Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1468/09.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/04/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I –A taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do DLR n.º 2/2001/M de 20 de fevereiro.
II –O conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, porquanto, a única interpretação que se encontra em conformidade com a CRP, e congruente com o desiderato inerente à própria implementação da redução de taxa.
III-Dimanando provado que a Impugnante no exercício em contenda não obstante deter a sua sede em Lisboa, possui instalações na Região Autónoma da Madeira, as quais constituem estabelecimento estável aí situado e que a totalidade do seu volume de negócios foi gerado nessa região, mediante atividade económica decorrente da exploração de um Hotel no Funchal e onde tinha centralizados os seus serviços, ter-se-á de concluir que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O Digno Representante da Fazenda Pública (doravante Recorrente), com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V. – S. I., s.a., do ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apresentada contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº 2005 2610180629 e Derrama, com valor a reembolsar de € 26.492,23, referente ao exercício de 2004.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I-Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 23/04/2021, a qual julgou procedente a presente impugnação judicial apresentada nos autos à margem referenciados contra o indeferimento do Recurso Hierárquico e, por consequência, determinou a anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2005.2610180629, relativa ao ano de 2004, isto é, considerou que apesar da sede do sujeito passivo se localizar em Lisboa, a taxa de IRC a aplicar sobre a matéria coletável, deveria ser a taxa regional da Região Autónoma da Madeira (RAM), procedendo igualmente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, com a consequente condenação da Fazenda Pública em custas processuais.

II. O “thema decidendum” consiste em determinar qual a taxa de IRC a aplicar no referido exercício, para a atividade desenvolvida pela impugnante, se a taxa fixada pela Região Autónoma da Madeira de 22,5% prevista no artigo 2.º, n.º 1 e 2 do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001/M de 20/02, como defende a impugnante, ora recorrida, ou a taxa (continental) de IRC de 25% como defende a Administração Tributária.

III. Em conformidade com a Lei n.º 13/98 de 24 de fevereiro, que estabeleceu a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, constitui receita das Regiões Autónomas, entre outras, o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas ou equiparadas que tenham a sede, direção ou estabelecimento estável numa única região.

IV. Por sua vez, o DLR nº 2/20012/M, de 20 de Fevereiro, alterado pelo DLR nº 30- A/2003/M, de 31/12, dispôs no seu art.º 2º que a taxa de imposto sobre o rendimento a que alude o art.º 80º, nº 1 do CIRC, fixar-se-ia em 22,5% para os sujeitos passivos com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável situado na RAM, e desde que o imposto em causa constituísse receita da Região, nos termos do previsto nas alíneas a) e b) do art.º 13º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

V. Assim sendo, a taxa regional de IRC é aplicável somente aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direção efetiva na RAM e exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, com exclusão dos que se encontrem abrangidos pelo regime simplificado de tributação.

VI. Consideram-se residentes, de harmonia com o n.º 3 do artigo 2.º do CIRC, as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direção efetiva em território nacional.

VII. Caso tal não aconteça, isto é, não tenham a natureza de residentes, será aplicável a taxa reduzida da RAM somente se aí tiverem um estabelecimento estável.

VIII. Assim, estando em causa uma sociedade que em 31-12-2004 (data do facto gerador de imposto, de acordo com o artigo 8.º, nº 7 do CIRC) tinha domicílio fiscal no Continente, possuindo apenas o tratamento dos documentos na RAM, a taxa de imposto a aplicar não poderá deixar de ser a definida pelo art.º 80º, n.º 1 do CIRC – 25%.

IX. Conforme noção de estabelecimento estável de acordo com o artigo 5. ° do CIRC, qualquer instalação fixa ou representação permanente, designadamente um local de direção, uma sucursal, um escritório, uma fábrica ou oficina, através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial industrial ou agrícola, sendo composto por dois elementos de verificação cumulativa: um elemento estático – que exprime a organização através da qual é exercida uma certa atividade – e um dinâmico - que exprime a atividade em si mesma, pelo que foi a própria sociedade, dotada da sua autonomia de vontade, que optou por colocar a sua sede em Lisboa, definindo o elemento estático.

X. Assim, da conjugação das normas supra invocadas conclui-se que, à data dos factos, e atendendo à noção de sujeição subjetiva, que aqui nos interessa, conclui-se, desde logo, que o raciocínio expendido pelo Ilustre Tribunal “a quo” padece de erro de direito quando não atende ao carácter das normas de incidência subjetiva e de erro de facto por não ter atendido à localização da sede da sociedade.

XI. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o artigo 2.º do DLR 2/2001/M de 20-02 e o artigo 2.º, 5.º e 80.º do CIRC

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente, com as devidas e legais consequências.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“I. Nada de novo alega a FP, persistindo numa visão que ignora o que tem sido a evolução legislativa nesta questão que resulta em verdadeira norma interpretativa,

II. De que resulta que o legislador vem enquadrando e precisando as normas em causa sempre na perspectiva defendida pela impugnante, isto é:

- Ao contrário do defendido pela FP, da compaginação dos normativos implicados nada permite concluir que o conceito de estabelecimento estável, para efeito de questionada redução da taxa de IRC, apenas abranja instalações de sujeitos passivos não residentes no território nacional.

- A impugnante tinha em 2004 sede numa circunscrição do continente e gerou o seu volume de negócios na circunscrição da região autónoma da Madeira. Por isso, aos seus rendimentos gerados na RAM em 2004 deve ser aplicada a taxa reduzida do DLR 2/2001/M.

III. Além de ignorar o enquadramento legislativo, a FP ignora também a consistente jurisprudência nesta matéria STA, sendo de referir o Ac. STA de 26.11.2008, proc. 0666/08, Ac. STA de 07.01.2009, proc. 0669/08, Ac. STA de 21.01.2009, proc. 0668/08, Ac. STA de 17.06.2009, proc. 0292/09 e o Ac. STA de 14.01.2015, proc. 058/14, Ac. TCAS de 29.06.2017, proc. 928/09.2BRLRS, todos in www.dgsi.pt, sendo o sumário do proc. proc. 058/14 ilustrativo dos demais, a saber:

I – A taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável da Região Autónoma da Madeira, de harmonia com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2º do DLR nº 2/2001/M de 20 de Fevereiro (antes da alteração introduzida pelo DLR nº 3/2007/M, de 9 de Janeiro).

II – O conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP).

IV. As alegações da FP são, por tudo, manifestamente infundadas e, claro, inconsequentes, nada concluindo que verdadeiramente motive a reapreciação da causa e a alteração da decisão recorrida.

V. O facto de o conceito de “estabelecimento estável” só ter utilidade no CIRC para efeito da tributação de entidades não residentes, não permite concluir que ele não possa relevar para efeitos da tributação especial da Região Autónoma da Madeira, uma vez que se trata de um regime especial, pois entrevê-se a possibilidade de ele ser utilizado, à escala regional, como reportando-se a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.

VI. Não se pode concluir, como pretende a FP, que a Lei nº 13/98 utilize o conceito de “estabelecimento estável” apenas para entidades não residentes e as expressões “sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias” relativamente a entidades residentes (como sede ou direcção efectiva em território nacional).

VII. In casu, será materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma interpretação no sentido de excluir do âmbito de aplicação da taxa reduzida de IRC prevista no art. 2º, nº 1, do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001 as entidades com sede em direcção efectiva no território português, fora da Região Autónoma da Madeira, que possuam nela instalações qualificáveis como “estabelecimento estável”.

VIII. In casu, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como “estabelecimento estável”, à face do art. 5º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro.

IX. Resulta da matéria provada que, no ano de 2004, a impugnante tinha a sua sede em Portugal Continental, mais propriamente em Lisboa e que, no exercício de 2004, a Impugnante possuía instalações na Região Autónoma da Madeira onde desenvolvia a sua actividade económica, tendo, nesse ano, o seu volume de negócios sido exclusivamente obtido na Madeira.

X. A decisão recorrida não merece qualquer censura ao ter anulado a liquidação adicional efectuada, pois, efectivamente, a taxa reduzida de IRC é a aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, devendo abranger as instalações em que seja exercida efectiva actividade económica, mesmo quando os sujeitos passivos residam ou tenham sede noutra área do território nacional e não apenas no estrangeiro.

XI. Devem improceder, pois, na totalidade as conclusões da alegação de recurso, devendo negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

XII. O Tribunal a quo decidiu bem.

NESTES TERMOS, NOS MAIS DE DIREITO E COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevo para a decisão da causa, dão-se como provados os factos a seguir indicados:

A) A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objecto social “a prestação de serviços relacionados com a administração de condomínios, espaços comerciais e estabelecimentos hoteleiros e similares, compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, construção civil e obras públicas e respectivas actividades conexas e complementares, arranjos exteriores e jardinagem" (cfr. Doc. 1 junto com a p.i.);

B) Desde a sua constituição, a Impugnante tinha sede no concelho de Lisboa, a qual foi alterada em 2006, para a R. P., nº .., Ponta Delgada, Açores (cfr. Doc. 1 junto com a p.i., inscrições 1 e 4 constantes da Certidão Permanente);

C) A actividade principal da Impugnante era a exploração de um Hotel Apartamento situado na cidade do Funchal, Madeira, tendo, designadamente, em 2004, obtido 100% do volume de negócios na referida Região Autónoma da Madeira (cfr. artigos 2º e 7º da p.i. não controvertidos);

D) Desde 1994, a Impugnante detinha instalações na R. A., J. A., Funchal, Madeira, onde centralizava os seus serviços administrativos, serviços de contabilidade e a administração (cfr. artigos 5º e 6º da p.i. não controvertidos);

E) Em 27.05.2005, a Impugnante procedeu à entrega da declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2004, tendo apresentado o Anexo C – “Regiões Autónomas”, onde declarou:

tendo ainda apurado Derrama no valor de € 1.260,55 e um montante de IRC a reembolsar de € 26.632,29 (cfr. Doc. 2 junto com a p.i.);

F) Em 11.07.2005, foi emitida liquidação adicional de IRC nº 2005.2610180629, referente a 2004, nos seguintes termos:

(Cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

G) Foi reembolsado à Impugnante, através do Cheque do Tesouro nº …835, o montante de € 26.492,23 (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

H) Em 07.12.2005, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação a que se refere a alínea F) supra, com os fundamentos que se dão aqui por reproduzidos (cfr. fls. 2 e seguintes do procedimento de RG em apenso);

I) Após notificação do projecto de indeferimento e exercício do direito de audição prévia pela Impugnante, foi indeferida a reclamação graciosa, por despacho de 11.05.2007, do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa, com base na seguinte fundamentação (que parcialmente se transcreve):

“(…) 4- Nos termos do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001/M de 20 de Fevereiro, a taxa prevista de IRC é 22,5%, aplicável aos sujeitos passivos que possuam estabelecimento estável na RAM.

(…) 7 - A reclamante afirma que tem estabelecimento estável na RAM, cumpre-nos esclarecer que o conceito de estabelecimento estável é para os sujeitos passivos que obtenham cá rendimentos e não sejam residentes, ora a reclamante é uma sociedade residente em Portugal.

8 – Deste modo conclui-se que a reclamante não satisfaz os requisitos da norma antes referida e a taxa de IRC aplicada à matéria colectável do exercício de 2004 é 25%.

9 – Em face do exposto, proponho o indeferimento do pedido, mantendo-se o imposto que foi liquidado pela Administração Tributária.

Informação complementar

(…) 13 - Após análise do articulado, que juntou em sede de audição prévia, a reclamante não vem juntar factos novos, que não tivessem sido discutidos no projecto de decisão e que venham contrariar a decisão projectada (...)” (cfr. fls. 31 a 34 do procedimento de RG em apenso);

J) Em 30.05.2007, a Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 3 e seguintes do procedimento de RH apenso);

K) Por despacho de 20.03.2008, do Director de Finanças Adjunto, e com base na informação elaborada pela Divisão de Justiça Administrativa em 31.01.2008, foi proferido projecto de indeferimento do recuso hierárquico (cfr. fls. 63 a 65 do procedimento de RH apenso);

L) Em 27.04.2009, foi elaborada informação pela Direcção de Serviços do IRC, com o seguinte teor:

“(…) 4.2 - Apreciação

(...)

e) Para o caso em apreço, importa particularmente o disposto neste n° 2 do art° 2o do DLR n° 2/2001/M, de 20 de Fevereiro;

f) Pois, é a própria Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que vem dizer que a taxa regional é aplicável aos sujeitos passivos com domicílio fiscal na RAM, quando o, imposto em causa, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, constitua receita da RA;

g) Significa isto que, a taxa regional de IRC, é aplicável somente aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direcção efectiva na RAM, e que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, com exclusão dos que estejam abrangidos pelo regime simplificado de tributação;

h) Quanto aos não residentes, a taxa regional é aplicável somente aos que exerçam a sua actividade na RAM, através de estabelecimento estável aí situado;

(…) j) Nos termos do art° 2, n° 3 do CIRC, consideram-se residentes as pessoas colectivas e outras entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português;

K) A contrario sensu, são não residentes, as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português;

l) No que respeita à extensão da obrigação de imposto, para as entidades residentes em território português o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (n° 1 do art° 4º do CIRC), todavia, para os não residentes em território português, o IRC incide apenas sobre os rendimentos obtidos no território português, imputáveis a estabelecimento estável aí situado (n° 2 e 3 do art° 4º do CIRC);

m) E o que se entende por estabelecimento estável está contemplado no art° 5º do mesmo diploma;

n) Ora, ao contrário do alegado pela recorrente, o conceito de estabelecimento estável apenas tem a ver com o exercício de actividade em território português, por parte de entidades não residentes no território;

o) Não tem pois qualquer acolhimento na lei, a invocação de que as alterações introduzidas na redacção do art° 2º do DLR n° 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, pela Lei do Orçamento da RAM para 2007, legitimam o entendimento de que o estabelecimento estável pode ser de pessoas colectivas nacionais;

p) As entidades residentes no território português podem, sim, ter a sua sede no Continente e exercerem actividade através de filial ou sucursal numa ou nas duas Regiões Autónomas, ou terem sede numa das RA e exercerem actividade no Continente e noutra RA, dizendo-se, de acordo com o art° 11° da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, que tal entidade exerce a sua actividade no território nacional em mais do que uma circunscrição;

q) E, neste caso, em que seriam aplicáveis a taxa nacional, uma ou mais taxas regionais, ou apenas as taxas regionais, haveria que efectuar a repartição de taxas, pois, a matéria colectável sobre que cada uma incide é determinada pela aplicação à matéria colectável global da percentagem do volume de negócios realizado em cada circunscrição em relação ao volume de negócios total [Ver Circular 14, de 09/05/2002, da DSIRC];

r) A recorrente, tinha em 2004, sede no continente e filial na Madeira, local onde foi gerado todo o seu volume de negócios;

s) Todavia, não lhe será aplicável a taxa regional porque esta, de acordo com o n° 2 do art° 2º do DLR n° 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, destina-se aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na RAM;

t) Pois, no caso da RAM, para efeito de aplicação da taxa regional, não releva a circunstância da actividade geradora dos rendimentos ser realizada na Madeira, mas sim o facto da empresa ter a sua sede nessa região;

u) Ou seja, só no caso do sujeito passivo ter sede ou direcção efectiva na RAM e gerar todo o seu rendimento naquela Região, será aplicável a taxa de 22,5% de IRC, com o imposto liquidado a constituir, na íntegra, receita da RAM;

v) Contudo, no caso em apreço, a recorrente não tem sede na RAM, pelo que não pode beneficiar da taxa reduzida de 22,5%.” (cfr. fls. não numeradas do procedimento de RH apenso);

M) Por despacho de 08.05.2009, proferido pela Directora de Serviços (por Subdelegação) do IRC, e com base na informação precedente, foi indeferido o recurso hierárquico (cfr. fls. não numeradas do procedimento de RH apenso);

N) O Mandatário da Impugnante foi notificado da decisão antecedente através do ofício nº 052443, de 29.06.2009 (cfr. fls. não numeradas do procedimento de RH apenso);

O) A presente impugnação foi remetida a este Tribunal por correio registado, expedido a 28.07.2009 (cfr. fls. 38 dos autos).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada, o seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos e PAT apenso, contendo os procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2004.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto ajuizou que o conceito de estabelecimento estável previsto no artigo 2.º, nº 2 do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001/M, de 20 de fevereiro, não se reporta apenas a entidades não residentes, mas também a entidades residentes, donde com possibilidade de aplicação da correspondente taxa reduzida.

Apreciando.

A Recorrente defende que a taxa regional de IRC é aplicável somente aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direção efetiva na RAM e exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, com exclusão dos que se encontrem abrangidos pelo regime simplificado de tributação, e aos não residentes que aí tiverem um estabelecimento estável.

Propugnando, assim, pela errónea interpretação do regime normativo à luz do recorte fático dos autos, na medida em que estando em causa uma sociedade que, a 31 de dezembro de 2004 tinha domicílio fiscal no Continente, a taxa de imposto a aplicar não poderá deixar de ser a definida pelo artigo 80º, n.º 1 do CIRC, ou seja, 25%.

Conclui que a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, preterindo o artigo 2.º do DLR 2/2001/M de 20 de fevereiro e o artigo 2.º, 5.º e 80.º do CIRC.

Dissente a Recorrida relevando, desde logo, que inversamente ao defendido pela Recorrente da compaginação dos normativos implicados nada permite concluir que o conceito de estabelecimento estável, para efeitos da questionada redução de taxa de IRC, apenas abranja instalações de sujeitos passivos não residentes no território nacional.

E por assim ser, detendo a Recorrida, em 2004, sede no Continente, com estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, local onde gerou, exclusivamente, o seu volume de negócios, tal implica que a esses rendimentos tenha de ser aplicada a taxa reduzida do DLR 2/2001/M.

O Tribunal a quo assim o entendeu tendo esteado a procedência mediante convocação e adesão à doutrina vertida em diversos Arestos, quer do STA, quer do TCAS, concretamente, Arestos do STA prolatados nos processos nºs 0666/08, de 26.11.2008, nº 0669/08, de 07.01.2009 e, nº 0292/09, de 17.06.2009, e Acórdão deste TCA Sul, proferido no âmbito do processo nº 928/09 de 29.06.2017, tendo sentenciado, para o efeito, que decorrendo do probatório que pese embora a Impugnante, no ano de 2004, tivesse a sua sede em Portugal Continental, mais propriamente em Lisboa, a verdade é que possuía estabelecimento estável na Madeira através da qual desenvolvia a sua atividade económica, tendo aí obtido, nesse ano, todo o seu volume de negócios.

Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada.

Para o efeito, convoquemos o quadro normativo e os considerandos que reputamos relevantes para o caso sub judice.

Preceitua o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional nº 2/ 2001/ M, de 20 de fevereiro, com a redação à data aplicável, (redação do DLR nº 30-A/ 2003/M, de 31 de dezembro) que:

“1 - A taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, prevista no nº 1 do artigo 69º do Código do IRC, para vigorar na Região Autónoma da Madeira é de 22,5%.

2 - A taxa referida no número anterior é aplicável aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira e o imposto em causa constitua receita da Região, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 13º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas".

Estatui, por seu turno, o artigo 13.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei nº 13/98), que:

“1 - Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas:

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única Região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição, nos termos referidos nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

2 - Relativamente no imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição serão determinadas pela proporção entre o volume anual correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual, total, de negócios do exercício.

3 - Na aplicação da alínea b) do n.º 1 relativamente aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes, o volume de negócios efetuado no estrangeiro será imputado à circunscrição em que se situe o estabelecimento estável onde se centraliza a escrita".

Mais importa convocar o teor do artigo 5.º do CIRC, sob a epígrafe de “estabelecimento estável”, o qual estatui nos seus nºs 1 e 2, que:

“1- Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

2 - Incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior:

a) Um local de direção;

b) Uma sucursal;

c) Um escritório;

d) Uma fábrica;

e) Uma oficina;

f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais situado em território português.”

E bem assim o plasmado no artigo 80.º, nº1, do mesmo diploma, o qual dispõe que “a taxa do IRC é de 25%, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”

Ora, tendo presente o quadro normativo supra exposto e resultando da factualidade constante do probatório -não impugnado, sendo inclusive, não controvertido- que, no exercício visado (2004), a ora Recorrida:

Ø Tinha sede em Lisboa (cfr. alínea B);

Ø A totalidade do seu volume de negócios foi gerado na Região Autónoma da Madeira, onde desenvolveu atividade económica através da exploração de um Hotel no Funchal e onde tinha centralizados os seus serviços (cfr. alíneas C) e D));

Ø Detém instalações na Madeira, o que constitui estabelecimento estável aí situado (cfr. alíneas D) e L) do probatório),

Há, efetivamente, que secundar-se o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, no sentido de que a Recorrida, sendo entidade residente em Portugal, com sede no Continente, e estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira -realidade, como visto, não controvertida, porquanto o que, efetivamente, é objeto de discussão e questão a analisar é se o conceito de estabelecimento estável está concatenado apenas e só com o exercício de atividade em território português, por parte de entidades não residentes- pode beneficiar da taxa reduzida de IRC de 22,5%, pela atividade gerada na Região Autónoma da Madeira, na medida em que representa a interpretação consentânea com a letra e a ratio legis subjacente à aplicação da taxa reduzida, encontrando-se, outrossim, de harmonia com diversa Jurisprudência nesta matéria.

Com efeito, e como tendo vindo a ser secundado, de forma uniforme, pela Jurisprudência, “[o] conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)”(1)

Neste particular, e uma vez que o STA (processos nºs 0958/10, de 18.11.2020, 058/14, de 14.01.2015, 0292/09, de 17.06.2009, 0668/08, de 21.01.2009 e 0669/08, de 07.01.2009) e bem assim este TCA Sul (processo nº 928/09, de 29.06.2017) já se pronunciou, de forma uniforme e unânime sobre esta matéria, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no primeiro dos Arestos prolatados nesta matéria, e ulteriormente acolhidos nos demais Acórdãos vertidos sobre a matéria, os quais analisam a questão em toda a sua extensão, apartando, assim, todos os argumentos vertidos nas alegações de recurso, ora, em análise:

“A tese da Fazenda Pública é a de que a designação de «estabelecimento estável» apenas é aplicável a entidades não residentes em território português, isto é, que neste não tenham a sua sede ou direcção efectiva, como resulta do disposto no n.º 3 do art. 2.º do CIRC.

O conceito de «estabelecimento estável» é, de facto, utilizado no CIRC apenas para definir a sujeição a IRC de entidades não residentes, como se conclui do art. 2.º, n.º 1, alínea c), que define como sujeitos passivos daquele imposto «as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS», e do art. 3.º, n.º 1, alíneas c) e d), que estabelecem que, relativamente a essas entidades não residentes em território nacional, o IRC incide sobre «o lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português» e «os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS, auferidos por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável em território português ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis». (…)

Porém, o conceito de «estabelecimento estável» não é dado naquelas normas, mas sim no art. 5.º do CIRC em que se refere que se considera «estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».

E, no n.º 2 do mesmo artigo, esclarece-se que «incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior: a) Um local de direcção; b) Uma sucursal; c) Um escritório; d) Uma fábrica; e) Uma oficina; f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extracção de recursos naturais situado em território português».

Os outros números deste art. 5.º concretizam esse conceito de «estabelecimento estável», mas de nenhuma destas disposições se conclui que o conceito apenas possa aplicar-se a entidades sem sede ou direcção efectiva no território português.

O que sucede é que as entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português (entidades residentes, na terminologia do art. 2.º, n.º 3, do CIRC) são sujeitos passivos de IRC por força da localização dessa sede ou direcção efectiva, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 2.º do CIRC, pelo que o facto de terem instalações em território nacional que caibam no conceito de «estabelecimento estável» torna-se irrelevante, uma vez que a sujeição a IRC não depende deste facto, por já derivar da localização da sede ou direcção efectiva.

Mas, este facto de o conceito de «estabelecimento estável» só ter utilidade no CIRC para efeito da tributação de entidades não residentes, não permite concluir que ele não possa relevar para efeitos da tributação especial da Região Autónoma da Madeira, uma vez que se trata de um regime especial, pois entrevê-se a possibilidade de ele ser utilizado, à escala regional, como reportando-se a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.

Por isso, não é apenas com base no CIRC que se pode esclarecer a questão que é objecto do presente recurso jurisdicional.

6 – Como se vê pelo referido art. 5.º do CIRC, no conceito de «estabelecimento estável» que nele se define caberão as sucursais, escritórios agências ou delegações, desde que se materializam numa «instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».

A Fazenda Pública sustenta que a Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro), vigente em 2003 ( ( ) Esta Lei foi revogada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro. ) adoptou conceitos diferentes, reservando a designação de «estabelecimento estável» para as entidades não residentes em território português e atribuindo as designações de «sucursais, delegações, agências e escritórios» às instalações sem personalidade jurídica de entidades com sede em território português.(…)Deste artigo não se pode retirar a conclusão de que a redução de IRC, no que concerne às entidades que apenas possuam «estabelecimento estável» nas Regiões Autónomas, apenas se aplique a residentes no estrangeiro.

Na verdade, por um lado, a alínea a) do n.º 1 faz referência a «estabelecimento estável» sem indicar que este conceito se restringe a entidades não residente em território nacional, pelo que não se pode através dela concluir pela restrição deste conceito a entidades não residentes em território nacional.

Por outro lado, embora a alínea b) do n.º 1 deste art. 13.º, ao referir-se a entidades com sede ou direcção efectiva em território português, não utilize o conceito de «estabelecimento estável», referindo, antes o tipo de instalações que o integram, o que poderia sugerir que aquele conceito não se aplicaria a entidades residentes em território português, o certo é que o n.º 3 do mesmo artigo, reportando-se à mesma alínea b), refere explicitamente a hipótese de aplicação dessa alínea b) a estabelecimentos estáveis de não residentes, o que impõe concluir que, afinal, as instalações aí referidas também podem ser de entidades sem sede ou direcção efectiva em território nacional.

Por isso, não se pode concluir, como pretende a Fazenda Pública, que a Lei n.º 13/98 utilize o conceito de «estabelecimento estável» apenas para entidades não residentes e as expressões «sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias» relativamente a entidades residentes (como sede ou direcção efectiva em território nacional).

Está, pois, afastado o obstáculo literal invocado pela Fazenda Pública à possibilidade de ser dado relevo, para efeitos de IRC, ao «estabelecimento estável» de entidades residentes não residentes em determinada Região Autónoma, mas com sede ou direcção efectiva em território nacional.

7 – Os textos legais são apenas o ponto de partida da reconstituição do pensamento legislativo em que se consubstancia a interpretação jurídica, impedindo que o intérprete considere como pensamento legislativo o que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do CC).

No caso em apreço, constata-se que não há o obstáculo textual invocado pela Fazenda Pública a que, no âmbito da tributação das Regiões Autónomas, se aplique o conceito de «estabelecimento estável» a entidades residentes no território português (isto é, com sede ou direcção efectiva em território português) fora da área da Região Autónoma a que essa tributação se reporta.

Na reconstituição do pensamento legislativo há que ter em conta os limites traçados pela Constituição, pois, se o texto legal permitir mais que uma interpretação e só uma se sintonizar com os preceitos constitucionais, a proibição constitucional de aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art. 204.º da CRP) impõe que se opte por essa única interpretação constitucionalmente admissível.

No caso em apreço, a Impugnante defende que será materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma interpretação no sentido de excluir do âmbito de aplicação da taxa reduzida de IRC prevista no art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 as entidades com sede em direcção efectiva no território português, fora da Região Autónoma da Madeira, que possuam nela instalações qualificáveis como «estabelecimento estável».

E tem efectivamente razão.

No art. 13.º da C.R.P. estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. (( )Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

– n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
– n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
– n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
– n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
– n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.)

No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro.

Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma da Madeira, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.

Assim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.

Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição, como se fez na sentença recorrida.

De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma da Madeira, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (art. 9.º, n.º 3, do CC).” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo presente a fundamentação jurídica constante no citado Aresto à qual aderimos, sem reservas, ter-se-á de concluir que a taxa reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, sejam eles residentes, entenda-se com sede noutra área do território nacional, ou não residentes, porquanto, como visto, a única interpretação que se encontra em conformidade com a CRP, e congruente com o desiderato inerente à própria implementação da redução de taxa.

Destarte, conclui-se que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação do quadro normativo vigente, com a devida transposição para o caso vertente, tendo atendido, inversamente ao propugnado pela Recorrente, a todos os pressupostos constantes nas normas de incidência subjetiva, em nada descurando a localização da sede da sociedade.

E por assim ser, dimanando provado que a Recorrida no exercício em contenda não obstante deter a sua sede em Lisboa, possui instalações na Madeira, as quais constituem estabelecimento estável aí situado e que a totalidade do seu volume de negócios foi gerado na Região Autónoma da Madeira, mediante a atividade económica decorrente da exploração de um Hotel no Funchal e onde tinha centralizados os seus serviços, ter-se-á de concluir que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Logo, a decisão recorrida que assim o entendeu, não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, secundando-se, assim, o juízo anulatório na parte em que aplicou a taxa de IRC de 25%, devendo ser aplicada, em substituição, a taxa regional reduzida de 22,5%, com todas as legais consequências, ora, não sindicadas.

***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida com todas as legais consequências.
Custas pela Recorrente
Registe. Notifique.

Lisboa, 04 de outubro de 2023
(Patrícia Manuel Pires)
(Luísa Soares)
(Susana Barreto)











1) In Acórdão do STA, proferido no processo nº0958/10, de 18.11.2020.