Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:115/12.2BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC;
CUSTOS INCORRIDOS COM REPARAÇÕES IMPOSTAS POR FACTOS IMPREVISÍVEIS, MAS SEGURÁVEIS.
Sumário:A dedutibilidade dos gastos incorridos com reparações impostas pela ocorrência de factos imprevisíveis, objecto de seguro, depende da sua efectividade, bem como da impossibilidade de segurar o risco.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acórdão

I- Relatório

P..............., S.A, melhor identificada nos autos, veio deduzir impugnação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º ..............., de 04.11.2011, referente ao exercício de 2009, e respectivos juros compensatórios, no valor total de EUR 423.429,34.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por sentença proferida a fls. 224 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 30 de Abril de 2018, julgou procedente a impugnação. A Fazenda Púbica interpôs recurso jurisdicional.

Nas alegações de fls. 266 e ss. (numeração em formato digital – sitaf) a recorrente, formulou as conclusões seguintes:

«a) Foi violado pela douta sentença o artigo 23/1 alínea j) do nº 1 do artigo 23º do CIRC (numeração à data).

b) Nos termos do artigo 23/1 alínea j) do CIRC “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente foram indispensáveis para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável”.

c) Conforme relatório de inspecção tributária subjacente às correcções de IRC em apreço, os factos e fundamentos das correcções em sede de IRC relativamente ao ano de 2009, que deram origem à liquidação adicional de IRC identificada na petição no valor de 423.429,34€, são os seguintes: “Da análise dos elementos contabilísticos e dos esclarecimentos prestados pelo Sujeito Passivo, foram detectadas as seguintes irregularidades – Custos não aceites fiscalmente – de acordo com a alínea m) [alínea j) à data] do n.º1 do artigo 23º do CIRC são considerados custos ou perdas, para efeitos fiscais, os que comprovadamente se mostrarem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável. Significa, a contrário, que aqueles cujo risco seja segurável não são aceites como custo. Afastam-se, assim, os custos relativos aos riscos seguráveis, obrigando-se, portanto, à contratação do respectivo seguro, na medida em que o custo/benefício será maior. O sujeito passivo considerou custo do exercício de 2009, através de vários lançamentos na conta 62232001 – Conservação e Reparação, o montante de €1.603.899,04, referente a reparações nos aerogeradores do Parque, conforme se descreve no quadro seguinte.

Doc. nº.
Data
DescriçãoValor
37222-12-2009Cambio de Pala 7268.293,27
37323-12-2009Cambio de Pala 8259.237,55
37424-12-2009Cambio de Pala 5290.458,38
37525-12-2009Cambio de Pala 9275.853,45
37626-12-2009Cambio de Pala 11251.911,09
37727-12-2009Cambio de Pala 12258.145,30
Total
1.603.899,04

Dado que todo o parque se encontra coberto por seguro, este foi participado à C..............., ao abrigo da apólice n.º 55115. De acordo com as informações que nos foram prestadas telefonicamente e os elementos enviados, concluímos que ainda não havia sido recebido qualquer montante a título de indemnização, estando ainda a decorrer as negociações entre a empresa e a respectiva Companhia de Seguros. No entanto, a empresa já contabilizou a perda na sua contabilidade, quando a mesma deveria ser balanceada com a indemnização correspondente, nos termos do art.º 18º do CIRC. Pelo exposto e nos termos do art.º 23 do CIRC, não é aceite custo do exercício a quantia de €1.603.899,04”.

d) Note-se que está em causa um custo extraordinário, decorrente dum sinistro, duma intempérie, um custo relativo a um risco segurável, e não um custo decorrente do exercício normal da actividade ou do desgaste do material preveniente do uso para que foi concebido. Quando se dá o sinistro/intempérie o parque apenas estava em laboração há cerca de 2 anos, cfr. relatório e contas 2009, no qual é expressamente referido que “o parque foi concluído em 2007”.

e) E conforme evidenciado nos autos, perpassando os princípios, regras e conceitos do direito privado especial que é o direito dos seguros, conforme análise efectuada ao contrato de seguro “Multi-Riscos” celebrado entre a impugnante e a “L..............., S.A.”, junto aos autos, e começando pelos conceitos, temos:  “segurado – a pessoa ou entidade no interesse do qual o contrato é celebrado”; “beneficiário – a entidade indicada nas condições particulares que fica titular do direito à indemnização”; “valor seguro – é o valor que o segurado atribui aos bens garantidos pelo seguro e que figuram nas condições particulares. Este valor constitui a base para o cálculo do prémio e também para o cálculo da indemnização máxima naquelas coberturas onde o limite seja na percentgem do valor seguro”; “sinistro – qualquer evento susceptível de fazer funcionar as garantias desta apólice”. Não se circunscrevendo, além do mais, o conceito de indemnização (como pretendia a impugnante), a “uma reparação de um dano causado a terceiro”.

f) Depois, quanto às regras constantes do contrato de seguro em causa, e no sentido de procurar compreender as vicissitudes ocorridas, o tipo de sinistro, o custo extraordinário em causa e a celeridade na substituição das palas sinistradas, evidencia-se: “artigo 1º – objecto do contrato – o presente contrato tem por objecto garantir as perdas e danos, resultantes de um risco coberto, sofridos pelos bens móveis e imóveis designados nas condições particulares e destinados exclusivamente à actividade do segurado. …”; “artigo 4º – Definição e âmbito das garantias… 8. Tempestades, tormenta, granizo, neve, tromba de água e vento – a seguradora garante nos termos e limites da presente apólice os danos materiais causados directamente pela acção dos fenómenos atmosféricos enunciados, sempre que tais fenómenos se produzam de forma anormal e que a perturbação atmosférica não possa considerar-se pelo seu aparecimento ou intensidade como própria de determinadas épocas do ano ou situações geográficas que favoreçam a sua manifestação. O carácter anormal destes fenómenos atmosféricos são fundamentados pelas informações dadas pelos organismos oficiais competentes e o seu efeito mediante a fundamentação de provas convincentes cuja apreciação ficam a cargo de critério de peritos nomeados pela seguradora e segurado”…. 22. valor de substituição … Os trabalhos de substituição ou reparação, devem ser começados e executados com razoável rapidez, devendo, em qualquer caso, ficar concluídos dentro de doze meses após a destruição ou dano, ou dentro de qualquer outra (4) extensão de prazo que a seguradora venha (durante os referidos doze meses) a autorizar por escrito. De outro modo, nenhum pagamento será efectuado, além da quantia que teria sido pagável ao abrigo desta apólice, se esta cobertura não tivesse sido nela incorporada. 5. A seguradora só será responsável por qualquer pagamento, na parte que exceda a quantia que seria pagável sob esta apólice, se esta cobertura não tivesse sido nela incorporada, depois do segurado ter incorrido nas despesas de substituição ou reparação dos bens destruídos ou danificados …”.

g) Fazendo ainda uma interpretação sistemática da alínea j) do nº 1 do artigo 23º do CIRC (numeração à data), sendo possível ao sujeito passivo socorre-se dum seguro e, consequentemente, levar a custos os prémios pagos permitirá incentivar as empresas a garantir-se perante riscos susceptíveis de ocorrerem no exercício da actividade.

h) E, conforme evidenciado nomeadamente por António Moura Portugal em “a dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, a fls. 329 e 330, no comentário aos “encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” relativos a “indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável”, “trata-se de um bom exemplo de uma situação em que o direito fiscal inculca no próprio contribuinte a adopção de regras de prudência” [sublinhado nosso (princípio da prudência, aliás, também presente no direito contabilístico como princípio contabilístico fundamental embora com contornos um pouco diferentes)]. E contínua, referindo que “os exemplos mais frequentes em que esta disposição tem sido invocada surgem a propósito da desconsideração como custo do valor das mercadorias ou valores em dinheiro que sejam furtados e que o fisco tende a não aceitar como custos do exercício”. Referindo mais à frente, após um itinerário pela jurisprudência, que “tomados no seu conjunto, os pronunciamentos aqui descritos confirmam que na visão jurisprudencial, o valor dos furtos terá de ser sempre considerado como encargo indispensável para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, estando a respectiva dedutibilidade apenas dependente da verificação de dois requisitos: um de natureza geral e já analisado – a efectividade – traduzida na respectiva ocorrência e aqui eventualmente reforçada, em termos práticos pela exigência de participação criminal; e um outro de cariz específico, exigido por lei, que é precisamente o da impossibilidade de segurar o risco (para que este último se tenha por preenchido, os tribunais apenas têm exigido comunicações das seguradoras onde conste a recusa em celebrar contratos escritos para segurar os eventos ou bens em causa …) (sublinhado nosso)”.

i) Assim, de acordo com o supra evidenciado, também quer pela interpretação jurisprudencial, quer pelo facto da norma em causa incentivar as empresas a garantir-se perante riscos susceptíveis de ocorrerem no exercício da actividade levando a custos os prémios pagos, quer por se tratar dum “bom exemplo de uma situação em que o direito fiscal inculca no próprio contribuinte a adopção de regras de prudência”, à semelhança do próprio direito contabilístico, deverá improceder a presente impugnação.

j) Por outro lado ainda, chama-se à colação o Acórdão do STA, processo nº 0943/10, de 29/06/2011, que vai mais longe ou noutro sentido ao afirmar que havendo lugar a indemnização pela seguradora, ou seja, tendo o risco de dano (no processo nº 0943/10 estava em causa o risco de furto) “sido objecto de contrato de seguro e o sujeito passivo indemnizado pelo dano sofrido, em termos económicos o encargo correspondente ao alegado custo não foi, afinal, por ele suportado (antes o foi pela seguradora), razão pela qual falta ao alegado custo um requisito geral para que pudesse ser dedutível, o da sua efectividade, a pressupor não apenas a sua existência mas ainda que o custo foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e não por terceiros, pois o custo só poderá relevar fiscalmente (e contabilisticamente) se efectivamente incorrido pelo sujeito passivo…”. Na situação em apreço, como documentado nos autos, a impugnante recorrida foi ressarcida pela Companhia de Seguros em 26/04/2012 no “montante de 1.514.000,00 euros relativo à indemnização por danos materiais, na sequência do sinistro participado ao abrigo da apólice de seguro 340300- 55115”, pelo que, por maioria de razão, a perda contabilizada “deveria ser balanceada com a indemnização correspondente, nos termos do art.º 18º do CIRC".

k) Ainda quanto à pretensa violação do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18º do CIRC, antes de mais, mais uma vez é de evidenciar que no artigo 23/1 al. j) do CIRC, à semelhança do previsto nos actuais artigos 34º e 45º do CIRC (artigos 33º e 42º do CIRC à data, em que não se aceitam como custos certas reintegrações e amortizações e outros encargos como não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável) ou nas normas anti-abuso constantes dos artigos 63º e seguintes (artigos 58º e ss. do CIRC à data), nos deparamos com um preceito que preclude expressamente a dedutibilidade daquele custo: sendo o risco de dano segurável, sendo que no caso em apreço se provou ter sido de facto objecto de contrato de seguro, o dano incorrido não é dedutível. Estamos, pois, perante um preceito que nega directa ou indirectamente a respectiva dedutibilidade.

l) Na situação em apreço, para além de se ter provado que o risco de dano em causa é segurável e que foi de facto segurado (com identificação do contrato de seguro pela fazenda e junção do mesmo pela impugnante), ficou ainda provado o ressarcimento da ora impugnante pela Companhia de Seguros pelos danos materiais em que incorreu “na sequência do sinistro participado ao abrigo da apólice de seguro 340300-55115”, no montante de 1.514.000,00 euros, em 26/04/2012. Assim, o requisito da efectividade simplesmente não se verificou. Como é salientado e mantido pela jurisprudência, cfr. nomeadamente Acórdão do STA, processo nº 0943/10, de 29/06/2010, supra explicitado, em relação ao preenchimento do requisito da efectividade para que um custo seja fiscalmente dedutível, a jurisprudência mantém a exigência do preenchimento de uma dupla nota: uma de natureza objectiva, ligada à existência do custo, e outra de índole subjectiva, pressupondo que o custo foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e não por terceiros, pois um custo só poderá relevar fiscalmente (e contabilisticamente) se efectivamente incorrido pelo sujeito passivo. Neste sentido também por exemplo a doutrina constante dos Acórdãos do STA de 04/05/2005 e de 06/07/2005. Ao ser ressarcida do dano incorrido pela Companhia de seguros o custo é para esta transferido não sendo de facto suportado pela impugnante, pelo que nunca relevaria, na situação em apreço, o princípio da especialização dos exercícios.

m) Ainda, na componente da imputação temporal – especialização dos exercícios – e recorrendo ainda à jurisprudência, esta teve o mérito de reconduzir o princípio aos seus exactos limites, negando-lhe um protagonismo e alcance que a própria administração fiscal pretendia atribuir-lhe, sobretudo se esse alcance colidir com o princípio da tributação do rendimento real, como seria necessariamente a situação em apreço, ao pretender a impugnante imputar custos à sua actividade que de facto não suportou e em violação quer da regra geral do artigo 23º do CIRC – que exige, para além da indispensabilidade, a comprovação e efectividade do custo –, quer da regra específica prevista no mesmo artigo 23/1 al. j) – existência dum preceito que nega directa ou indirectamente a respectiva dedutibilidade.

n) Finalmente, se de facto houve um adiantamento de dinheiro por parte da impugnante – que esta nunca comprovou – relativamente aos danos incorridos (reparações/substituição nos aerogeradores dos parques) então, conforme evidenciado pelo relatório de inspecção, a perda “deveria ser balanceada com a indemnização correspondente, nos termos do artigo 18º do CIRC”, a fim de dar cumprimento ao princípio da tributação do rendimento real (e do princípio da capacidade contributiva, pressuposto e, simultaneamente, critério da tributação, corolário do princípio da igualdade).

o) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos – o relatório e projecto de relatório de inspecção tributária e respectiva documentação, o contrato de seguro, o relatório de contas do ano 2009 – tendo sido juntos quer pela impugnante oponente/recorrida, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»


X

Nas contra-alegações de fls. 291 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrida formulou as conclusões seguintes:

«A. O artigo 23.º, n.º 1, alínea j) do Código do IRC prescrevia à data dos factos que “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora” nomeadamente “indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável”.

B. Sucede que esta norma não é de todo aplicável ao caso concreto. Com efeito, não estamos perante qualquer indemnização, mas sim perante custos efetivamente incorridos com a contratação de serviços de reparação de bens que compunham o ativo imobilizado da Recorrida.

C. Deste modo, a norma constante do artigo 23.º, n.º 1, alínea j) do Código do IRC não é aplicável no presente caso, porquanto a regra decorrente da mesma incide tão somente sobre indemnizações que sejam devidas pelo próprio sujeito passivo.

D. O âmbito de aplicação do artigo 23.º, n.º 1, alínea j) do Código do IRC é muito claro, enquadrando-se no se âmbito tão somente “indemnizações” e não quaisquer despesas relacionadas com o evento segurável.

E. Contrariamente, a situação em análise insere-se sem sombra de dúvida no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.

F. A mera existência de um contrato de seguro não é elemento que justifique por si só a desconsideração para efeitos fiscais dos custos incorridos pela Recorrida com a reparação dos aerogeradores.

G. Uma vez que a transferência do risco para uma companhia de seguros é apenas determinada com o reconhecimento do sinistro, e não com a produção do dano ou a sua comunicação à seguradora, é forçoso concluir que, há data dos factos, a transferência do risco ainda não se tinha verificado.

H. Assim sendo, face à essencialidade dos aerogeradores na atividade da Recorrida, esta não teve outra opção que não a sua imediata reparação (a qual ocorreu antes da transferência do risco para a seguradora), razão pela qual incorreu em custos efetivos que não podem deixar de ser considerados como fiscalmente dedutíveis.

I. Os custos com a reparação dos aerogeradores foram custos efetivos da Recorrida, sendo indispensáveis para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, razão pela qual devem ser considerados ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios fiscalmente considerados no exercício de 2009, nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC.

J. Ainda que existisse um contrato de seguro à data dos factos, era ainda incerto que o sinistro fosse reconhecido em sede de peritagem, sendo o proveito resultante da indemnização a auferir meramente eventual. Não obstante, atribuída a indemnização, ao contrário do que a Fazenda Pública leva a crer, esta não deve ser “balanceada com a indemnização correspondente”, constituindo invés rendimento do ano em que for reconhecido.

Adicionalmente, desde já se requer a Vossa Excelências, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, no mesmo sentido do que já foi decidido na douta sentença proferida pelo tribunal a quo.»

X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da procedência parcial do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«1. A Impugnante tem por objecto a produção e venda de electricidade, com recurso à energia cinegética dos ventos, bem como a realização de qualquer actividade relacionada com energias renováveis – cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 4 a 11 do processo administrativo.

2. Em 22.12.2009 a sociedade “G..............., Lda” emitiu a factura n.º 1800000164, em nome da Impugnante, no valor de EUR 268.293,27, acrescido de IVA no valor de EUR 5.658,65, com a seguinte descrição “Cambio de pala realizado en la maquina 7 del parque eólico VIDEMONTE en marzo de 2009.” – cfr. factura de fls. 35 do processo administrativo.

3. Em 22.12.2009 a sociedade “G..............., Lda” emitiu a factura n.º 1800000165, em nome da Impugnante, no valor de EUR 259.237,55, acrescido de IVA no valor de EUR 51.847,51, com a seguinte descrição “Cambio de pala realizado en la maquina 8 del parque eólico VIDEMONTE en marzo de 2009.” – cfr. factura de fls. 38 do processo administrativo.

4. Em 22.12.2009 a sociedade “G..............., Lda” emitiu a factura n.º 1800000166, em nome da Impugnante, no valor de EUR 290.4258,38, acrescido de IVA no valor de EUR 58.091,68, com a seguinte descrição “Cambio de pala realizado en la maquina 5 del parque eólico VIDEMONTE en marzo de 2009.” – cfr. factura de fls. 41 do processo administrativo.

5. Em 22.12.2009 a sociedade “G..............., Lda” emitiu a factura n.º 1800000167, em nome da Impugnante, no valor de EUR 275.853,45, acrescido de IVA no valor de EUR 55.170,69, com a seguinte descrição “Cambio de pala realizado en la maquina 9 del parque eólico VIDEMONTE en marzo de 2009.” – cfr. factura de fls. 44 do processo administrativo.

6. Em 22.12.2009 a sociedade “G..............., Lda” emitiu a factura n.º 1800000168, em nome da Impugnante, no valor de EUR 251.911,09, acrescido de IVA no valor de EUR 50.382,22, com a seguinte descrição  “Cambio  de  pala  realizado  en  la  maquina  11  del  parque  eólico VIDEMONTE en marzo  de  2009.” – cfr. factura de fls. 47  do  processo administrativo.

7. Em 22.12.2009 a sociedade “G..............., Lda” emitiu a factura n.º 1800000169, em nome da Impugnante, no valor de EUR 258.145,30, acrescido de IVA no valor de EUR 51.629,06, com a seguinte descrição “Cambio de pala realizado en la maquina 12 del parque eólico VIDEMONTE en marzo de 2009.” – cfr. factura de fls. 50 do processo administrativo.

8. A Impugnante foi objecto de um procedimento de inspecção interna, de âmbito parcial, em IRC, ao exercício de 2009 – cfr. ordem de serviço n.º OI 201100084 de fls. 19 do processo administrativo.

9. Em 03.10.2011 a Chefe de Divisão, em substituição, da Direcção de Finanças de Castelo Branco, elaborou o ofício n.º 31929, destinado a notificar a Impugnante do “Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção Tributária”, sancionado superiormente em 30.09.2011, para exercer o direito de audiência prévia – cfr. ofício e projecto de relatório de fls. 24 a 32 do processo administrativo.

10. Em 24.10.2011 a Inspectora Tributária da Direcção de Finanças da Guarda elaborou o relatório de inspecção tributária cuja cópia aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:


«imagem no original»


11. Em 25.10.2011 a Chefe de Divisão, em substituição, da Direcção de Finanças da Guarda exarou o seguinte despacho sobre a informação melhor identificada no ponto anterior do probatório e o parecer confirmativo do Chefe de Equipa: “Concordo. Sanciono o presente relatório, bem como as correcções constantes do mesmo e sumariadas no Quadro I.1. Notifique-se o sujeito passivo nos termos dos artigos 77.º da LGT e 62.º do RCPIT. Dê-se sequência ao documento de correcção e respectivo auto de notícia.” – cfr. despacho exarado na primeira página do relatório de inspecção de fls. 4 a 11 do processo administrativo.

12. Em 04.11.2011 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º ..............., de 04.11.2011, referente ao período de 2009, no valor de EUR 423.429,34, sendo EUR 22.454,58 referente a juros compensatórios, com data limite de pagamento de 14.12.2011 – cfr. liquidação de IRC e de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas juntos como documento 1 com a petição inicial.

13. Em 13.03.2012 a petição inicial dos presentes autos foi enviada em correio registado para este Tribunal – cfr. registo postal de fls. 57 do processo físico.

14. A Impugnante celebrou com “L..............., S.A.” um contrato de seguro do ramo multi-riscos “Europrotecção”, titulado pela apólice n.º 34.03.00- 55115, emitido em 19.06.2007, que tem por objecto “16 Moinhos de vento WTG GAMESA G – 87, de 2 M W cada” no valor de EUR 30.039.000,00, no Lugar…………., Vide-Entre-Vinhas, Município de Celorico da Beira, distrito da Guarda, cujas condições particulares e gerais aqui se dão por reproduzidas – cfr. apólice e condições gerais juntas como documento 3 com a petição inicial.

15. Em 23.08.2012 a “L..............., S.A.” enviou um fax para a Direcção de Finanças de Castelo Branco, sob o assunto “Pedido de colaboração – P...............”, com o seguinte teor:

“Na sequência do seu fax de ontem, serve o presente para informar que a L............... –, S.A. pagou, a 26 de Abril de 2012 ao P............... – NIF…………, o montante de 1.514.000,00 Euros relativo à indemnização por Danos Materiais, na sequência do sinistro participado ao abrigo da apólice n.º 340300-5515.

Com este pagamento foi encerrado o processo de sinistro correspondente.

(…)” – cfr. fax de fls. 148 do processo administrativo.


*

Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.

*

A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante do processo administrativo e dos autos conforme discriminado supra no probatório. Apesar de as facturas a que se referem os pontos 2 a 7 do probatório não estarem escritos em língua portuguesa, o seu teor é de fácil compreensão e não é controvertido nos autos, motivo pelo qual se afigura desnecessária a sua tradução (cfr. n.º 1 do artigo 134.º do CPC).»


X


2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento de direito em que terá incorrido a sentença sob recurso.

A recorrente considera que o custo computado pela recorrida não existe, dado que se trata de reparações efectuadas na estrutura do Parque Eólico na sequência de evento imprevisível que o danificou e cujas despesas estão cobertas pelo contrato de seguro, pelo que o mesmo deve ser desconsiderado, como foi determinado pelo relatório de inspecção subjacente ao acto tributário sob escrutínio. Mais refere que «para além de se ter provado que o risco de dano em causa é segurável e que foi de facto segurado, ficou ainda provado o ressarcimento da ora impugnante pela Companhia de Seguros pelos danos materiais em que incorreu “na sequência do sinistro participado ao abrigo da apólice de seguro 340300-55115”, no montante de 1.514.000,00 euros, em 26/04/2012. Assim, o requisito da efectividade simplesmente não se verificou».

Por seu turno, a sentença sob escrutínio, para julgar procedente a impugnação assentou, em síntese, na argumentação seguinte:
«Resulta do probatório que o valor do custo em análise se reporta ao preço dos serviços de reparação das pás dos aerogeradores do parque eólico que explora, que foram prestados pela empresa “G..............., Lda” (cfr. pontos 2 a 7 e 10 do probatório). Ora, o custo suportado pela Impugnante com o pagamento do referido preço não configura uma indemnização e não pode ser confundido com a eventual indemnização que lhe venha a ser atribuída por meio de contrato de seguro, por transferência da responsabilidade civil sobre tais equipamentos. Deste modo, assiste razão à Impugnante ao alegar que o objecto dos autos não se prende com a possibilidade de dedução de um encargo com a natureza de uma indemnização.
Assim sendo, e considerando que a legalidade do acto deve ser apreciada exclusivamente à luz da fundamentação constante do mesmo, dúvidas não restam de que a fundamentação aduzida pela Administração Tributária não é suficiente para obstar à dedução do custo relacionado com as despesas de reparação dos aerogeradores que compõem o parque eólico que explora. (…) // Diferente seria se as facturas tivessem sido emitidas em nome da seguradora, pois em tal caso o valor da reparação teria sido pago por esta à entidade que efectuou a reparação e o custo nunca chegaria a ser suportado economicamente pela Impugnante – nem sequer se esta tivesse adiantado o pagamento de parte do preço da reparação pois constituiria um pagamento por conta de terceiros e não um custo da empresa (situação comum, por exemplo, no caso de sinistro de um automóvel em que, por regra, a factura é emitida à própria seguradora e o único custo que a empresa pode deduzir é o correspondente à eventual franquia que tenha pago). Nesta hipótese, o custo da reparação não seria dedutível por não ser efectivo. Contudo, não é esta a situação dos autos como analisado. // Deste modo, não há dúvidas de que o custo é efectivo».


«III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

Custos não aceites fiscalmente
De acordo com a alínea m) do n.°l do artigo 23° do C1RC são considerados custos ou perdas, para efeitos fiscais, os que comprovadamente se mostrarem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável. Significa, a contrário, que aqueles cujo risco seja segurável não são aceites como custo.
Afastam-se, assim, os custos relativos aos riscos seguráveis, obrigando-se, portanto, à contratação do respectivo seguro, na medida em que o custo/beneficio será maior.
O sujeito passivo considerou custo do exercício de 2009, através de vários lançamentos na conta 62232001 - Conservação e Reparação, o montante de €1.603.899,04, referente a reparações nos aerogeradores do Parque, conforme se descreve no quadro seguinte.

Doc. n°.
Data
Descrição
Valor
372
22-12-2009
Cambio de Pala 7268.293,27
373
23-12-2009
Cambio de Pala 8259.237,55
374
24-12-2009
Cambio de Pala 5290.458,38
375
25-12-2009
Cambio de Pala 9275.853,45
376
26-12-2009
Cambio de Pala 11251.911,09
377
27-12-2009
Cambio de Pala 12258.145,30
Total
1.603.899,04


Dado que todo o parque se encontra coberto por seguro, este foi participado à C..............., ao abrigo da apólice n.° 55115.
De acordo com as informações que nos foram prestadas telefonicamente e os elementos enviados, concluímos que ainda não havia sido recebido qualquer montante a título de indemnização, estando ainda a decorrer as negociações entre a empresa e a respectiva Companhia de Seguros.
No entanto, a empresa já contabilizou a perda na sua contabilidade, quando a mesma deveria ser balanceada com a indemnização correspondente, nos termos do art.° 18o do CIRC.
Pelo exposto e nos termos do art.° 23 do CIRC, não é aceite custo do exercício a quantia de €1.603.899,04».
Vejamos.

Nos presentes autos, estão em causa os custos suportados pela impugnante com a reparação da estrutura que administra, na sequência de danos causados por evento imprevisível. Tais prejuízos mostram-se cobertos por contrato de seguro, que a mesma havia outorgado (n.ºs 14 e 15 do probatório).

Recorde-se que «[s] ão custos dedutíveis «[o]s encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo (…) seguros (…)» (artigo 23.º/1/g), do CIRC).

Por seu turno, o preceito do artigo 42.º, n.º 1, alínea e), do CIRC[1], determinava que «[n]ão são dedutíveis para efeitos fiscais as indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável». Cabe na noção de risco segurável, não apenas os seguros obrigatórios, mas também todos aqueles seguros que, numa óptica de gestão diligente, a empresa devia contratar, tendo em conta o risco normal da actividade[2]. «Esta disposição visa incentivar as respectivas empresas a proceder aos seguros para ocorrer às perdas resultantes dos riscos que correm»[3]. «[N]ão pode extrair-se das referidas normas o sentido de que as indemnizações serão custos fiscalmente relevantes na parte em que excedam os limites do seguro obrigatório, pois nem a letra da lei (que constitui o ponto de partida e o limite da actividade interpretativa) consente essa interpretação nem dos demais elementos interpretativos resulta ser essa a intenção do legislador. // O legislador terá pretendido, numa opção legítima, proteger os terceiros, mediante a consagração de estímulos para que o sujeito passivo acautele o risco normal da sua actividade – intenção que só resulta plenamente realizada se o sujeito passivo transferir totalmente a sua responsabilidade para uma seguradora, e não apenas a que resulta do seguro obrigatório –, com a possibilidade de deduzir integralmente as despesas com o pagamento dos prémios de seguro, ao invés de confiar na álea em ordem à obtenção de lucro mais elevado»[4].

De forma que se pode afirmar que os gastos incorridos com reparações impostas pela ocorrência de factos imprevisíveis objecto de seguro está sempre dependente da sua efectividade, bem como da impossibilidade de segurar o risco. Ou seja, «[n]ão podem ser deduzidos para efeitos de IRC os custos não suportados a final pelo sujeito passivo de imposto - como os respeitantes a mercadorias furtadas objecto de contrato de seguro cuja indemnização foi paga pela seguradora –, pois que falta ao alegado custo o requisito geral da sua efectividade, a pressupor não apenas a sua existência mas ainda que o custo foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo»[5]. «O descaminho de mercadorias, nomeadamente por furto, não pode deixar de ser considerado como custo ou perda, exceto se as mercadorias furtadas tiverem sido objeto de contrato de seguro cuja indemnização foi paga pela seguradora, porquanto falta o requisito geral da sua efetividade, a pressupor não apenas a sua existência mas ainda que o custo foi efetivamente suportado pelo sujeito passivo»[6].

No caso, em exame, não existem dúvidas de que a impugnante incorreu em gastos com a reparação dos aerogeradores e que tais gastos orçam no valor de €1.603.899,04 (n.º 10 do probatório). Tais gastos constituem custos incorridos no interesse da actividade da empresa, incidindo a mesma no aproveitamento da energia cinética (n.º 1), a qual ficaria impossibilitada se tais reparações tornadas necessárias pela intempérie não fossem realizadas. Mas serão tais gastos custos efectivos?

A correcção sob escrutínio não contesta a indispensabilidade do custo, mas antes a sua efectividade, dado que o mesmo foi assumido pela seguradora, na sequência do contrato de seguro, accionado pela impugnante para o efeito (n.os 14 e 15 do probatório). Sendo este o fundamento da correcção em exame, a mesma não enferma da ilegalidade que lhe vem apontada, dado que o requisito da efectividade do custo em referência não se mostra comprovado, pelo que o mesmo não é dedutível. Em rigor, o custo dedutível não corresponde ao valor das obras de reparação do Parque Eólico, como pretende a impugante, mas antes respeita aos prémios de seguro pagos pela mesma com vista a garantir a reposição do funcionamento normal da estrutura, através do acionamento do seguro. Pouco importa, para este efeito, que os pagamentos dos gastos em presença ocorreram em 2009 e que o reembolso das mesmas por parte da seguradora apenas ocorreu em 2012. É que «[o]s rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica» (artigo 18.º/1, do CIRC). Ou seja, estando em causa custos de certo exercício, incorridos pela contribuinte, os quais foram transferidos para a seguradora, no âmbito de um contrato de seguro, com vista a aferir da sua efectividade, o que releva não é o pagamento dos mesmos, mas a imputação económica realizada em certa esfera jurídica, a qual no caso recaiu na esfera jurídica doutrem, que não a sociedade impugnante. O que comprova a falta de efectividade do custo com as obras de reparação em causa, o qual não pode ser aceite, como se determinou na correcção em apreço.

Em face do exposto, ao decidir em sentido discrepante, a sentença incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que não julgue procedente a impugnação com base neste fundamento. Salvo no que respeita à precisão seguinte: o montante das reparações é de €1.603.899,04 e o valor ressarcido pela seguradora é de €1.514.000,00 (n.º 15 do probatório), pelo que o valor remanescente das despesas incorridas após a compensação operada pela indemnização da seguradora constitui custo efectivo da sociedade impugnante, em relação ao qual se verificam os pressupostos da dedutibilidade do custo em presença.

Termos em que se impõe conceder parcial provimento ao recurso e substituir a sentença recorrida por decisão que julgue improcedente a impugnação, salvo no que respeita ao montante dos custos não assumidos pela seguradora.
2.2.3. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, formulado pelo recorrido, cumpre referir o seguinte.

Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[7].

«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[8].

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

No caso em exame, o valor da causa corresponde a €423.429,34.

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) envolve «a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».

No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.

Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.

Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.
Termos em que se procederá no dispositivo.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação, excepto no que respeita ao valor remanescente das despesas incorridas pelo impugnante após a compensação operada pela indemnização da seguradora, nos termos referidos em 2.2.2., procedendo a impugnação, nesta parte.

Custas pelo recorrido e pela recorrente, sendo o decaimento de 9/10 para o primeiro e de 1/10, para a segunda, sem prejuízo da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)



[1] “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, versão vigente.
[2] CIRC, anotado, F. Pinto Fenandes e N. Pinto Fernandes, Rei dos Livros, 1994, p. 345.
[3] CIRC, anotado, F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Rei dos Livros, 1994, p. 345.

[4] Acórdão do STA, de 29.05.2019, P. 01064/14.5BEPRT
[5] Acórdão do STA, de 29/06/2011, P. 0943/10

[6] Acórdão do TCAS, de 07.05.2020, P. 101/06.1BESNT
[7] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
[8] Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.