Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:381/09.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TAXA REGIONAL REDUZIDA DE IRC
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I –A taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do DLR n.º 2/2001/M de 20 de fevereiro.
II –O conceito de estabelecimento estável para efeitos dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, porquanto a única interpretação que se encontra em conformidade com a CRP, e congruente com o desiderato inerente à própria implementação da redução de taxa.
III-Dimanando provado que a Impugnante no exercício em contenda, não obstante deter a sua sede em Lisboa, possui instalações na Região Autónoma da Madeira, as quais constituem estabelecimento estável aí situado e que parte do seu volume de negócios foi gerado na mesma, mediante atividade económica, ter-se-á de concluir que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O Digno Representante da Fazenda Pública (doravante Recorrente), com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G…, S.A”, tendo por objeto o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n° 2006 8310000708, respeitante ao exercício de 2003.


***

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por G…, S.A., na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º 3255200604001036, contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2006 8310000708, de 11.01.2006, relativa ao exercício de 2003, determinando, em consequência, a anulação parcial da liquidação de IRC impugnada, e a emissão de nova liquidação considerando-se como coleta da Região Autónoma da Madeira o montante de 29.181,32€, com as consequentes retificações ao nível da Derrama e dos juros compensatórios liquidados.

B) A questão controvertida nos presentes autos consiste em saber se a taxa a aplicar aos rendimentos obtidos pela ora Recorrida, relativamente à sua sucursal na Região Autónoma da Madeira, no exercício de 2003 é a taxa da Região Autónoma da Madeira – 27% - ou se a do continente, ao tempo, de 30%.

C) Em conformidade com a Lei nº 13/98 de 24 de fevereiro, que estabeleceu a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, constitui receita das Regiões Autónomas, entre outras, o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas ou equiparadas que tenham a sede, direção ou estabelecimento estável numa única região.

D) Por sua vez, o DLR n.º 2/2001/M, de 20 de fevereiro, alterado pelo DLR n.º 29-A/2001/M, dispôs no seu art.º 2.º que a taxa de imposto sobre o rendimento a que alude o art.º 80º, nº 1 do CIRC, fixar-se-ia em 27% para os sujeitos passivos com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável situado na RAM, e desde que o imposto em causa constituísse receita da Região, nos termos do previsto nas alíneas a) e b) do art.º 13º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

E) Assim sendo, a taxa regional de IRC é aplicável somente aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direção efetiva na RAM e exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, com exclusão dos que se encontrem abrangidos pelo regime simplificado de tributação.

F) Consideram-se residentes, de harmonia com o n.º 3 do art.º 2.º do CIRC, as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direção efetiva em território nacional.

G) Caso tal não aconteça, isto é, caso as pessoas coletivas ou outras entidades não tenham a natureza de residentes, será aplicável a taxa reduzida da RAM somente se aí tiverem um estabelecimento estável.

H) Assim, estando em causa uma sociedade que em 31.12.2003, data do facto gerador de imposto, de acordo com o art.º 8.º, n.º 9 do CIRC, tinha domicílio fiscal no Continente, a taxa de imposto a aplicar não poderá deixar de ser a definida pelo art.º 80.º, n.º 1 do CIRC, na redação ao tempo, 30%.

I) Não tendo a ora Recorrida sede na Região Autónoma da Madeira, não lhe é aplicável a taxa reduzida de 27%, já que esta é reservada apenas aos seus residentes, ou a quem, tendo estabelecimento estável na Região, o tenha apenas nessa Região, o que não se verifica no caso em concreto.

J) A taxa reduzida é apenas aplicável aos rendimentos dos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma da Madeira, tal como definidos na al. a) do art.º 13.º da Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro, a Lei das Finanças de Regiões Autónomas.

K) Determina o art.º 13.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro, com a epígrafe “Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas” o seguinte, “Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas: a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única Região (…)”.

L) Foi a Assembleia Legislativa Regional que assim determinou, pretendendo apenas abranger os seus residentes, aqui incluindo a sede das pessoas coletivas.

M) Quando os sujeitos passivos têm residência, ou sede, no Continente, e instalações na RAM, é-lhes aplicável a taxa geral de 30%, inclusive aos rendimentos obtidos naquela Região, muito embora aquele imposto continue a ser receita da Região.

N) Tal medida estrutural visou apenas compensar os seus residentes dos custos da insularidade.

O) Esta medida beneficia também a Região Autónoma da Madeira, que desta forma arrecada um maior imposto sobre os rendimentos imputáveis à Região auferidos por não residentes.

P) A lei ao referir estabelecimento estável refere-se apenas a estabelecimento estável de entidades estrangeiras, com sede fora do Território Nacional.

Q) Para as instalações sem personalidade jurídica própria de entidades com sede em território português reserva a designação de sucursais, delegações, agências, escritórios, etc.

R) A mais se refira que ainda que se considere aplicável aos estabelecimentos estáveis da Região Autónoma da Madeira, cuja sede se situe no Continente, a taxa reduzida de IRC da RAM, os já referidos 27%, não resulta provado nos autos que a ora Recorrida tenha efetivamente um estabelecimento estável na RAM.

S) Alega a ora Recorrida no art.º 19.º da p.i. que “(…) é inegável que a mesma possui estabelecimento estável naquela Região Autónoma, através da referida sucursal”.

T) O conceito de estabelecimento estável foi criado para os casos em que uma empresa estrangeira atua em território português, sem constituir dentro dele uma outra sociedade.

U) Nas palavras de Saldanha Sanches, estabelecimento estável "será constituído por qualquer organização comercial ou instalação que sirva para a actividade da empresa” ... e que toma de pleno direito um sujeito passivo do imposto sobre os rendimentos da sociedade, quer quanto à obrigação pecuniária, quer quanto aos deveres de cooperação.”

V) O mesmo autor refere ainda que “A definição de estabelecimento estável é dada pelo art° 4.° sob a epígrafe de “extensão do Objecto do Imposto", nos n.°s 4 e seguintes, abrangendo com esta definição "qualquer instalação fixa ou representação permanente através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.

W) E, clarifica o mesmo autor, “Excluídos do conceito de estabelecimento estável estão quase sempre a central de compras ou um escritório para a observação de mercado, dentro do princípio geral de política tributária de não tributar as exportações ou conceder um regime fiscal generosa às actividades com ela relacionadas."

X) Da mesma forma, não constitui um estabelecimento estável uma instalação física utilizada única e exclusivamente para o exercício de atividades de caráter preparatório ou auxiliar5, ou seja, para atividades que embora exercidas por uma instalação física, são apenas de apoio à sede da atividade económica, sem que haja o exercício de qualquer atividade económica final.

Y) É o caso das atividades de recrutamento do pessoal ou de aquisição de meios técnicos necessários à realização das atividades da empresa, a título meramente exemplificativo.

Z) É, portanto, importante apurar o papel da estrutura em causa nas operações em juízo.

AA) Mesmo nos casos em que estamos perante uma estrutura com os meios necessários para a prestação daquele serviço, haverá sempre que verificar se, perante determinada prestação de serviços, a estrutura em causa tem uma função ativa.

BB) Portanto, não basta, sequer, a existência de uma estrutura adequada para que automaticamente se considere existir um estabelecimento estável.

CC) Para que tal aconteça, é necessário que haja um fornecimento ativo de tais serviços, e não apenas um mero contributo auxiliar .

DD) Não ficou apurada nos autos a natureza da estrutura situada na Região Autónoma da Madeira, sendo apenas referido que se tratava de uma sucursal, sem que tal facto lhe atribua automaticamente o estatuto de estabelecimento estável, não tendo a ora Recorrida igualmente apresentado provas nesse sentido.

EE) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que a estrutura situada na Região Autónoma da Madeira era um estabelecimento estável, ao abrigo do disposto no art.º 5.º do CIRC, sem que a ora Recorrida tenha cumprido o ónus da prova, violando o disposto no art.º 74.º da LGT, ou caso assim não se entenda, que ao rendimento, referente ao ano de 2003, imputável às instalações sediadas na Região Autónoma da Madeira, se devia aplicar a taxa reduzida de IRC de 27% e não a taxa geral de IRC de 30%, ao abrigo do art.º 80.º, n.º 1 do CIRC, em puro desrespeito pelas disposições do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20/02, com as alterações introduzidas pelo D. L. Regional n.º 29-A/2001/M, de 20/12, e D. L. Regional n.º 30-A/2003/M, de 31/12, bem como a alínea a) do art.º 13.º da Lei n.º 13/98, de 24/02.

FF) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“1.ª A douta sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa proferida através do despacho de 10.02.2009, do Diretor de Finanças Adjunto, o Exmo. Senhor Dr. Jesuíno Alcântara Martins, por delegação de competências, referente à liquidação adicional de IRC n.º 2006 8310000708, de 11.01.2006, na demonstração de acerto de contas n.º 2006 00000107538 e na demonstração de liquidação de juros n.º 2006 00000037103, ambas datadas de 16.01.2006, relativo ao exercício de 2003, no valor de €7.515,05;

2.ª O Tribunal a quo concluiu, após a ponderosa análise da legislação aplicável e de jurisprudência assente sobre o tema, que a taxa reduzida de IRC deve ser aplicada também aos sujeitos passivos que apenas tenham estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira e tenham sede ou direção efetiva no Continente, como a Recorrida, e que um entendimento diverso, como o da administração tributária, violaria o princípio constitucional da igualdade;

3.ª Não se conformando, a Fazenda Pública interpôs recurso assacando à sentença recorrida erro de julgamento, por considerar que de acordo com a legislação em vigor e seguindo o entendimento anteriormente defendido, que não seria de aplicar a taxa reduzida de 27%, mas sim a taxa geral de IR de 30%, e que ainda que fosse aplicável ao caso concreto a taxa reduzida, que a Impugnante, ora Recorrida não logrou provar a existência de um estabelecimento estável nos presentes autos;

4.ª A liquidação em crise nos autos foi promovida pela administração tributária com o fundamento de que a taxa reduzida de IRC prevista no identificado diploma é apenas aplicável aos estabelecimentos estáveis que se localizem na Região Autónoma da Madeira, de entidades não residentes, não se aplicando no caso se de tratar de uma entidade residente em Portugal Continental, que possua estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, pelo que o tema dos autos é uma questão de direito que se reconduz à incidência subjetiva da norma, por consideração ao domicilio da casa-mãe.

5.ª A questão controvertida reconduz-se a saber se a taxa reduzida aplicável na RAM no exercício de 2003 apenas se aplica aos sujeitos passivos de IRC residentes em Portugal que aí tenham sede ou direção efetiva, ou se também se aplicará aos que, tendo sede ou direção efetiva em Portugal Continental, possuem instalações ou estabelecimento estável ao qual seja imputável determinado volume de negócios

6.ª A Fazenda Pública mantém o entendimento que a taxa reduzida de IRC apenas é aplicável às sociedades com sede ou direção efetiva na Região Autónoma da Madeira e às sociedades não residentes que aí possuam um estabelecimento estável;

7.ª Salvo o devido respeito, tal entendimento não se mostra correto;

8.ª Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do D.L.R. n.º 2/2001/M, a taxa reduzida de IRC aplica-se aos sujeitos passivos com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, quando o imposto seja receita da Região Autónoma da Madeira;

9.ª Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei das Finanças Locais, o imposto é receita da Região Autónoma da Madeira quando o sujeito passivo tenha sede ou direção efetiva em território português e possua sucursais na Região Autónoma da Madeira;

10.ª Como bem sustentou o Tribunal a quo, a questão nos autos já foi objeto em diversas decisões jurisprudenciais, nas quais se concluiu que diferenciar entre entidades residentes e não residentes, sem fundamento material bastante, se incorre em clara violação do princípio da igualdade (cf. acórdãos do STA de 17.06.2009, no âmbito do processo n.º 292/09; de 26.11.2008, proferido no âmbito do processo n.º 666/08; de 21.01.2009, proferido no processo n.º 668/08 e acórdão de 07.01.2009, proferido no processo n.º 669/08);

11.ª Não existindo assim qualquer limitação no que respeita à aplicação da taxa reduzida na Região Autónoma da Madeira aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes nessa Região e com residência em Portugal Continental (cf. acórdãos do TCAS, de 14.01.2015, proferido no processo n.º 058/14 e de 29.06.2017, proferido no âmbito do processo n.º 928/09.2BELRS e o mais recente acórdão do STA, de 18.11.2020 proferido no processo n.º 0958/10.1BELRS);

12.ª Acresce que também não procede o argumento invocado pela Recorrente de que o contribuinte com sede no Continente e com sucursal na Região Autónoma da Madeira, não sofre o mesmo prejuízo ao nível de insularidade que o contribuinte com sede nessa Região, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 17.06.2009;

13.ª Pelo que bem decidiu o Tribunal a quo, ao concluir que “ (…) não podem restar dúvidas que assiste razão à Impugnante na medida em que, tendo a AT corrigido a liquidação de IRC apenas com o fundamento de que não era aplicável a taxa reduzida de IRC prevista para a RAM pelo facto da Impugnante ter a sua sede em Portugal Continental, e não invocando qualquer outra razão para o efeito, violou o artigo 2º do DLR nº 2/2001/M, na redação dada pelo DLR nº 29-A/2001/M, situação que urge ser retificada.”. (cf. página 20 da sentença recorrida);

14.ª A Fazenda Pública invoca ainda que não resultou provado nos autos que a ora Recorrida tenha efetivamente um estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira;

15.ª Também neste ponto o presente recurso não merece provimento;

16.ª Primeiramente, a existência ou não de estabelecimento estável da Recorrida na Região Autónoma da Madeira nunca representou uma questão controvertida nos presentes autos, nunca tendo sido antes suscitada pela administração tributária, sendo que a única questão em análise reconduzia-se à alegada inaplicabilidade da taxa reduzida às entidades sem sede ou direção efetiva na Região Autónoma da Madeira;

17.ª A admitir-se como possível a invocação de tal questão nesta fase, o que mera cautela de patrocínio se admite, sempre seria forçoso concluir que a Recorrente incumpriu com o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, dado que não especificou os pontos de facto em concreto que considerava incorretamente julgados, nem os meios probatórios, constantes no processo, que, em sua opinião, impunham decisão diversa sobre as alegadas questões de matéria de facto impugnadas, o que culmina na rejeição do recurso nesta parte;

18.ª Acresce que, ao abrigo do princípio da estabilidade da instância, previsto no artigo 260.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, as razões de facto e direito analisadas no caso sub judice foram as que se encontraram estabilizadas no momento da apresentação da petição inicial, pelo que não tendo os serviços da administração tributária alegado como fundamento do ato tributário em apreço, qualquer facto relacionado com a inexistência de estabelecimento estável, implica que tal questão nunca foi controvertida, não tendo por isso sido discutida em sede de primeira instância e não pode ser agora em sede de recurso;

19.ª Assim, a questão agora invocada pela Fazenda Pública em sede de recurso respeitante à existência de estabelecimento estável, representa uma questão nova, que não pode ser objeto de conhecimento nesta sede, considerando igualmente que vigora no direito português o modelo de revisão ou reponderação, o que implica que o Tribunal ad quem apenas aprecia as questões já submetidas ao Tribunal a quo (sobre os temas enunciados veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 154/12.3TBMGR.C1, de 14.1.2014 e o acórdão do TCAS, de 14.03.2019);

20.ª Retira-se ainda a mesma conclusão por aplicação dos princípios da concentração da defesa, previsto no artigo 573.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, do qual resulta que todos os meios de defesa e exceções devem ser invocados aquando da apresentação da contestação, nos termos do artigo 110.º do CPPT (Vide a este respeito JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.º Edição, Áreas Editora, página 236) e do pedido, corolário do pedido do dispositivo, que prevê que o juiz se encontra limitado aos factos alegados pelas partes e aos factos de conhecimento oficiosa, não podendo substituir-se às partes, nos termos do princípio do pedido, corolário do pedido do dispositivo (cf. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, JOSÉ MARIA PIRES e Outros, Almedina, 2015, página 1000);

21.ª A invocação pela Fazenda Pública, em sede de recurso, de uma factualidade que não constituiu fundamentação do ato de liquidação, atenta inclusive conta os princípios basilares da segurança jurídica e da boa fé, previstos nos artigos 2.º e 9.º, alínea b), artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT;

22.ª Contrariamente ao aduzido pela Fazenda Pública, a Recorrida possuía com referencia ao exercício de 2003, estabelecimento estável, constituído sob a forma de sucursal, conforme previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRC, através do qual obteve rendimentos e apurou uma coleta no valor de € 28.150,65 (cf. doc. n.º 4 junto com a petição inicial);

23.ª Ainda que tal questão tivesse sido suscitada e fosse objeto dos presentes autos – o que só se admite por cautela de patrocínio, sem conceder – sempre seria da responsabilidade da administração tributária o ónus da prova e não da Impugnante, ora Recorrida, conforme das alegações de recurso;

24.ª À luz das regras do ónus da prova objetivo, em vigor no processo judicial tributário, por conjugação dos artigos 74.º e 75.º da LGT, as informações na Declaração Modelo 22 da Recorrida, referente ao exercício de 2003, beneficiam da presunção de veracidade, cabendo à administração tributária a prova da existência do seu direito de liquidação, no caso vertente, da aplicação da taxa de 30%, ao invés da de 27%;

25.ª Considerando que a atuação da administração tributária pauta-se pelo prosseguimento do interesse público e da descoberta da verdade material, nos termos dos artigos 266, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, podia inclusive ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT diligenciar no sentido de investigar sobre a existência de estabelecimento estável, se assim o entendesse necessário;

26.ª O que salvo o devido respeito não se pode admitir é que a administração tributária se demita dos seus deveres e venha suscitar em sede de recurso uma questão que não valorizou e que não constituiu o objeto dos autos sob pena de se configurar uma situação de venire contra factum proprium, decorrente do princípio de abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil (CC) e por sua vez do princípio geral da boa fé;

27.ª Razões que sobejamente evidenciam que também neste ponto o presente recurso não merece provimento;

28.ª Assim, em face do exposto, é forçoso concluir que não assiste razão à Fazenda Pública, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, nesta parte, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) A Impugnante procedeu à entrega da sua Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2003 em 31.02.2004, na qual declarou no anexo A da referida declaração um volume de negócios não isento no montante de 118.697.877,02€ e um volume de negócios não isento, imputável às instalações sediadas na Região Autónoma da Madeira (RAM) no montante de 759.548,30€, apurando uma coleta à taxa normal no montante de 10.796.538,35€ e uma coleta da RAM no montante de 29.150,65€ (cfr. fls. 59 a 63 dos autos).

B) Em 11.01.2006 a AT emitiu em nome da Impugnante a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 com o nº 2006 8310000708, de 11.01.2006, que gerou uma nota de cobrança no montante de 7.152,41€, e que parcialmente resultou da alteração da coleta da RAM apurada de 29.150,65€ para 32.423,69€ (cfr. fls. 54 e 55 dos autos).

C) Notificada da liquidação referida na alínea antecedente, a Impugnante deduziu em 18.05.2006 reclamação graciosa, a qual foi instaurada no SF de Lisboa 10 com o nº 3255200604001036 (cfr. fls. 1 a 49 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

D) Por despacho proferido em 10.02.2009, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, foi a reclamação graciosa indeferida com a seguinte fundamentação:

“II - DOS FACTOS E DAS ALEGAÇÕES

Vem o contribuinte supra identificado apresentar reclamação graciosa nos termos do artigo 68° e seguintes do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), contra a liquidação acima identificada, de IRC, relativa ao ano de 2003, com os seguintes fundamentos:

1. Com referência ao exercício de 2003, e no que concerne à actividade de uma sua sucursal sita na Região Autónoma da Madeira, a reclamante apurou uma colecta de €29.150,65, por aplicação da taxa reduzida de IRC (27%), em conformidade com a circular n.° 14/2002, de 09/05/2002, da Direcção de Serviços de IRC (DSIRC) e das disposições legais constantes do Decreto Legislativo Regional (DLR) n.° 2/200 1/M, de 20/02, na redacção dada pelo DLR nº 29-A/2001/M, de 20/12.

2. Porém, entendendo que não se encontravam reunidos os pressupostos para a aplicação da redução de taxa, a Administração Fiscal procedeu à respectiva correcção, aplicando a taxa normal de 30%, passando a colecta (da Região Autónoma da Madeira) a quantificar-se em €32.423,69, tendo sido, consequentemente, liquidado o acréscimo da derrama resultante daquelas correcções, bem como dos respectivos juros compensatórios (no valor de €419,14).

3. Discordando de tal acto tributário correctivo, a ora reclamante deduziu a presente reclamação, nos termos e com os fundamentos constantes na petição inicial - p.i. - e que se dão aqui por reproduzidos na íntegra, solicitando a anulação da liquidação.

III - DO DIREITO

4. Centrando-se a questão controvertida na diferente interpretação das partes, reclamante e Administração Fiscal, quanto à taxa a aplicar, observemos então as disposições legais que regem esta matéria.

5. O n.° 1 do art. 80° do CIRC, estabelecia à data dos factos, uma taxa de IRC de 30%.

6. Por outro lado, nos termos do DLR n.° 2/200 1/M, de 20/02, a taxa de IRC a vigorar para a Região Autónoma da Madeira, foi fixada em 29%, tendo sido reduzida para 27%, na redacção dada pelo DLR n.° 2/200 1/M, de 20/12, sendo aplicável aos exercícios iniciados após 1 de Janeiro de 2002.

7. Essa taxa regional aplica-se aos sujeitos passivos com domicílio fiscal na Região Autónoma da Madeira, quando o imposto em causa, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, constitua receita da Região Autónoma.

8. O artº 3°do mesmo DLR estabelece expressamente que, todas as restantes taxas de IRC previstas quer no artº 80° quer em qualquer outra disposição do CIRC, permanecem inalteradas, sendo desse modo a taxa regional, somente aplicável aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma e que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, com exclusão dos que estejam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável.

9. Tal orientação, que se encontra plasmada na Circular n.° 14, de 09/05/2002, da DSIRC.

10. Assim, e porque o sujeito passivo ora reclamante apenas possui sucursal na Região Autónoma da Madeira, e não sede ou direcção efectiva, não lhe será aplicada a redução de taxa.

11. O que, aliás, se justifica plenamente, porquanto, conforme consta na referida Circular, este benefício fiscal tem uma natureza estrutural, tendente a compensar ou custos de insularidade.

12. Ora, domiciliando-se a reclamante no Continente, no seguimento do supra exposto, verifica-se a inaplicabilidade daquele benefício ao presente caso, sob pena de violação do princípio da igualdade.

13. Ou pretender-se-á que dois contribuintes, um com sede no Continente (ainda que possuindo sucursal nas ilhas) e outro com sede numa das Regiões Autónomas, sofra o mesmo grau de prejuízos com a insularidade?

IV - PROPOSTA DE DECISÃO

14. Em 22/10/2008, a reclamante foi notificada, por carta registada, do projecto de decisão elaborado em 11/09/2007, para vir exercer o direito de audição prévia previsto no art. 60° da Lei Geral Tributária.

15. Decorrido o respectivo prazo, a reclamante não veio exercê-lo por qualquer uma das formas previstas na Lei.

16. Dado o exposto, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão que se encontra no processo a fls. 89-93, propõe-se que o mesmo se convole em definitivo” (cfr. fls. 97 a 101 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT).

E) Notificada em 12.02.2009 da decisão referida na alínea antecedente, a Impugnante apresentou em 27.02.2009 a presente impugnação (cfr. fls. 2 dos autos e fls. 106 a 108 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2003.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter entendido que no exercício de 2003, a taxa reduzida é aplicável não só aos sujeitos passivos de IRC residentes em Portugal que tenham sede ou direção efetiva na Região Autónoma da Madeira, mas também aos que, tendo sede ou direção efetiva em Portugal Continental, possuam instalações ou estabelecimento estável nessa Região ao qual seja imputável determinado volume de negócios.

Apreciando.

A Recorrente defende que a taxa regional de IRC é aplicável somente aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direção efetiva na Região Autónoma da Madeira e exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, com exclusão dos que se encontrem abrangidos pelo regime simplificado de tributação, e aos não residentes que aí tiverem um estabelecimento estável.

Densificando, para o efeito, que a lei quando se reporta ao estabelecimento estável refere-se apenas a estabelecimento estável de entidades estrangeiras, com sede, portanto, fora do Território Nacional.

Propugnando, assim, a existência de um erro de julgamento atenta a matéria de facto visada, porquanto estando em causa uma sociedade que a 31 de dezembro de 2003 tinha domicílio fiscal no Continente, e com sucursal apenas na Região Autónoma da Madeira, a taxa de imposto a aplicar não poderá deixar de ser a definida pelo artigo 80º, n.º 1 do CIRC.

Adensa, in fine, que ainda que se considere aplicável aos estabelecimentos estáveis da Região Autónoma da Madeira, cuja sede se situe no Continente, a taxa reduzida de IRC, a verdade é que não resulta provado nos autos que a ora Recorrida tenha efetivamente um estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira.

Conclui, assim, que a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, preterindo o artigo 2.º do DLR 2/2001/M de 20-02 e o artigo 2.º, 5.º e 80.º do CIRC.

Dissente a Recorrida relevando, desde logo, que inversamente ao defendido pela Recorrente da compaginação dos normativos implicados nada permite concluir que a taxa reduzida é apenas aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes em Portugal que tenham sede ou direção efetiva da Região Autónoma da Madeira, e bem assim que o conceito de estabelecimento estável, para efeitos de questionada redução da taxa de IRC, apenas abranja instalações de sujeitos passivos não residentes no território nacional, sob pena inclusive de violação do princípio da igualdade.

Desfechando, assim, que detendo a Recorrida em 2003 sede no Continente e possuindo estabelecimento estável na região autónoma da Madeira, através da qual desenvolvia a sua atividade económica, tendo aí obtido, nesse ano, parte do seu volume de negócios, tal implica que a esses rendimentos tenha de ser aplicada a taxa reduzida do DLR 2/2001/M.

O Tribunal a quo assim o entendeu tendo esteado a procedência mediante convocação e adesão à doutrina vertida em diversos Arestos, quer do STA, quer do TCAS, concretamente, Arestos do STA prolatados nos processos nºs 0666/08, de 26.11.2008, nº 0669/08, de 07.01.2009 e, nº 0292/09, de 17.06.2009, e Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 928/09 de 29.06.2017, no âmbito do qual concluiu que decorrendo do probatório que a Impugnante, no ano de 2003, embora tivesse a sua sede em Portugal Continental, a verdade é que possuía estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, através da qual desenvolvia a sua atividade económica, logo aplicável a taxa reduzida.

Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada.

Para o efeito, convoquemos o quadro normativo e os considerandos que reputamos relevantes para o caso sub judice.

Preceituava o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional nº 2/ 2001/ M, de 20 de fevereiro, com a redação à data aplicável, que:

1 - A taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRC, para vigorar na Região Autónoma da Madeira é de 27%.

2 - A taxa referida no número anterior é aplicável aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira e o imposto em causa constitua receita da Região, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 13º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas".

Estatui, por seu turno, o artigo 13.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei nº 13/98), que:

“1 - Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas:

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única Região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição, nos termos referidos nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

2 - Relativamente no imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição serão determinadas pela proporção entre o volume anual correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual, total, de negócios do exercício.

3 - Na aplicação da alínea b) do n.º 1 relativamente aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes, o volume de negócios efetuado no estrangeiro será imputado à circunscrição em que se situe o estabelecimento estável onde se centraliza a escrita".

Mais importa convocar o teor do artigo 5.º do CIRC, sob a epígrafe de “estabelecimento estável”, o qual estatui nos seus nºs 1 e 2, que:

“1- Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

2 - Incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior:

a) Um local de direção;

b) Uma sucursal;

c) Um escritório;

d) Uma fábrica;

e) Uma oficina;

f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais situado em território português.”

E bem assim o plasmado no artigo 80.º, nº1, do mesmo diploma, o qual dispunha, à data, que “a taxa do IRC é de 30%, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”

Visto o quadro normativo, atentemos, então, se procede o arguido erro de julgamento.

Ab initio, importa, desde logo, relevar que não obstante a Recorrente pretenda, ora, sindicar a questão atinente à prova da estrutura operativa na Região da Autónoma da Madeira, concretamente se a mesma pode ser passível de qualificação enquanto estabelecimento estável, a verdade é que tal realidade sempre foi dada como adquirida, logo não controvertida, conforme dimana do ato de indeferimento da reclamação graciosa e bem assim da própria posição expressa pela AT, na sua contestação.

Destarte, por não consubstanciar fundamentação contemporânea do ato, e sendo, ademais, realidade não controvertida, carece de qualquer relevo o aduzido nesse e para esse efeito.

Feito este introito, tendo presente o quadro normativo supra exposto, e o recorte fático dos autos, ter-se-á que secundar o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, no sentido de que a Recorrida, sendo entidade residente em Portugal, com sede no Continente, pode beneficiar da taxa reduzida de IRC, pela atividade gerada na Região Autónoma da Madeira, através do seu estabelecimento estável, porquanto representa a interpretação consentânea com a letra e a ratio legis subjacente à aplicação da taxa reduzida, encontrando-se, outrossim, de harmonia com diversa Jurisprudência nesta matéria.

Com efeito, e como tendo vindo a ser secundado, de forma uniforme, pela Jurisprudência, “[o] conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)” (1) - In Acórdão do STA, proferido no processo nº0958/10, de 18.11.2020..

Neste particular, e uma vez que o STA (processos nºs 0958/10, de 18.11.2020, 058/14, de 14.01.2015, 0292/09, de 17.06.2009, 0668/08, de 21.01.2009 e 0669/08, de 07.01.2009) e bem assim este TCA Sul (processos nºs 1468/09, de 04.10.2023 e 928/09, de 29.06.2017) já se pronunciou, de forma uniforme e unânime sobre esta matéria, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no primeiro dos Arestos prolatados nesta matéria, e ulteriormente acolhido nos demais Acórdãos vertidos sobre a matéria, o qual analisa a questão em toda a sua extensão, apartando, assim, todos os argumentos vertidos nas alegações de recurso, ora, em análise:

“A tese da Fazenda Pública é a de que a designação de «estabelecimento estável» apenas é aplicável a entidades não residentes em território português, isto é, que neste não tenham a sua sede ou direcção efectiva, como resulta do disposto no n.º 3 do art. 2.º do CIRC.

O conceito de «estabelecimento estável» é, de facto, utilizado no CIRC apenas para definir a sujeição a IRC de entidades não residentes, como se conclui do art. 2.º, n.º 1, alínea c), que define como sujeitos passivos daquele imposto «as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS», e do art. 3.º, n.º 1, alíneas c) e d), que estabelecem que, relativamente a essas entidades não residentes em território nacional, o IRC incide sobre «o lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português» e «os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS, auferidos por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável em território português ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis». (…)

Porém, o conceito de «estabelecimento estável» não é dado naquelas normas, mas sim no art. 5.º do CIRC em que se refere que se considera «estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».

E, no n.º 2 do mesmo artigo, esclarece-se que «incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior: a) Um local de direcção; b) Uma sucursal; c) Um escritório; d) Uma fábrica; e) Uma oficina; f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extracção de recursos naturais situado em território português».

Os outros números deste art. 5.º concretizam esse conceito de «estabelecimento estável», mas de nenhuma destas disposições se conclui que o conceito apenas possa aplicar-se a entidades sem sede ou direcção efectiva no território português.

O que sucede é que as entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português (entidades residentes, na terminologia do art. 2.º, n.º 3, do CIRC) são sujeitos passivos de IRC por força da localização dessa sede ou direcção efectiva, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 2.º do CIRC, pelo que o facto de terem instalações em território nacional que caibam no conceito de «estabelecimento estável» torna-se irrelevante, uma vez que a sujeição a IRC não depende deste facto, por já derivar da localização da sede ou direcção efectiva.

Mas, este facto de o conceito de «estabelecimento estável» só ter utilidade no CIRC para efeito da tributação de entidades não residentes, não permite concluir que ele não possa relevar para efeitos da tributação especial da Região Autónoma da Madeira, uma vez que se trata de um regime especial, pois entrevê-se a possibilidade de ele ser utilizado, à escala regional, como reportando-se a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.

Por isso, não é apenas com base no CIRC que se pode esclarecer a questão que é objecto do presente recurso jurisdicional.

6 – Como se vê pelo referido art. 5.º do CIRC, no conceito de «estabelecimento estável» que nele se define caberão as sucursais, escritórios agências ou delegações, desde que se materializam numa «instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».

A Fazenda Pública sustenta que a Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro), vigente em 2003 ( ( ) Esta Lei foi revogada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro. ) adoptou conceitos diferentes, reservando a designação de «estabelecimento estável» para as entidades não residentes em território português e atribuindo as designações de «sucursais, delegações, agências e escritórios» às instalações sem personalidade jurídica de entidades com sede em território português.(…)Deste artigo não se pode retirar a conclusão de que a redução de IRC, no que concerne às entidades que apenas possuam «estabelecimento estável» nas Regiões Autónomas, apenas se aplique a residentes no estrangeiro.

Na verdade, por um lado, a alínea a) do n.º 1 faz referência a «estabelecimento estável» sem indicar que este conceito se restringe a entidades não residente em território nacional, pelo que não se pode através dela concluir pela restrição deste conceito a entidades não residentes em território nacional.

Por outro lado, embora a alínea b) do n.º 1 deste art. 13.º, ao referir-se a entidades com sede ou direcção efectiva em território português, não utilize o conceito de «estabelecimento estável», referindo, antes o tipo de instalações que o integram, o que poderia sugerir que aquele conceito não se aplicaria a entidades residentes em território português, o certo é que o n.º 3 do mesmo artigo, reportando-se à mesma alínea b), refere explicitamente a hipótese de aplicação dessa alínea b) a estabelecimentos estáveis de não residentes, o que impõe concluir que, afinal, as instalações aí referidas também podem ser de entidades sem sede ou direcção efectiva em território nacional.

Por isso, não se pode concluir, como pretende a Fazenda Pública, que a Lei n.º 13/98 utilize o conceito de «estabelecimento estável» apenas para entidades não residentes e as expressões «sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias» relativamente a entidades residentes (como sede ou direcção efectiva em território nacional).

Está, pois, afastado o obstáculo literal invocado pela Fazenda Pública à possibilidade de ser dado relevo, para efeitos de IRC, ao «estabelecimento estável» de entidades residentes não residentes em determinada Região Autónoma, mas com sede ou direcção efectiva em território nacional.

7 – Os textos legais são apenas o ponto de partida da reconstituição do pensamento legislativo em que se consubstancia a interpretação jurídica, impedindo que o intérprete considere como pensamento legislativo o que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do CC).

No caso em apreço, constata-se que não há o obstáculo textual invocado pela Fazenda Pública a que, no âmbito da tributação das Regiões Autónomas, se aplique o conceito de «estabelecimento estável» a entidades residentes no território português (isto é, com sede ou direcção efectiva em território português) fora da área da Região Autónoma a que essa tributação se reporta.

Na reconstituição do pensamento legislativo há que ter em conta os limites traçados pela Constituição, pois, se o texto legal permitir mais que uma interpretação e só uma se sintonizar com os preceitos constitucionais, a proibição constitucional de aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art. 204.º da CRP) impõe que se opte por essa única interpretação constitucionalmente admissível.

No caso em apreço, a Impugnante defende que será materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma interpretação no sentido de excluir do âmbito de aplicação da taxa reduzida de IRC prevista no art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 as entidades com sede em direcção efectiva no território português, fora da Região Autónoma da Madeira, que possuam nela instalações qualificáveis como «estabelecimento estável».

E tem efectivamente razão.

No art. 13.º da C.R.P. estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. (( )Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

– n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
– n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
– n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
– n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
– n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.)

No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro.

Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma da Madeira, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.

Assim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.

Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição, como se fez na sentença recorrida.

De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma da Madeira, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (art. 9.º, n.º 3, do CC).” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo presente a fundamentação jurídica constante no citado Aresto à qual aderimos, sem reservas, ter-se-á de concluir que a taxa reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, sejam eles residentes, entenda-se com sede noutra área do território nacional, ou não residentes, na medida em que tal é a interpretação consentânea com a CRP.

Destarte, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação do quadro normativo vigente, com a devida transposição para o caso vertente, tendo atendido, inversamente ao propugnado pela Recorrente, a todos os pressupostos constantes nas normas de incidência subjetiva.
E por assim ser, dimanando provado que a Recorrida no exercício em contenda não obstante deter a sua sede em Lisboa, possui instalações na Região Autónoma da Madeira, as quais constituem estabelecimento estável aí situado e que parte do seu volume de negócios foi gerado na mesma, mediante atividade económica, ter-se-á de concluir que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Logo, a decisão recorrida que assim o entendeu, não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, secundando-se, assim, o juízo anulatório parcial, com todas as legais consequências.

***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida com todas as legais consequências.
Custas pela Recorrente
Registe. Notifique.

Lisboa, 16 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Tânia Meireles da Cunha)

(Vital Lopes)