Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2407/14.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO; REVERSÃO; AUDIÇÃO PRÉVIA.
Sumário:1. O meio processual adequado para reagir contra o despacho de reversão é a oposição à execução fiscal.
2. De acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, a anulação judicial do despacho de reversão com fundamento em vícios formais tem como consequência a anulação do acto de reversão.
3. Porém, tal anulação não determina a extinção da execução quanto ao oponente, mas apenas a absolvição do mesmo da instância executiva, o que significa que o órgão de execução fiscal pode sanar o vício que levou à anulação e proferir novo despacho de reversão expurgado do vício que o inquinava.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por J......... o à execução fiscal n.º365420090107... e apensos, contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “B...... - E.I.E.E., Lda.” por dívida proveniente de IRC/2008 no montante de 1.807,90 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.94).

O Recorrente conclui as alegações assim:

«CONCLUSÕES:
I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por J......... o, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação do despacho de reversão subjacente ao PEF n.º 3654200901071... . Entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida porquanto, na apreciação dos factos dados como provados, promoveu uma errónea aplicação do direito, considerando que, não provada a notificação para o exercício da audiência prévia, impõe-se a anulação do despacho de reversão em sede de oposição à execução fiscal.
II – A preterição da participação do interessado na formação do acto administrativo dá origem a um vício de carácter formal que determina a anulabilidade do acto, acto este que pode ser renovado mediante a observância do formalismo previsto na lei. O art.º 151, n.º1 do CPPT apresenta o processo de oposição à execução fiscal como o meio adequado à apreciação da existência dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, sem que do mesmo se retire a sua utilização para a apreciação da legalidade formal do acto que materializa a reversão.
III – A oposição à execução fiscal tem por finalidade a extinção do processo de execução fiscal relativamente ao oponente, desígnio este que não se obtém mediante a anulação do despacho de reversão, pois que, como referida supra, este acto pode ser renovado. Este meio processual tem por virtualidade operar uma definição da situação jurídica do executado relativamente à instância executiva, conferindo um elevado grau de estabilidade/segurança jurídica no que toca à definição dos sujeitos processuais e do objecto processual. Esta estabilidade/segurança jurídica perseguida pela Oposição à Execução Fiscal extrai-se de forma clara e evidente da natureza dos fundamentos elencados nas diversas alíneas do n.º1 do art.º 204º do CPPT.
IV – Noutro patamar se encontra o meio processual previsto no art.º 276º do CPPT, na medida em que este visa velar pela legalidade da marcha processual executiva, sancionando a violação desta com a anulação dos actos que, inseridos na tramitação da execução fiscal, possam prejudicar o justo e adequado desenvolvimento da instância executiva.
V – O Oponente, pretendendo reagir contra a falta de notificação para o exercício da audição prévia à reversão, deveria fazê-lo através de reclamação do acto do órgão de execução fiscal, nos termos do disposto no art. 276º do CPPT, não sendo a oposição à execução fiscal o meio adequado para acautelar a sua pretensão. Carece, portanto, de razoabilidade o julgado porquanto faz uma interpretação errónea dos preceitos legais pertinentes, designadamente dos art.ºs 151º, 204º e 276º do CPPT, incorrendo em erro de julgamento
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE A BAIXA DOS AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA APRECIAÇÃO DOS DEMAIS VÍCIOS INVOCADOS PELO OPONENTE.
PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA
JUSTIÇA!»

Notificado do despacho de admissão do recurso, veio o Recorrido apresentar a peça que designa por “alegações por escrito”, na qual não formula conclusões e se limita a reproduzir o conteúdo das alegações pré-sentenciais apresentadas nos termos do art.º120.º do CPPT ex vi do 211.º do mesmo Código (cf. fls.72 a 74 e 101 dos autos).

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais atenta a simplicidade das questões a dirimir, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida consiste em determinar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir ser a oposição à execução o meio processual próprio para conhecer dos vícios de forma do despacho de reversão e, com esse fundamento, ter julgado a oposição procedente.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
III.1 De Facto
Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:
a) O Serviço de Finanças de Oeiras-2 instaurou, contra a executada originária, B……-E.I.E.E., Lda.- Sociedade em Liquidação, o PEF n.º 3654200901071..., para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2008, com data limite de pagamento voluntário de 26.08.2009, no montante € 1.807,90 (cfr. fls. 39- 40 verso dos autos);
b) Em 13/11/2014, foi prestada informação, por Técnico do Serviço de Finanças de Oeiras-2, na qual consta, designadamente, que: “Tendo em atenção a declaração de insolvência e o previsto no n.º 7 do artigo 23.º da L.G.T. e ainda as instruções de 21-09-2012 emanadas da D.S.G.C.T, foi registada no sistema informático a reversão 3654.2012.316, tendo o ora oponente J......... o sido identificado como um dos responsáveis pela gestão da empresa à data do vencimento das dívidas; //O contribuinte foi, de acordo com o plasmado no artigo 23.º, n.º 4 e artigo 60.º, ambos da L.G.T, notificado para exercer o direito de audição prévia, não tendo, no entanto, exercido esse direito; // O projecto de reversão totalizava o montante de € 1.807,90 com data limite de pagamento voluntário de 26-08-2009;// Em 12-12-2013, após se mostrar precludido o direito para o exercício de audição prévia, foi proferido, ainda através do sistema informático, o despacho de reversão acionando a responsabilidade subsidiária do gerente da executada originária, por reversão da dívida no processo executivo, contra o ora oponente tendo sido enviada a respetiva citação;// A citação foi concretizada em 13-01-2014 (data da assinatura do aviso de recepção) e o oponente foi citado para efectuar o pagamento da quantia de € 1.807,90 (…), montante relativo às dívidas que se tornaram exigíveis no período de gerência do oponente” (cfr. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 24 e 25 dos autos);
c) Mais consta da informação, referida no número anterior, que “juntam-se peças processuais e cópia integral do processo de execução fiscal originário” (cfr. idem);
d) Em 12/12/2013, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras-2, de reversão do PEF referido no número 1 contra o ora Oponente (por acordo);
e) Em 13/01/2014, foi citado o Oponente, no âmbito do PEF referido na alínea a), para pagamento da quantia de € 1.807,90 (por acordo);
f) A executada originária foi declarada insolvente, por sentença de 07/09/2010, proferida no Processo de Insolvência n.º 1134/10.9TYLSB, do 3.º Juízo, do Tribunal de Comércio de Lisboa (cfr. cópia da referida sentença, de fls. 28 a 30 dos autos);
g) Na sentença, referida no número anterior, foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com caráter pleno, tendo-se fixado, em 30 dias, o prazo para a reclamação de créditos e designado, para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório elaborado pelo Administrador de Insolvência, o dia 02/11/2010, pelas 15 horas (cfr. idem);
*
Factos não provados:
1) O Serviço de Finanças de Oeiras-2 procedeu à audição prévia do Oponente antes de ser proferido o despacho de reversão referido no número 4 do ponto anterior.
*
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes, não impugnados, conforme especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada e no acordo das partes, que pela sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação prova.
No que concerne ao facto não provado no ponto 1) verifica-se que, apesar de constar na informação referida no número 2 do ponto 1.1. que “O contribuinte foi, de acordo com o plasmado no artigo 23.º, n.º 4 e artigo 60.º, ambos da L.G.T, notificado para exercer o direito de audição prévia”, não foi junta aos presentes autos qualquer prova documental que demonstrasse que essa audição prévia do Oponente foi efetivamente realizada.
Assim, face ao disposto no artigo 74.º, n.os 1 e 2 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, mas quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária.
Dito de outro modo, tendo o Oponente alegado que não foi notificado para exercer o direito de audiência prévia e que só com a sua citação é que obteve conhecimento dos presentes autos, era à Fazenda Pública que cabia fazer a prova desse facto, cfr artigo 342.º, nº 2, do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea d), da LGT. De referir que, a prova de que se trata é a prova documental, à qual é aplicável o disposto nos artigos 362.º e seguintes do Código Civil, por remissão do artigo 2.º, alínea d), da LGT, sendo que, para esse efeito, poderia ter apresentado documentos extraídos do seu sistema informático interno e do sistema informático dos CTT, que demonstrassem inequivocamente que foi dirigida ao Oponente uma comunicação, para efeitos da sua audição prévia sobre o despacho de reversão, que essa comunicação seguiu pelos CTT através de determinado número de registo e que esse registo foi recebido pelo Oponente em determinada data.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

As questões a dirimir são simples, reconduzindo-se a primeira delas a saber se é a oposição à execução fiscal o meio processual próprio para se conhecer dos vícios formais do despacho de reversão, nomeadamente, por falta de audição prévia.

Ora, constitui jurisprudência assente do STA, vertida em diversos arestos, o entendimento de que o meio processual adequado para reagir contra o despacho de reversão é a oposição à execução fiscal – vd. Acórdãos do STA, de 12/16/2015, tirado no proc.º0361/14; de 14/09/2016, tirado no proc.º0802/16; de 03/20/2019, tirado no proc.º01437/14.3BELRS 0304/18.

Com pertinência se deixou consignado no sumário doutrinal do citado Acórdão do STA de 12/16/2015, tirado no proc.º0361/14:
«I - Pese embora, em regra, a oposição tenha como finalidade a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, pode também visar outros fins que se revelem adequados à sua função de contestação à pretensão executiva, quais sejam a suspensão da execução fiscal ou a absolvição da instância executiva.
II - Consequentemente, devem admitir-se como fundamentos de oposição à execução fiscal os que, independentemente do carácter substantivo ou adjectivo, possam determinar alguma daquelas finalidades, designadamente deve admitir-se a invocação de excepções dilatórias como fundamento subsumível à previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
III - No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.» (fim de cit.).

Aplicando aos autos esta jurisprudência recentemente consolidada, bem andou o Mmo. Juiz a quo em ter conhecido na oposição do invocado vício de forma do despacho de reversão por preterição da audição prévia, formalidade que a lei impõe no art.º23.º, n.º4, da Lei Geral Tributária e se concretiza nos termos do art.º60.º do mesmo diploma legal.

Por outro lado, como se assinala no douto Acórdão do STA de 12/16/2015 que vimos acompanhando, «Assim, não restando dúvidas de que os vícios formais do despacho de reversão se podem erigir em fundamento de oposição à execução fiscal, integrando a previsão da alínea i) do n.º1 do art.º204.º do CPPT, a procedência da oposição com esse fundamento terá como consequência, não só a anulação do acto de reversão (que, caso fosse o único efeito jurídico prosseguido, teria como meio processual eventualmente mais adequado a reclamação do art.º276.º do CPPT), mas também a absolvição do oponente da instância executiva. Absolvição da instância que (contrariamente à extinção da execução fiscal, que constitui uma verdadeira absolvição da pretensão executiva) não impede o órgão da execução fiscal de proferir novo despacho de reversão em que, desta vez fundamentando suficientemente o acto, sane o vício que determinou a anulação».

Ora, o Mmo. Juiz a quo não deixou de ter em conta esta jurisprudência, nomeadamente, quando refere na sentença que “considerando que está em causa a repetição do acto determinativo da reversão, com possibilidade de o oponente se pronunciar sobre a verificação dos respectivos pressupostos, fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos da oposição”.
Assim, quando no dispositivo da sentença deixou consignado “julgo procedente a presente oposição”, tout court, só pode entender-se que absolveu o oponente da instância executiva, o que nesta sede recursiva, importará clarificar no dispositivo do acórdão.

Com efeito, de acordo com a jurisprudência recentemente consolidada do STA, em cuja linha se insere o douto Acórdão que vimos acompanhando, a anulação judicial do despacho de reversão com fundamento em vícios formais tem como consequência a anulação do ato de reversão. Porém, tal anulação não determina a extinção da execução quanto ao oponente, mas apenas a absolvição do mesmo da instância executiva, o que significa que o órgão de execução fiscal pode sanar o vício que levou a anulação e proferir novo despacho de reversão.

Sem necessidade de maiores considerandos, é pois de confirmar a sentença recorrida, que decidiu de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, e negar provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, julgando a oposição procedente com a consequente absolvição do oponente da instância executiva.

Custas a cargo do Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 31 de Outubro de 2019


Vital Lopes


Anabela Russo


Tânia Meireles da Cunha