Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2159/05.1 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
MÉTODOS INDIRETOS
DEMONSTRAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I. A petição diz-se inepta, designadamente, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

II. A circunstância de poder haver lugar a despacho de aperfeiçoamento significa não se tratar de petição inepta, caso contrário não seria aperfeiçoável.

III. Não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades tenham uma relação de causalidade com a correção efetuada.

Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 30.09.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por T. E. C., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2001.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a parte da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida por T. E. C., Lda, NIPC 157, tendo como objeto a legalidade da liquidação adicional de IRC e Juros Compensatórios do ano de 2001, refletida na Demonstração de Acerto de Contas que apura um valor pagar de € 61.870,89.

B. Ora, entendemos que face à situação fática, atenta a matéria de facto provada e não provada, deveria ter sido outro o entendimento factual e jurídico, em conformidade com o invocado em sede da Contestação, assistindo-se a um vício formal de ineptidão da petição inicial, e a um errado julgamento sobre a matéria de facto, designadamente sobre os factos provados e a respetiva aplicação do direito.

C. No entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo encontra-se inquinada por não ter dado provimento à alegada exceção dilatória invocada pelo Digno Procurador da República, nos termos da al.b) do art.577.º do CPC, por a petição inicial ser inepta, por falta de indicação de factos que fundamentem o pedido e a falta da causa de pedir, motivo pelo qual é nulo todo o processo, nos termos do art.186.º n.º1 e 2 do CPC.

D. A petição tem de apresentar o nexo lógico da pretensão impugnatória do Impugnante, sendo a causa de pedir alegada o suporte lógico idóneo da pretensão apontada contra a AT, subjacente ao pedido endereçado ao Tribunal.

E. Atentando à petição apresentada pela Impugnante, verifica-se que a Impugnante se limita a remeter para as suas conclusões alegadas em sede da reclamação para a comissão de revisão, verificando-se uma omissão integral e expressa na petição quanto ao pedido e causa de pedir.

F. Ao contrário do referido pelo Douto Tribunal, não se pode comparar a remissão efetuada pela Fazenda Pública para a Informação elaborada previamente pela Divisão de Justiça Contenciosa, com a remissão operada pela Impugnante, porque a Informação da Divisão da Justiça Contenciosa constitui, de facto, uma análise específica ao ímpeto impugnatório do contribuinte que segue os critérios de análise de uma contestação, de forma articulada, designadamente, análise do pedido, da causa de pedir, dos pressupostos formais e a respetiva questão de mérito.

G. Ou seja, a informação da Divisão da Justiça Contenciosa apenas existe, e só, como complemento da contestação, preenchendo todos os critérios, podendo assumir a função de apoio na elaboração da contestação da Fazenda Pública ou ser vir mesmo como substituto na apreciação de facto e de direito, por via da remissão na contestação, como nos presentes autos.

H. Portanto, concluímos que a Impugnante olvidou a expressa indicação dos factos que fundamentassem o seu pedido, faltando a causa de pedir, motivo pelo qual a petição é inepta, sendo nulo todo o processo, devendo a AT ser absolvida da instância.

I. Quanto à situação de mérito e à questão decidenda de saber se deve ser anulada a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2001, por erro nos pressupostos em que assentou o recurso a métodos indiretos, entendemos que não julgou bem o Tribunal a quo, comece-se por acalentar que não estamos perante factualidade estanques no ano de 2000 e 2001, como de facto atentaram os Serviços de Inspeção da AT, e indicado no ponto C) dos factos provados, para trilhar o caminho percorrido pelo Tribunal a quo para julgar que no exercício de 2000 não ficarem fundamentados os pressupostos aos métodos indiretos.

J. Nesta sede recursiva, realçamos os indícios das incongruências, manifestas e substanciais, aportam um composto de debilidades não só à vertente económica das demonstrações financeiras (lançamento dos custos e proveitos na contabilidade), como também à vertente de tesouraria (pagamentos e recebimentos), as quais jamais foram devidamente justificadas, não tendo sido apresentadas provas suficientes que permitissem concluir de forma diferente dos Serviços de Inspeção.

K. Sendo que, com o devido respeito, o caminho trilhado pelo Tribunal a quo ignorou esses indícios de desvio do normal, optando por uma visão retilínea da atuação da Impugnante, desconsiderando todas as incongruências e ausências de justificação da Impugnante.

L. Apelando ao bom senso, independentemente da importância dos clientes e relações existentes, como pode a Impugnante não ter um sistema de custeio da produção?!Como pode a Impugnante não saber os custos do produto, de forma a controla-los?! Como poderá ser aceite como credível que os preços praticados pela Impugnante à sua associada E. fossem a baixo do valor de custo, originando um resultado negativo, sem qualquer explicação credível para o efeito?

M. Será que estamos perante uma prática de condições de venda substancialmente diferentes da praticadas pela Impugnante no exercício normal da sua atividade, pelo que estamos perante uma operação simulada por ser outra a intenção? Achamos que sim.

N. Assim como não é normal que todos os documentos apresentados para justificar os movimentos da conta 2551 do ano de 2001 consistam em meros talões de depósitos, extratos de cobrança de efeitos, entre outros, nunca tendo sido apresentada justificação para a necessidade destes movimentos, qual a sua origem e o seu propósito, designadamente para manutenção da fonte produtora.

O. Portanto, os Serviços de Inspeção da AT cumpriram com a demonstração dos pressupostos para aplicação de métodos indiretos, efetuando a respetiva prova de que estavam reunidos os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação,

P. No caso dos autos, todos os elementos indiciários aportados pela AT, assim como raciocínio empreendido, preenchem todos os pressupostos dos sintomas da verdade, e que foram explicados no relatório de inspeção!

Q. Atenta à decisão proferida e salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se pode conformar, nem tão pouco concordar com a parte da douta sentença que ora se recorre proferida pelo Tribunal a quo, por julgar procedente a impugnação!

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por Acórdão que julgue improcedente, por não provada, a impugnação judicial, e, em consequência, mantenha, vigentes no ordenamento jurídico tributário, por legais, a liquidação de IRC de 2001.

Todavia, Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto a petição inicial é inepta?

b) Há erro de julgamento, na medida em que se reúnem os pressupostos de recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante é uma sociedade comercial, que se dedica à produção de tintas, diluentes, betumes e estuques, com CAE 24301 - Fabricação de tintas, vernizes e mastiques (cfr. RIT fls. 347 e seguintes do PA apenso – Vol.II);

B) Em cumprimento das ordens de serviço nº 88.856 e 88.857 de 19.12.2003, a Impugnante foi objecto de acção de inspecção externa, incidente sobre IVA e IRC dos exercícios de 2000 e 2001, que deu origem a correcções aritméticas e correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos (cfr. RIT a fls. 347 e seguintes do PA apenso – Vol.II);

C) Em 20.10.2003, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) 6. Um dos aspectos sensíveis do modo de funcionamento do Departamento Comercial da empresa prende-se com o processo de formação de preços, face à inexistência de um sistema de custeio dos produtos.

7. (…) O ano de 2000, em termos de médias, encontra-se bastante abaixo do sector. No ano de 1999 a situação é aceitável, porque as médias declaradas encontram-se dentro das médias nacionais do sector.

8. Da análise efectuada aos movimentos financeiros da conta sócios 2551 - débitos e créditos -, do ano de 2000, verificamos o seguinte:

(…) Não consta o nome da pessoa que efectuou tal movimento.

Nos Doc. Int. que se indicam têm anexo cheques cuja linha “á ordem de” aparece ocultada, tipo venda, ié, aparece cortado com uma venda que não permite ver o que estava escrito no cheque (…)

A grande maioria dos cheques emitidos para amortização dos empréstimos de sócios aparecem sem identificação do seu beneficiário, sem assinatura no campo específico. A linha “á ordem de” não indica nada. Anexo a estes cheques estão os doc. Int. de saída com indicação genérica de ‘‘pagamento suprimentos”

(…) Em 31/12/2000 surgem 6 movimentos de correcção a débito no montante global de 76 699,04 €, sem qualquer documento financeiro de suporte

Relativamente aos movimentos a crédito da conta apenas temos os talões de depósitos com indicação de n° de cheques, contudo sem suporte de qualquer um deles (…)

Estando simultaneamente a decorrer uma acção inspectiva à firma E. – E. I., LDA, NIPC ….62, resolvemos comparar extractos de conta fornecedores/clientes em ambas as empresas, sendo de referir o seguinte:

• Comparando a conta 2211671, valores que não constam na empresa E. e que constam na firma T. E. (…) // • Conta 2211671, valores que não constam na empresa T. E. e constam na firma E. (…)

• Isto prova que não haverá real coerência entre os valores contabilizados e os reais em termos de compras e vendas da firma com a E.. De referir que esta adquiria tintas à firma T. E. para o mercado externo. Por sua vez aquela prestava a esta serviços de âmbito informático e assistência, bem como, venda de material informático.

10. Da leitura do Relatório de Gestão e da Certificação Legal das Contas informa-se o seguinte: (…) Não existe grande coerência entre estas palavras e o cenário do ano 2000 em termos de margens com o sector.

-> Certificação Legal de Contas - Apresenta duas reservas: 1. não possibilidade de confirmação dos saldos da conta BTA, por falta de confirmação externa e 2. A empresa continua a fazer dotações para imobilizado corpóreo a taxas reduzidas. Apresenta uma ênfase: existência de um contencioso fiscal entre a sociedade e a AF, relativo a liquidações adicionais referentes aos anos de 1992 a 1995

11. Movimentos financeiros O contribuinte foi notificado em 04/06/2003, para que, em 01/07/2003, pelas 9.30 H nos fossem exibidos os documentos comprovativos da natureza e origem dos empréstimos de sócios contabilizados na conta 2551 do ano 2000.

(…)

12. Informação relativa ao ano de 2001

De acordo com a informação do representante/acompanhante da fiscalização, C. R., a firma neste ano deixou de laborar passando todo o sector produtivo incluindo inventários para a empresa E. C.. Neste sentido e com o objectivo de se verificar em que termos se procedeu tal facto, foi alargada a OS para o ano de 2001. Inicialmente era apenas para o ano de 2000. No dia 03/01/2001 a firma T. E. vendeu o seu inventário, bem como, grande parte do seu imobilizado corpóreo através das seguintes facturas:

• (…) • O valor do inventário em 31/12/2000 ascendia a 696 658,03 €..

13. A partir daquela data (03/01/2001) a firma arrendou os edifícios à empresa E. C. pelo valor mensal de 1 496,39 €.

14. Verifica-se também que as T. E., Lda continua a vender, quer para a firma E. C. quer para a E.. O que vende são derivados do petróleo (solventes, diluentes, esmaltes) indispensáveis ao fabrico de tintas. Isto porque, para se comercializar este tipo de produtos é condição necessária que se possua um Certificado de Autorização emitido pelo ISP, o que ainda não têm os clientes referidos.

15. Tal como se efectuou para o ano de 2000, também para o de 2001 se procedeu à Notificação do contribuinte, em 09/09/2003, para que no dia 22/09/2003, nos fosse exibidos os documentos de suporte aos movimentos constantes da conta 2551-2559 Empréstimos de sócios, nomeadamente, cheques ou outros documentos equivalentes. Conclusões:

• Exibiu-nos o que constava na contabilidade - Os cheques constantes dos Talões de Depósito não nos foram exibidos, pelo que não se fica a saber quem efectuou o empréstimo à firma. Por sua vez, não nos foram identificados os beneficiários dos cheques emitidos pela firma. A linha "á ordem" aparece em branco

• Informaram ainda que "... por dificuldades financeiras e de tesouraria da firma, ..., era obrigada a recorrer regularmente a troca de cheques ou cruzamento de cheques, com terceiros. (...) Por contrapartida destes cheques eram emitidos cheques da empresa para uns dias depois ou prédatados. A proveniência dos depósitos são de amigos particulares da gerência e os cheques emitidos eram entregues à gerente da firma que os encaminhava para as pessoas com ela procediam ao cruzamento dos cheques. " (Citação)

• O que é certo é que não identificam clara e inequivocamente que pessoas são intervenientes no processo em questão.

16. Exibiu-nos também o seguinte:

• Relatório da acção de inspecção da D.G.Alfândegas e dos impostos especiais sobre o consumo - Divisão operacional do Norte.

• (…) Conclusões: Não foram detectadas irregularidades ao nível das matérias isentas em causa e a contabilidade possibilitou tal trabalho.

De referir que se tratou de uma acção de controlo específico - Matérias isentas - e não de âmbito abrangente da actividade produtiva e comercial.

(…)

IV. MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

4.1 - Situações descritas no Ponto “Outras situações” do Capitulo II, que em resumo se indicam:

• Ponto 7. Margens brutas praticadas/declaradas bastante inferiores à média do sector.

• Ponto 8. Situações anómalas com os movimentos financeiros: não identificação da pessoa que os efectua, ocultação em determinados cheques da linha “à ordem de”, movimentos na conta de sócios de empresas que não são sócias, entre outras

• Ponto 9. Falta de coerência entre os extractos de conta clientes/fornecedores da contribuinte com a empresa E.- E. I., LDA

• Ponto 10. Falta de coerência entre as palavras "positivas, favoráveis" descritas no Relatório de Gestão e o cenário de 2000; A própria CLC apresenta duas reservas, uma das quais relativa à área financeira - não possibilidade de confirmação dos saldos da conta BTA, por falta de confirmação externa.

• Ponto 11. Notificação para exibição dos documentos de suporte aos valores da origem dos empréstimos de sócios - Não apresentação dos cheques indicados nos talões de depósitos 4.2 - Falta de elementos concretos e reais que nos seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável. - artigos 87° a 89° da LGT e artigo 52° do CIRC.

V. CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSOS A MÉTODOS INDIRECTOS

(…)

ANO 2001

Atendendo à situação descrita no ponto 12. Outras situações - Cap. II, verificamos que o contribuinte nas facturas n° 1, 4 e 5, de 03/01/2001, concedeu descontos comerciais ao cliente E. C. quando pretendeu vender o seu stock - Esmaltes, eurólites, plásticas, monos e produtos acabados. Ora, esta venda tendo como objectivo a “passagem" da laboração/venda de tintas de uma firma para a outra, a venda dever-se-ia efectuar pelo menos ao preço de custo constante do stock. E assim que agora vamos pressupor.

(…) Temos então:

SEDE IRC

(…)” (cfr. RIT a fls. 347 e seguintes do PA apenso – Vol.II);

D) Notificada da fixação do lucro tributável em € 159.289,19, para o exercício de 2001, a Impugnante apresentou, em 14.05.2004, reclamação para a Comissão de Revisão a que se refere o artigo 91º da LGT, com os fundamentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos (cfr. fls. 677 a 687 do PA apenso – Vol. III);

E) Em 13.10.2004, na sequência da reclamação apresentada pela Impugnante, foi realizada a reunião da Comissão de Revisão, a que se refere o artigo 91º da LGT, da qual resultou: “(…) A”) Não houve acordo, conforme laudos lavrados pelo Perito do Contribuinte e pelo Perito da Fazenda Pública” (cfr. acta nº 30/04 de fls. 688 e seguintes do PA apenso – Vol.III);

F) Do Laudo do Perito da Fazenda Pública resulta, designadamente, o seguinte:

“(…) Quanto ao ano de 2001, analisados os elementos que integram o relatório de inspecção e a petição da reclamante, sobretudo a questão dos preços praticados na venda à sua associada, que geraram um resultado de exploração negativo, evidenciam a prática de condições de venda substancialmente diferentes das praticadas pela reclamante no exercício normal da sua actividade, em operações da mesma natureza, com outras entidades. Atendendo a que também neste exercício não foram apresentados novos elementos, mantém-se o lucro fixado e o IVA apurado em falta (…).” (cfr. fls. 690 a 694 do PA apenso – Vol. III);

G) Por despacho de 05.11.2004, o Director de Finanças manteve os valores fixados pelos serviços de inspecção tributártia (cfr. fls. 699 a 708 do PA apenso – Vol.III);

H) Em 04.05.2005, foi emitida liquidação adicional de IRC nº 2005.8310000295, referente ao exercício de 2001, constando como valor corrigido da Matéria Colectável o montante de € 159.289,19, apurando-se imposto a pagar no montante de € 46.932,09 (cfr. fls. 720 do PA apenso – Vol. III);

I) Após acerto de contas, da liquidação antecedente com o valor reembolsado de € 14.938,80, resultante da autoliquidação prévia de IRC, foi apurado um saldo a pagar de € 61.870,89 (cfr. Doc. 1 junto com a p.i.)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com interesse para decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos, processo administrativo e processo instrutor apensos, conforme especificado em cada uma das alíneas supra”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto à ineptidão da petição inicial

Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao não considerar inepta a petição inicial, tal como fora suscitado pelo IMMP no seu parecer proferido ao abrigo do art.º 121.º do CPPT.

Vejamos, então.

A petição diz-se inepta, designadamente, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir [cfr. art.º 193.º, n.º 2, al. a), do CPC/1961, na redação vigente à data da propositura da presente impugnação, correspondente ao art.º 186.º, n.º 2, al. a), do CPC/2013].

Nas palavras de Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. 2º, pp. 369 a 381), “[a causa de pedir é] o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido. (…) Na verdade, a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão (…). Entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão. A petição inicial, para ser uma peça bem elaborada e construída, deve ter a contextura lógica dum silogismo, deve poder reduzir-se, em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua conclusão (pedido)”.

Como refere Lebre de Freitas (Código de Processo Civil anotado, Vol. 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 352 e 353):

“Na petição inicial, deve o autor formular o pedido (art. 552-1-e), determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela da situação jurídica ou do interesse que afirma materialmente protegido (…). Deve também indicar a causa de pedir (arts. 552-1-d e 581-4), isto é, alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer (…), num e noutro caso se tratando do facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido (…).

Por isso, a falta de formulação do pedido ou de indicação da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objecto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido é formulado ou a causa de pedir é indicadade modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Compulsada a petição inicial, verifica-se, efetivamente, que a Impugnante remete para o teor da reclamação para a comissão de revisão, que dá como reproduzida.

Não se considera, de facto, que esta seja a mais correta forma de peticionar.

No entanto, um caso como o dos autos, em nosso entender, nunca daria lugar à nulidade por ineptidão da petição inicial, mas sim a um eventual despacho de aperfeiçoamento – o que, desde logo, afasta o alegado pela Recorrente, porquanto a circunstância de poder haver lugar a despacho de aperfeiçoamento significa não se tratar de petição inepta, caso contrário não seria aperfeiçoável.

Compreende-se, no entanto, que, no concreto caso, tal não tenha ocorrido, porquanto a técnica seguida pela Impugnante, atento o teor do próprio documento para que se remeteu (documento esse com forma articulada e com concreta definição dos vícios que a ora Recorrida imputa ao ato), permitiu, quer ao Tribunal, quer à FP, apreender a pretensão – possibilitando, no caso da FP, contestar e, no caso do Tribunal a quo, decidir.

Assim, a remissão, per se, para um documento não é impedida, conquanto seja apreensível a pretensão do Impugnante. E tal ocorreu. Aliás, a remissão que, em sede de contestação, a FP fez para a informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças, prática já antiga e genericamente aceite [cfr. Acórdão deste TCAS, de 07.05.2020 (Processo: 1737/13.0BELRS)], é um bom exemplo da metodologia descrita, como refere o Tribunal a quo.

Esta é a solução mais conforme, ademais, com o respeito pelo princípio pro actione, que aponta para interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo de formalismo.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, por se reunirem os pressupostos para recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável

Entende, por outro lado, a Recorrente que a decisão sob apreciação padece de erro de julgamento, em virtude de se reunirem os pressupostos para recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável.

In casu, como resulta provado, a Recorrida foi objeto de ação inspetiva, relativa aos exercícios de 2000 e 2001, sendo apenas este último exercício aquele que está ora em apreciação.

Assim, e passando à análise do caso concreto, do relatório de inspeção tributária (RIT) decorreram, no que respeita ao exercício de 2001:

a) Correções aritméticas, que não foram objeto de impugnação;

b) Correções por métodos indiretos, no valor de 152.950,36 Eur.

Foi apresentado pedido de revisão, no qual não foi obtido acordo, motivo pelo qual se mantiveram os valores fixados no RIT.

Cumpre, antes de mais, referir em que situações é legítimo lançar mão a métodos indiretos de fixação da matéria coletável.

É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, nos termos do art.º 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Como referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 03.03.2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.
O princípio da tributação pelo rendimento real admite, no entanto, exceções ou desvios (veja-se que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP utiliza o advérbio “fundamentalmente”), devidamente fundados e justificados. (1)

Reflexo do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real é a circunstância de o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável ser subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Veja-se, não obstante, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão de métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.
A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas. (2)
Apelando às palavras de Casalta Nabais, (3) “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.
Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação. (4)

Assim, nos termos do art.º 87.º da LGT (redação à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quando haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz sobretudo pericial.
Logo, quando se verificarem os pressupostos de recurso à avaliação indireta é possível o recurso a métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, surgindo como mecanismo de reação contra a fraude e evasão fiscal, dando resposta, por esta via, à incumbência do Estado, prevista no art.º 81.º, al. b), da CRP. (5) [segundo o qual “[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (…) b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”].
O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. Ademais, a presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação. (6)
Portanto, e em suma, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. (7)Posto isto, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como resulta do RIT, foram elencados os seguintes circunstancialismos para se entender justificar-se o recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável:

¾ “Margens brutas praticadas/declaradas bastante inferiores à média do sector”;

¾ Situações anómalas com os movimentos financeiros: não identificação da pessoa que os efectua, ocultação em determinados cheques da linha “à ordem de”, movimentos na conta de sócios de empresas que não são sócias, entre outras”;

¾ Falta de coerência entre os extractos de conta clientes/fornecedores da contribuinte com a empresa E.- E. I., LDA”;

¾ Falta de coerência entre as palavras "positivas, favoráveis" descritas no Relatório de Gestão e o cenário de 2000; A própria CLC apresenta duas reservas, uma das quais relativa à área financeira - não possibilidade de confirmação dos saldos da conta BTA, por falta de confirmação externa”;

¾ “Notificação para exibição dos documentos de suporte aos valores da origem dos empréstimos de sócios - Não apresentação dos cheques indicados nos talões de depósitos 4.2 - Falta de elementos concretos e reais que nos seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável. - artigos 87° a 89° da LGT e artigo 52° do CIRC”.

O Tribunal a quo, a este respeito, refere que os indícios elencados pela administração tributária (AT) no RIT não têm adesão ao que foi identificado em relação ao exercício de 2001, apenas se relacionando com o exercício de 2000.

E de facto assim é.

Com efeito, na análise da quantificação da correção por métodos indiretos atinente ao exercício de 2001, verifica-se que a correção efetuada se centrou nos descontos comerciais que a Impugnante concedeu à sociedade E. C., aquando da venda de stock, considerando, sem mais, que a venda dever-se-ia efetuar pelo menos ao custo constante do stock. Ora, como é referido pelo Tribunal a quo, o que houve foi um desconto requalificado como proveito.

As eventuais irregularidades da contabilidade que foram identificadas em nada respeitavam a estas transações e o que se tratou foi de transpor irregularidades da contabilidade em determinados aspetos concretamente identificados para uma correção relativa a relação comercial cuja regularidade, mesmo contabilística, não é posta em causa, correção essa feita com base em critérios de oportunidade, que de todo podem sustentar correções, designadamente através de métodos indiretos. Sendo que, como referido pelo Tribunal a quo, o que aqui há é uma correção técnica, sob uma qualificação jurídica incorreta de correção por métodos indiretos.

A utilização de métodos indiretos visa corrigir quando não haja alternativa possível de correção técnica, não visa dotar a AT de um instrumento que a habilite a corrigir com base em critérios de oportunidade ou razoabilidade da gestão.

Aliás, como bem refere o Tribunal a quo, se a AT considerava que os preços praticados pela Impugnante à sua associada eram inferiores aos preços praticados em operações de idêntica natureza com outras entidades, deveria ter lançado mão dos institutos adequados a que pode recorrer, designadamente o mecanismo atinente aos preços de transferência. O que não fez.

Em suma: as irregularidades detetadas na contabilidade não constituem um cheque em branco para todas e quaisquer correções por parte da AT, através de métodos indiretos. Como nos parece claro, tem de haver uma relação de causalidade entre essas irregularidades e a correção a final efetuada. No caso, essa relação de causalidade inexiste, nos termos já explanados.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 19 de outubro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Luísa Soares)






















1) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
2) Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).
3) Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389.
4) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
5) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
6) Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428).
7) V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888.