Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1991/22.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:ARD
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta quando que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.
II - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – Relatório

R…, com os sinais dos autos, notificado do despacho de indeferimento liminar da ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, dele veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

1. Ao recorrente foram movidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), os processos de execução fiscal, mencionados no número 3 da douta petição inicial, dos quais aquele só teve conhecimento, mediante acesso à sua área reservada no respetivo portal da recorrida;

2. Onde se requeria a caducidade dos processos pelo decurso do tempo, de acordo com o número do 1 do Artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT);

3. Requeria-se a prescrição dos valores a restituir pelo recorrente, pelo decurso do tempo, alegadamente pagos pela Requerida Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social (CDLISS);

4. Confrontado com estas situações, o ora recorrente propôs a competente ação tributária, na qual pugnou pela caducidade das dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira e a consequente anulação pelo Tribunal dos respetivos processos executivos e a prescrição dos valores a restituir, alegadamente pagos ao recorrente, pelo decurso do tempo pela recorrida CDLISS;

5. Apesar de toda a factualidade alegada pelo recorrente na sua p.i., a douta sentença recorrida, sem proceder às citações das Rés, considerou como assente que:

(1.º) A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária não é o meio próprio e adequado para conhecer qualquer dos pedidos formulados pelo Autor, porquanto, o ordenamento jurídico confere-lhe outros meios processuais para assegurar uma tutela pela, eficaz e efetiva do direito que configura e que se prende com a exigibilidade das dívidas identificadas na p.i.;
(2.º) As quais, como referido, não têm a mesma natureza, pelo que a apreciação da suscitada inexigibilidade não pertence sequer à mesma jurisdição, distinguindo para este efeito, a jurisdição tributária da jurisdição administrativa;
(3.º) As dívidas à AT relativas a coimas de IRS e IUC têm natureza tributária, cabendo aos tribunais tributários o conhecimento da sua legalidade, enquanto as dívidas relativas ao empréstimo do IFADAP e a prestações sociais, à Segurança Social, têm natureza administrativa, cabendo aos tribunais administrativos o conhecimento da sua legalidade (cfr. Artigo 44.º e 49.º do ETAF);
(4.º) O que determina ainda, a inadmissibilidade da coligação passiva das partes demandas (cfr. Artigo 104.º do CPPT);
(5.º) Assim sendo, os pedidos formulados correspondem a meios processuais distintos – oposição à execução fiscal, a instaurar no Tribunal Tributário e ação administrativa, a instaurar no Tribunal Administrativo;
(6.º) Não sendo a p.i. cindível (…), o erro na forma de processo que se verifica, no caso concreto, é insuscetível de convolação;
(7.º) Em conclusão, face ao exposto, e nos termos das normas legais citadas, verificado o erro na forma de processo, insuscetível de convolação, cabe indeferir liminarmente a presente ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

6. Com todo o respeito, parece na ótica do recorrente que a douta sentença ora recorrida assentou em erro nos pressupostos de facto e de direito;

7. Com efeito, à luz do disposto no n.º 3 do Artigo 145.º do CPPT e n.º 2 do Artigo 97.º da LGT, o recorrente instaurou a presente “ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo tributário” em virtude da não existência de outro meio processual mais adequado à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos;

8. A sentença recorrida olvidou a alegação do recorrente referente às alegadas dívidas junto da AT, as quais não foram corretamente notificadas aquele e que apenas foram visualizadas e retiradas da sua área pessoal no Portal da AT;

9. Se é verdade que a anulação dos processos executivos instaurados pela AT é próprio da oposição à execução fiscal pela caducidade ou prescrição do direito, não é menos verdade que o direito de deduzir oposição apenas se completa com a citação do recorrente, o que na ótica deste não ocorreu;

10. Com a falta de citação da Ré Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ao tribunal “a quo”, salvo melhor opinião, não foram dados todos os elementos para a decisão da sentença recorrida, uma vez que a Ré AT não se pronunciou acerca das alegadas citações ao recorrente no âmbito da instauração dos processos executivos em apreço;

11. Não se vislumbra que o n.º 1 do Artigo 110.º da CPPT, relativamente à contestação. tenha aplicação ao presente processo, tratando-se de um manifesto lapso ou erro de escrita, uma vez que as Rés não foram objeto de qualquer tipo de contestação no presente pleito;

12. Na ótica do Recorrente não existe erro na forma de processo, não utilizando aquele uma forma processual inadequada para fazer valer em juízo a sua pretensão, na medida em que, face aos dados disponíveis, não exista outra forma processual de garantir a integridade do direito ou interesse legítimo violado;

13. A interpretação adequada que o tribunal “a quo” faz do disposto no n.º 3 do Artigo 145.º do CPPT e do Acórdão do STA citado, não invalida que ao recorrente não lhe assista razão, uma vez, que conforme foi alegado na petição inicial, não foi aquele citado regularmente dos processos executivos mencionados nos autos, pelo que, se depreende que à falta de outro meio legalmente admissível, o recorrente tenha lançado mão da presente ação para fazer valer os seus direitos e interesses legalmente protegidos;

14. Quanto à invocação da prescrição das alegadas dívidas à CDLISS, não se vislumbra que o tribunal “a quo” tenha interpretado corretamente os preceitos legais, uma vez que, a não existência de qualquer processo de execução fiscal, não preclude o direito do recorrente a invocar a prescrição;

15. Outro entendimento não seria entendível à luz dos princípios da segurança e da certeza jurídica, na medida em que não seria tolerável, não existir qualquer meio judicial legalmente atendível, no sentido de proteger situações como a retratada nos presentes autos;

16. O recorrente não concorda com os entendimentos jurídicos formulados na sentença recorrida, sendo que a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo é o meio adequado para conhecer qualquer dos pedidos formulados pelo autor;

17. Uma vez, que o recorrente, sublinha, não dispõe, em face dos elementos disponíveis e alegados na p.i, de outros meios legalmente admissíveis para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos legalmente protegidos;

18. De acordo com a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (CPC) aos casos omissos do procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a alínea e) do Artigo 2.º do CPPT, a eventual inadmissibilidade da coligação passiva das Rés demandas, de acordo com o Artigo 104.º do CPPT, não foi pelo Tribunal “a quo” acautelada pelas regras processuais civis, nomeadamente pelo cumprimento dos Artigos 37.º e 38.º do CPC;

19. Pela qualificação jurídica que o tribunal “a quo” faz quanto à natureza fiscal ou administrativa das alegadas dívidas dos autos, o recorrente não compreende à luz do mais elementar raciocínio lógico, a separação da dívida ao IFADAP, que terá sido objeto de um processo de execução fiscal, nos mesmos termos, das outras dívidas de IRS e de IUC;

20. Se ainda poderá ser admissível a interpretação que as alegadas dívidas à Segurança Social assumam uma natureza administrativa e que V. Exas. suprirão, não se consegue entender a qualificação da dívida ao IFADAP como tendo natureza administrativa, se a mesma foi incluída na situação das restantes e objeto de um processo de execução fiscal, pela Ré AT;

21. O Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre matéria da qual se devia pronunciar nos termos do número 1 do Artigo 125.º e que pode em consequência resultar na nulidade da sentença recorrida

Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, ao assentar em erro nos pressupostos de facto e de direito, violou as seguintes disposições legais:
a) Insuficiência de elementos carreados para o processo para conhecimento do mérito da causa pelo tribunal “a quo” invocando o erro na forma de processo, insuscetível de convolação, para um indeferimento liminar, violando-se dessa forma o número 1 do Artigo 125.º do CPPT;
b) Não foi dado seguimento à citação da Ré AT, nos termos exigíveis do número do 1 do Artigo 110.º do CPPT;
c) Caso seja entendimento do douto tribunal a não admissibilidade da coligação passiva das Rés, não foi aplicado pelo tribunal “a quo”, supletivamente, o número 1 do Artigo 38.º do CPC por referência ao Artigo 36.º do mesmo compêndio normativo.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deverá a douta sentença recorrida ser revogada em conformidade, conhecendo-se os vícios de facto e de direito da mesma, ou seja:
a) Impugna-se o erro na forma de processo e o consequente indeferimento liminar da ação;
b) Requer-se a nulidade da sentença nos termos do número 1 do Artigo 125.º do CPPT pela não pronúncia sobre questões que a sentença recorrida devia ter apreciado;
c) A observância do número 1 do artigo 38.º do CPC nos termos nele enunciados e
d) O prosseguimento do processo no Tribunal Tributário de Lisboa com vista a suprir as insuficiências da matéria em falta para se ter conhecido do mérito da causa e a citação da Ré ou das Rés para contestar no presente pleito.

É o que se pede e se espera desse Tribunal, assim se fazendo
JUSTIÇA!


Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao indeferir liminarmente a ação apresentada – a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária – ao considerar verificado o erro na forma processual utilizada, não passível de convolação.

Entretanto, se o tribunal recorrido deveria ter notificado previamente o Autor e ora Recorrente para indicar qual o pedido que pretendia ver apreciado.


II.1 - Pertinente, releva dos autos o seguinte:

A) Em 2022.12.09, no Tribunal Tributário de Lisboa deu entrada a petição inicial de ação para reconhecimento de um direito, constante de fls. 4 – doc nº 004798966, que aqui se dá como integralmente reproduzida, na qual o A., termina pedindo:

(…)
«Nestes termos e nos melhores de Direito, doutamente supridos por V. Exa., deverá a presente ação ser julgada procedente por provada, requerendo-se a V. Exa., se digne:
1. Declarar a caducidade das dívidas relativamente à R. Autoridade Tributária e Aduaneira mencionadas no número 3 e a consequente anulação dos processos executivos em nome do Autor a elas referentes e
2. Declarar a prescrição dos valores a restituir alegadamente pagos indevidamente pela R. Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social, pelo decurso do tempo.
Para tanto, requer-se que a secretaria judicial promova a citação das Rés para, querendo, contestar, seguindo-se os ulteriores termos até final.»
(…)

B) É o seguinte o teor da decisão sob recurso:

«R…, contribuinte fiscal n.º 2…, residente na Rua R…, lote 11, 6.º B, 1750-424 Lisboa, veio intentar contra a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social, I.P.,
ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM, na modalidade de Ação para o Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo - Tributário,
Pedindo,
«1. Declarar a caducidade das dívidas relativamente à R. Autoridade Tributária e Aduaneira mencionadas no número 3 e a consequente anulação dos processos executivos em nome do Autor a elas referentes e
2. Declarar a prescrição dos valores a restituir alegadamente pagos indevidamente pela R. Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social, pelo decurso do tempo.».

Para o efeito, invocou, em síntese, e como causa de pedir:
Atendendo às datas da liquidação do imposto e da instauração dos processos executivos, o exercício do direito à liquidação dos tributos pela R. Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso em apreço encontram-se caducados, nos termos do artigo 45.º, número 1 da LGT;
Em relação à prescrição invocada dos alegados recebimentos indevidos dos abonos de família relativamente à Ré Segurança Social, atendendo às datas da liquidação da listagem anexada como documento n.º 4 alegado no número 8 da petição, encontra-se prescrito o direito à restituição no prazo de 5 (cinco) anos, de acordo com o número 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 133/88, de 20 de abril, uma vez que aquele se encontra amplamente ultrapassado.
Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 145.º do CPPT, as ações para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo em matéria tributária, seguem os termos do processo de impugnação,
Pelo que, e nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1 do CPPT, há lugar a despacho liminar com vista à sua admissão ou rejeição, sendo que o indeferimento liminar pode ter lugar nomeadamente, nos casos previstos nos artigos 590.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT, no qual se prevê, também os casos em que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva oficiosamente conhecer, segundo o disposto no artigo 578.º do CPC.
É o caso do erro na forma do processo, insuscetível de convolação.

Tendo presente o princípio da plenitude da tutela jurisdicional e adequação do meio processual, consagrado no n.º 2 do artigo 97.º da LGT, verifica-se o erro na forma de processo quando o autor faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer em juízo a sua pretensão, traduzida no pedido formulado.
Havendo erro na forma do processo, nos termos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT, este será convolado para a forma processualmente adequada, desde que não seja manifesta a improcedência da ação para a qual se convolaria ou não se verificar outro impedimento de ordem formal.

Prevê o artigo 145.º, n.º 3 do CPPT que «as ações [para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária] apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.».

Segundo a Jurisprudência, «I - A ação de reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária só é admissível quando a lei não faculte meio adequado para a tutela Jurisdicional dos direitos do contribuinte. (…)» in, sumário do Acórdão do STA datado de 17/12/2019, no processo 0351/17.5BELLE, disponível em www.dgsi.pt.

No caso em apreço, o Autor pretende a anulação dos processos executivos instaurados pela AT e a declaração da prescrição dos valores a restituir ao Instituto da Segurança Social.
Ora, no primeiro caso, o pedido de anulação dos processos executivos é próprio do processo de oposição à execução fiscal, tanto que, a causa de pedir invocada constitui o fundamento para dedução de tal meio judicial, previsto na al. e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Quanto à prescrição das dívidas à Segurança Social, a mesma não é judicialmente invocável, nos termos configurados pelo Autor.
Isto é, pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal, cfr. Artigo 204.º, n.º 1, al. d) do CPPT, sendo que o Autor não identifica qualquer processo executivo relativo a tais dívidas.
Mas pode também ser causa prejudicial, por no caso de se verificar gerar a inutilidade superveniente da lide, em processo de impugnação judicial em que seja pedida a anulação de tais dívidas.
Quanto a estas dívidas, o Autor, refere apenas, um pedido (administrativo) que dirigiu aos serviços da Segurança Social, para reconhecimento dessa prescrição.
Por conseguinte, neste caso, para reagir contra a decisão expressa ou tácita da Segurança Social, e atenta a natureza dessas dívidas - restituição de prestações sociais - o meio próprio será a ação administrativa, a instaurar nos tribunais administrativos - uma vez que não se tratam de dívidas de natureza tributária (cfr. artigo 3.º da LGT).

Face ao exposto, a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária não é o meio próprio e adequado para conhecer qualquer dos pedidos formulados pelo Autor, porquanto, o ordenamento jurídico confere-lhe outros meios processuais para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito que configura e que se prende com a exigibilidade das dívidas identificadas na PI, As quais, como referido, não têm a mesma natureza, pelo que a apreciação da suscitada inexigibilidade não pertence sequer à mesma jurisdição, distinguindo para este efeito, a jurisdição tributária da jurisdição administrativa.
As dívidas à AT relativas a coimas de IRS, IUC e IRS têm natureza tributária, cabendo aos tribunais tributários o conhecimento da sua legalidade, enquanto as dívidas relativas a empréstimo do IFADAP e a prestações sociais, à Segurança Social, têm natureza administrativa, cabendo aos tribunais administrativos o conhecimento da sua legalidade. (cfr. artigo 44.º e 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
O que determina ainda, a inadmissibilidade da coligação passiva das partes demandas (cfr. artigo 104.º do CPPT).

Assim sendo, os pedidos formulados correspondem a meios processuais distintos – oposição à execução fiscal, a instaurar no Tribunal Tributário e ação administrativa, a instaurar no Tribunal Administrativo.
Não sendo a PI cindível, (cfr. Acórdão do STA datado de 27/05/2014, no processo 0198/14, disponível em www.dgsi.pt), o erro na forma do processo que se verifica no caso concreto, é insuscetível de convolação.

Em conclusão, face ao exposto, e nos termos das normas legais citadas, verificado o erro na forma do processo insuscetível de convolação, cabe indeferir liminarmente a presente ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
*
Fixo à causa o valor de € 38 692,23, indicado na PI e cuja anulação se pretende [cfr. artigo 306.º do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e), do CPPT].
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, as custas são a cargo do Autor.
Não obstante, foi-lhe conferido o beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça, pelo que não lugar à sua condenação em custas.
*
Decisão:
Face ao exposto, e nos termos das normas legais citadas, julgo verificado o erro na forma do processo insuscetível de convolação, pelo que indefiro liminarmente a presente ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
Sem custas, atento o beneficio do apoio judiciário conferido ao Autor.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de dezembro de 2022.»


II.2 – De Direito

O Recorrente intentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, na qual, se bem interpretamos o pedido, pretendia discutir a exigibilidade das dívidas que lhe estavam a ser exigidas nos processos de execução fiscal contra si instaurados e que identifica no artigo 3º da pi, pedindo a declaração de caducidade das dívidas de impostos que lhe estão a ser exigidos pela Ré Autoridade Tributária e Aduaneira e consequente «anulação» dos processos de execução fiscal contra si instaurados e ainda a declaração de prescrição dos valores a restituir à Ré Instituto da Segurança Social, pelo decurso do tempo.

A ação foi liminarmente indeferida, por erro insuprível na forma do processo eleita pelo Autor e ora Recorrente, decisão com a qual se não conforma e da qual recorre.

Alega, em síntese, ser este o meio próprio porquanto não foi citado para os processos de execução fiscal, dos quais apenas tomou conhecimento por consulta informática ao «portal das finanças». Defende, pois, não lhe ter sido dada oportunidade de se defender através da dedução de oposição à execução fiscal e, logo, ser a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária o meio processual mais adequado à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (cf. conclusão 7. das alegações de recurso).

Vejamos:

A ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributável é um meio processual residual, assumindo um carater complementar dos restantes meio contenciosos previstos no contencioso tributário, só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para assegurar a tutela jurisdicional efetiva. Diz o artigo 145/3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT):

As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.

Contudo, o erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza da ação e afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar. No caso em apreço cumpre ainda apreciar se existem outros meios processuais mais adequados à satisfação da pretensão do Autor ora Recorrente.

Ora, é em função do pedido que temos que aferir se o meio processual utilizado é o adequado ao fim por ele visado, i. é, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.

Assim, o erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da ação e constitui nulidade de conhecimento oficioso: artigo 193º e 196º do Código de Processo Civil (CPC).

O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação.

Entretanto, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: artigo 581/3 do CPC.

Na petição inicial apresentada e liminarmente indeferida o Autor formula dois pedidos:

«1. Declarar a caducidade das dívidas relativamente à R. Autoridade Tributária e Aduaneira mencionadas no número 3 e a consequente anulação dos processos executivos em nome do Autor a elas referentes e
2. Declarar a prescrição dos valores a restituir alegadamente pagos indevidamente pela R. Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social, pelo decurso do tempo.»

Para aferir da alegada caducidade das dívidas exequendas o meio adequado seria o processo de oposição. Com efeito, constituem fundamentos da oposição à execução a prescrição da dívida exequenda [alínea d) do nº 1 do artigo 204º CPPT] e a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade [alínea e) do nº 1 do artigo 204º CPPT], podendo igualmente ser suscitada através de simples requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal nesse sentido e apresentado no Serviço de Finanças onde foram instaurados e correm os processos de execução fiscal, e após eventual indeferimento, cabe reclamação judicial de tal despacho, nos termos do disposto nos artigos 276º e seguintes do CPPT.

Na verdade, o pedido de caducidade pode também ser apresentado no processo executivo, perante a entidade que o dirige, sendo nesse mesmo processo que devem apreciar-se e decidir-se todas as questões que se coloquem relativamente a ele.

Alega, porém, o ora Recorrente não poder deduzir oposição por não ter sido ainda citado nos processos de execução fiscal, deles só tendo tomado conhecimento através de consulta ao «portal» da Autoridade Tributária e Aduaneira (cf. conclusão 1 das alegações de recurso).

Contudo, a alegada falta de citação, com evidente prejuízo para a defesa do interessado, a ter ocorrido, constitui uma nulidade insanável em processo de execução fiscal, prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 165º CPPT, podendo e devendo ser suscitada junto do órgão de execução fiscal, mediante requerimento a este dirigido.

Admitindo-se, todavia, a possibilidade da sua arguição direta junto do Tribunal Tributário competente como incidente (nesse sentido v.g. anotação 8 ao artigo 190º in SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e Processo Tributário, III vol., 6.ª edição, Áreas Editora, pág. 369 e IV vol., pág. 271-272).

Apesar de não constar dos fundamentos da oposição à execução fiscal, a falta de citação pode, ainda assim, ser conhecida na oposição, a título incidental, nomeadamente para aferir da sua tempestividade.

A jurisprudência tem entendido que a oposição, como faculdade que é, pode ser deduzida antes da citação, caso em que não está sujeita ao prazo previsto no artigo 203/1.a) CPPT. Nesse sentido citamos o Ac. STA de 2010.07.07, Proc nº 0214/10, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos.

Temos assim no caso concreto em análise, que o primeiro pedido formulado na petição inicial apresentada em juízo e que transcrevemos supra, formalmente é de extinção dos processos de execução fiscal, e logo, típico do processo de oposição judicial.

Apreciemos agora quanto ao segundo pedido formulado de prescrição das dívidas à Segurança Social provenientes de prestações sociais, que foram consideradas indevidamente abonadas.

Para o efeito o Autor e ora Recorrente deduziu a presente ação também contra o Instituto da Segurança Social, IP.

Quanto a estas dívidas relativas a reposições de quantias indevidamente recebidas da Segurança Social (abono de família), é o próprio A. e ora Recorrente que informa não ter sido ainda instaurado qualquer processo de execução fiscal (cf. artigo 11º da pi e conclusão 14 das alegações de recurso).

Alega, ainda, o A. e ora Recorrente ter já solicitado essa declaração de prescrição das dívidas junto do Centro Distrital da Segurança Social e não ter recebido qualquer resposta em prazo. Para reforçar o alegado, com a petição inicial juntou cópia de mensagem eletrónica enviada e em que solicita a declaração de prescrição das dívidas.

No despacho recorrido decidiu-se que estando em causa a obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos (abono de família), como sucede com prestações sociais indevidamente abonadas pela Segurança Social e não se tratando, portanto, de dívidas de tributos, a competência para a sua apreciação contenciosa caberia ao Tribunal Administrativo de Círculo e não ao Tribunal Tributário.

Com efeito, não tendo sido instaurado qualquer processo executivo para cobrança coerciva daqueles montantes não é possível a convolação em oposição, precisamente por esse motivo, ou seja, o A. e ora Recorrente não se está a defender de um pedido executivo com motivos de inexigibilidade da dívida; a pretensão formulada configura-se antes como meio de reação ao indeferimento do pedido de declaração de prescrição da obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos recebidos. O pedido de declaração de prescrição das dívidas relativas a reposição de quantias recebidas deve, pois, ser apreciado e conhecido no âmbito da jurisdição administrativa.

Defende o Recorrente, que ainda assim o tribunal a quo deveria ter apreciado da prescrição das dívidas exequendas. Mas sem razão, precisamente por estar em causa o indeferimento liminar da petição, não tendo a ação sido ainda contestada, nem tido sido juntos os elementos que permitissem aferir da prescrição das dívidas.

Recapitulando: o Autor e ora Recorrente instaurou uma ação para reconhecimento de direito deduzida contra duas entidades, a saber: a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social, IP, na qual formula dois pedidos típicos da oposição: a declaração de caducidade das dívidas de tributos e de prescrição das dívidas.

Considerando que relativamente a este segundo pedido, relativo às dívidas ao ISS, IP, o tribunal tributário não é materialmente competente sendo, pois, de ponderar a convolação dos autos em processo de oposição porquanto subsistirá apenas o primeiro daqueles pedidos, respeitante à apreciação e declaração da caducidade das dívidas.

Todavia, previamente necessário se torna averiguar se as execuções foram ou não apensadas porquanto, como tem sido entendimento jurisprudencial, não é admissível a dedução de uma única oposição a execuções que não se encontrem apensadas.

Perspetivada desta forma, e como peticionado, deveria o autor ser ouvido sobre a prossecução dos autos apenas quanto ao primeiro pedido formulado e da sua convolação em processo de oposição, devendo ainda averiguar-se se as execuções que identifica foram ou não apensadas.

Em face do exposto, a decisão recorrida não se pode, pois, manter e irá ser revogada.


Sumário/Conclusões:

I - A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta quando que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.
II - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos para audição do ora Recorrente, nos termos expostos, e subsequente tramitação e prolação de nova decisão, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 19 de outubro de 2023

Susana Barreto

Vital Lopes

Maria Cardoso