sem termo, no caso das demais colaboradoras.

No que concerne a P. F., tal é comprovado pela comunicação de admissão de novo trabalhador à Segurança Social, em concatenação com o princípio do consensualismo, no que respeita ao contrato de trabalho sem termo (artigo 6º do Decreto-lei nº 49408, de 24.11.1969) e da sua permanência na sociedade, atestada pelas Declarações de Remuneração à Segurança Social [cfr. alíneas E) e G) dos factos assentes].

Relativamente a A. P., A. G., H. E. e L. C., é inequívoco que reduziram a escrito os respectivos contratos de trabalho a termo certo, por 6 meses [al. D) do probatório], e que lhes foi posteriormente comunicada a passagem a efectivas – o que decorre da prova testemunhal –, dando, assim, início aos contratos de trabalho sem termo, sem necessidade de qualquer formalidade especial adicional.

Acresce, em qualquer caso, que a vinculação contratual sem termo destas trabalhadoras também emana dos extractos de Declarações de Remuneração à Segurança Social, para efeitos de apuramento de contribuições devidas àquela instituição (documento vinculativo externo). De facto, as referidas declarações, designadamente as de Janeiro e Dezembro de 2004, comprovam que as aludidas colaboradoras permaneceram em funções na sociedade Impugnante, o que àquela data, e por efeito da lei – i.e., por terem sido ultrapassados os limites/prazos de renovação de contratos a termo –, apenas poderiam estar vinculadas, ope legis, por contrato de trabalho sem termo (artigos 46º, 47º e 51º do Decreto-lei 49408, de 24.11.1969).

Conclui-se, face ao exposto, que a Impugnante, quer por meio documental, quer por meio testemunhal, logrou fazer a prova que lhe competia quanto ao requisito atinente à admissão sem termo das colaboradoras elegíveis para efeitos do benefício em apreciação.

Assim, ao restringir os meios de prova, sem qualquer sustentação legal, para comprovar o aludido requisito, a AT incorreu vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a ilegalidade da correcção efectuada em sede de inspecção (consubstanciada na desconsideração do benefício fiscal, no montante de € 48.336,36) e, consequentemente, a ilegalidade da liquidação de IRC impugnada, a qual deve ser anulada.»

Percorrendo o relatório de inspecção constatamos que a AT não questiona que os trabalhadores em referência prestavam o seu trabalho à recorrente, àquela data. Embora não se qualifique a relação jurídica existente, designando-os de «colaboradores», apenas se refere como fundamento para a não aceitação da dedução majorada a inexistência de contratos escritos.

Ora, aplicando o regime jurídico supra exposto, nos termos do qual se considera contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito não sendo questionada a existência da relação laboral, reconduzindo-se a fundamentação da correcção à falta de apresentação de cópias dos contratos, face à apresentação dos extratos de declaração de remunerações submetidos por internet à Segurança Social e constando os trabalhadores nos referidos extratos referentes a 2004, o fundamento da correcção é ilegal por afrontar o disposto no artigo 42.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, não se podendo manter.

Ora, tendo presente o que se dispõe no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, que estatui que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei», bem como o que supra se deixou dito quanto ao regime do contrato de trabalho sem termo e à admissibilidade dos meios de prova admitidos em Direito.

Não decorrendo directamente da lei entendimento diverso do exposto, impõe-se concluir que o Tribunal que assim decidiu, não incorreu em erro de julgamento de facto, nem de direito, ao anular a correcção em apreciação, mostrando-se o recurso improcedente, sendo, em consequência, de confirmar a sentença.


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A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Ficando a Recorrente vencida na acção, sobre ela impende este ónus (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).


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IV – Conclusões

I - Constituem requisitos do direito ao benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF a admissão por contrato sem termo, de trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.

II – Em regra o contrato de trabalho não está sujeito a forma escrita.

III - Não estabelecendo a lei laboral a exigência de forma escrita como requisito de prova dos contratos sem termo, a prova da admissão através de contrato sem termo pode ser efectuada por qualquer meio geral de prova em Direito permitida, não podendo reconduzir-se, exclusivamente, à apresentação do aludido contrato escrito, ou de uma adenda com a mesma formalidade, desde que resulte inequívoco o estabelecimento do vínculo laboral.


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A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Atento o provimento do recurso e a procedência parcial da acção, as custas ficam a cargo da recorrente (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).


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V - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 4 de Outubro de 2023.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Maria Cardoso – 1ª Adjunta

Tânia Meireles da Cunha – 2ª Adjunta