Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:644/21.7 BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/12/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CAUTELAR
PENA EXPULSIVA
GNR
PERICULUM IN MORA
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – Não basta ao MAI/GNR invocar a violação de princípios e deveres de natureza disciplinar, importando ainda mais provar que essa violação determina necessariamente a aplicação de uma pena expulsiva.
Se é certo que a conduta do militar violou gravemente os deveres decorrentes da sua função, ainda que praticada fora do exercício funcional, mostrando-se indigna de um agente da autoridade, potencialmente lesiva da imagem da GNR, tal não poderá significar que de imediato, e sem quaisquer antecedentes de natureza disciplinar, que tenha de determinar automática e necessariamente, sem mais, a aplicação de pena expulsiva.
II – A Administração, fruto da sua intenção de penalizar o prevaricador, tornando-o num exemplo para a corporação, não cuidou de avaliar, ponderadamente todos os factos conexos com a prática da infração, o que determinou a aplicação de uma pena expulsiva, manifestamente desproporcional à infração praticada, pois que na escolha da pena terá sempre de ser dada preferência àquela que se mostre adequada e suficiente às finalidades da punição.
III - Tal como tem sido jurisprudência assente, o facto de facilmente ser quantificável o prejuízo pecuniário resultante da privação/redução de vencimentos não se pode sem mais concluir pela inexistência de periculum in mora, pois, será de reputar como irreparável ou de difícil reparação quando essa privação/redução puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar.
IV – Tendo ficado demonstrado o recorrido não tem outros meios económicos de subsistência a não ser o salário que aufere e do qual ficará privado com a aplicação da pena disciplinar expulsiva, e tendo em conta os seus encargos familiares dados como provados, o não decretamento da providência, com a natural demora processual da ação principal, causará natural e seguramente prejuízos de difícil reparação.
V - Para aferir da verificação do Periculum in mora, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério da Administração Interna, no âmbito do Processo Cautelar apresentado por L........., Guarda da GNR, requerendo a suspensão da eficácia do Despacho n° 5950/2021, de 17-06-2021, que lhe aplicou pena de separação de serviço, inconformado com a Sentença proferida em 7 de outubro de 2021, que julgou procedente a presente providência cautelar, veio recorrer da mesma para esta instância, tendo concluído:
“A. A douta sentença recorrida julgou «procedente a presente providência cautelar e, em consequência:
a) Julga-se improcedente a Resolução Fundamentada;
b) Julga-se procedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida (art° 128° n° 4 do CPTA);
c) Decreta-se a suspensão da eficácia do Despacho do Ministro da Administração Interna de 25 de Maio 2021, que aplicou ao requerente a pena de separação de serviço.»
B. No entanto, a fundamentação onde assentou este juízo enferma de erro sobre a apreciação e de aplicação do Direito.
C. Considerou o Tribunal a quo que o despacho suspendendo violara o princípio do caso julgado do processo 1208/16.2BESNT, por não ter sido aplicada a lei mais favorável, na medida em que lhe foi aplicada a mesma pena disciplinar de separação de serviço.
Porém, erra na apreciação que faz daquela sentença, na medida em que, no ato administrativo sob escrutínio, foram ponderadas as penas de reforma compulsiva e de separação de serviço, de acordo com o Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, por serem as penas aplicáveis às infrações muito graves.
Não foi, como sucedeu anteriormente, ponderada apenas a aplicação da pena de separação de serviço, de acordo com o previsto na Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto, que alterou o Regulamento de Disciplina da GNR.
D. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao entender que os factos praticados pelo recorrido, porque fora do âmbito das funções enquanto militar da GNR, não mereciam a mesma relevância jurídico disciplinar. Efetivamente, é o próprio Regulamento de Disciplina da GNR, na versão da Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, que menciona, expressamente, no seu artigo 8.°, n.º 1, que «O militar da Guarda deve ter sempre presente que, como agente de força de segurança e como autoridade e órgão de polícia criminal, fiscal e aduaneira, é um soldado da lei, devendo adotar, em todas as circunstâncias, irrepreensível comportamento cívico, atuando de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas.»
E. A douta sentença recorrida considerou que o ato suspendendo violou o princípio da independência do processo disciplinar face ao processo crime, por os factos imputados em sede disciplinar ao recorrido serem os mesmos que ficaram provados em sede criminal.
Porém, cometeu erro de apreciação do direito, desconsiderando toda a doutrina e jurisprudência maioritárias, na medida em que tal princípio postula que o efeito do caso julgado penal, em caso de condenação, vincula a entidade administrativa quanto à prova dos factos dados como provados e quanto aos seus autores, em nome do princípio do caso julgado material e da unidade superior do Estado.
Esta vinculação abrange, apenas, os factos dados como provados e não as considerações e valorações efetuadas pelo Tribunal Judicial sobre a ilicitude, a culpa e a determinação da pena criminal aplicável e da sua medida.
F. Diz a douta sentença recorrida que os factos praticados pelo recorrido encontram-se isentos de alarme social por já ter ocorrido mais de nove anos após a condenação penal.
Por um lado, cumpre esclarecer que o procedimento disciplinar decorreu dentro do prazo de prescrição, tendo sido asseguradas ao recorrido todas as garantias de audiência e defesa, e, por outro lado, o decurso deste período temporal não fez diminuir ou desaparecer o desvalor jurídico-administrativo e jurídico-disciplinar atribuído pelo recorrente à conduta do recorrido.
G. Menciona, ainda, que não foram aplicadas ao recorrido quaisquer medidas preventivas. Porém, a aplicação ou não de medidas preventivas não vincula ou condiciona a Administração quanto à pena disciplinar a aplicar e as medidas preventivas encontram-se elencadas no Regulamento de Disciplina e apenas podem ser aplicadas quando esteja verificada a sua previsão.
H. O Tribunal a quo considerou, depois, que a resolução fundamentada encontra-se «redigida de forma genérica e abstrata, ao contrário do que pretende o legislador». No entanto, salvo melhor opinião, a sua leitura atenta revela precisamente o inverso.
O recorrido foi punido criminalmente. Ou seja, praticou factos concretos de uma gravidade extrema, que geram compreensível censura moral e social. Por assim ser, constituiria um grave prejuízo para o interesse público manter ao serviço, enquanto militar da Guarda - com indiferença pelo sentimento da população -, alguém que cometeu atos que foram considerados criminosos pelo poder judicial.
Esse prejuízo seria, no caso, gritante, visto que, por vicissitudes processuais, o ora recorrido manteve-se ao serviço, quando os factos considerados crime foram por si cometidos em novembro de 2007, tendo a sentença penal transitado em julgado em 16 de abril de 2013. Ora, após a emissão do despacho punitivo - no termo do processo administrativo - deixou de haver justificação para que o ora recorrido se mantenha ao serviço, o que fundou a apresentação da resolução fundamentada.
Diga-se, ainda, que a resolução fundamentada descreve, concreta e detalhadamente, os motivos pelos quais o recorrente considera ser gravemente prejudicial para o interesse público o diferimento da execução do ato.
I. Os fatos imputados ao recorrido encontram-se plenamente provados, em sede criminal, onde estão sujeitos a princípios de admissibilidade e produção de prova mais garantísticos do que no processo disciplinar. Não é, pois, exigido que no processo disciplinar sejam novamente inquiridas todas as testemunhas do processo crime.
As garantias de audiência e defesa foram totalmente asseguradas ao recorrido, sendo igualmente ouvidas as testemunhas por si indicadas que tinham conhecimento direto dos factos.
Assim, com a devida vénia, o Tribunal a quo, ao considerar que existiu violação do direito de audiência de defesa, incorreu em erro grande e manifesto de julgamento.
J. Contrariamente ao defendido na douta sentença recorrida o procedimento disciplinar não prescreveu, na medida em que nos termos do disposto no artigo 46.°, n.° 2, do Regulamento de Disciplina, que manda aplicar os termos e prazos previstos no Código Penal. Deste modo, conforme explanámos nas alegações a infração disciplinar apenas prescreverá em 01-11-2022.
Por outro lado, a douta sentença equivocou-se ao aplicar o n° 6 do artigo 46.° da Lei 66/2014, porque, conforme já mencionámos, o Regulamento de Disciplina da GNR na sua versão original é mais vantajoso ao recorrido, não podendo o aplicador da lei conjugar os preceitos da lei antiga e da lei nova que sejam mais favoráveis ao arguido. Teremos, pois, de aplicar um regime por inteiro.
K. Andou mal o Tribunal a quo quando considerou que a escolha da pena aplicada não se encontra devidamente fundamentada.
Verifica-se que o despacho suspendendo, que aplicou ao recorrido a pena disciplinar de separação de serviço, teve em consideração o relatório final, elaborado pelo instrutor, a deliberação do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, a proposta do Comandante- Geral da GNR e o parecer da Assessoria Jurídica deste Ministério. Todos estes documentos serviram de fundamento do ato suspendendo e elencam, devidamente, os motivos pelos quais foi aplicada a pena disciplinar mais gravosa.
L. Por outro lado, o Tribunal a quo também andou mal quando procedeu à apreciação do princípio da proporcionalidade.
O recorrente encontra-se vinculado na sua apreciação dos factos, aos que foram dados como provados em sede criminal.
Calcorreando o relatório final, o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR, o parecer da Assessoria Jurídica e o despacho punitivo, proferido pelo Ministro da Administração Interna, não se discerne qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação da prova, na valoração da conduta do ora recorrido (ilicitude e culpa) ou na ponderação dos demais fatores mencionados no artigo 41.° do RDGNR para a determinação da pena.
«[O]s tribunais não podem substituir-se a Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal atividade se insere na chamada atividade discricionária da Administração» in Acórdão do STA de 06-03-1997, proferido no processo n.° 41112, relatado pelo Conselheiro Pais Borges.
M. A sentença recorrida errou na apreciação e concretização do requisito do periculum in mora, porquanto os prejuízos invocados pelo recorrido não podem ser qualificáveis como de difícil reparação na aceção que o legislador pretendeu aquando da elaboração do primeiro período do n.° 1 do artigo 120.° do CPTA. Os prejuízos invocados pelo recorrido poderão ser sempre suscetíveis de uma compensação monetária, não se integrando no conceito de «prejuízos de difícil reparação».
N. Por fim, quanto à ponderação dos interesses em presença e considerando que o Tribunal a quo limitou-se a dar este requisito por preenchido por mera remissão para as suas conclusões anteriores, sem concretizar ou fundamentar em que medida os interesses privados são superiores ao interesse público, consideramos que inexiste fundamentação, sendo a douta sentença recorrida nula nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.
O. Pelo que fica exposto, prova-se que a douta sentença recorrida errou na apreciação e aplicação do Direito ao presente caso, além de ter omitido a fundamentação quanto ao requisito da ponderação de interesses, pelo que deve ser anulada.
P. Assim, este Douto Tribunal Central, enquanto Tribunal de última instância que é, em regra, deve revogar a douta sentença, constituindo uma orientação correta para os tribunais de 1.ª instância no julgamento destas matérias.
Termos em que, com o mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve este Tribunal Central julgar procedente o presente recurso, anulando, em consequência, a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 7 de outubro de 2021.

O aqui Recorrido/L….. veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 4 de novembro de 2021. concluindo:
“A) No âmbito da ação 1208/16.2BESNT foi proferida Sentença que julgou procedente o pedido de anulação de uma pena de separação de serviço aplicada pela Senhora Ministra da Administração Interna com fundamento na violação do princípio da aplicação da lei mais favorável e do disposto no n.° 4 do artigo 29° da CRP.
B) A Entidade demandada não apresentou qualquer recurso para o TCA Sul, tendo a mesma transitado em julgado, pelo que a aplicação da sanção de separação de serviço, como é o caso, é uma ofensa ao caso julgado.
C) O Despacho punitivo impugnado faz uma errada apreciação da prova no processo disciplinar, cujos factos foram extraídos do processo crime em que se baseou o processo disciplinar, conforme resulta do Relatório Final que serviu de fundamento à aplicação da sanção punitiva.
D) Os factos que foram imputados ao autor e recorrido foram transcritos "a partir do Relatório da Sentença do Processo NUIPC 1969/07.0 PBAMD" - cf. parte V - § 18. Do relatório Final, n° 16 do probatório.
E) A jurisprudência vai no sentido de que "o processo disciplinar é autónomo do processo criminal e do civil, - cf. Ac. do TCA Norte de 10/04/2008, Processo n° 00387/04.6 BEPNF.
F) Os factos que levaram à condenação do autor e recorrido ocorreram fora do âmbito das suas funções como militar da GNR.
G) Na Douta Sentença proferida no processo n° 1145/16.0 BESNT, respeitante ao mesmo Autor e à mesma questão que agora está em análise, foram levados em linha de conta: que a pena disciplinar só foi aplicada ao Requerente em julho de 2016; cerca de oito anos e meio desde a data da prática dos factos que levaram à aplicação da pena disciplinar; passados mais de cinco anos desde a data da abertura do processo disciplinar; e passados mais de três anos da notificação do trânsito em julgado da decisão judicial que condenou o Requerente.
H) Tal como é dito na referida sentença, também, "in casu", tanta demora não se mostra compatível com as razões que agora, nesta sede, se aduzem para fundamentar a alegação de que os interesses públicos não ficam lesados pela procedência da providência cautelar.
I) Resulta da análise do processo disciplinar que foram violados os princípios da audiência e defesa, pela não audição de testemunhas indicadas para serem inquiridas, realidade que a Entidade Demandada confirma, referindo, no entanto, que tal audição não se tornava necessária dada a prova obtida, o que é manifestamente errado, face à autonomia de ambos os processos e aos diferentes fins que cada um prossegue.
J) O artigo 93° do RDGNR impõe ao oficial instrutor o dever de ouvir as testemunhas que possam esclarecer a verdade; e o n.° 1 do artigo 81° do mesmo Regulamento refere que constitui nulidade insanável a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
K) Foi, assim, preterido o princípio de audiência e defesa, confirmando-se uma vez mais que a razão está do lado do Recorrente.
L) O Tribunal "a quo", na sua douta sentença, e com base no n.° 6 do atual RDGNR, julgou procedente a prescrição invocada pelo autor e recorrido, decisão que se acompanha em absoluto, referindo terem ocorrido 2 suspensões no decorrer do processo disciplinar no total de nove anos (cinco anos na primeira suspensão e quatro na segunda), qualquer delas superior a três anos - dando origem à prescrição.
M) Devendo-se acrescentar, ainda, que de igual modo, se verificou prescrição do procedimento disciplinar, com base n.° 7 do artigo 46° do referido Regulamento que prescreve que a mesma "... tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade"
N) Os pressupostos para a verificação deste tipo de infração são: o decurso do espaço de tempo de 3 anos (prazo normal da prescrição - n.° 1 do artigo 46° do RDGNR) + 1,5 anos (metade do prazo normal da prescrição) + 1 ano e cinco meses de suspensão do processo, que, somados, correspondem a 5 anos e 11 meses, prazo muito inferior ao período de tempo que medeia entre a data da instauração do processo (25 de maio de 2011) e a aplicação da pena disciplinar (25 de maio de 2021) ou seja: rigorosamente uma diferença de 10 anos.
O) Como referido, esta norma inserida agora pelo legislador no novo atual RDGNR, com o claro objetivo de assegurar a segurança jurídica e a certeza do direito, visa arredar o recurso às normas da lei penal dando primazia a nomas especiais do Regulamento disciplinar próprio da GNR, em detrimento de normas da lei penal.
O) E para que não houvesse dúvidas quanto a esta matéria, o legislador reforçou este entendimento, dizendo que esta norma se aplica sempre, excluindo qualquer outra hipótese de interpretação.
P) Pelo que não é aceitável o entendimento do Recorrente quando refere que, "in casu", o prazo da prescrição é de 10 anos pelo facto do ilícito disciplinar ser simultaneamente ilícito criminal.
Q) De qualquer modo, e atendendo ao que é estabelecido no n.° 4 do artigo 29° da CRP, sempre se deveria aplicar a lei mais favorável que, no nosso caso, é a do RDGNR.
R) No caso em apreço também não poderia ser invocado o n.° 4° do artigo 46.° do RDGNR, para efeitos de se considerar que a prescrição se interrompe com a acusação porque, embora dos autos conste não uma, mas duas acusações, ambas foram anuladas não produzindo qualquer efeito; pois que: A 1° Acusação, de 27 de agosto de 2013 (fls. de 109 a 112) do processo disciplinar, foi anulada em 19 de fevereiro de 2015 (fls. 221 e 222 do p. d.); e a 2° Acusação, de 2 de julho de 2015 (fls. 245 e 246) foi anulada a partir da Sentença de 09 de dezembro de 2016 que julgou procedente a ação intentada pelo A. contra o MAI, não tendo sido proferida qualquer outra acusação a partir desta última data.
S) - O Despacho punitivo subjacente à presente ação correu há 14 anos, pelo que os factos que lhe deram origem já foram esquecidos por quem deles teve conhecimento, razão pela qual não se justifica uma pena de extrema gravidade, a mais grave, inclusive, prevista no RDGNR, pelo que deveria ter sido ponderada a aplicação de uma pena mais leve.
T) Foi violado, pois, o Princípio da proporcionalidade e da falta de fundamentação na escolha da pena aplicada, vícios estes que devem conduzir necessariamente à sua anulabilidade como muito bem se pronunciou a este respeito, a Meritíssima Juíza do Tribunal "a quo", ao contrário do entendimento do recorrente.
U) Da análise efetuada aos diversos vícios apontados pelo réu e recorrente à douta sentença, nenhum se verifica, razão pela qual, não merece a mesma qualquer reparo, devendo em consequência ser anulado o Despacho Punitivo que aplicou ao autor e recorrido a pena de separação de serviço.
V) Tendo em conta a prática dos diversos vícios do procedimento disciplinar apontados, há razões suficientes para a anulação do ato impugnado e para se considerar como provado o pressuposto "fumus boni iuris", bastando para tanto, uma apreciação sumária e perfunctória.
W) De igual modo, se verificam os restantes pressupostos constantes do artigo 120° do CPTA para a anulação do ato impugnado: o "periculum in mora" resultante do facto do recorrido se encontrar numa situação económica difícil, sem condições de poder fazer face aos seus encargos familiares e comerciais.
X) O recorrido, mesmo estando ao serviço da GNR, é o único elemento de família a auferir um vencimento, sendo que o seu agregado familiar inclui a sua esposa e 2 filhos menores, e mesmo estando ao serviço, tem dificuldades económicas, como se prova pelos documentos juntos ao processo que demonstram que o vencimento auferido na GNR não é suficiente para fazer face às despesas correntes.
Y) Quanto à ponderação de interesses, de acordo com o artigo 120°, n.° 2 do CPTA, e tendo em conta a improcedência da Resolução Fundamentada, é demonstrativo, só por si, que a adoção da providência cautelar não provocaria danos ao interesse público desproporcionados em relação àqueles que se pretende evitar que fossem causados.
Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso e, em consequência, manter-se a douta sentença recorrida.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 8 de novembro de 2021, o qual, simultaneamente, sustenta a decisão proferida.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 11 de novembro de 2021, veio a emitir Parecer em 17 de novembro de 2021, no qual pugna pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/MAI, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, de modo a verificar se se julgam procedentes os vícios de violação do caso julgado, errada apreciação da prova no processo disciplinar e a consequente improcedência da resolução fundamentada, a violação dos direitos de audiência e defesa do arguido, a prescrição do processo disciplinar e a falta de fundamentação na escolha da pena aplicada e violação do princípio da proporcionalidade.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“1. O Requerente - L......... - é o militar da GNR com o número de matrícula …….6, onde ingressou, como Soldado Provisório em 4/11/2002, tendo sido colocado em 1/09/2003 na Divisão de Trânsito, passou a Cabo em 13/11/2006 e, em 20 de Agosto de 2013 contava o total de tempo de serviço de 12 anos, 8 meses e 24 dias - Folha de Matrícula de fls. 93 a 97 do p.a.
2. Em 25-05-2011, o Comandante do Comando Territorial de Lisboa determinou a abertura do processo disciplinar n.° PD 288/11CTLSB contra o ora requerente, com base nos factos descritos no auto de denúncia remetido pelo Ministério Público, sendo queixoso G......... - fls. 1 a 3 do p.a.
3. Em 1/06/2011, o instrutor deu início à instrução do processo disciplinar - fls. 12 do pa.
4. Em 7 de Novembro 2011 o Oficial Instrutor elaborou o seguinte Relatório:
1. O presente Processo Disciplinar PD 288/11CTLSB, em que é arguido o Guarda n.° 1257/2020196 - L......... do Destacamento de Trânsito de Carcavelos, tem por base os factos descritos no Auto de Denúncia NUIPC 1969/07.OPBAMD,denunciados pelo Sr, G.........
2. Foi inquirido G......... (fls. 31)
3. Foi interrogado o arguido (fls. 46)
4. Não foi possível averiguar a veracidade dos factos descritos no Auto de Denúncia NUIPC 1969/07.OPBAMD, apenas pelas declarações da testemunha e do arguido.
5. Pelo exposto, e em virtude de correr processo-crime no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, propõe-se que se aguarde pela produção de melhor prova, e como medida conveniente para a administração da Justiça Disciplinar, fica o presente processo disciplinar suspenso, nos termos do art.° 96.° do RDGNR até ulterior decisão judicial.
5. Em 11/11/2011, o Comandante do Comando Territorial de Lisboa lavrou o seguinte Despacho:
Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana
COMANDO TERRITORIAL DE LISBOA SECÇÃO DE JUSTIÇA DESPACHO
Compulsados os autos, mormente a prova carreada para os mesmos, sou levado a concordar com o Relatório/Proposta, a fls 50, que se dá por integralmente reproduzido e passa a fazer integrante do presente despacho, Assim sendo, proponho a SUSPENSÃO do presente Processo Disciplinar, PD 288/11C/CTLSB, instaurado ao Guarda n.° 1257/2020196 - L........., adstrito a este Comando, nos termos do Art." 96." do RD/GNR, até á decisão transitada em julgado que vier a ser proferida no processo-crime, com o NUIPC 1969/07.OPBAMD, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Oeiras, por considerar estarem reunidos os pressupostos para a suspensão do referido Processo, designadamente o processo-crime e o processo disciplinar, por não ser possível averiguar a veracidade dos factos apenas pelas declarações da testemunha e do arguido, que implica manifesta dificuldade na recolha da prova, considerado tal medida conveniente para a administração da justiça disciplinar.
Envie-se o presente Processo Disciplinar, à Direção de Justiça e Disciplina, para apreciação e decisão superior.
6. Em 18-05-2012, o Tribunal Judicial de Oeiras condenou o requerente:
- Pela prática, em coautoria material, na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física grave p.p. pelos artigos 143.°, n.° 1 e 144.°, alínea c) do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova; e,
No pagamento ao ofendido da quantia de €127,45, a título de danos patrimoniais, e da quantia de €4.000 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, devidos desde a data de notificação do pedido de indemnização cível e até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano - fls. 65 v e 66 do pa.
7. A Sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa - fls. 74 a 81 do p.a.
8. Em 12-07-2016 a Ministra da Administração Interna aplicou ao requerente a pena disciplinar de separação de serviço - fls. 323 a 326 do p.a.
9. O Autor requereu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através do respetivo processo cautelar, a suspensão da eficácia do ato da Ministra a Administração Interna de 12-07-2016, tendo o Tribunal, em 0912-2016, decretado a procedência cautelar, no âmbito dos autos cautelares que correram neste Tribunal sob o n° 1145/16.0 BESNT - conhecimento oficioso e fls. 336 a 356 do p.a.
10. No âmbito da ação administrativa principal de que depende a providência cautelar, o requerente impugnou o despacho da então Ministra da Administração Interna de 12-07-2016, na ação administrativa que correu neste Tribunal sob o n° 1208/16.2BESNT, tendo sido julgada procedente e proferida, em 30/04/2020, Decisão, que anulou o Despacho da Ministra da Administração Interna de 12/07/2016, (que tinha aplicado ao Autor a pena de separação de serviço), com o fundamento na violação do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido em matéria disciplinar e do disposto no n° 4 do art° 29° da CRP - pág. 31/32 da Sentença, conhecimento oficioso e fls. 358 a 373 do p.a.
11. Em 13-08-2020, por ordem do Comandante-Geral, o processo disciplinar foi devolvido à Unidade para que o Comandante do Comando Territorial de Lisboa, de acordo com a sua competência disciplinar, determinasse a sua continuidade, retomando os trâmites legalmente previstos - fls. 375/6 do p.a.
12. Em 21-08-2020, o Comandante Territorial de Lisboa determinou a continuação do processo disciplinar - fls. 375 do p.a.
13. Em 30/09/2020, o Instrutor, em cumprimento do Despacho do Comandante da Unidade deu continuidade ao processo disciplinar - fls. 377 do p.a.
14. Em 30/09/2020, o Autor foi notificado da continuação do processo disciplinar - fls. 377 do p.a.
15. Em 19/10/2020, o Mandatário do Autor foi igualmente notificado que o processo disciplinar foi continuado desde 30/09/2020 - fls. 381, 384 e 385 do p.a.
16. Em 10/11/2020 o Instrutor elaborou Relatório Final, nos termos seguintes:
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1^Instância.
17. Em 17-11-2020, o Comandante do Comando Territorial de Lisboa, uma vez que a pena proposta pelo instrutor ultrapassava a sua competência, com a qual concordou, remeteu o processo disciplinar superiormente para apreciação e despacho superior - fls. 397 do p.a.
18. Em 10-02-2021, o Comandante-Geral, concordando com a Informação n.° 78/21, de 11-01-2021, da Direção de Justiça e Disciplina do Comando-Geral, determinou o envio do processo disciplinar ao CEDD para emissão de parecer sobre a aplicação ao requerente de uma pena expulsiva - fls. 399 a 402 do p.a.
19. Em 18-03-2021, o CEDD deliberou, por escrutínio secreto, o seguinte :
a. Contra a aplicação de uma pena expulsiva: 2 (dois) votos;
b. A favor da aplicação de uma pena expulsiva: 25 (vinte e cinco) votos:
i) Reforma compulsiva: 11 (onze) votos;
ii) Separação de serviço; 16 (dezasseis) votos. - fls. 404 a 409 do p.a.
20. Em 23-03-2021, através do despacho n.° 91/DJD/21, o Comandante-Geral proferiu despacho de concordância com a deliberação formulada pelo CEDD e determinou a remessa do processo disciplinar à apreciação e douta decisão do Ministro da Administração Interna - fls. 412 do p.a.
21. Em 09-04-2021, foi emitido o parecer n.° 304-HG/20121, da DSAJCPL/MAI, onde se concluiu que o Ministro da Administração Interna poderia aplicar ao requerente a pena disciplinar de reforma compulsiva ou de separação de serviço - fls. 419 a 424 do p.a., que se dão como reproduzidas.
22. Em 25-05-2021, o Ministro da Administração Interna aplicou ao requerente a pena disciplinar de separação de serviço - fls. 417 do p.a., que se dá como reproduzido.
23. Em 17/06/2021 O Despacho do MAI foi publicado no DR
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1^Instância.
24. Em 21/06/2021 foi remetido para o e mail do Mandatário do Autor cópia do Despacho do MAI - fls. 426 do p.a.
25. Em 7/07/2021 foi o Autor notificado do Despacho do MAI que lhe aplicou a pena de separação de serviço, impugnada nos presentes autos - fls. 425 do p.a.
26. A presente providência cautelar entrou em Juízo em 4/08/2021 - consta dos autos.
27. O Demandado Ministério da Administração Interna deduziu Resolução Fundamentada, onde alega:
Resolução Fundamentada
(artigo 128.°, n.° 1, do CPTA)
1. L........., Guarda n,° ……6, da Guarda Nacional Republicana, veio requerer junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos autos cautelares n.° 644/21.7BESNT, a suspensão de eficácia do meu despacho, de 25 de maio de 2021, através do qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de separação de serviço.
2. Perante a suspensão automática daquele despacho, entendo ser de apresentar a resolução fundamentada prevista no segmento final do n.° 1 do artigo 128.° do CPTA, pois os factos provados naquele processo consubstanciam, a prática de uma infração disciplinar muito grave, com violação de múltiplos deveres disciplinares.
3. Pelos mesmos factos, foi o requerente condenado, por decisão, transitada em julgado em 16 de abril de 2013, do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pela prática em coautoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave previsto e punido pelos artigos 143.°, n.° 1 e 144.°, alínea c) do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao regime de prova e no pagamento de indemnização civil ao ofendido no montante de €127,45, a título de danos patrimoniais e da quantia de €4.000,00, a título de danos não patrimoniais.
4. Considerando que:
a) A Guarda Nacional Republicana é uma força de segurança de cariz militar que tem como missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei (cf. artigo 1 da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro);
b) Tem como atribuições, entre outras, garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas e dos bens, prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança c desenvolver as ações de investigação criminal e contraordenacional que lhe sejam atribuídas por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas (cf. artigo 3.°, n.° 1, da Lei n,° 63/2007, de 6 de novembro);
c) Para o cumprimento cabal da sua missão e das suas atribuições, a Guarda necessita que a população tenha plena confiança na Instituição e nos militares que a compõem, uma vez que a sua capacidade funcional depende fortemente deste fator;
d) Os factos pelos quais o requerente foi sancionado revestem extrema gravidade, pois a sua conduta foi diametralmente oposta à que é exigível a um militar da Guarda Nacional Republicana;
e) O despacho punitivo, cuja suspensão de eficácia agora se requer, assenta em factos que ficaram provados em processo criminal, os quais constituem violação ás normas referidas na acusação, da qual o ora requerente pôde plenamente defender se, num processo disciplinar em que foram observadas todas as exigências legais;
f) O Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina deliberou, por maioria, no sentido de ser aplicada a pena disciplinar de separação de serviço, tendo justificado adequadamente a escolha da pena mais grave, tendo essa proposta sido subscrita pelo Senhor Comandante-Geral e por mim acolhida; e
g) A gravidade que a Corporação atribui à falta cometida e que conduziu à aplicação da pena expulsiva mais grave,
h) E evidente que a conduta do requerente coloca em causa uma força de segurança perante a população em geral, cujas atribuições são, entre outras, garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas c dos bens;
i) Admitir, ainda que provisoriamente, que o requerente seja integrado enquanto decorre a ação principal, conforme já aconteceu, transmitiria, ainda que erradamente, uma acentuada tolerância para com este tipo de comportamentos, o que não corresponde â verdade e lesará de forma intensa o interesse público, pois afeta severamente, no plano interno, a disciplina, e no plano externo, a confiança da população na Guarda e nos seus militares;
Entendo que a suspensão da eficácia daquele ato administrativo seria gravemente prejudicial para o interesse público.
5. Considero, ainda, que se configura como manifesto o «grave prejuízo» que acarretaria o reatar dessa relação funcional até ao momento da conclusão do julgamento do presente pleito.
6. De facto, tendo em conta a natureza do delito cometido, o ora requerente abalou a confiança que a população deve depositar nas forças de segurança, o que pôs gravemente em causa o prestígio e o bom nome da Guarda Nacional Republicana, pelo que a sua continuidade ao serviço pode ser entendida pela população como uma indesculpável indiferença do poder político.
Assim, atenta a supremacia nítida, no caso presente, do interesse público sobre o interesse particular, os danos que resultariam da concessão da providência cautelar requerida mostram-se imensamente superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, pelo que o deferimento da providência cautelar seria, nos termos do disposto no artigo 128.°, n.° 1, do CPTA, gravemente prejudicial para o interesse público.
O Ministro da Administração Interna, (Eduardo Cabrita)
- Resolução Fundamentada nos autos, fls. 90/91.
28. O Requerente tem-se mantido ao serviço da GNR, não tendo sido suspenso preventivamente - ausência de prova pela entidade demandada
29. O Autor vive em união de facto e tem três filhos menores, recebendo mensalmente o salário líquido de €536,90, com despesas fixas mensais no total de € 724,22 - docs. n° 3 a 10 juntos com a p.i. efls.94 do p.a.

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) Nos termos do art° 112°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode ser pedida a adoção da providência ou providências cautelares, antecipatórias e/ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
Considerando-se a requerida, enquanto medida cautelar de natureza conservatória, como adequada a tutelar a situação apurada nos autos.
Analisemos pois cada um dos requisitos que a tutela cautelar exige estejam verificados para ser adotada a medida adequada.
Foi aplicada ao Requerente a mais grave de todas as sanções - a separação de serviço que consiste no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma (cf. arts. 27° al f) e 33° da Lei n° 145/99, de 1 Setembro e art° 27° n° 2 al e) e 33° do RDGNR, aprovado pela Lei n° 66/2014, de 28 de Agosto).
E mencionam-se os dois diplomas, porquanto, os factos que suportam a aplicação da sanção foram, alegadamente, cometidos na vigência da lei anterior, porém, o Despacho sancionatório aqui impugnado já foi proferido na vigência do novo Regulamento de Disciplina (Lei n° 66/2014, 28/08).
Vejamos se, perante os factos provados, seria de aplicar-lhe a sanção mais gravosa ou, pelo contrário, se lhe poderia ter sido aplicada outra sanção, das que vêm previstas no art° 27° n° 2 da Lei n° 66/2014, 28/08. *
Em matéria de apreciação disciplinar, o papel do tribunal é, sobretudo, avaliar a apreciação das provas e detetar se foi ou não preterido algum Princípio Fundamental que, pela sua gravidade, pudessem vir a inquinar o procedimento administrativo, sobretudo se se verificou, ainda que aparentemente, alguma violação dos Princípios da Boa Administração, da Proporcionalidade, da Imparcialidade e da Boa Fé, por exemplo (artigos 5°, 7°, 9° e 10° do CPA).
Traz-se à colação o seguinte Acórdão do TCA Norte, a título de exemplo:
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte 02427/07.8BEPRT 19-12-2014
II - Nos procedimentos disciplinares a função de controlo judicial tem como objetivo detetar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o seu valor foi pesado com critério lógico e justo, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação.
III - É através da fundamentação da decisão que se deve verificar se a valoração das provas foi corretamente efetuada.
(...)
Isto porque, no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação (art° 3° n° 1 do CPTA).
Daí a abundante jurisprudência em matéria de apreciação deste tipo de litígios:
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte 1726/07.3BEPRT 19-12-2014
1 -(…)
Não compete ao tribunal pronunciar-se sobre a justiça e oportunidade da punição, por competir, em exclusivo, à Administração decidir da conveniência em punir ou não punir e do tipo e medida da pena
2 - (...)
3 - (...)
E também Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte 02427/07.8BEPRT 19-12-2014
I-(…)
II - Nos procedimentos disciplinares a função de controlo judicial tem como objetivo detetar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o seu valor foi pesado com critério lógico e justo, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação.
III - É através da fundamentação da decisão que se deve verificar se a valoração das provas foi corretamente efetuada.
E ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte Processo: 00514/08.4BEPNF
I. O princípio da divisão ou da separação de poderes não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos
II. Tal princípio implica tão-só uma proibição funcional do juiz afetar a essência do sistema de administração executiva, ou seja, não pode ofender a autonomia do poder administrativo [o núcleo essencial da sua discricionariedade], enquanto medida definida pela lei daquilo que são os poderes próprios de apreciação ou decisão conferidos aos órgãos da Administração.
III. Os poderes dos tribunais administrativos abarcam apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, ficando de fora da sua esfera de sindicabilidade o ajuizar sobre a conveniência e oportunidade da atuação da Administração, mormente o controlo atuação ao abrigo de regras técnicas ou as escolhas/opções feitas pela mesma na e para a prossecução do interesse público, salvo ofensa dos princípios jurídicos enunciados no art. 266.°, n.° 2 da CRP.
IV. (...)
V. Também não se nos afigura ocorrer qualquer ilegalidade/invasão no controlo feito pelo tribunal relativamente aos atos administrativos praticados ou omitidos na sequência ou ao abrigo de regras/princípios definidos pela Administração, no uso dos seus poderes, em concretização ou explicitação dos espaços de discricionariedade de que goza ou mesmo de conceitos indeterminados legalmente fixados.
VI. No caso vertente não podendo o tribunal substituir-se à Administração na definição dos critérios/parâmetros de integração do conceito de “prejuízo para o serviço” cabe-lhe sindicar tão-só os atos pela mesmo proferidos concretizadores daquele conceito e fazê-lo, nomeadamente, quanto aos fundamentos de ilegalidade atrás enumerados, aferindo da existência, mormente, de erro grosseiro ou manifesto (...)
O Autor aponta os seguintes vícios ao Despacho sancionatório aqui impugnado e melhor identificado nos números 22 e 23 do probatório:
a) Violação do caso julgado;
b) Prescrição do procedimento disciplinar;
c) Violação do princípio de audiência e defesa;
d) Falta de fundamentação na escolha da pena aplicada;
e) Incompetência para determinar a continuação do processo disciplinar;
f) Violação do princípio da proporcionalidade;
g) Existência de prejuízos de difícil reparação; e
h) A decisão causa-lhe um dano superior aos seus interesses do que ao interesse público.
A) Quanto à alegada violação do caso julgado
Conforme é pacífico na jurisprudência e na doutrina, "a exceção de caso julgado visa evitar que o tribunal contrarie na decisão posterior o que decidiu na primeira ou a repita; a autoridade do caso julgado é o comando da ação ou proibição de repetição" (Ac. da Relação de Coimbra de 23 de Outubro de 2007, CJ, Ano XXXII- Tomo IV-2007, pág. 36 a 38, citado a título de exemplo, representando, no entanto, a corrente dominante nesta matéria).
Ora, analisando os factos que constam do probatório, constata-se que a Entidade Administrativa demandada - Ministério da Administração Interna - violou, efetivamente, a autoridade de caso julgado, porquanto, tendo sido julgada procedente a ação n° 1208/16.2BESNT, com o fundamento na violação do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido em matéria disciplinar e do disposto no n° 4 do art° 29° da CRP, por os factos terem sido cometidos no âmbito do RDGNR anterior (cf. n° 9 e 10 do probatório), a Decisão Administrativa sancionou-o com a sanção mais desfavorável - muito embora tenha ponderado a sanção da reforma compulsiva, que existia no anterior Regulamento Disciplinar, acabou por lhe aplicar a sanção mais gravosa, violando, assim, e de novo, o Princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido e o n° 4 do art° 29° da CRP, o qual dispõe: "Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido".
Ora, não obstante a pena de separação de serviço já ser prevista no art° 33° do anterior RDGNR (Lei n° 145/99, de 1 de Setembro), porém, pressuposto da sua aplicação é a impossibilidade da relação funcional, pressuposto este que não se verifica, uma vez que o Requerente se tem mantido ao serviço (cf. n° 28 do probatório).
E tais considerações conduzem-nos à
B) Errada apreciação da prova no processo disciplinar, cujos factos foram transcritos do processo crime e a consequente improcedência da Resolução Fundamentada:
Conforme resulta do Relatório Final que serviu de fundamento à aplicação da sanção punitiva, os factos que lhe foram imputados foram transcritos "a partir do Relatório da Sentença do Processo NUIPC 1969/07.0 PBAMD" - cf. parte V - § 18. Do relatório Final, n° 16 do probatório.
Ora, acerca desta questão se tem pronunciado a jurisprudência, no sentido de que "O processo disciplinar é autónomo do processo criminai e do civil, uma vez que são diversos os fundamentos e fins, bem como os pressupostos da respetiva responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias, pelo que, a existência de disciplinar não está prejudicada ou condicionada em absoluto pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser tomada em processo penal ou civil." - cf. Ac. do TCA Norte de 10/04/2008, Processo n° 00387/04.6 BEPNF.
Vale isto por dizer que a valoração dos factos pelo Poder disciplinar, não tem de ser a mesma do Tribunal criminal, perante a autonomia de ambos os processos.
Além disso, atente-se que os factos que levaram à condenação do Autor ocorreram fora do âmbito das suas funções como militar da GNR, pelo que, a "colagem" dos factos do processo crime, sem que tenha sido acrescentado algum outro em sede disciplinar, conduzem a uma deficiente valoração da prova, atendendo ás diferentes finalidades de cada um dos processos.
Atente-se no que consta da Sentença proferida no processo n° 1145/16.0 BESNT que deferiu a providência requerida pelo mesmo Autor, e que a seguir se transcreve:
"Não pode, no entanto, deixar de se ter presente que no caso em apreço a pena disciplinar só foi aplicada ao Requerente em julho de 2016 (alínea tt) da matéria de facto), ou seja, passados cerca de oito anos e meio desde a data da prática dos factos que levaram à aplicação da pena disciplinar (alínea a) da matéria de facto), passados mais de cinco anos desde a data da abertura do processo disciplinar (alínea g) da matéria de facto) e passados mais de três anos da notificação do trânsito em julgado da decisão judicial que condenou o Requerente pela prática do crime (alínea u) da matéria de facto), tendo estado o Requerente no exercício das suas funções durante todo este período (alínea aaa) da matéria de facto).
A atuação da Entidade Requerida no âmbito do processo disciplinar - a demora na tramitação do processo, em particular depois de notificada do trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo criminal e a não aplicação de medidas preventivas - não se mostra, pois, compatível com as razões que agora, nesta sede, aduz para fundamentar a alegação de que os interesses públicos ficariam gravemente lesados pelo eventual deferimento da providência cautelar".
A transcrição da sentença proferida em 9/12/2016 também se aplica aos presentes autos - e conduzem à contradição e improcedência da Resolução Fundamentada ( cf. n° 27 do probatório).
Também a demora do processo disciplinar, a ausência de alarme social pela condenação do Autor, condenação esta ocorrida há mais de nove anos (em 18/05/2012, cf. n° 6 do probatório), a ausência de prejuízo para o interesse público, face à manutenção do Autor ao serviço da GNR (cf. n° 28 do probatório), tudo isso são razões que conduzem à improcedência da Resolução Fundamentada, aliás redigida de forma genérica e abstrata, ao contrário do que pretende o legislador ( cf. art° 128° n° 1 do CPTA)
C) Violação do P. de audiência e defesa
Também aqui resulta dos factos provados a irregularidade do processo disciplinar.
Com efeito, e não obstante terem sido ouvidas duas testemunhas arroladas pela defesa, não sem antes terem sido indeferidas (cf. n° 10 da parte V do relatório Final, n° 16 do probatório), só foram ouvidas duas testemunhas militares da GNR, quando se impunha a audição de Vanda Gouveia, João Santos e outros (...) e Emanuel Iria, também arrolados pelo Autor (cf. fls. 117/118 do p.a.), tanto mais que existia uma escassez de factos - ou seja, no processo disciplinar não se cuidou de apurar os factos, antes se esperou que fosse o Tribunal a apurá-los para que os mesmos fossem simplesmente transpostos e "colados" ao processo disciplinar - o que se mostrou manifestamente errado, face à autonomia de ambos os processos e aos diferentes fins que cada um prossegue.
Foi, assim, preterido o P. de audiência e defesa e, nesta parte, também assiste razão ao Autor
D) Prescrição do processo disciplinar
Quanto a esta matéria regem os arts. 46° do RDGNR de 99 (Lei n° 145/99, de 1 Setembro) e de 2014 (Lei n° 66/2014, de 28 Agosto), sendo que, a norma mais favorável é a que consta desta última, ao prescrever que a suspensão do processo disciplinar não pode ultrapassar três anos ( cf. n° 6 do art° 46° da Lei 66/2014).
Ora, resulta do probatório que o processo disciplinar ficou suspenso nove anos - primeiro, desde 7/11/2011 (cf. n° 4 do probatório) até ao trânsito em julgado da sentença (cf. n° 7 do p.a.). E depois, desde esta data (2016 até 13/08/2020, cf. n° 11 do probatório) - ou seja, cinco anos na primeira suspensão e depois, quatro anos na segunda - qualquer delas, isoladamente, superior a três anos e nove anos no total!
Ou seja: foi violada a norma constante do n° 6 do art° 46° da Lei n° 66/2014, aqui aplicada por ser a mais favorável ao arguido.
Tal norma - inserida agora pelo legislador no novo RDGNR, com o claro objetivo de assegurar a segurança jurídica e a certeza do direito - foi violada no presente caso, de onde resulta a prescrição do processo disciplinar De onde se conclui que, também aqui, assiste razão ao Requerente.
E) Falta de fundamentação na escolha da pena aplicada e violação do Princípio da Proporcionalidade
Atento o decurso do tempo dos factos praticados (em 2007, cf. n° 16 do probatório) ou seja, havia cerca de 14 anos à data do Despacho impugnado) deveria ter sido ponderada a aplicação de uma pena mais leve, e não aquela que implicava o afastamento do serviço, sem mais.
Foi violado o Princípio da proporcionalidade e a falta de fundamentação na escolha da pena aplicada, apenas tendo sido ponderadas penas expulsivas e não outras.
Razão por que o Tribunal considera que o processo disciplinar, além de prescrito, se mostra inquinado pelos apontados vícios, vícios que conduzirão à sua anulabilidade, por ter sido aplicada sanção violadora do Princípio da Proporcionalidade que deveria nortear a atuação da Administração.
A infração cometida pela Requerente foi grave, sem dúvida, porém, essa gravidade não foi ao ponto de comprometer a sua relação funcional, devendo bastar-se com a aplicação de sanção não tão grave.
Assim, e porque estamos em sede cautelar, de apreciação sumária e perfunctória, podemos concluir que o requerente, nos termos dos factos indiciariamente provados, goza de um fumus boni iuris a seu favor, sendo provável que a ação principal seja julgada procedente.
Quanto ao periculum in mora:
Atente-se na precária situação económica em que o requerente se encontra, conforme resulta do probatório. Sem dúvida que uma situação de despedimento consumado acarretaria para o mesma prejuízos de difícil reparação, se ficasse privado do seu salário, de que dispõe para sobreviver.
Assim, e quanto ao requisito do perigo na demora da decisão na ação principal, o tribunal considera que a não adoção da providência cautelar impede o requerente de continuar a auferir um salário e a fazer face aos seus encargos, sendo que a manutenção do vínculo laboral não se afigura impossível, atendendo a que se tem mantido ao serviço com comportamento de classe 1 e 2.
E quanto à ponderação de interesses (art° 120° n° 2 CPTA)
A Entidade Demandada - Ministério da Administração Interna - apresentou Resolução Fundamentada, nos termos do art° 128° do CPTA, porém, a mesma revela-se improcedente, face aos factos provados.
O que nos permite concluir pela probabilidade da ação principal ser procedente por procedência das ilegalidades que o Requerente indiciariamente aqui enuncia.
O mesmo é dizer que a procedência da pretensão material do requerente é provável.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“Julga-se procedente a presente providência cautelar e, em consequência:
a) Julga-se improcedente a Resolução Fundamentada
b) Julga-se procedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida (art° 128° n° 4 do CPTA)
c) Decreta-se a suspensão da eficácia do Despacho do Ministro da Administração Interna de 25 de Maio 2021, que aplicou ao requerente a pena de separação de serviço.”

Vejamos:
Entendeu o Tribunal a quo conceder provimento à providencia cautelar requerida, por entender estarem verificados os pressupostos previstos nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 120.° do CPTA, a saber, o periculum in mora, o fumus boni iuris e a prevalência do interesse particular em detrimento do interesse público.

Na apreciação do fumus boni iuris, entendeu o tribunal de 1ª Instância julgar procedentes os vícios de violação do caso julgado, de errada apreciação da prova no processo disciplinar e a consequente improcedência da resolução fundamentada, a violação dos direitos de audiência e defesa do arguido, a prescrição do processo disciplinar e a falta de fundamentação na escolha da pena aplicada e violação do princípio da proporcionalidade.
Vejamos:
Da violação do princípio do caso julgado.
Entendeu a este respeito o tribunal a quo que
«(…) analisando os factos que constam do probatório, constata-se que a Entidade Administrativa demandada - Ministério da Administração Interna - violou, efetivamente, a autoridade de caso julgado, porquanto, tendo sido julgada procedente a ação n° 1208/16.2BESNT, com o fundamento na violação do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido em matéria disciplinar e do disposto no n° 4 do art° 29° da CRP, por os factos terem sido cometidos no âmbito do RDGNR anterior (Cfr. n° 9 e 10 do probatório), a Decisão Administrativa sancionou-o com a sanção mais desfavorável - muito embora tenha ponderado a sanção da reforma compulsiva, que existia no anterior Regulamento Disciplinar, acabou por lhe aplicar a sanção mais gravosa, violando, assim, e de novo, o Princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido e o n° 4 do art° 29° da CRP, o qual dispõe: “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.»

Efetivamente, como já decidido na referida Ação 1208/16.2BESNT, “(…) o ato impugnado violou o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido em matéria disciplinar e o disposto no nº 4 do art. 29° da Constituição da República Portuguesa”, em face do que não poderia, a recorrente, renovar o ato anulado reincidindo nas ilegalidades anteriormente declaradas e transitadas em julgado.

É certo que na presente situação nunca chegou a ser aplicada a sanção da reforma compulsiva que pudesse vir a contender com a sanção de separação do serviço, mas a verdade é que esta sanção foi aplicada com base na aplicação imediata da Lei n° 66/2014, de 28/8, pelo que se reitera o afirmado no Acórdão do TCAS de 6/12/2017 (P° 314/17.0BESNT), onde se refere que “É certo que a sanção disciplinar de Separação do Serviço constava igualmente do elenco do EDGNR na redação anterior à da Lei n° 66/2014, não obstante, tendo o fundamento da sua aplicação assentado na eliminação da sanção inicialmente proposta do elenco das penas, não pode senão concluir-se que foi violado o princípio previsto no art. 2°/1 do Código Penal ...”.

Acresce que, no Relatório que suportou a renovada decisão, se afirma na parte X, o seguinte:
“Enquadramento legal da infração”: «Esta infração assim qualificada, de muito grave ... pode ser punida com a pena de SEPARAÇÃO DE SERVIÇO ... pelo que, a pena a aplicar-se ao caso concreto, seria a pena de Reforma Compulsiva (ponto 2) . Assim, esta infração assim qualificada ... pode ser punida com a pena de REFORMA COMPULSIVA (ponto 4), sendo essa mesma sanção proposta superiormente mas que não foi acolhida.

Assim, perante a sentença proferida na Ação 1208/16.2BESNT, é patente que não poderia agora ser aplicada a sanção disciplinar de separação de serviço, mas, sendo caso disso, tão-só a de reforma compulsiva, apesar de eliminada após a data dos factos.

Entendeu ainda o Tribunal a quo que existe uma «errada apreciação da prova no processo disciplinar, cujos factos foram transcritos do processo crime e a consequente improcedência da Resolução Fundamentada».

Entendeu o Tribunal de 1ª Instância que a «valoração dos factos pelo Poder disciplinar, não tem de ser a mesma do Tribunal criminal, perante a autonomia de ambos os processos. Além disso, atente-se que os factos que levaram à condenação do Autor ocorreram fora do âmbito das suas funções como militar da GNR, pelo que, a “colagem” dos factos do processo crime, sem que tenha sido acrescentado algum outro em sede disciplinar, conduzem a uma deficiente valoração da prova, atendendo ás diferentes finalidades de cada um dos processos.»
Mais se afirma que «a demora do processo disciplinar, a ausência de alarme social pela condenação do Autor, condenação esta ocorrida há mais de nove anos (em 18/05/2012, cf n° 6 do probatório), a ausência de prejuízo para o interesse público, face à manutenção do Autor ao serviço da GNR (cf. n° 28 do probatório), tudo isso são razões que conduzem à improcedência da Resolução Fundamentada, aliás redigida de forma genérica e abstrata, ao contrário do que pretende o legislador ( cf- art° 128° n° 1 do CPTA)».

A independência do processo disciplinar face ao processo crime ou civil é hoje um facto pacifico.

Em qualquer caso, a circunstancia dos controvertidos atos terem sido praticados fora do âmbito das suas funções mostra-se irrelevante para a sua gravidade, na medida em que um militar da GNR deve em qualquer circunstancias respeitar os deveres a que se encontra adstrito (Cfr, Vg. artigo 8.°, n.° 1 do Regulamento de Disciplina, o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 30/2017, de 22 de março).

A jurisprudência tem admitido que em caso de condenação do réu em processo penal, os factos dados como provados vinculam a entidade administrativa em sede de processo disciplinar, independentemente da apreciação e ponderação que seja feita dos mesmos.

Veja a este propósito o afirmado no Acórdão do STA nº 0794/11.8BESNT, de 15.11.2018:
«A decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.
(…)
Resulta desta autonomia que ao mesmo agente possa ser aplicada uma pena criminal e uma pena disciplinar, pelos mesmos factos, sem que daí decorra a violação do princípio ne bis in idem, por ser distinta a natureza dos interesses, valores e bens que se pretendem salvaguardar com os respetivos ordenamentos normativos.
Com efeito, são diferentes os fundamentos e fins das respetivas penas, bem como os pressupostos da respetiva responsabilidade, podendo divergir as valorações que em cada um desses processos se faz dos mesmos factos e circunstâncias.

A autonomia do procedimento disciplinar relativamente ao processo penal é hoje um dado adquirido.

O ilícito disciplinar não é, assim, um minus, mas um alliud relativamente ao ilícito criminal, sem prejuízo de algumas projeções, especialmente previstas na lei, do processo penal no ilícito disciplinar (cf por exemplo, os art.ºs. 4°, n° 3 e art.° 7°, n° 3 do ED).

Tem-se discutido, a propósito, ainda da referida autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo crime, qual a repercussão que tem, no ordenamento jurídico, a decisão proferida em processo crime, e para o que aqui nos interessa, quais os efeitos do caso julgado penal (condenatório ou absolutório) no âmbito do processo disciplinar.

A questão que se suscita é tão só a de saber se a decisão a proferir em processo disciplinar terá ou não de atender à factualidade provada no processo crime, ou poderá alhear-se dessa mesma factualidade, produzindo prova, em sede disciplinar, sobre esses mesmos factos, ou seja, abrindo a possibilidade do arguido, depois de condenado por eles, em sede criminal. Voltar a discuti-los agora em sede disciplinar.

É, como vimos, pacifico o entendimento de acordo com o qual pese embora a autonomia entre os dois processos, a decisão disciplinar não deverá deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objeto de apreciação no processo disciplinar.

«O caso julgado penal apenas abrange os factos provados (e os seus autores), já não os factos não provados», por isso, «a decisão proferida em processo penal, transitado em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, podendo, contudo, a Administração proceder a uma qualificação jurídica diversa dos mesmos, à luz do direito disciplinar», acs. do STA de 28.01.99, rec. 32788 e de 18.02.99, rec. 37476 e L. Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, p.116.

Mostra-se, assim, que o processo crime e o processo disciplinar julgados com base nos mesmos factos, determina que a decisão criminal condenatória vincula a entidade administrativa quanto à matéria de facto provada.

Contrariamente ao que entende a sentença recorrida, a «colagem» dos factos dados como provados em processo crime é permitida e encorajada, dispensando-se, em principio, outras diligencias de prova, o que se mostraria inútil e redundante.

O Tribunal a quo assenta ainda o seu entendimento, na circunstancia de já terem passado então mais de nove anos sobre a condenação criminal do recorrido, para concluir pela ausência de alarme social na manutenção da suspensão dos efeitos do ato suspendendo, importando também verificar se se mostram ultrapassados os prazos prescricionais.

Efetivamente, quanto à declarada prescrição do procedimento disciplinar acompanhando-se, a esse respeito, o teor do Parecer do Ministério Público nesta instância que, por sua vez, assenta no decidido na Ação n° 1208/16.2 BESNT, tendo em conta o prazo prescricional aplicável de 10 anos, (art.s 46°/2 do RDGNR e 118°-1/b do Cod. Penal) com início em 1/11/2007 e o facto interruptivo com a notificação da acusação, em 8/9/2016, (art. 46°/4 do RDGNR), reiniciando-se então a contagem do prazo (art. 326°/1 do Cod. Civil) o mesmo não se esgotou, nem foi ultrapassado o prazo de 15 anos prescrito no art. 46°/7 do RDGNR, com referência à data da decisão sob impugnação (25/5/2021).

Da Resolução Fundamentada:
Neste aspeto acolhemos, no essencial, a apreciação feita em 1ª Instância, reportando-se à Sentença proferida no processo n° 1145/16.0BESNT respeitante ao mesmo Autor.

Aí se afirmou, com relevância para a presente Ação, o seguinte:
"Não pode, no entanto, deixar de se ter presente que no caso em apreço a pena disciplinar só foi aplicada ao Requerente em julho de 2016 (alínea tt) da matéria de facto), ou seja, passados cerca de oito anos e meio desde a data da prática dos factos que levaram à aplicação da pena disciplinar (alínea a) da matéria de facto), passados mais de cinco anos desde a data da abertura do processo disciplinar (alínea g) da matéria de facto) e passados mais de três anos da notificação do trânsito em julgado da decisão judicial que condenou o Requerente pela prática do crime (alínea u) da matéria de facto), tendo estado o Requerente no exercício das suas funções durante todo este período (alínea aaa) da matéria de facto").
Tanta demora não se mostra, pois, compatível com as razões que agora, nesta sede, aduz para fundamentar a alegação de que os interesses públicos ficariam gravemente lesados pelo eventual deferimento da providência cautelar".
O que se afirmou na sentença proferida em 9/12/2016 vale aqui, por maioria de razão, atento o acrescido período de tempo entretanto decorrido.

De igual modo, a ausência de alarme social pela condenação do autor, condenação esta ocorrida há mais de dez anos (em 18/05/2012), a ausência de prejuízo para o interesse público, face à manutenção do autor ao serviço da GNR, tudo isso são razões que conduzem à improcedência da Resolução Fundamentada.

Termos em que deverá ser negado provimento ao Recurso face à Resolução Fundamentada.

A sentença recorrida entendeu ainda que o direito de audiência e defesa do recorrido fora violado, fundando-se no facto de «não obstante terem sido ouvidas duas testemunhas arroladas pela defesa, não sem antes terem sido indeferidas (cf. n° 10 da parte V do relatório Final, n° 16 do probatório), só foram ouvidas duas testemunhas militares da GNR, quando se impunha a audição de V……, J……. e outros (...) e E….., também arrolados pelo Autor (cf. fls. 117/118 do p.a.), tanto mais que existia uma escassez de factos - ou seja, no processo disciplinar não se cuidou de apurar os factos, antes se esperou que fosse o Tribunal a apurá-los para que os mesmos fossem simplesmente transpostos e “colados” ao processo disciplinar - o que se mostrou manifestamente errado, face à autonomia de ambos os processos e aos diferentes fins que cada um prossegue.»

Como se abordou já, não há obrigatoriedade de no processo disciplinar serem repetidas as diligências probatórias levadas a cabo no processo crime, o que se mostraria, até, redundante e inútil.

Acresce que nas providências Cautelares, por natureza processos urgentes, e cuja análise se pressupõe predominantemente perfunctória, a inquirição de testemunhas sempre terá natureza residual e excecional.

Com efeito, a sentença que transitou em julgado menciona expressamente que ficou provado que o arguido se encontrava a exercer funções de vigilância privada no estabelecimento em que ocorreram as agressões que conduziram à condenação do mesmo - veja-se n° 2 de II - Fundamentação de facto, a fls. 65 v - pelo que se revelaria inútil, redundante e dilatório ouvir testemunhas relativamente a questões já assentes.

Entendemos, assim, improceder o referido vicio.

Considerou, depois, o Tribunal a quo que a escolha da pena aplicada não se encontra devidamente fundamentada, violando o princípio da proporcionalidade.

A manutenção do militar ao serviço resulta certamente de um juízo de prognose, realizado pela sua hierarquia, não só considerando os factos no momento em que foram praticados, mas também aos factos posteriores ao momento da prática do facto, nomeadamente o percurso profissional do militar, assentando não só na gravidade objetiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do ato e das circunstâncias em que foi cometido.

É certo que o tribunal não se encontra impedido de sindicar a legalidade da decisão punitiva que ofenda os critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que ultrapasse os limites normativo-constitucionais, aferindo se foram ou não ponderadas as circunstâncias concretas do ato, sendo que competiria à GNR demonstrar a prejudicialidade de manter agora o referido militar ao serviço, ainda que cautelar e provisoriamente.

Esta tarefa não seria, porém, arbitrária, pois sempre se regeria pelos princípios de vinculação ao fim, da imparcialidade e da proporcionalidade, que são orientadores da atividade decisória, cabendo aos tribunais administrativos a função de verificar se a Administração se moveu dentro dos aludidos parâmetros.

Não basta ao MAI indicar e explanar a violação de princípios e deveres de natureza disciplinar, importando ainda mais provar que essa violação determina necessariamente a aplicação de uma pena expulsiva, o que não logrou alcançar.

Como se disse já, se é certo que a conduta do militar da GNR violou gravemente os deveres decorrentes da sua função, ainda que praticada fora do exercício funcional, mostrando-se indigna de um agente da autoridade, potencialmente lesiva da imagem da GNR, tal não poderá significar que de imediato, e sem quaisquer antecedentes de natureza disciplinar, que tenha de determinar automática e necessariamente, sem mais, a aplicação de pena expulsiva.

Como resulta demonstrado, ficou por provar que a prática da infração imputada ao Recorrido determine a aplicação de uma pena expulsiva.

É patente que a Administração, fruto da sua intenção de penalizar o prevaricador, tornando-o num exemplo para a corporação, não cuidou de avaliar, ponderadamente todos os factos conexos com a prática da infração, o que determinou a aplicação de uma pena expulsiva, manifestamente desproporcional à infração praticada, pois que na escolha da pena terá sempre de ser dada preferência àquela que se mostre adequada e suficiente às finalidades da punição.

Aqui chegados, reitera-se que não é possível afirmar que o MAI tenha preenchido os vários conceitos mais ou menos indeterminados, tendentes a concluir pela necessidade de aplicação de pena expulsiva.

Entende-se, pois, que foi violado o Princípio da proporcionalidade na escolha da pena aplicada, vício este que deve conduzir necessariamente à sua anulação.

Neste sentido se pronunciou, quer o Tribunal a quo, quer o Magistrado do Ministério Público já nesta instancia de Recurso.

O ato objeto de impugnação está, assim, ferido do vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de Direito, gerador de anulabilidade.

É certo que o despacho suspendendo, que aplicou ao recorrido a pena disciplinar de separação de serviço, teve em consideração o relatório final, elaborado pelo instrutor, a deliberação do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, a proposta do Comandante-Geral da GNR e o parecer da Assessoria Jurídica deste Ministério, mas tal, ainda assim, não se mostra fundamento suficiente para que se possa entender que a pena aplicada se mostre proporcional, quer à infração praticada, quer ao momento e circunstâncias em que a mesma ocorreu.

Pelo conjunto da argumentação supra expendida, entende-se perfunctoriamente que se encontra demonstrado o fumus boni iuris, enquanto pressuposto de deferimento de uma qualquer Providência Cautelar,

Do Periculum In Mora
Na ponderação agora da verificação do requisito do periculum in mora, o Tribunal a quo «considera que a não adoção da providência cautelar impede o requerente de continuar a auferir um salário e a fazer face aos seus encargos».

Como é sabido, o periculum in mora consiste no fundado receio do requerente em que se constitua uma situação de facto ou de direito que seja dificilmente reparável posteriormente, no processo principal (primeiro período do n.° 1, do art.° 120.° do CPTA), atenta a morosidade normal do processo contencioso principal.

As providências cautelares não se destinam a evitar a produção de todo e qualquer tipo de prejuízo, mas apenas daquele prejuízo que, pela sua natureza ou magnitude, seja de difícil reparação e que resulte necessariamente de um comportamento da entidade requerida contrário ao direito, um prejuízo caracterizado ou qualificado.

Denota-se a verificação do "periculum in mora" atenta a circunstância de se ter dado como provado que o Militar da GNR se encontrar numa situação económica difícil, sem condições de poder fazer face aos seus encargos familiares.

A este propósito, refere-se no Acórdão do STA de 15 de novembro de 2018, proferido no processo n° 0229/17.2 BELSB que “(…) Tal como tem sido jurisprudência assente do facto de facilmente ser quantificável o prejuízo pecuniário resultante da privação/redução de vencimentos não se pode sem mais concluir pela inexistência de periculum in mora, pois, será de reputar como irreparável ou de difícil reparação quando essa privação/redução puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar (…)”.

Da factualidade disponível e dada como provada resulta que o Militar da GNR vive em união de facto e tem três filhos menores, recebendo mensalmente o salário líquido de €536,90.

Como se discorreu no Acórdão do TCAN de 24.2.2017 (proc. n° 01003/ 16.9BEPNF), aqui aplicável, mutatis mutandis, Ficou demonstrado nos autos que o recorrido não tem outros meios económicos de subsistência a não ser o salário que auferia e do qual ficou privado desde 10/08/2016. Sendo esta a única fonte de rendimentos do recorrido, e tendo em conta os seus encargos elencados nos artigos 46° a 48° da petição (vg. Crédito à habitação; Prestação Automóvel luz; água, medicamentos etc.), o não decretamento da providência, com a natural demora processual da ação principal, causará natural e seguramente prejuízos de difícil reparação.
Sem surpresa, e no que concerne ao periculum in mora, não é pois de estranhar que a ausência de salário por parte do Recorrido, em resultado do seu despedimento, determine na sua economia doméstica, consequências nefastas, mostrando-se assim preenchido o referido pressuposto, atenta a prova produzida.”

É assim patente que a privação da remuneração do recorrente, não só coloca em risco as satisfação das suas necessidades pessoais elementares, como tais danos são de difícil reparação.
Reitera-se que mesmo cingindo-nos à matéria de facto dada como provada, o aqui Recorrente auferia mensalmente, à data do “despedimento” €536,90 líquidos, montante de que se verá privado pela aplicação da pena disciplinar, o que não pode ser ignorado em sede de análise da verificação do Periculum in mora.

Em qualquer caso, tendo o próprio tribunal a quo dado como provados o referido facto remuneratório, não pode o mesmo deixar de ser considerados na decisão a proferir.

Efetivamente, a circunstância do aqui Recorrente, em resultado do ato cuja suspensão vem requerida, ficar privado de valor equivalente a €536,90, naturalmente que tal terá necessariamente consequências no quadro da gestão da sua economia familiar.

Como resulta, entre muitos outros, do sumariado no Acórdão deste TCAN de 08/06/2012, no Procº nº 02019/10.4BEPRT-B, “O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Não é, todavia, um qualquer perigo de dano que justifica ou pode fundar a decretação duma providência cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual. (...)”

Em concreto, perante um agregado familiar sem muitos recursos, o corte repentino de cerca de €536,90 mensais, não difícil percecionar que o Recorrente terá óbvias dificuldades em satisfazer as suas obrigações correntes, o que poderá inclusivamente condicionar ou comprometer a sua subsistência.

Como já se afirmou no Acórdão deste TCAN n.º 00831/14.4BEAVR, de 24.04.2015, “Para aferir da verificação ou não deste requisito, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar (…)”
“Nesse juízo de prognose, o juiz deve, por conseguinte, atender a todos os prejuízos que se mostrem relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais, sendo certo que o fundado receio na constituição de uma situação de facto consumado ou da verificação de prejuízos de difícil ou impossível reparação terá sempre de se alicerçar em circunstâncias factuais que revelem, de forma objetiva, a iminência da lesão e a necessidade imperiosa de serem tomadas providências que obstem à produção de tais prejuízos, não sendo apto para o efeito, as simples conjeturas ou receios subjetivos.” (cfr. Acórdão do TCAN de 15.05.2014, processo n.º 02897/13.5BEPRT.

Importa recordar que as providências cautelares têm como objetivo essencial a composição provisória de uma situação jurídica por forma a acautelar o efeito útil de futura e eventual decisão de procedência da ação principal (periculum in mora).

A tutela cautelar tende assim a salvaguardar o efeito útil da sentença a proferir na correspondente ação principal, enquanto garante da tutela jurisdicional efetiva.

O Juiz terá assim de se colocar na situação futura de uma hipotética sentença de procedência da ação principal, verificando perfunctoriamente se existirão razões para julgar que tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis para quem dela pretende beneficiar, que obstem à reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença.

Dos elementos disponíveis ficou pois demonstrado o fundado receio de que, se a providência de suspensão de eficácia da identificada decisão administrativa for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade, ou, de todo o modo, pelo menos, que os danos entretanto produzidos serão de difícil reparação.

Sem surpresa, e no que concerne ao periculum in mora, não é pois difícil alcançar que o corte do seu vencimento mensal irá causar danos potencialmente irreversíveis e nefastos para a economia pessoal e familiar do Militar, mostrando-se assim preenchido o referido pressuposto, atenta a prova produzida.

Como se sumariou no Acórdão do STA nº 0844/14, de 27-11-2014 “O «periculum in mora» visa apurar se a prolação tardia de um juízo definitivo na causa principal é suscetível de promover danos em grau tão elevado, ou de produzir uma situação de tal modo irreversível, que a eficácia reintegratória da decisão principal já não assegure a plena reconstituição anterior, por a mesma ser muito difícil ou impossível;

Como se sumariou igualmente no Acórdão do TCAS nº 2963/16.5BELSB de 21.09.2017, “A adoção de uma providência cautelar exige, além do mais, que se mostre verificado o periculum in mora, o que sucede sempre que existe fundado receio de que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.”

Atento tudo quanto supra se expendeu, entende-se que se encontra suficientemente preenchido o requisito do periculum in mora, em face do que terá o tribunal a quo neste aspeto decidido corretamente, ainda que se não acompanhe integralmente a fundamentação aduzida.

Da ponderação de Interesses
Quanto à ponderação de interesses, de acordo com o artigo 120°, n.° 2 do CPTA, e tendo em conta a improcedência da Resolução Fundamentada, apresentada pelo Ministério da Administração Interna, que foi julgada improcedente, é patente, só por si, que a adoção da providência cautelar não provocaria danos ao interesse público desproporcionados em relação àqueles que se pretende evitar que fossem causados.

Em termos lineares e simplistas, se é certo que o “despedimento” do militar irá determinar imediatos e compreensíveis constrangimentos no seu orçamento familiar, já a manutenção ao serviço do mesmo, não evidencia quaisquer consequências perniciosas imediatas para a GNR, tanto mais que, passados mais de 14 anos sobre a infração, já a mesma não tem qualquer repercussão pública.

Efetivamente, tendo o requisito da ponderação de interesses natureza negativa, sempre caberia ao MAI/GNR o ónus de alegação e prova dos factos tendentes ao preenchimento do mesmo.

Assim e em face do que precede, ponderadas as referenciadas circunstâncias afigura-se que não existem razões de interesse público que se superiorizem à gravidade das consequências que resultarão para o Militar perante a não concessão da providência requerida, privado da sua fonte de rendimentos.

Entende-se, pois, que os danos resultantes da recusa da providência são claramente superiores para o aqui Recorrido do que os decorrentes da sua concessão, para o MAI/GNR, tanto mais que não é previsível que a procedência da providência possa vir a ter quaisquer consequências negativas no serviço ou na imagem da GNR, atenta até a sua natureza meramente perfunctória.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, embora com fundamentação acrescida e nem sempre coincidente, confirmar o sentido da Sentença objeto de Recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de outubro de 2023

Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Carlos Araújo