Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:569/17.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA (PEC);
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
Sumário:Verificando-se a incerteza quando ao preenchimento dos pressupostos do tipo de contra-ordenação “falta de entrega de prestação tributária” previsto e punido no art. 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT, porque se desconhece qual o valor exacto do Pagamento Especial por Conta (PEC) e, portanto, se existe algum imposto a ser entregue a esse título, existindo, portanto, uma dúvida razoável sobre a existência da infracção, deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo corolário do princípio da presunção da inocência consagrado no art. 32.º, n.º 2 da CRP, e deste modo, absolvido o arguido da prática da infracção que de que vem acusado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou verificada a nulidade da decisão recorrida, anulando o processado subsequente, no seguimento do recurso apresentado pela arguida B….. D…., SA. da decisão do chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2 (A……), proferida em 12.02.2017 no processo de contra-ordenação nº 3522-2017/060000016… que, com fundamento na falta do segundo pagamento por conta do IRC de 2015, lhe aplicou a coima no valor de 8.684,09€, acrescida de custas processuais no valor de 76,50€.

A FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
“A. Ao determinar a nulidade da decisão de aplicação de coima, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento.
B. É manifesto que a Reclamante compreendeu o tipo de ilícito e a proveniência dos montantes apurados que subjazem à infracção que lhe vem imputada, não lhe tendo sido limitados quaisquer direitos de defesa.
C. Toda a defesa apresentada corrobora esse mesmo conhecimento. Sabe e admite que não procedeu à entrega da 2ª prestação do PEC referente a 2015, mas entende que o montante da prestação foi mal calculado pelo que não havia apuramento de imposto que impusesse a entrega da 2ª prestação do PEC.
D. Nunca esteve em causa, nem a Arguida o refere, qualquer verdadeira insuficiência da descrição sumária dos factos. O que há sim, é uma divergência sobre se haveria ou não imposto a entregar, o que nos convoca não para a restrição do exercício do direito de defesa, que, aliás foi plenamente exercida – mas para a discussão sobre a verificação dos pressupostos da conduta infratora.
E. Mostra-se enunciada na decisão de aplicação da coima a norma punitiva prevista no nº 2 e 5, alínea f), do mencionado art. 114º, do RGIT
F. Neste contexto, entende-se que tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no art. 79º, nº 1, al. b) do RGIT, inexistindo verdadeira insuficiência da descrição sumária dos factos

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que ordene a baixa á primeira instância para apreciação da verificação do próprio ilícito que vem imputado à Arguida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA! ”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se a fls. 90 e ss dos autos no sentido de que o recurso merece provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, violando-se o disposto no art. 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT ao ter determinado a nulidade da decisão de aplicação de coima. Entende a Recorrente que aquela decisão de aplicação de coima não limita os direitos de defesa da arguida, o que se encontra corroborado com a defesa que apresentou, estando em causa não a nulidade daquela decisão administrativa, mas antes a verificação dos pressupostos da conduta infractora.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
“A) Em 24.01.2017, foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2 (A….), contra a ora Recorrente, o processo de contraordenação n.º 3522- 2017/060000016… com base no Auto de Notícia n.º C0001161…/2017, de 24.01.2017 – cfr. fls. 5/6 do suporte físico dos autos.

B) O Auto de Notícia refere os seguintes elementos que caracterizam a infração:

– cfr. 6 do suporte físico dos autos.

C) Decisão recorrida: Em 12.02.2017 Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2 (A…..) proferiu decisão de aplicação de coima à ora Recorrente no valor de € 8.684,09, acrescida de custas processuais no valor de € 76,50 com base na seguinte “Descrição Sumária dos Factos” e “Normas infringidas e punitivas” e elementos relativos à “Medida da coima”:

«Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributária exigível: 28.035,82; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 28.035,82; 4. Período a que respeita a infração: 2015/10: 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-10-31, os quais se dão como provados.

Normas infringidas e punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas infringidas:
Artº 106º nº1 CIRC - Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta.

Normas punitivas
Artº 114 nºs 2 e 5 f) e 26 nº 4 do RGIT - Falta de entrega de prestação tributária»

[…]

Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art°27 do RGIT):

Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção >6 meses

– cfr. fls. – cfr. 10/11 do suporte físico dos autos.

D) A sociedade arguida dedica-se ao comércio de tabaco por grosso, utilizando, para o efeito o C.A.E. 46350, conforme se demonstra na Declaração anual de “Informação Empresarial Simplificada” (I.E.S) relativa ao ano fiscal de 2014 – cfr. doc. 1 junto com a petição de recurso.

E) Dá-se aqui por reproduzido o “extrato de vendas por família de produtos” referente ao ano de 2014 do qual resulta, além do mais, que ora recorrente comercializou no período em apreço (i) € 36.546.733,71 em cigarros; (ii) € 62.439,11 em cigarrilhas e charutos; e (iii) € 3.164.960,62 em tabaco de corte fino destinados a cigarros de enrolar – cfr. doc. 2 junto com a petição de recurso.

F) Em 21.02.2017 a ora recorrente foi notificada da decisão recorrida – cfr. fls. 40 do suporte físico dos autos.

Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa de acordo com as possíveis soluções de direito.
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Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
Os factos julgados provados resultam dos documentos referidos em cada uma das alíneas os quais não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade. ”
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Com base na matéria de facto supra transcrita, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou verificada a nulidade da decisão recorrida, anulando todo o processado, entendendo que a decisão que aplicou à arguida a coima enferma de défice de descrição dos factos susceptíveis de serem qualificados como contra-ordenação, assim como na respectiva fundamentação de direito.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma invocando erro de julgamento por violação do disposto no art. 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT, uma vez que o despacho recorrido determinou erradamente a nulidade da decisão de aplicação de coima.

Antes de mais, para o conhecimento do presente recurso importa modificar a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, ampliando-a, nos termos do disposto no art. 431.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 3.º, al. b), do RGIT, considerando que do processo constam os elementos de prova necessários:

G) A arguida exerce a actividade de comércio por grosso de tabaco encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação com contabilidade organizada, sujeita a pagamento especial por conta nos termos do art. 106.º, e beneficia do regime previsto na alínea c) do n.º 7 do art. 106.º do CIRC (cfr. informação de fls. 50 a 52 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

H) Em 12/04/2017 foi proferido despacho pelo chefe do serviço de finanças de Oeiras-2 (A…..) que concorda com a informação prestada relativamente ao processo de contra-ordenação referido na alínea A) na qual se analisa o valor da prestação de PEC em falta concluindo que “Não sendo possível a este serviço de finanças confirmar o valor da venda de cigarros, por falta de elementos probatórios que justifiquem que no cálculo do valor da prestação em falta não foi tido em consideração o disposto no n.º 7 do art. 106.º do CRIC, não poderá ter razão o contribuinte, sendo de manter a decisão de fixação da coima proferida no processo de contra ordenação em análise.” (cfr. informação de fls. 50 a 52 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, os fundamentos do recurso.

Entende a Recorrente que aquela decisão de aplicação de coima não limita os direitos de defesa da arguida, o que se encontra corroborado com a defesa que apresentou, estando em causa, não a nulidade daquela decisão administrativa, mas a verificação dos pressupostos da conduta infractora.

Está em causa aferir se, in casu, a decisão administrativa que aplicou à arguida a coima de 8.684,09€ enferma de nulidade insuprível, posto que da mesma não constam os requisitos exigidos pelo art. 79.º, n.º 1 do RGIT, como resulta do art. 63.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma.

Dispõe o art. 79.º, n.º 1, do RGIT:

“1 - A decisão que aplica a coima contém:

a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) A condenação em custas”.

O despacho recorrido, com fundamento na alínea b) daquele preceito legal, entendeu que a decisão que aplicou a coima à arguida enferma de insuficiência na descrição sumária dos factos e do direito.

Vejamos.

Com efeito, resulta da alínea b) deste preceito legal que a decisão que aplica a coima deve conter a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.

A decisão administrativa deve ser suficientemente fundamentada, quer de facto, quer de direito, de modo a permitir ao arguido exercer o seu direito de defesa, o qual reveste a natureza de direito fundamental em processo de contra-ordenação (cfr. neste sentido, vide Ac. do STA de 30/05/2018, proc. n.º 0269/18).

No que se refere à satisfação do requisito legal de descrição sumária dos factos importa interpretar o preceito legal em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelo que é suficiente que a decisão de aplicação de coima descreva os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa, (nesse sentido, vide por todos, acórdão do STA de 10/04/2019, proc. n.º 0260/17.8BEAVR 0226/18).

Como escreve Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos “ (…) o que exige aquela al. b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art . 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente…” (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, 4.ª Ed., Vislis, Lisboa, 2010, pp. 517 a 519).

Ora, in casu, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, e interpretando o preceito legal em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, temos então que a decisão administrativa descreve de forma suficiente os factos e as normas violadas e punitivas permitindo ao arguido o exercício do seu direito fundamental de defesa.

Com efeito, resulta da decisão que aplicou a coima à arguida, que aquela infringiu o disposto no art. 106.º, n.º 1 do CIRC porque não entregou o pagamento especial por conta (PEC) até ao dia 31 de Outubro de 2015. Mais resulta da descrição sumária dos factos daquela decisão que o valor que a arguida deveria ter entregue a título de PEC era de 28.035,82€ (cfr. alínea C) dos factos provados).

Ora, a indicação destes factos é suficiente para que a arguida pudesse exercer plenamente os seus direitos de defesa, e tanto assim é que os exerceu cabalmente, explicando ao tribunal as razões da sua discordância, nomeadamente, contestando o valor da prestação tributária que a AT considerou em falta (28.035,82€).

Pese embora na petição inicial da arguida também se invoque a “nulidade” da decisão por a entidade administrativa não ter evidenciado os cálculos daquele montante, a verdade é que, como vimos, a descrição sumária constante da decisão é suficiente para o exercício dos direitos da arguida.

Repare-se que o montante do PEC a entregar ao Estado é calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior da arguida (n.º 2 do art. 106.º do CIRC), e portanto, esses valores são conhecidos da arguida, e, ainda numa situação como a dos presentes autos em que a arguida exerce uma actividade que lhe permite beneficiar das deduções previstas no n.º 7 do art. 106.º do CIRC, o que significa um regime de cálculo especial para o apuramento do PEC, também neste caso especial, a arguida tem conhecimento de todos os elementos em que se baseia o cálculo por se tratar dos seus rendimentos relativos à venda de cigarros.

Por outras palavras, considerando que o cálculo do PEC assenta em elementos da contabilidade da arguida, não carece a entidade administrativa de os discriminar na decisão que aplica a coima porque a arguida tem acesso a todos os elementos necessários para aferir do acerto do montante indicado como prestação tributária em falta, e nessa medida, o seu direito de defesa encontra-se garantido, porque se os valores estiverem incorrectos poderá demonstrar o erro.

Assim sendo, assiste razão à Recorrente devendo o despacho recorrido ser revogado, sendo certo que em “processo de contra-ordenação tributária, o Tribunal de recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido art. 75.º do Regime Geral das Contra-ordenações, subsidiariamente aplicável, podendo, inclusivamente, apreciar oficiosamente se ocorrem nulidades da sentença recorrida.” – cfr. acórdão do STA de 07/07/2010, proc. n.º 0 356/10.

Com efeito, questão diferente é a de saber se a arguida praticou a infracção que lhe é imputada na decisão de aplicação de coima, considerando que não aceita o valor de 28.035,82€ enquanto valor de prestação tributária em falta. Aliás, da leitura do requerimento inicial resulta que o fundamento principal do recurso é a não verificação da infracção que lhe é imputada.

A arguida teve o cuidado de evidenciar ao longo do seu articulado os cálculos concretos do apuramento do montante do PEC referente ao exercício de 2015, designadamente, explica que aplicou a percentagem de 60% prevista no n.º 7 do art. 106.º do CIRC, apurando o valor de 35.450€, e após aplica o disposto no n.º 3 daquele preceito legal que determina “Ao montante apurado nos termos do número anterior deduzem-se os pagamentos por conta calculados nos termos do artigo 105.º, efectuados no período de tributação anterior”. Explica a arguida que tendo liquidado em 2014 a título de pagamentos por conta o valor de 41.964€, àquele valor de 35.450€ há que deduzir este outro, e, portanto, não há lugar a pagamento especial por conta no exercício de 2015.

Ora, resulta da matéria de facto aditada que a arguida exerce actividade de comércio por grosso de tabaco, podendo, portanto, beneficiar do regime previsto na alínea c) do n.º 7 do art. 106.º do CIRC (cfr. alínea G) dos factos provados), ou seja, pode deduzir a percentagem de 60% nos rendimentos relativos à venda de cigarros. Repare-se que se trata de facto não controvertido nos autos, pois na informação referente ao presente processo de contra-ordenação a AT não discorda destes factos alegados pela arguida.

Sucede que, também resulta daquela informação que, apesar de se admitir que no cálculo do PEC de 2015 é aplicável o regime previsto na alínea c) do n.º 7 do art. 106.º do CIRC, ignora-se por completo o preceito legal, não o aplicando, com o fundamento na “falta de elementos probatórios” (cfr. alínea H) dos factos provados).

Ou seja, a posição da autoridade administrativa nos presentes autos de contra-ordenação é a de que como não tem elementos para confirmar quais os valores a deduzir nos termos da alínea c) do n.º 7 do art. 106.º do CIRC para efeitos do apuramento do PEC, simplesmente apura um valor à margem da lei.

Como é evidente em matéria contra-ordenacional cabe à entidade administrativa apurar com exactidão os montantes do valor da prestação tributária em falta enquanto elemento do tipo de ilícito, ainda que para tanto tenha de proceder a uma acção de inspecção para recolher os elementos necessários.

In casu, é evidente que o valor da prestação tributária, alegadamente em falta, constante da decisão de aplicação da coima, não se encontra correctamente apurado, não constituindo justificação a falta de elementos probatórios para esse apuramento.

Apenas resulta provado nos autos, até porque a própria arguida confessa, que não foi entregue qualquer montante a título de PEC referente ao exercício de 2015. Mas, não resulta provado nos autos que a arguida se encontrava obrigada a entregar o montante de 28.035,82€, porque por um lado, este facto é contestado pormenorizadamente pela arguida evidenciando cálculos, e por outro lado, é a própria entidade administrativa que admite que no cálculo do montante do PEC é aplicável a alínea c) do n.º 7 do art. 106.º do CIRC, mas que não foi aplicado por não dispor dos elementos necessários.

Aqui chegados, ficamos com uma dúvida razoável sobre a existência da infracção imputada à arguida, porque desconhece-se qual o valor exacto do PEC devido em 2015, e sobretudo, fica a incerteza se é devido algum montante a esse título, uma vez que o valor indicado na decisão que aplicou a coima de 28.035,82€ enferma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto ao não ter considerado a alínea c) do n.º 7 do art. 106.º do CIRC. Verifica-se, pois, uma incerteza quando ao preenchimento dos pressupostos do tipo de contra-ordenação “falta de entrega de prestação tributária” previsto e punido no art. 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT.

Ora, o princípio da presunção da inocência consagrado no art. 32.º, n.º 2 da CRP postula no sentido de que a arguida seja presumida inocente até ao trânsito em julgado da decisão de condenação, preceito constitucional que se estende, por força do disposto no n.º 10 do mesmo artigo, aos processos jurisdicionais de impugnação de contra-ordenações (nesse sentido, vide, acórdão do Tribunal Constitucional de 28/06/2018, n.º 338/2018, processo: 80/2016).

Uma das vertentes que o princípio da presunção da inocência contempla é o princípio do in dubio pro reo que “constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa” (cfr. acórdão do STJ de 12/03/20009, proc. n.º 07P1769).

In casu, verifica-se uma incerteza quando ao preenchimento dos pressupostos do tipo de contra-ordenação “falta de entrega de prestação tributária” previsto e punido no art. 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT, que é imputada à arguida, e portanto, aplicando o princípio in dubio pro reu, importa concluir pela não verificação da prática da infracção de que a arguida vem acusa, devendo por conseguinte, ser absolvida (v. quanto à aplicação do princípio in dubio pro reu nas contra-ordenações tributárias v. acórdão do STA de 16/12/2009, proc. n.º 0721/09).

No que diz às custas importa considerar que não há condenação da arguida, sendo absolvida da infracção que lhe vem imputada, e, portanto, esta não é responsável pelas custas nos termos do art. 94º nº 3 RGCO. Por outro lado, não poderá haver condenação em custas da Recorrente Fazenda Pública, uma vez que em processo de contra-ordenação tributária não existe norma legal que preveja a sua condenação.

Com efeito, subscrevemos, na íntegra o entendimento vertido no acórdão do STA de 10/10/2018, proc. n.º 0221/17.7BEMDL, no qual se sumariou o seguinte:
”I - As custas em processo de contra-ordenação tributária regiam-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários – RCPT (art. 66º RGIT) mas uma vez que o RCPT foi revogado pelo art. 4º nº 6 DL nº 324/2003, de 27 Dezembro, com excepção das normas sobre actos da fase administrativa do processo, pelo que em consequência é aplicável, subsidiariamente, o regime de custas constante do RGCO, aprovado pelo DL n° 433/82, 27 Outubro (art. 66º RGIT primeiro segmento).
II - Neste diploma apenas está prevista a condenação do arguido em custas, em caso de aplicação de coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou de recursos de despacho ou sentença condenatória (art. 94º nº 3 RGCO).
III - Do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas.
IV - No caso concreto, não tendo havido condenação do arguido, não podem ser devidas custas processuais por este ou pela Autoridade Tributária, o que determina a revogação da decisão proferida em 1ª instância nesta parte, sendo de determinar que o processo fica sem custas.”

Em sentido idêntico vide também, acórdãos do STA de 24/02/2016, P. 01408/15, de 23/11/2016, P.01106/16, de 13/09/2017, P. 0702/17, de 13/09/2017, P. 0702/17, de 17/01/2018, P. 0616/17, de 24/01/2018, P. 01089/17, de 31/01/2018, P. 01239/17, de 07/02/2018, P. 01353/17, de 28/02/2018, P. 01151/17 e de 14/03/2018, P. 01355/17.

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II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e em substituição absolver a arguida da prática da infracção de que vem acusada, e consequentemente, anular a decisão administrativa que aplicou à arguida a coima de 8.684,09€.
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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 31 de Outubro de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo