Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:554/06.8BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SUJEITO PASSIVO MISTO
SUBVENÇÕES
BASE TRIBUTÁVEL
PRORATA
Sumário:I – Assume a qualificação e a denominação de sujeito passivo misto quem faz a utilização mista dos seus inputs em que foi suportado IVA, afetando-os simultaneamente a operações que conferem o direito à dedução (operações tributáveis ou isentas com direito à dedução – isenção completa) e a operações que não conferem esse direito (operações não sujeitas ou sujeitas mas isentas sem direito à dedução – isenção incompleta);
II - O recebimento das subvenções que não entram no preço do bem ou do serviço prestado, e por conseguinte, não fazem parte da base tributável do IVA, não influenciam a qualificação de quem as recebe como sujeito passivo misto.
III-A limitação do direito à dedução imposta pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIVA pressupõe que o sujeito passivo subvencionado seja um “sujeito passivo misto”.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:(ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente e ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “S…, LDA” tendo por objeto o deferimento parcial do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Juros Compensatórios (JC), respeitantes ao exercício de 1999.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


Assim, nos termos dos artigos 639.º e 640.º (anteriores artigos 685°-A e 685°-B) do CPC:

a) Foram violados pela douta sentença o artigo 9/11 do Código do IVA (actual número 10), em conjugação com o artigo 12/1 alínea a) [à data em vigor], artigo 20/1 alínea a), o artigo 16/7 do CIVA à data em vigor e o artigo 23/1 e 4, todos do CIVA.

b) Está em causa nos presentes autos um apoio financeiro não reembolsável (subsídio à exploração) no valor de 661.911$00 (3.301,60€), concedido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional de Pinhel nos termos da Portaria n° 268/97, de 18/04 - estágios profissionais - relativamente à contratação de um estagiário, conforme documentos contabilísticos n° 8, 9 e 10, de Novembro/1999, o qual está isento de IVA ao abrigo do n° 11 do artigo 9.º do CIVA, como expressamente se refere nos respectivos documentos de suporte, não tendo relativamente a este proveito sido exercida a opção prevista no artigo 12/1 alínea a) do CIVA nem a opção então prevista no artigo 16/7 também do CIVA.

c) Ou seja, estão em causa proveitos que se enquadram no artigo 9.º, n° 11 do Código do IVA (actual número 10), nos termos do qual “estão isentas de imposto as prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico, efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes.”

d) Está em causa a obtenção de proveitos no âmbito do exercício duma actividade isenta nos termos do artigo 9/11 do CIVA, em relação à qual o sujeito passivo de IVA, nos custos incorridos, suporta IVA que não pode deduzir.

e) Sendo que, caso a impugnante tivesse, relativamente a esta actividade, exercido a opção prevista no artigo 12/1 alínea a) do CIVA - renunciado à isenção - ou a opção então prevista no então artigo 16/7 também do CIVA, nos termos do qual “sempre que não for obrigatória a inclusão no valor tributável das subvenções recebidas, poderão os sujeitos passivos optar pela sua sujeição a imposto, retirando-o dos montantes recebidos”, então o IVA suportado a montante seria totalmente dedutível. A impugnante não exerceu qualquer destas opções então possíveis.

f) Assim, de facto, no exercício de 1999, a impugnante ora recorrida revela-se como um sujeito passivo que exerce actividades que conferem direito à dedução e actividades que não conferem direito à dedução do IVA suportado a montante, ou seja, como um sujeito passivo misto.

g) Como bem sabe e aceita a impugnante, os subsídios recebidos não têm a natureza de subsídios de equipamento e a própria impugnante refere que o subsídio do IEFP aos estágios profissionais no valor de 661.911 $00 (concedido nos termos do artigo do artigo 13° da portaria n° 268/97, de 18/04), foi recebido a título de apoio financeiro não reembolsável isento de IVA ao abrigo do artigo 9/11 do Código do IVA (actual número 10).

h) Deste modo, o subsídio recebido assimila-se a contraprestação das prestações de serviço, e dado que estas beneficiam de isenção nos termos do n° 11 (actual número 10) do artigo 9.º do Cl VA, conforme é referido nos recibos emitidos pela impugnante, então constituem o valor tributável de operação isenta sem direito a dedução, isto é, não sendo tributável também não confere o direito a dedução, conforme resulta da conjugação da citada disposição com a alínea a) do n° 1 do artigo 20° do CIVA.

i) Trata-se, pois, de uma isenção incompleta em que o sujeito passivo não liquida imposto nas operações praticadas nesse âmbito, mas também não tem direito de deduzir o imposto suportado nas aquisições. Ao praticar simultaneamente operações isentas que não conferem direito à dedução do imposto, e operações não isentas que conferem esse direito, deveria atender, para efeitos da respectiva dedução ao disposto no artigo 23° do CIVA.

j) Nos termos do artigo 23/1 do CIVA “quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução”. Explicitando depois o mesmo artigo 23/4 que “a percentagem de dedução referida no n.° 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do art. 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”.

k) Artigo 23° do CIVA que não viola, pelo contrário, o estatuído nos artigos 17/5 e 19° da Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17/05/1977. Estabelece nomeadamente o artigo 19/1 da Sexta Directiva que “os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A), n° 1, alínea a), do artigo 11”, ou seja, subvenções directamente relacionadas com o preço dos bens ou das prestações de serviços, sendo certo que a actual Directiva relativa ao sistema comum do IVA - Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006 - estabelece também no seu artigo 174° que “os Estados-Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º”.

l) Por outro lado, ainda que se considerasse estar em causa um sujeito passivo que no ano de 1999 apenas realizou operações sujeitas a IVA e dele não isentas, para além da presente situação, outras há em que a impugnante se verá impossibilitada de deduzir o IVA suportado a montante, como é o caso do IVA contido nas despesas elencadas no artigo 21° do CIVA. Assim, ainda que se considerasse estar em causa um sujeito passivo integral, para além da situação presente, outras excepçoes ao direito à dedução do IVA suportado a montante estão previstas no CIVA, por razões orçamentais, dificuldades de fiscalização, ou outros valores extra-fiscais, que o legislador julga superiores ao princípio da neutralidade que perpassa toda a roupagem jurídica do IVA.

m) Deverá, pois, ser revogada a douta sentença e ser julgada improcedente a impugnação.

n) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, no procedimento de inspecção tributária, na reclamação graciosa, no recurso hierárquico, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.


***

A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul teve vista pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

A) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 8171, de 15/05/2001, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças da Guarda efectuaram uma acção de inspecção tributária à Impugnante, de âmbito parcial, com incidência ao IRC e IVA do exercício de 1999, tendo, em 18/09/2001, sido elaborado o respectivo relatório de inspecção tributária [cf. fls. 57 a 67 do PA apenso].

B) No exercício de 1999, a Impugnante encontrava-se colectada no Serviço de Finanças de Pinhel pelo exercício da actividade de “Arquitectura, engenharia e afins” – CAE 74201 [cf. fls. 57 do processo administrativo (PA) apenso].

C) Em resultado das conclusões da acção inspectiva foi efectuada, entre outras, uma correcção de natureza meramente aritmética ao IVA do exercício de 1999, tendo sido apurado imposto em falta no montante de 1.098.790$00 (5.480,74€) [cf. fls. 58 do PA apenso].

D) Em relação à correcção mencionada na alínea anterior, pode ler-se no relatório de inspecção tributária o seguinte:

«(…)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

1. IVA (RN trimestral)

1.1. O Sujeito passivo possui operações não tributadas, que por isso não conferem direito à dedução, e assim o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem (prorata) correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução (artº 23, nº 1 do CIVA), facto que não revelado na declaração de registo, não tendo por conseguinte indicado a percentagem estimada de dedução, nem efectuada a dedução do imposto segundo a afectação real (artº 23º, nºs 2 e 4), e consequentemente foi deduzida indevidamente a totalidade do IVA suportado.

1.2. As operações que não dão lugar a dedução foram as seguintes:

a) Apoio financeiro sob a forma de subsídio não reembolsável, para a criação de três postos de trabalho, no montante de 3 972 240$00, concedido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional – Centro de Emprego de Pinhel, ao abrigo do DL nº 189/96, 8.10, comprometendo-se a entidade beneficiária a não reduzir o nível de emprego até ao final do reembolso da parte concedida sob a forma de empréstimo sem juros (3 310 200$00), ou seja durante cinco anos, de acordo com os nºs 7, alínea a) e 11 do termo de responsabilidade de 30.6.99, conforme documento contabilístico nº 3, de Agosto/99 e documentação anexa – Anexo 1.

Trata-se de um subsídio não sujeito a tributação, uma vez que não se ajusta aos limites conceptuais da alínea c) do nº 5 do artigo 16º do CIVA, mas influencia o direito à dedução.

b) Apoio financeiro não reembolsável (subsídio à exploração) no valor de 661 911$00, concedido pelo IEFP – Pinhel nos termos da Portaria nº 268/97, de 18.4 (estágios profissionais), relativamente à contratação de um estagiário, conforme documentos contabilísticos nºs 8, 9 e 10, de Novembro/99, o qual está isento de IVA ao abrigo do nº 11 do artigo 9º do Código, como se refere naqueles documentos, e também não foi exercida a opção pela sujeição a imposto prevista no nº 7 do artigo 16º do CIVA – Anexos 2/3/4.

1.3. Cálculo do prorata (artº 23º, nº 4)

1.4. IVA deduzido

1.5. IVA em falta (dedução em excesso)

Período de 99.12T

(…)» [cf. fls. 57 a 67 do PA apenso].

E) O relatório de inspecção tributária foi objecto de parecer concordante do Chefe de Equipa e despacho de sancionamento do Director de Finanças da Guarda [cf. fls. 57 do PA apenso].

G) Na sequência da inspecção tributária foram emitidas, em nome da Impugnante, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios com os n.ºs 01192516 e 01192515, relativas ao ano de 1999, respectivamente, nos montantes a pagar de 5.480,74€ (1.098.790$00) e de 610,69€ (122.432$00), ambas com data limite de pagamento até 31/12/2001 [cf. fls. 88 e 89 do PA apenso].

H) Em 28/12/2001, a Impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Pinhel, reclamação graciosa contra as liquidações mencionadas na alínea anterior, nos termos constantes de fls. 94 a 95 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido [cf. fls. não numeradas do PA apenso].

I) Para cobrança das liquidações mencionadas em G) foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs 1252021000110 e 1252021000128 [cf. fls. 29 e 30 dos presentes autos].

J) Em 05/08/2002, a Impugnante constituiu garantia bancária até ao montante de 7.790,63€, para servir de caução nos processos de execução fiscal mencionados na alínea anterior [cf. fls. 31 dos presentes autos].

K) Em 10/08/2004, na Direcção de Finanças da Guarda, foi elaborada informação no sentido do indeferimento da reclamação graciosa mencionada em H), nos termos constantes de fls. 384 a 386 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

L) Em 19/08/2004, após exercício do direito de audição, o Director de Finanças da Guarda proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos constantes de fls. 381 a 383 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

M) Em 20/09/2004, do despacho de indeferimento mencionado na alínea anterior, a Impugnante interpôs recurso hierárquico dirigido ao Director Geral dos Impostos, nos termos constantes de fls. 2 a 10 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

N) Em 07/04/2006, na Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (DSIVA), foi elaborada informação sobre o recurso hierárquico interposto pela Impugnante, constante de fls. não numeradas do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido, e da qual se destaca o seguinte:

«(…)

Estando em causa o direito á dedução total ou parcial do imposto suportado nos “inputs”, relacionado com o facto de ter recebido subsídios do IEFP, que se indicam:

- a fundo perdido€ 19 813,45 (3 972 240$00)

subsídio reembolsável€ 16 511,21 (3 310 200$00)

- subsídio/contratação de estagiário€ 3 301,60 ( 661 911$00)

verifica-se:

-Tendo sido o entendimento proferido pela DSIVA, com despacho concordante do Ex.mo Senhor Director Geral dos Impostos, conforme informação vinculativa de 05 de Janeiro de 2005, que a parcela de Subsídio a Fundo Perdido no valor de € 19 813, 45, se trata de um “Subsídio ao Investimento/ Equipamento”, como tal, não deve ser considerado tributado nem influenciar o exercício do direito à dedução, uma vez que não é de incluir no denominador da fracção que determina a percentagem de dedução nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

No que se refere ao subsídio para contratação de um estagiário, de acordo com os elementos disponíveis, nomeadamente dos que constam da nova acção de diligências efectuadas aos elementos de escrita e contratuais do SP, no âmbito do processo de Reclamação Graciosa, onde se refere:

“Quanto ao subsídio relativo à contratação de um estagiário, sendo evidente que não reveste as características de um subsídio ao equipamento, e não sendo também tributado (a própria reclamante indica, nos recibos, a isenção ao abrigo do n.º 11 do artigo 9.º do CIVA), não poderá deixar de ser considerado no cálculo do prorata, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA”.

- Deste modo a percentagem de dedução a que o SP terá direito, é calculada como se indica, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA:


-A liquidação adicional recorrida, n.º 01192516 no valor de € 5 480,74 deve ser anulada/substituída, passando a nova liquidação adicional para um valor de € 1 957,41, conforme o explicitado nos itens anteriores. Em conformidade, a liquidação adicional n.º 01192515, relaiva a juros compensatórios, deve ser reajustada em função deste último valor.

(…)»

O) Em 06/06/2006, sob a informação que antecede, o Subdirector-Geral dos Imposto exarou o seguinte despacho: «Concordo, pelo que defiro parcialmente o presente recurso hierárquico, nos termos proposto nas conclusões da presente informação» [cf. fls. não numeradas do PA apenso].

P) A impugnante foi notificada da decisão mencionada na alínea anterior, através do ofício n.º 24473, de 05/07/2006, da Direcção de Finanças da Guarda [factualidade alegada no artigo 1.º da petição inicial e não contestada].


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Na decisão recorrida consta como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


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A decisão recorrida consignou como motivação da matéria de facto o seguinte:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na posição assumida pelas partes e nos documentos, não impugnados, juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a presente impugnação judicial, respeitante à liquidação adicional de IVA, e respetivos JC, respeitantes ao ano de 1999.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, ao ajuizar:

Ø Por um lado, que o sujeito passivo em questão não pode ser qualificado como um “sujeito passivo misto”, mas antes como um “sujeito passivo integral”, na medida em que o mero recebimento de subvenções não sujeitas a IVA não autoriza essa qualificação, e

Ø Por outro lado, que aos “sujeitos passivos integrais” não podem ser opostas as limitações ao exercício do direito à dedução que decorrem da imposição do método da percentagem da dedução.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, nada requerendo em termos de aditamento, substituição ou supressão do probatório-em nada podendo relevar, neste e para este efeito, o alegado em N), porquanto conclusivo e absolutamente genérico e sem qualquer substanciação e alocação concreta ao probatório- razão pela qual se encontra, devidamente, estabilizado o probatório dos autos.

Importa, assim, aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento tendo preterido os normativos 9.º, nº11, 12.º, nº1, 16.º, nº7, 23.º, nºs 1 e 4, todos do CIVA, na medida em que sendo a Recorrida um sujeito passivo misto, porquanto o subsídio recebido se assimila a contraprestação das prestações de serviço, e dado que estas beneficiam de isenção nos termos do n° 11 do artigo 9.º do CIVA, conforme é referido nos recibos emitidos pela Impugnante, ora Recorrida, constituem, assim, o valor tributável de operação isenta sem direito a dedução, isto é, não sendo tributável também não confere o direito a dedução, conforme resulta da conjugação da citada disposição com a alínea a), do n° 1, do artigo 20.° do CIVA.

Logo, ao praticar simultaneamente operações isentas que não conferem direito à dedução do imposto, e operações não isentas que conferem esse direito, teria de atender, para efeitos da respetiva dedução, ao disposto no artigo 23.° do CIVA.

Por seu turno, o Tribunal a quo esteou a procedência de acordo com a seguinte fundamentação jurídica que, ora, se extrata na parte que releva para os autos:

“Resulta do citado artigo 23.º do CIVA, numa interpretação conforme à Sexta Directiva, que o seu âmbito de aplicação se restringe às situações em que os sujeitos passivos pretendem exercer o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista, ou seja, os que são utilizados conjuntamente em actividades que conferem o direito a dedução e em actividades que não conferem esse direito.

Efectivamente, estando em causa a aquisição de bens ou serviços utilizados exclusivamente em operações do sujeito passivo que conferem direito à dedução do imposto, o respectivo imposto é objecto de dedução integral, nos termos do artigo 20.º do CIVA, não sendo objecto de qualquer limitação.

In casu, conforme decorre do relatório de inspecção tributária e da decisão de recurso hierárquico, na origem da liquidação impugnada está a circunstância da Administração Tributária (AT) ter considerado que a Impugnante deveria ter deduzido IVA de acordo com o disposto no artigo 23.º do CIVA, em virtude de ter recebido um subsídio à exploração, isento de tributação, para a realização de estágios profissionais.

Tal liquidação, porém, não se pode manter.

Com efeito, numa interpretação conforme o direito comunitário, as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento só devem integrar o denominador do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, nas situações em que os sujeitos passivos pretendem exercer o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista, ou seja, os que são utilizados conjuntamente em actividades que conferem o direito a dedução e em actividades que não conferem esse direito.

A este propósito, veja-se, o Acórdão do TJUE citado pela Impugnante, de 6 de Outubro de 2005, no Processo n.º C-204/03, em questão relacionada com a possibilidade conferida ao Estados membros de determinarem a inclusão das subvenções não tributadas, desligadas do preço das operações realizadas por um sujeito passivo, no denominador do pro rata de dedução.

Na economia do referido aresto, tal limitação do direito à dedução apenas pode abranger os sujeitos mistos, não podendo ser estendida aos sujeitos passivos integrais, ou seja, aqueles que pratiquem exclusivamente operações que permitam deduzir a totalidade do IVA suportado a montante.

Ora, não sendo a Impugnante um sujeito passivo misto, mas sim integral, a dedução do IVA por via do método do pro rata não tem aplicação.

Pelo exposto, forçoso é concluir que a liquidação adicional de IVA incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, devendo, em consequência, ser anulada, bem como a liquidação dos respectivos juros compensatórios.”

Vejamos, então, relevando, desde já, que não se vislumbra qualquer erro de julgamento tendo a decisão recorrida interpretado adequada e acertadamente o respetivo quadro jurídico com a devida transposição para o caso vertente.

Senão vejamos.

Começando por convocar o quadro normativo que releva para os presentes autos e tecer os considerandos que se reputam de interesse para a dilucidação da questão controvertida.

O IVA sendo um imposto de matriz comunitária, e plurifásico, assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (1) Xavier de Basto, José Guilherme A tributação do consumo e a sua coordenação internacional: lições sobre harmonização fiscal na comunidade económica europeia, Volume 164 de Cadernos de Ciência e Técnica fiscal, Centro de Estudos Fiscais, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças, 1991, p.41., designada como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Por conseguinte, deve garantir a neutralidade fiscal, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, ao princípio da igualdade de tratamento (2) Conforme resulta do Acórdão S. Puffer, C-460/07, de 23.04.2009.

Daí que o direito à dedução seja visto como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (3) Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos Mahagében e Dávid, C80/11, de 21.06.2012; Bonik, C285/11, de 06.12.2012; Petroma Transports C271/12, de 08.05.2013; Biosafe, C-8/17, de 12.04.2018; Volkswagen C-533/16, de 21.03.2018 e CTT-Correios de Portugal C-661/18, de 30.04.2020 e demais jurisprudência aí citada. Vide, também, a propósito do exercício do direito à dedução Palma, Clotilde Celorico, Introdução ao IVA, Cadernos do IDEFF, n.º I, Almedina, 6ª edição, abril 2020, pp. 228 a 231.

O regime de deduções instituído pela Diretiva IVA visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (4) Acórdão Marle Participations, C320/17, de 05.05.2018 e jurisprudência aí referida.

O crédito de imposto e o direito à dedução do IVA encontram-se regulados nos artigos 167.º a 192.º da Diretiva IVA resultando do artigo 168.º da citada Diretiva que, para poder beneficiar do direito a dedução é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo. Razão pela qual as operações que não se incluem no campo de aplicação da Diretiva IVA ou as que estejam isentas de IVA não dão, em princípio, direito a dedução.

No âmbito do direito interno importa ter presente e no que para os presentes autos releva, designadamente, o seguinte:

O artigo 1.º do CIVA estabelece a base de incidência do IVA, consignando de forma expressa que:

“Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b) As importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.”

Preceituando, por sua vez, os artigos 3.° e 6.° do CIVA sobre os casos de não incidência estando, por sua vez, os casos de isenção tipificados no artigo 9.º do CIVA.

Neste particular, e no que para os autos releva, estatui o artigo 9.º, nº11, que estão isentas de IVA, designadamente:

“(...)

11 - As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e as prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didático, efetuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes (…).”

De relevar, outrossim, o consignado no artigo 16.º, nºs 5 a 7, do CIVA, o qual a propósito do valor tributável nas transações internas consignava:

“5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, incluirá:

a) Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com exceção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

b) As despesas acessórias debitadas, como sejam as respeitantes a comissões, embalagem, transporte, seguros e publicidade efetuada por conta do cliente;

c) As subvenções diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

6 - Do valor tributável referido no número anterior serão excluídos:

a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;

b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos;

c) As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo contribuinte em contas de terceiros apropriadas;

d) As quantias respeitantes a embalagens, desde que as mesmas não tenham sido efetivamente transacionadas e da fatura ou documento equivalente constem os elementos referidos na parte final da alínea b) do nº 5 do artigo 35.º.

7 - Sempre que não for obrigatória a inclusão no valor tributável das subvenções recebidas, poderão os sujeitos passivos optar pela sua sujeição a imposto, retirando-o dos montantes recebidos.”

Por último, importa convocar o disposto no artigo 23.º do CIVA, o qual dispunha, à data, que:

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efetuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7 - Os sujeitos passivos que iniciem a atividade ou a alterem substancialmente poderão praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 30º e 31º.

8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fração será arredondado para a centésima imediatamente superior.

9 - Para efeitos do disposto neste artigo, poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a determinadas atividades, considerar como inexistentes as operações que deem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos nºs 2 e 3.”

Visto o direito que releva para o caso vertente, há, então, que responder se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ajuizar, por um lado, que o sujeito passivo em questão não pode ser qualificado como um “sujeito passivo misto”, mas antes como um “sujeito passivo integral”, na medida em que o mero recebimento de subvenções não sujeitas a IVA não autoriza essa qualificação, e por outro lado, que aos “sujeitos passivos integrais” não podem ser opostas as limitações ao exercício do direito à dedução que decorrem da imposição do método da percentagem da dedução.

E, como já deixámos antever e expresso anteriormente, não se vislumbra qualquer erro de julgamento.

Senão vejamos.

De relevar, desde logo, que no caso vertente, não é controvertida a qualificação da subvenção em questão e que a mesma não é tributada, residindo, como visto, o dissenso na qualificação do sujeito passivo e ulterior alcance, porquanto defende que a Recorrida deve ser qualificada como sujeito passivo misto, porquanto pratica operações sujeitas a imposto e operações isentas, estas últimas coadunadas, exclusivamente, com a perceção dos visados subsídios.

Porém, sem razão.

Como doutrinado por Rui Manuel Pereira da Costa Bastos (5) O Direito à Dedução do IVA, O caso Particular dos Inputs de Utilização Mista, Cadernos IDEFF, nº15, Almedina, 150., “[a] condição do sujeito passivo misto em sede de IVA, abrangida pelo disposto no art. 23.º do CIVA, não resulta propriamente do exercício simultâneo de operações que conferem à dedução e de operações que não conferem o direito à dedução e de operações que não conferem esse direito, mas sim, da utilização “mista” dos seus inputs, isto é, pela afetação simultânea dos inputs em que foi suportado IVA aos dois tipos de operações”.

E a verdade é que, transpondo, in casu, os considerandos supra expendidos para o recorte probatório dos autos, há que secundar o ajuizado na decisão visada, porquanto, inversamente ao propugnado pela Recorrente, o recebimento das subvenções que não entram no preço do bem ou do serviço prestado, e por conseguinte, não fazem parte da base tributável do IVA, não influenciam a qualificação de quem as recebe como sujeito passivo misto.

Dir-se-á, portanto, que não resultando, in casu, provado que a Recorrente exerça qualquer atividade isenta, e não assumindo, como visto, a subvenção em questão a possibilidade de qualquer equiparação enquanto exercício de qualquer atividade económica- inversamente ao propugnado pela Recorrente-o mesmo não pode ser qualificado como sujeito passivo misto.

Neste sentido, se doutrinou no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0512/10.8BEPRT, de 06 de maio de 2020, cujo sumário se transcreve infra:

“I – A limitação do direito à dedução imposta pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIVA pressupõe que o sujeito passivo subvencionado seja um «sujeito passivo misto»;

II – É «sujeito passivo misto» quem faz a utilização mista dos seus inputs em que foi suportado IVA, afectando-os simultaneamente a operações que conferem o direito à dedução (operações tributáveis ou isentas com direito à dedução – isenção completa) e a operações que não conferem esse direito (operações não sujeitas ou sujeitas mas isentas sem direito à dedução – isenção incompleta);

III - O recebimento de subvenções não tributadas e de quotizações dos associados de um organismo sem finalidade lucrativa não suporta a qualificação de quem as recebe como «sujeito passivo misto»;

IV - A administração tributária não demonstra que um organismo sem finalidade lucrativa é um «sujeito passivo misto» se, além do mais, não demonstra que a actividade económica que desenvolve é integrada por operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito.” (destaques e sublinhados nossos) [No mesmo sentido, se expendeu no Aresto do STA, proferido no processo nº 01593/13, de 15 de março de 2017.]

E, por assim ser, sendo a Recorrida, um “sujeito passivo integral”, inexiste qualquer legitimidade para efeitos de limitação do direito à dedução e consequente subsunção normativa no artigo 23.º do CIVA, porquanto este apenas permite limitar o direito à dedução, pela tomada em consideração das subvenções assim definidas, no caso dos sujeitos passivos mistos.

Neste concreto particular, importa chamar à colação o doutrinado no Acórdão do TJUE, processo C-204/03, de 06 de outubro de 2005, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“O artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva consagra o princípio do direito à dedução do IVA. Este direito tem por objecto o imposto que incidiu a montante sobre os bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributáveis. 22 Se o sujeito passivo efectuar simultaneamente operações tributáveis que conferem direito a dedução e operações isentas que não conferem esse direito, o artigo 17.°, n.° 5, desta directiva prevê que a dedução só é admitida para a parte do IVA que é proporcional ao montante das operações tributáveis. Este pro rata é calculado segundo as modalidades definidas no artigo 19.° da referida directiva.

Como o Tribunal de Justiça tem sublinhado repetidamente, toda e qualquer limitação do direito à dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva (v., designadamente, acórdãos de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França, 50/87, Colect, p. 4797, n.° 17; de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colect., p. I-1883, n.° 18, e de 8 de Janeiro de 2002, Metropol e Stadler, C-409/99, Colect, p. I-81, n.° 42). 24 A este propósito, importa notar que o artigo 19.° da Sexta Directiva, sob a epígrafe «Cálculo do pro rata de dedução», remete expressamente para o artigo 17.°, n.° 5, da mesma directiva, ao qual está integralmente ligado.

O disposto no artigo 19.°, n.° 1, segundo travessão, relativo às subvenções que não sejam as referidas no artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, isto é, as subvenções que não entram no preço do bem ou do serviço prestado e não fazem parte da base tributável do IVA, devem, portanto, ser lidas à luz do artigo 17.°, n.° 5. Ora, este último artigo, como resulta expressamente da sua letra, só abrange o caso dos sujeitos passivos mistos. Daqui resulta que, visto não constituir uma excepção aplicável aos sujeitos passivos mistos e integrais, o referido artigo 19.°, n.° 1, segundo travessão, permite unicamente limitar o direito à dedução, pela tomada em consideração das subvenções assim definidas, no caso dos sujeitos passivos mistos.

26 Por conseguinte, a regra geral constante da Lei n.° 37/1992, ao alargar a limitação do direito a dedução aos sujeitos passivos integrais, introduz uma limitação que excede a expressamente prevista nos artigos 17.°, n.° 5, e 19." da Sexta Directiva e desrespeita o disposto nessa directiva.

No que respeita à regra especial estabelecida pela referida lei, basta notar que essa regra introduz um mecanismo de limitação do direito a dedução que não está previsto nos artigos 17.°, n.° 5, e 19.° da Sexta Directiva nem em nenhuma outra norma desta última. Por conseguinte, semelhante mecanismo não é autorizado pela referida directiva.

28 A argumentação do Governo espanhol, segundo a qual a interpretação do artigo 19.° da Sexta Directiva que o mesmo propõe permitiria aos Estados-Membros melhor garantir o respeito do equilíbrio em matéria de concorrência e, consequentemente, do princípio da neutralidade do IVA, deve ser rejeitada. Com efeito, os Estados- -Membros são obrigados a aplicar a Sexta Directiva mesmo que a considerem perfectível. Como resulta do acórdão de 8 de Novembro de 2001, Comissão/Países.Baixos, C-338/98, Colect., p. I-8265, n. ° s 55 e 56, ainda que a interpretação proposta por determinados Estados-Membros permitisse melhor respeitar determinadas finalidades prosseguidas pela Sexta Directiva, como a neutralidade do imposto, os Estados-Membros não se podem afastar das normas nela expressamente previstas, introduzindo, no caso vertente, limitações ao direito à dedução para além das previstas nos artigos 17.° e 19." da referida directiva.

29 Quanto à limitação no tempo dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça requerida pelo Governo espanhol, refira-se que só numa situação excepcional é que o Tribunal de Justiça pode, por aplicação de um princípio geral de segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a decidir-se por essa limitação.

30.Quanto a este aspecto, como observou o advogado-geral no n.° 24 das suas conclusões, há que demonstrar que as autoridades estatais foram incitadas a adoptar uma legislação ou um comportamento não conforme com o direito comunitário devido a uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias em causa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Reino Unido, C-359/97, Colect, p. I-6355, n.° 92). Ora, essa incerteza não existia no caso vertente. Consequentemente, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

31 Do exposto se conclui que, ao estabelecer um pro rata de dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos que apenas efectuem operações tributáveis e ao instituir uma regra especial que limita a dedutibilidade do IVA que incide sobre a compra de bens ou serviços financiados por subvenções, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, designadamente, dos artigos 17.°, n. ° s 2 e 5, e 19.° da Sexta Directiva.” (destaques e sublinhados nossos).

Face a todo o supra expendido, resulta perentório que o mecanismo do pro rata só pode ser utilizado por sujeitos passivos mistos e não por sujeitos passivos que apenas pratiquem operações tributáveis, ou seja, “sujeitos passivos integrais”.

Logo, dimanando provado, in casu, que a Recorrente é um “sujeito passivo integral”, tal determina que as subvenções recebidas e em contenda não podem integrar o denominador do pro rata sob pena de violação do artigo 173.º da Diretiva IVA e do artigo 23.º do CIVA.

Uma última nota para referir que carece de qualquer relevo o expendido em l), na medida em que não se encontra, de todo, substanciada tal alegação, sendo manifestamente conclusiva a menção “outras exceções ao direito à dedução”. Ademais, não integra, tão-pouco, a fundamentação contemporânea do ato.

Face a todo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede o arguido erro de julgamento, mantendo-se, assim, o juízo anulatório e as decretadas consequências legais -de resto não contestadas- inerentes à condenação da AT no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da garantia indevidamente prestada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 02 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)

(Jorge Cortês)