Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1469/14.1 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/04/2023
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:NOTIFICAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
Sumário:Da factualidade descrita resulta que a nova decisão de fixação da coima pronuncia norma penalizadora diferente da enunciada no auto de notícia, o mesmo é dizer que tal consubstancia uma nova acusação e, por isso, impunha-se que a arguida fosse notificada para efeitos do disposto no art. 70º do RGIT, o que não resulta que tal tenha sido feito.
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual considerou que a decisão de aplicação da coima aplicada a “H........Ldª”, enfermava de nulidade insuprível nos termos da alínea c) do artigo 63º do RGIT, tendo anulado, por consequência, todos os atos processuais que dela dependiam.

A Recorrente termina as alegações do seu recurso formulando as conclusões seguintes:
«I - O presente recurso visa reagir contra a decisão que anulou a coima aplicada, no montante de € 9.649,34 porquanto não tinha sido notificado para exercer o seu direito de defesa, o que consubstancia uma nulidade, nos termos do art.º 63.º, n.º 1, al. c) do RGIT.
II – Antes de mais, o recorrente foi notificado para exercer o seu direito de defesa aquando da notificação da coima com redução, no montante de € 779,70, sendo as normas punitivas o art.º 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.
III - O recorrente pagou a coima, no montante de € 779,70 e deduziu recurso alegando que não deveria ser o art.º 114.º do RGIT mas, o art.º 116 do mesmo código.
IV - Em consequência do recurso, o Serviço de Finanças de Lisboa 9 revogou a fixação da coima, tendo emitido nova decisão de fixação, constando como norma punitiva o art.º 114.º, n.º 2 e n.º 5, al. a) do RGIT, no montante de € 9.649,34, não tendo notificado o recorrente para exercer o seu direito de defesa.
V - Consequentemente, o recorrente deduz recurso jurisdicional alegando a falta de notificação para exercer o direito de defesa, o que constituiu uma nulidade insuprível.
VI – O Tribunal ad quo decidiu que a decisão de fixação da coima enfermava de nulidade insuprível, em virtude de não ter sido notificado para o exercer o direito de defesa, nos termos do art.º 63.º, n.º 1, al. c) do RGIT.
VII - A Fazenda não concorda com a douta sentença porquanto, o recorrente não entregou a declaração periódica nem o meio de pagamento, relativo ao período 2012/04, tendo sido emitida uma coima no montante de € 779,70, coima reduzida, a qual foi paga fora de prazo e, por esse motivo, não tinha legitimidade para agir nem deduzir recurso de contra ordenação alegando que a falta cometida se inseria não no art.º 114.º mas, sim, no art.º 116.º do RGIT.
VIII – Na verdade, no procedimento contra ordenacional uma das formas da sua extinção é, precisamente, o pagamento voluntário, nos termos do art.º 61.º, al. c) e art.º 78.º, ambos do RGIT, tendo sido o mesmo efectuado, para além do prazo concedido, ou seja, foi notificada em 03/10/2012 para efectuar o pagamento, no prazo de 15 dias, no montante de € 779,70, tendo sido o mesmo liquidado em 20/12/2012, isto é, para além do prazo fixado que tinha o seu terminus em 19/10/2012, razão pela qual lhe foi emitida nova notificação no montante de € 9.649,34.
IX – Mas, o Serviço de Finanças de Lisboa 9 aceitou o pagamento, não extinguindo o processo de contra ordenação por considerar intempestivo o pagamento, pelo que lhe fixou nova coima, no montante de € 9.649,34.
X - Ora, o arguido interpôs recurso da coima no montante de € 779,74, tendo o Serviço de Finanças de Lisboa 9 revogado o acto, ou seja, os fundamentos do arguido prendiam-se com o facto de, no seu entender, não seria aplicada a norma punitiva do art.º 114.º, n.º 2 do RGIT, mas sim, o art.º 116.º do RGIT, pelo que foi emitida nova coima, no mesmo montante, sobre os mesmos factos mas, cujas normas punitivas seriam as do art.º 114.º, n.º 2 (que já constava da 1.º notificação) e do n.º 5, al. a) do RGIT.
XI - O Ac. do STA de 19/05/2010 no seu sumário estipulou que “I - O pagamento voluntário de coima, quando legalmente admitido, determina a extinção do procedimento de contra-ordenação decorrente da completa realização do seu objecto, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
II – Uma vez extinto esse procedimento por contra-ordenação, o arguido, por falta de interesse em agir, não detém legitimidade para interpor recurso da decisão administrativa que aplicou a coima.” (bold e sublinhado nosso) – Ac. do STA de 19/05/2010, proferido no proc. n.º 0889/09, disponível no site www.dgsi.pt
XII - No mesmo aresto, supra mencionado, foi decidido que “(…) Na verdade, o pagamento voluntário da coima, quando legalmente admitido, como é o caso, determina a extinção do procedimento de contra-ordenação decorrente da completa realização do seu objecto, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
Sendo assim, ainda que lhe fosse favorável, a decisão jurisdicional que viesse a ser proferida no recurso não repercutiria qualquer efeito útil na sua esfera jurídica, sendo certo que o interesse em recorrer se define pela utilidade derivada da procedência do recurso.
Acresce que a notificação que lhe foi feita (cfr. fls. 27) não deixava dúvidas quanto à possibilidade que lhe era dado a conhecer de, em alternativa, no prazo de 15 dias efectuar o pagamento da coima ou recorrer judicialmente da decisão administrativa que a aplicou. Impõe-se, pois, concluir que uma vez extinto o procedimento por contra-ordenação decorrente do pagamento voluntário da coima aplicada, o arguido, por falta de interesse em agir, não detém legitimidade para interpor recurso da decisão administrativa que aplicou a coima. Daí que o recurso não deveria ter sido admitido, ficando prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença que subsidiariamente vem arguida”. (bold e sublinhado nosso) – Ac. do STA de 19/05/2010, proferido no proc. n.º 0889/09, disponível no site www.dgsi.pt
XIII - Quer dizer, como o arguido pagou voluntariamente a coima, não tinha legitimidade para recorrer, pelo que a decisão que assim o não entendeu deverá ser anulada e substituída por outra, tendo em consideração este facto.
XIV - Mas, por outro lado, o Serviço de Finanças de Lisboa 9, tomou em consideração o pagamento efectuado, em data posterior ao limite do prazo e, com base nos argumentos expostos, notificou o arguido de nova coima, esta no montante de € 9.649,34, sobre os mesmos factos, em que o arguido se insurge porque não lhe foi dado o direito de defesa.
XV – Salvo o devido respeito, o recorrente pagou voluntariamente a coima, não dentro do prazo que lhe foi concedido, de 15 dias, com redução do valor mas, em data muito posterior e, de seguida, deduz recurso de contra ordenação, quando não tinha legitimidade para o fazer. Por sua vez, o Serviço de Finanças de Lisboa 9, aceitou o pagamento parcial da coima, no montante de € 779,70 e os fundamentos invocados no recurso pelo recorrente, tendo anulado a decisão de fixação da coima com a norma punitiva do art.º 114.º, n.º 2 do RGIT, tendo emitido nova fixação da coima, no montante de € 9.649,34, indicando como norma punitiva a do art.º 114.º, n.º 2 e n.º 5, al. a) do RGIT, recorrendo de novo, com o fundamento de que não tinha sido notificado para exercer o direito de defesa da nova fixação da coima, quando sabia que, quando interpôs recurso já não tinha legitimidade para tal e, como a não tinha todos os actos subsequentes não podem proceder.
XVI – Mas, caso não se considere a ilegitimidade do recorrente em agir, uma vez que sabia que tendo pago a coima reduzida não poderia recorrer da mesma, a Fazenda invoca e alega que o art.º 114.º, n.º 5, al. a) do RGIT mais não é do que o alargamento do âmbito do n.º 2. Neste sentido, o Ac. do STA de 16/05/2012
XVII - Neste sentido, o Ac. do STA de 16/05/2012, no seu sumário estipula que “I – A nova redacção dada ao art. 114º, nº 5, alínea a), do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega total ou parcial do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços.” (bold e sublinhado nosso) - Ac. STA de 16/05/2012, proferido no proc. n.º 0160/12, disponível no site www.dgsi.pt
XVIII – Assim sendo, não considera a Fazenda que o recorrente tenha sido prejudicado uma vez que não tinha legitimidade para agir e, por outro lado, mesmo que assim se não o considere, sendo o n.º 5, al. a) do art.º 114.º do RGIT um alargamento do âmbito do n.º 2 e sendo esta a norma punitiva, não se vê de que modo foi preterido o direito de defesa.
XIX – Nos termos expostos, tendo a douta sentença se pronunciado sobre a nulidade insanável do processado, deveria atender ao facto de que, tinha havido um pagamento fora do prazo do pagamento voluntário, o qual extinguia o procedimento contraordenacional pelo que, o arguido não tinha legitimidade em intentar o presente recurso mas, se assim o não entendesse, o art.º 114.º, n.º 5, al. a) do RGIT mais não é do que o alargamento do âmbito à norma punitiva do art.º 114.º, n.º 2 do RGIT, não se tendo violado o art.º 70.º nem o art.º 63.º, n.º 1, al. c), ambos do RGIT, mas caso assim se não o entenda, a douta sentença enferma de erro sobre os pressupostos, na qualificação da norma, isto é, a norma infringida é o art.º 63.º, n.º 1, al. d) e não a al. c) do RGIT, conforme foi mencionado na douta sentença, devendo a mesma ser revogada.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

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A Recorrida H........Ldª, devidamente notificada do recurso interposto, não contra-alegou.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
«1. Em 23/12/2012, no Serviço de Finanças de Lisboa-9, a Chefe do Serviço de Finanças, procedeu ao levantamento de auto de notícia ao sujeito passivo, H………., Lda., por, alegadamente a, ora recorrida, não ter entregado simultaneamente com a declaração periódica de IVA, que entregou fora de prazo, na data e para o período referido, a prestação tributária necessária para satisfazer o imposto exigível – cfr. fls. 2 dos autos;
2. O auto de notícia, mencionado no ponto anterior, deu origem ao processo de contra-ordenação fiscal n.º ……..43, cuja parte administrativa correu os seus termos no Serviço de Finanças de Lisboa-9, tendo sido autuado em 23/12/2012 - cfr. fls. 2 dos autos;

3. Do auto de notícia consta a infração ao disposto no art. 27º, nº 1 e art. 41º, nº 1 a) do CIVA (pagamento fora do prazo) e como art. punitivo o disposto no art. 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (M)) – cfr. fls. 2 dos autos;

4. Em 23/12/2012, foi emitida notificação à arguida para defesa ou pagamento antecipado da coima com os elementos que constam do ponto 3, supra – cfr. fls. 9 dos autos;

5. Por despacho do Diretor de Finanças de Lisboa datado de 27/01/2013, foi fixada coima à infração descrita no ponto 3, supra, pelo valor de € 9.649,34, acrescida de custas no valor de € 76,50 – cfr. fls. 6 e 7 dos autos;

6. A arguida apresentou recurso judicial da decisão referida no ponto anterior, tendo a mesma sido revogada por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa de 12/12/2013 – cfr. fls. 70 a 72 dos autos;

7. No mesmo despacho, referido no ponto anterior, é proferida nova decisão de fixação da coima nos seguintes termos “ (...) Em virtude de se confirmar a infração descrita, sou de parecer que é de proceder à fixação de nova coima. A infração praticada e descrita no ponto 1, é punível nos termos do art. 114º, nº 2 e nº 5, al. a) e art. 26º, nº 4 do RGIT, com coima variável entre o valor mínimo de € 9.356,48 e o máximo de € 31.188,27 (...) 11- Na ausência de outros elementos considerados relevantes para a graduação da coima e de acordo com o disposto no art. 27º do RGIT aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, aplico a coima mínima de € 9.649,34, à infração supra descrita, com observância dos limites mínimos e máximos mais favoráveis previstos no art. 26º do RGIT, sendo ainda devidas as respetivas custas de € 76,50 (...)”- cfr. fls. 70 a 72 dos autos;
8. A arguida foi notificada nos termos e para efeitos do “ art. 79º, nº 2 do RGIT” – cfr. fls. 73 a 76 dos autos.»
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Dos factos com interesse para a questão em apreciação, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos objeto de análise concreta, não se provaram outros, suscetíveis de afetar a decisão e que importe registar como não provados.»
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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:
«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

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II.2. Enquadramento Jurídico

Em sede de aplicação de direito, a sentença julgou nula a decisão recorrida e determinou a anulação de todos os actos processuais subsequentes que dela dependam. Mais determinou a remessa dos autos à AT para sanação da nulidade e, se assim for entendido, renovação do acto sancionatório (art. 122º, nº 2, do CPP, aqui aplicável por remissão do art. 3º do RGIT).
Para tal, apresentou a seguinte fundamentação:
«DA FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA ARGUIDA PARA APRESENTAR DEFESA
Resulta dos autos, na sequência de produção de nova decisão de aplicação da coima pela competente Entidade Administrativa, a aplicação de coima p.p. pelo art. 114º, nº 5 al. a) do RGIT, redação conferida pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008.
Decorre, ainda, dos autos que o auto de notícia levantado à arguida e o direito de defesa conferido àquela, basearam-se na infração ao disposto no art. 27º, nº 1 e art. 41º, nº 1 a) do CIVA (apresentação fora do prazo da dec. periódica de IVA, s/ meio de pagamento), tendo sido apresentado como art. punitivo o disposto no art. 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (M)) (cfr. pontos 3 e 4 do probatório).
Deriva, ainda, dos autos que tendo sido proferido despacho que anulou anterior decisão administrativa de fixação da coima, em 12/12/2013 foi proferida nova decisão administrativa fixando coima no valor de € 9.649,34, enunciando que a infração descrita, é punível pelo art. 114º, nº 2 e nº 5, al. a) e art. 26, nº a al. b) e nº 4, ambos do RGIT (ponto 7 do probatório).
E, a arguida apenas foi notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 79º, nº 2 do RGIT (ponto 8 do probatório).
Ora, da factualidade descrita resulta que a nova decisão de fixação da coima pronuncia norma penalizadora diferente da enunciada no auto de notícia, o mesmo é dizer que tal consubstancia uma nova acusação e, por isso, impunha-se que a arguida fosse notificada para efeitos do disposto no art. 70º do RGIT, o que não resulta que tal tenha sido feito.
A arguida no âmbito do processo de contra-ordenação tem direito de produzir a sua defesa, o que desde logo lhe é assegurado constitucionalmente (art. 32.°, n.° 10, da C .R.P.)
Trata-se de faculdade que ela utilizará ou não, conforme entender e da forma que entender. No exercício de tais direitos o arguido poderá declarar o que entender, verbalmente ou por escrito, o que, para Jorge Lopes de Sousa, in RGIT anotado, edição de 2001, “ (…) a defesa do arguido que se tem em vista neste artigo é o direito de audição, que tem como corolário a proibição de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre (art. 50.° do R.G.C.O.). Porém, como se conclui do art. 70.°, n.° 1, o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências (…) Ao prestar declarações o arguido tem o direito de confessar ou negar os factos que lhe são imputados ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude e a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção [art. 141 .°, n.° 5, do C.P.P., aplicável por força do preceituado nos arts. 3.°, alínea b), do R.G.I.T. e 41 .°, n.° 1, do R.G.C. O .]. “
Com efeito, a lei não permite a aplicação de uma coima sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada, sendo certo que, in casu, a arguida apenas foi notificada em 23/12/2012, para se pronunciar sobre a infração prevista no art. 114º, nº 2 e art. 26º, nº 4, ambos do RGIT (ponto 4 do probatório), o que significa que a decisão de 27/01/2013 não teve, previamente, a notificação para defesa.
Tal situação encontra-se delimitada pelo Art. 50º do Regime Geral das ContraOrdenações e Coimas, bem como do Art. 71º do Regime Geral das Infrações Tributárias, no cumprimento, aliás, do estatuído no Art. 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.
A omissão do dever de proporcionar o direito de defesa ao arguido gera a nulidade do processo - nos termos subsequentes à omissão – Art. 63º, nº 1, al. c) do RGIT.
Aqui chegados, forçoso se torna concluir que, antes da decisão de fixação da coima, sempre a arguida deveria ter sido notificada para efeitos do disposto no art. 70º do RGIT, face à intenção de aplicação da infração descrita, punível pelo art. 114º, nº 2 e nº 5, al. a) e art. 26, nº a al. b) e nº 4, ambos do RGIT.
Nestes termos, o processo de contra-ordenação enferma de nulidade insuprível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT, não podendo a decisão recorrida manter-se no ordenamento jurídico. Fica assim, sem mais, prejudicada a apreciação das demais questões. Procede por aqui o presente recurso.»

Inconformada com a decisão supra referida, vem a Fazenda Pública recorrer da mesma alegando que tendo a sentença se pronunciado sobre a nulidade insanável do processado, deveria atender ao facto de que, tinha havido um pagamento fora do prazo do pagamento voluntário, o qual extinguia o procedimento contraordenacional pelo que, o arguido não tinha legitimidade em intentar o presente recurso mas, se assim o não entendesse, o art.º 114.º, n.º 5, al. a) do RGIT mais não é do que o alargamento do âmbito à norma punitiva do art.º 114.º, n.º 2 do RGIT, não se tendo violado o art.º 70.º nem o art.º 63.º, n.º 1, al. c), ambos do RGIT, mas caso assim se não o entenda, a douta sentença enferma de erro sobre os pressupostos, na qualificação da norma, isto é, a norma infringida é o art.º 63.º, n.º 1, al. d) e não a al. c) do RGIT, conforme foi mencionado na douta sentença, devendo a mesma ser revogada.

Vejamos.
Com o devido respeito, que é muito, as conclusões de recurso apresentam-se confusas.
Conforme facto nº 1 do probatório, em 23/12/2012, no Serviço de Finanças de Lisboa-9, a Chefe do Serviço de Finanças, procedeu ao levantamento de auto de notícia ao sujeito passivo, H………, Lda., por, alegadamente a, ora recorrida, não ter entregado simultaneamente com a declaração periódica de IVA, que entregou fora de prazo, na data e para o período referido, a prestação tributária necessária para satisfazer o imposto exigível.
Do referido auto de notícia consta a infração ao disposto no art. 27º, nº 1 e art. 41º, nº 1 a) do CIVA (pagamento fora do prazo) e como art. punitivo o disposto no art. 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (M)), cfr. facto nº 3 do probatório.
O referido auto de notícia deu origem ao processo de contra-ordenação fiscal nº ………..43, tendo em 23/12/2012 sido emitida notificação à arguida para defesa ou pagamento antecipado da coima com os elementos atrás referidos.
Em 27/01/2013, foi fixada coima à infracção descrita, pelo valor de €9.649,34.
A arguida apresentou recurso judicial dessa decisão, tendo a mesma sido revogada por despacho de 12/12/2013.
Ora, como é bom de ver, se essa decisão foi revogada não é essa a decisão que está em causa nos autos, pelo que se torna de difícil compreensão todas as considerações efectuadas pela recorrente, nomeadamente, se o arguido tinha legitimidade para recorrer, pois foi por despacho de 12/12/2013, do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa que foi revogada a decisão, atento o recurso apresentado pelo arguido, cfr. facto nº 6 do probatório.

No mesmo despacho em que é revogada a decisão de 27/01/2013, é proferida nova decisão de fixação de coima nos seguintes termos:
“ (...) Em virtude de se confirmar a infração descrita, sou de parecer que é de proceder à fixação de nova coima. A infração praticada e descrita no ponto 1, é punível nos termos do art. 114º, nº 2 e nº 5, al. a) e art. 26º, nº 4 do RGIT, com coima variável entre o valor mínimo de € 9.356,48 e o máximo de € 31.188,27 (...) 11- Na ausência de outros elementos considerados relevantes para a graduação da coima e de acordo com o disposto no art. 27º do RGIT aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, aplico a coima mínima de € 9.649,34, à infração supra descrita, com observância dos limites mínimos e máximos mais favoráveis previstos no art. 26º do RGIT, sendo ainda devidas as respetivas custas de € 76,50 (...)”

Ora, da factualidade descrita resulta que a nova decisão de fixação da coima pronuncia norma penalizadora diferente da enunciada no auto de notícia, o mesmo é dizer que tal consubstancia uma nova acusação e, por isso, impunha-se que a arguida fosse notificada para efeitos do disposto no art. 70º do RGIT, o que não resulta que tal tenha sido feito.
Pois a arguida apenas foi notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 79º, nº 2 do RGIT (facto nº 8 do probatório).
Assim, a arguida apenas foi notificada em 23/12/2012, para se pronunciar sobre a infração prevista no art. 114º, nº 2 e art. 26º, nº 4, ambos do RGIT (ponto 4 do probatório), o que significa que a decisão de 27/01/2013 não teve, previamente, a notificação para defesa.

Importa decidir.
Sobre caso semelhante, das mesmas partes, já se pronunciou este Tribunal por Acórdão de 05/11/2020, Proc. 1747/14.0BELRS, disponível em www.dgsi,pt, onde se pode ler:

«Vejamos a segunda questão -falta de notificação para defesa-, tendo por referência a imputação punitiva prevista na alínea a) do n.º 5 do art.º 114º do RGIT. Esta imputação foi introduzida “ex novo” pela Autoridade Tributária depois de anteriormente ter notificado a Arguida para apresentar defesa com referência à norma punitiva prevista no art. 114º nº 2 do RGIT. A Arguida defende que se trata de uma nulidade insanável, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 63º do RGIT. O MMº juiz confirma esta interpretação uma vez que a Arguida apenas foi notificada para a defesa sendo-lhe dado a conhecer as normas punitivas da infração praticada, em que incorria à data da elaboração do Auto de Notícia que, como vimos foi alterada. Verifica-se assim uma alteração da qualificação da punição da infração, ou seja, as normas que ora descrevem a punição em que incorre a arguida relativamente aos factos de que resulta a infração, é outra, e não a mesma. Ou seja, a norma introduzida para a punição da infração, al. a) do n.°5 do art.°114 do RGIT, classifica factos diferentes daqueles que inicialmente haviam sido classificados - a falta de entrega da prestação tributária, resultante da falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais. Podemos então concluir sem muitas delongas que ocorreu, no procedimento contraordenacional, uma alteração substancial dos factos que levou a AT a utilizar outras normas para punir a infração ou infracções que constatou terem sido praticadas pela arguida. Como refere Manuel Lopes Maia Gonçalves in Código de Processo Penal (CPP), Anotado e Comentado, Edição de 2001, aplicável ex vi, art.°41 do Regime Geral das Contra Ordenações e al. c) do art.°4 do RGIT, o conceito de alteração substancial dos factos é dado pela al. f) do n.°1 do art.°1. A alteração é aferida relativamente aos factos de que o arguido á acusado e tem que deduzir a sua defesa, isto é, relativamente aos factos descritos na acusação e (...) respectivo tratamento jurídico. Outra é a posição da Recorrente. A AT defende tal nulidade não ocorre pois a Arguida foi notificada das normas punitivas e dos despachos subsequentes bem como da notificação para exercer o seu direito de defesa. Apreciemos, então.
Que a imputação factual é diferente, parece não haver grandes dúvidas uma vez que a alínea a) do n.º 5 foi introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, precisamente porque não se previa no art.º 114º RGIT as situações de não pagamento de IVA liquidado em facturas mas não recebido. Todavia, não consideramos que tal configure uma alteração substancial dos factos no sentido previsto no art.º 1/f) do CPP na medida em que a “nova” subsunção se inscreve ainda no âmbito do processo administrativo. Não diz respeito a qualquer alteração efetuada pelo tribunal, a qual, a existir, não poderia ser decidida sem cumprimento do disposto no art.º 359º CPP com a cominação – nulidade - prevista no art.º 379º/1-b) do mesmo diploma.
Mas compreende-se o raciocínio do MMª juiz "a quo". Se a norma e os factos não são os mesmos para os quais foi notificado para exercer o seu direito de defesa, então foi preterido o direito à defesa por se omitir na notificação a que alude o art.º 70º do RGIT os factos e a correta imputação contraordenacional. Cremos que a questão se reconduz, neste caso, ao conteúdo do que deve constar da notificação para defesa, nos termos e para efeitos do art.º 70º RGIT. Tem-se entendido que esta deverá conter : Indicação do facto ou factos apurados no processo de contraordenação; Indicação da punição que é asbtratamente aplicável à contraordenação que os factos podem integrar; O prazo em que pode apresentar defesa e juntar ao processo os elementos de prova que entender; A existência da possibilidade de pagamento antecipado, no prazo concedido para a defesa; A possibilidade de pagamento voluntário até à decisão. É certo que a falta de notificação para audição e apresentação de defesa constitui nulidade insanável do processo de contraordenação, nos termos do art.º 63/1-c) do RGIT.
Mas entende-se, também, que esta nulidade se refere apenas à notificação para audição e apresentação de defesa e não à falta de notificação dos outros elementos que devem ser notificados, nos termos deste art.º 70º. A falta destes constituirá uma mera irregularidade processual com o regime de arguição previsto no art.º 123º do CPP aplicável por força do preceituado nos arts. 3º, al. b), do RGIT e 41º, n.º 1, do RGCO 4 Ora, como se afirmou no Acórdão STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2003, de 28-11-2002 (D.R., I-A, de 25-01-2003), “Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa” De acordo com a doutrina fixada no citado aresto, “a omissão dessa notificação incutirá à decisão administrativa condenatória, se judicialmente impugnada e assim volvida «acusação», o vício formal de nulidade (sanável), arguível, pelo «acusado», no acto da impugnação (…). Se a impugnação se limitar a arguir a invalidade, o tribunal invalidará a instrução, a partir da notificação omissa, e também, por dela depender e a afetar, a subsequente decisão administrativa (…). Mas, se a impugnação se prevalecer do direito preterido (pronunciando-se sobre as questões objeto do procedimento e, sendo caso disso, requerendo diligências complementares e juntando documentos), a nulidade considerar-se-á sanada.” Ou seja, se a notificação administrativa para exercício do direito de defesa não fornecer todos os elementos necessários para que o arguido fique a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável, e não insanável, arguível pelo arguido/notificado no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração ou, judicialmente, no ato da impugnação/recurso.
Se na impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal deverá declarar a nulidade da instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afetar, a subsequente decisão administrativa. Mas se o impugnante/recorrente se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspetos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada.
Como vimos, no recurso da decisão administrativa a Arguida invoca a nulidade insanável prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 63º RGIT e advoga que a conduta é subsumível à previsão e estatuição do art.º 116º RGIT e não ao n.º 2 do art. 114º do mesmo diploma. Assim, consideramos que a Impugnante não se prevaleceu na impugnação/recurso judicial do direito preterido integrando, na sua defesa, os aspetos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação. Deste modo, a nulidade deve considerar-se verificada, não sanada, por preterição do direito de defesa. O que implica a nulidade do processo de contraordenação por omissão de notificação para defesa nos termos supra referidos, e consequente anulação do processo na parte dela dependa absolutamente (art.º 63º/1-3 RGIT).»

Concordamos inteiramente com os fundamentos do Acórdão citado, que fazemos nossos.

Concluindo, a nulidade deve considerar-se verificada por preterição do direito de defesa, pelo que improcede na totalidade o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Face ao decidido, consideram-se prejudicadas quaisquer outras questões.
*****

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução fiscal e de recursos contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Sem Custas.

Registe e notifique.


Lisboa, 4 de Outubro de 2023


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[Lurdes Toscano]


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[Hélia Gameiro]


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[Catarina Almeida e Sousa]