Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:604/06.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IVA;
EXISTÊNCIAS;
INVENTARIAÇÃO;
PRESUNÇÃO.
Sumário:I – Dispunha o artigo 80.º do CIVA (actual 86º) que «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais».
II – Na circunstância de o contribuinte ser alvo de uma acção inspectiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no artigo 86.º do CIVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.
III - Porém, essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nos registos contabilísticos e extra- contabilísticos do contribuinte, ou seja, apenas sobre factos registados na contabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A B... – Companhia de Comunicações, Lda, veio deduzir Impugnação Judicial contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios do período de 2000, com fundamento em não se encontrarem reunidos os pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, carência da fundamentação, preterição de formalidades legais essenciais, nomeadamente por não ter sido ouvido antes da liquidação de juros compensatórios, e errónea qualificação e quantificação da matéria tributável e volume de negócios.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 15 de Junho de 2020, julgou procedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 15/06/2020, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação do acto de liquidação adicional de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 04399123, no valor de € 156.696,81 e do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 04399122, no valor de € 32.421,21.

B. No que concerne à matéria de facto julgada provada na douta Sentença exarada, consideramos que, com a devida vénia, foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes dos artigos 47.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 56.º, 58.º, 60.º, 61.º, 72.º, 74.º, 75.º e 78.º da informação oficial elaborada nos termos do disposto no art. 111.º do CPPT, que integra o Processo Administrativo Tributário junto aos autos, que se dá por integralmente reproduzida no articulado de contestação apresentado pela Representação da Fazenda Pública.

C. Com efeito, encontrando-se demonstrados com base na prova documental produzida nos autos de primeira instância, deveriam ter sido considerados provados os seguintes factos:

1. A actividade do sujeito passivo “A B... – Companhia de Comunicações, Lda.” (doravante B...) consistia, no ano de 2000, na venda e instalação de centrais telefónicas novas, da marca B..., recolhendo equipamento usado, quer da marca própria do sujeito passivo, quer de marcas concorrentes, sendo os bens retomados registados na contabilidade do sujeito passivo como compras (cfr. ponto 2.3.2 do Relatório de Inspecção – doravante RIT – “caracterização da actividade” e ponto 4.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – faltas em existências - retomas”);

2. Em 01/01/2000, a contabilidade, bem como o inventário físico da B..., apresentavam existências em equipamentos usados, no montante de PTE 18 178 332$00 (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade”; ponto D do quadro constante do anexo E do RIT e teor de fls. 1, 18 e 19 do anexo E do RIT);

3. Ao longo do exercício de 2000, foram sendo registados na contabilidade da B..., na conta POC 3191, documentos de aquisição de equipamentos usados no montante PTE 183 089 914$00, que constituem bens retomados pela venda de novos equipamentos (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade”; ponto E do mapa constante do anexo E do RIT e teor de fls. 1 do anexo E do RIT);

4. Os equipamentos usados recolhidos pela B... eram registados, no ano de 2000, por valores que variavam entre PTE 50 000$00 e PTE 100 000$00 (no que respeita a equipamentos de marcas concorrentes), bem como por valores que variavam entre PTE 1 000 000$00, 2 000 000$00, 5 000 000$00 e até 7 000 000$00 (no que respeita a equipamentos da marca vendida pelo sujeito passivo) – (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade”);

5. As retomas de centrais telefónicas encontravam-se registadas, no ano de 2000, na contabilidade da B..., em Existências Iniciais, pelo montante de PTE 18 178 332$00 e em Compras, pelo montante de PTE 169 569 078$00 (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade” e teor do mapa constante do anexo E do RIT);

6. Das centrais usadas, adquiridas por retoma, apenas foi relevado na contabilidade da B..., no ano de 2000, a venda de centrais telefónicas, pelo valor de PTE 2 953 948$00, a que correspondem as facturas n.º 12380 e 12381 de 2000/06/20, emitidas em nome do cliente R... – C... (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade”; ponto F do mapa constante do anexo E do RIT e teor de fls. 20 a 22 do anexo E do RIT);

7. As facturas identificadas no ponto anterior referem-se à venda de centrais telefónicas adquiridas pela B..., em estado de uso, de marcas concorrentes do sujeito passivo (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade” e teor de fls. 20 a 22 do anexo E do RIT);

8. As facturas n.ºs 12380 e 12381, identificadas nos pontos anteriores, têm como código dos produtos vendidos as marcas dos mesmos, sem especificação dos respectivos modelos, constando como descrição das facturas “equipamento” “central telefónica” e “telefones diversos”, não constando das mesmas qualquer indicação de que as centrais telefónicas tivessem sido previamente destruídas e vendidas como sucata (cfr. cópias de facturas que constituem o anexo A do RIT);

9. O montante de PTE 184 793 462$00, correspondente à soma do montante contabilizado em existências iniciais e em compras, no ano de 2000, de equipamento usado, deduzido do valor de vendas de equipamento usado (18 178 332$00 + 169 569 078$00 - 2 953 948$00), não consta da contabilidade nem do inventário da B... a 31/12/2000 (cfr. ponto 4.1.1 do RIT – “Descrição dos factos e fundamentos das correcções por aplicação de métodos indirectos – factos revelados na contabilidade”; ponto 4.1.2 do RIT – “Correcção das faltas em existências” e teor do anexo F do RIT);

10. O sujeito passivo B... foi notificado, nas pessoas da sua sócia gerente e do seu sócio maioritário, no decurso do procedimento de inspecção, para comprovar o destino dos bens em estado de uso, tendo a sócia gerente e o sócio maioritário afirmado, junto dos técnicos da Inspecção Tributária, que não existiam elementos que lograssem provar o destino dos bens, bem como que os bens usados eram esmagados e entregues a um sucateiro, que um deles apontava ser sito na Guarda ou outro ser sito no Fundão , gratuitamente (cfr. ponto 4.1.2 do RIT – “Correcção das faltas em existências”);

11. Em 08/10/2004, no âmbito do direito de audição exercido no âmbito do projecto de decisão para aplicação de métodos indirectos, o contribuinte entregou junto da Administração Tributária documento designado como “inventário das centrais velhas retomadas para a sucata a 31/12/2000”, bem como autos de declarações, datados de 6/10/2004, assinados por técnicos ao serviço da B..., declarando que as centrais elencadas no inventário correspondem a retomas efectuadas pelo sujeito passivo durante os exercícios de 1999 e 2000, bem como fotocópias das facturas de aquisição referentes a essas listagens (cfr. teor de fls. 2 e 3 do Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão, e documentos anexos ao mesmo, que integram o Processo Administrativo Tributário (PAT), bem como fls. 51 e 68 a 76 do PAT);

12. A factura n.º 133, emitida pela Sociedade “M...” em 10/02/2000, à B..., no valor de € 8.753,90, apresenta como descrição do produto vendido “central telefónica” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

13. A nota de débito n.º 200001, emitida pela Sociedade “I... Portugal Sociedade Representações Lda.” com o NIPC 5…, em 06/03/2000, à B..., no valor de € 2.917,97, apresenta como descrição do produto vendido “central telefónica” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

14. A factura n.º 1940, emitida pela Sociedade “V... Lda.”, com o NIPC 5…, em 30/07/2000, à B..., no valor de € 3.421,00, apresenta como descrição do produto vendido “venda de imobilizado. central telefónica” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

15. O documento resumo de facturas, n.º 175, emitido pela Sociedade “S…, Lda.”, com o NIPC 5…, em 03/10/2000, à B..., no valor de PTE 1 137 240$00, apresenta como descrição do produto “FA 015577”, não constando anexo ao mesmo a factura n.º 015577 (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

16. A factura n.º 349, emitida pela Sociedade “C…”, com o NIPC 5…, em 03/10/2000, à B..., no valor de € 1.809,14, apresenta como descrição do produto vendido “valor correspondente à cedência da nossa central telefónica, conforme acordado” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

17. A nota de débito n.º 001/2000, emitida pela Sociedade “C… Lda,”, com o NIPC 5…, em 07/12/2000, à B..., no valor de PTE 702 000$00, apresenta como descrição do produto vendido “cedência de duas centrais telefónicas em estado de uso”(cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

18. A venda a dinheiro n.º 601, emitida pela Sociedade “M…, Lda.”, com o NIPC 5…, em 13/12/2000, à B..., no valor de PTE 1439 400$00, apresenta como descrição do produto vendido “central telefónica” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

19. A factura n.º 601, emitida pela Sociedade “F… Lda.”, com o NIPC 5…, em 18/10/2000, à B..., no valor de PTE 1 755 000$00, apresenta como descrição do produto vendido “central telefónica” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

20. A factura n.º MI 042339, emitida pela Sociedade “A… – Têxteis S.A, em Novembro de 2000, à B..., no valor de PTE 5 000 $00, apresenta como descrição do produto vendido “central telefónica RDIS” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão e fls. 68 a 76 do PAT);

21. Sobre o documento resumo de facturas, n.º 175, emitido pela Sociedade “S…, Lda.”, com o NIPC 5…, em 03/10/2000, à B..., supra descrito, foi aposto por este sujeito passivo, de forma manuscrita, a indicação “B... RDIS 8” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

22. O documento interno do sujeito passivo B..., designado “Retoma”, apresentado pelo perito do sujeito passivo no âmbito do procedimento de revisão, no qual consta a menção à factura n.º 175, identificada no artigo anterior, datado de 07/12/2000, identifica o equipamento abatido como sendo uma central da marca “B...” e do modelo “RDIS 8”, não constando do mesmo identificação do número de série do equipamento (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

23. Sobre a nota de débito, n.º 001/2000, emitida pela Sociedade “C… S.A.”, com o NIPC 5…, em 07/12/2000, à B..., supra descrito, foi aposto por este sujeito passivo, de forma manuscrita, a indicação “B... DT” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

24. O documento interno do sujeito passivo “B..., designado “Retoma”, apresentado pelo perito do sujeito passivo no âmbito do procedimento de revisão, no qual consta a menção à nota de débito n.º 001, identificada no artigo anterior, datado de 27/12/2000, identifica o equipamento abatido como sendo uma central da marca “B...” e do modelo “2xDT”, não constando do mesmo identificação do número de série do equipamento (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

25. Sobre a factura n.º 349, emitida pela Sociedade “C….”, com o NIPC 5…, em 03/10/2000, à B..., supra descrito, foi aposto por este sujeito passivo, de forma manuscrita, a indicação “B... DT” (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

26. O documento interno do sujeito passivo B..., designado “Retoma”, apresentado pelo perito do sujeito passivo no âmbito do procedimento de revisão, no qual consta a menção à factura n.º 349, emitida pela Sociedade “C....”, com o NIPC 5…, em 03/10/2000, à B..., supra descrito, datado de 21/12/2000, identifica o equipamento abatido como sendo uma central da marca “B...” e do modelo “B... RDIS”, não constando do mesmo identificação do número de série do equipamento (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

27. No documento denominado “inventário das centrais velhas retomadas para a sucata a 31/12/2000”, apresentado pelo sujeito passivo junto da Autoridade Tributária em 08/10/2004, no âmbito do direito de audição exercido no âmbito do projecto de decisão para aplicação de métodos indirectos, consta a identificação dos modelos dos equipamentos e a quantidade dos mesmos, não identificando as marcas dos equipamentos, as facturas de aquisição dos mesmos, ou o número de série dos equipamentos em questão (cfr. documentos anexos ao Laudo do Perito da Administração Tributária elaborado no âmbito do procedimento de revisão);

28. No âmbito do procedimento de revisão da matéria tributária, a B... apresentou guia de remessa referente à factura n.º 12380, datada de 20/06/2000, emitida à R..., supra identificada, não tendo apresentado junto da Administração Tributária a guia de remessa referente à factura n.º 12381, emitida na mesma data à R... (cfr. fls. 447 a 476 do PAT);

29. No auto de penhora elaborado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3..., encontram- se descritos equipamentos retomados da marca B... e outros modelos que não são comercializados pela ora impugnante, descritos como em “estado novo de bom funcionamento” (cfr. fls. 417, 418, 440 e 442 do PAT).

D. Os factos constantes do Relatório de Inspecção elaborado no âmbito do procedimento inspectivo legitimado com base na Ordem de Serviço n.º 03/1/334, emitida em 04/11/2003, fundamentado e baseado em critérios objectivos, encontram-se provados nos autos por documento com força probatória plena, encontrando-se o princípio da livre apreciação da prova limitado na medida em que estamos perante um meio de prova cuja força probatória se encontra pré-estabelecida na lei (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT, art. 371.º do Código Civil e n.º 5 do art. 607.º do CPC).

E. Por outro lado, consideramos que, com a devida vénia, foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes dos artigos 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 71.º, 75.º, 76.º, 118.º, 122.º e 133.º da petição inicial.

F. Com base na prova documental apresentada nos autos de primeira instância, consideramos que deveriam ter sido considerados não provados os seguintes factos:

1. O sujeito passivo “A B... – Companhia de Comunicações, Lda.” não vendeu qualquer central telefónica retomada no exercício de 1999, nem no de 2000, à excepção das centrais constantes das facturas n.ºs 12380 e 12381, emitidas à R...;

2. Á excepção das centrais constantes das facturas n.ºs 12380 e 12381, emitidas à R..., todas as restantes centrais retomadas nos anos de 1999 e 2000 pelo sujeito passivo “A B... – C…, Lda.” foram inutilizadas e depositadas no armazém de sucata do sujeito passivo, encontrando-se nesse local desde a data da retoma;

3. Existe correspondência entre os bens descritos na lista dos bens objecto de penhora, anexa ao auto de penhora elaborado pelos funcionários do Serviço de Finanças de Lisboa – 13, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3..., e os bens descritos no documento designado por “inventário das centrais velhas retomadas para a sucata a 31/12/2000”.

G. Por outro lado, da conjugação da prova testemunhal produzida nos autos de primeira instância com a prova documental apresentada, resulta demonstrada a falta de instituição, por parte da Impugnante, ora recorrida, de procedimentos inerentes à inventariação dos equipamentos retomados aos seus clientes, espelhados na divergência de interpretação acerca das tarefas a realizar, no âmbito da inventariação, por parte dos funcionários responsáveis pelas mesmas, o que é revelado pela tentativa constante da Impugnante, ora recorrida, de, ao longo do procedimento inspectivo, do procedimento de revisão da matéria tributável e do procedimento de reclamação graciosa, ou seja, em momento a posteriori do exercício económico em questão (2000), justificar o destino dos bens retomados.

H. No que diz respeito à matéria de direito, com a devida vénia, mal andou o Ilustre Tribunal “a quo” na interpretação das normas dos artigos 35.º, 36.º, 44.º, n.º 1, do art, 77.º, do n.º 1 do art. 79.º, do art. 80.º, do art. 84.º, todos do Código do IVA, bem como dos n.ºs 1 e 3 do art. 17.º, n.ºs 1 e 2 do art. 51.º, 52.º e 98.º, todos do Código do IRC, bem como da alínea b) do art. 87.º e da alínea a) do art. 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), nas redacções em vigor à data dos factos.

I. Na tarefa hermenêutica de interpretação da norma do artigo 80.º do Código do IVA (CIVA), na versão em vigor à data dos factos, de acordo com as disposições legais do n.º 1 do art. 11.º da LGT e do n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, dever-se-á, partindo da letra da lei, atender à unidade do sistema jurídico.

J. Assim, da conjugação das normas do n.º 1 e alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 77.º e do n.º 1 do art. 79.º, ambos do CIVA, na versão em vigor à data dos factos, com o disposto no n.º 1 do art. 63.º da LGT e com os artigos 28.º e 29.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (aprovado pelo Decreto-lei n.º 413/98, de 31 de dezembro) – doravante RCPIT-, dever- se-á concluir que o exercício dos poderes de fiscalização pode concretizar-se através de qualquer uma das faculdades enumeradas no artigo 63.º da LGT, visando o disposto no n.º 1 do art. 79.º do CIVA tão só alargar o âmbito da actividade fiscalizadora, permitindo, em certos casos, que os funcionários da Administração Tributária possam proceder ao inventário físico das existências.

K. Por outro lado, da conjugação de tais disposições legais com os artigos 5.º, 6, 7.º e 9.º do RCPIT e artigos 58.º e 59.º da LGT e artigos 46.º e 48.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT -, dever-se-á considerar que estando as prerrogativas da inspecção tributária consagradas para servir o fim da descoberta da verdade material e estando a Administração Tributária vinculada à prossecução do princípio da proporcionalidade, as diligências a efectuar no âmbito do procedimento inspetivo devem ser, de entre as legalmente previstas, as mais adequadas ao apuramento da situação tributária do contribuinte e à necessidade de satisfação do interesse público, não estando o princípio do inquisitório subordinado à iniciativa do autor do pedido.

L. Ainda, da conjugação das normas do art. 44.º do CIVA e do art. 98.º do CIRC, nas suas versões em vigor à data dos factos, com as disposições legais do art. 59.º e dos artigos 75.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT e do art. 10.º do RCPIT, resulta não só a obrigatoriedade de a contabilidade de os sujeitos passivos ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a importância lapidar, em matéria de ónus da prova, do cumprimento de tais obrigações, constituindo a falta de cooperação do sujeito passivo no procedimento de inspecção, quando ilegítima, fundamento de aplicação de métodos indirectos de tributação.

M. Pelo supra exposto, atendendo quer à redacção da norma do art. 80.º do CIVA - que não prevê expressamente a necessidade de a Administração Tributária efectuar a diligência de inventariação física -, quer à unidade do sistema jurídico, dever-se-á considerar que, contrariamente ao que entende o Ilustre Tribunal “a quo”, não é exigível que os Inspectores da Administração Tributária constatem directamente a falta dos bens no inventário físico para que possam presumir a transmissão dos bens em falta e liquidar o imposto devido.

N. Por último, socorrendo-nos do elemento teleológico da actividade hermenêutica, é importante não olvidar que a presunção legal ínsita no art. 80.º do CIVA, que, aliás, se mantém em vigor até à presente data (vide actual artigo 86.º do CIVA) visa expressamente inverter o ónus da prova, a favor da Administração Tributária, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 344.º e artigo 350.º, ambos do Código Civil.

O. Assim, sendo intenção do legislador permitir à Administração Tributária considerar que existe uma operação tributável em IVA quando, no âmbito das suas competências de apuramento da situação tributária do sujeito passivo, verifique que existiu aquisição de bens e os mesmos não constem dos inventários físicos elaborados pelo sujeito passivo, dever-se-á considerar que, para efeitos de prevenção de fraude e evasão fiscal, é irrelevante a forma como esse facto conhecido é apurado, desde que dentro do princípio da legalidade, como supra mencionamos.

P. Voltando ao caso concreto, diversamente do concluído na decisão recorrida, o que resulta provado é que a Impugnante, ora recorrida, não procedeu, como devia, à necessária relevação contabilística do destino efectivamente dado ao valor correspondente às mercadorias em causa, sendo que tal constituía, conforme supra mencionamos, uma obrigação contabilística do sujeito passivo, pelo que tal omissão só poderia ter determinado, necessariamente, que a inspecção tributária, perante o valor concretamente determinado e na ausência de elementos comprovativos da eventual inutilização ou destruição dos bens, os quais também não constam das existências finais em 31/12/2000, tenha considerado que os mesmos foram efectivamente objecto de transmissão.

Q. Ora, encontrando-se, portanto, reunidas as condições para o funcionamento da presunção legal de transmissão de bens ínsita no art. 80.º do CIVA, competia, pois, à Impugnante, ora recorrida, provar que os bens retomados ainda se encontravam na sua posse à data de 31/12/2000, bem como que os mesmos não foram alienados a terceiros, factos que, conforme supra mencionamos na matéria de facto, a mesma não logrou, a nosso ver, demonstrar nos autos de primeira instância, como se impunha, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 350.º do Código Civil.

R. Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese académica se concede, por força da disposição legal do n.º 1 do art. 84.º do CIVA, na versão em vigor à data dos factos, a liquidação de IVA efectuada com base em avaliação indirecta atende aos pressupostos legais previstos nos artigos 87.º, alínea b) e art. 88.º, alínea a), ambos da LGT.

S. Ora, conforme supra mencionamos, dos factos que se encontram descritos no relatório de inspecção e demonstrados nos autos de primeira instância com base nesta prova documental, que possui força probatório plena, resulta demonstrada, precisamente, de forma detalhada e rigorosa, por que razão não era credível a inventariação física dos bens retomados revelada pelo sujeito passivo na sua contabilidade, pelo que se encontra comprovado que a fiabilidade e credibilidade dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade, se encontra comprometida, não se verificando a presunção ínsita no n.º 1 do art. 75.º da LGT, atenta a disposição da alínea a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT.

T. Pelo supra exposto, ainda que se considere que, no caso concreto, a Administração Tributária não deveria ter utilizado a presunção prevista no art. 80.º do CIVA, na versão em vigor à data dos factos, dever-se-á considerar que a Administração Tributária logrou provar, nos termos do disposto no art. 74.º da LGT, os factos constitutivos do seu direito, ou seja, a verificação dos pressupostos de recurso à avaliação indirecta previstos nos artigos 87.º, alínea b) e art. 88.º, alínea a), ambos da LGT, com base em documentos que possuem força probatória plena, não tendo a Impugnante, ora recorrida, efectuado prova em contrário (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 347.º e 371.º, ambos do Código Civil).

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, ofereceu as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. Analisado o exposto na douta decisão recorrida, revela-se a mesma de facto e de direito bem fundamentada, bem decidindo não ter a AT comprovado a verificação dos pressupostos para aplicação do artigo 80.º do CIVA e do recurso à avaliação indireta da matéria tributária.
B. Tendo a sentença em recurso feito uma correta e suficiente análise e valoração da matéria de facto com interesse para a decisão e uma correspondente subsunção da mesma na matéria de direito aplicável, julgando procedente a impugnação e anulando as liquidações impugnadas.
C. É inquestionável que não tem a Recorrente Fazenda Pública razão, ao pretender a reapreciação da prova gravada e da lei fazer uma errada aplicação, após ter enveredado pelo caminho dos métodos indiretos e feito operar a presunção legal do artigo 80.º do Código do IVA (atual artigo 86.º do Código do IVA, o qual dispõe claramente: «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem- se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais»), sem que para tal tenha comprovado a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável da Impugnante. " (cf. fls. 17 e 19 da Sentença recorrida)
D. Com efeito, subjacente a esta presunção legal, encontra-se como condição, da qual a Recorrente se faz olvidar: a necessária inventariação física e avaliação dos bens relacionados com a atividade da Recorrida, incluindo a contagem física das existências e a realização de amostragens destinadas à documentação das ações de inspeção (artigo 29.º n.º 1,b) RCPIT), a realizar pelos Serviços de Inspeção.
E. No que respeita, à questão sobre se estão ou não reunidos os pressupostos para a AT proceder ao cálculo do imposto através da presunção do artigo 80º e do recurso a métodos indiretos, desde logo, não sobra qualquer tipo de dúvidas sobre a evidência da insuficiência e/ou mediocridade da fundamentação probatória da Recorrente, pretende subverter a lógica das regras do ónus probatório e da aplicação do à data artigo 80.º do Código do IVA que pressupõe a inventariação dos bens para se poder concluir que faltam (no local, fisicamente) bens em face dos registos contabilísticos.
F. A questão em recurso foi já analisada (cf. consta a fls. 18 da sentença), em sede de IVA relativo ao ano de 2001, no processo de impugnação que correu termos no Tribunal Tributário de lisboa sob o n.º 2129/06.2BELSB,da mesma Contribuinte/Recorrida, onde se decidiu: a presunção de transmissão das retomas registadas em compras e em falta no inventário final a 31/12/2001, enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, não podendo manter-se na ordem jurídica a correção de proveitos omitidos.
G. Em correlato a tal evidência de carência dos pressupostos do recurso aos métodos indiretos, associa-se, seguidamente, a evidência do modo como a Recorrente dá cumprimento do ónus compósito de delimitação da matéria de facto que concretamente impugna (artigo 640.º do CPC) (cf. Acórdão do STJ de 19-02-2015, Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.Sl, Relator: Conselheiro Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
H. Nesta conformidade: constata-se que a Recorrente, ao especificar nas suas conclusões recursórias os concretos pontos de facto que considera mal julgados (cf. Conclusões B. e E. do Recurso), delimita o objeto do recurso, e no corpo das alegações os concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretende ver analisados (cf. Pontos 23 a 32 das alegações de recurso).
I. Assim delimitando o perímetro do debate recursório, pugna Recorrente por serem dados como provados e não provados factos (cf. Conclusões recursais C. e F.) que em nada alteram o sentido da decisão em crise ou se integram no plano da fundamentação da sentença: uma vez que não se destinam a demonstrar que a AT confirmou através da contagem física qualquer falta - erro palmar, pois os factos nos quais se apoiam as liquidações não estão demonstrados nem são fundamentados nem decorrentes de critérios objectivos.
J. Novo erro palmar da fundamentação probatória da Recorrente se evidencia nos Pontos 7 a 9 das alegações de recurso e Conclusão D., pois, pese embora o disposto nos artigos 76.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 2,do CPPT, o RIT não constitui uma prova legal plena na acepção do art.º 347.º do CC, ao contrário do que entende a Recorrente.
K. Porquanto, o valor probatório do RIT está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de directa ofensa do artigo 20.º, n.º 4, da CRP, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade (due process of law, vigente sem dependência da lei comum), o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo artigo 98.2 da LGT (Acórdão do TCAS de 26-06-2014, proc. n.º 07148/13, Relator: Benjamim Barbosa, disponível em www.dgsi.pt)
L. Veja-se o Ponto 10 das alegações de Recurso: factos contrariados pelo próprio direito de audição exercido antes da elaboração do RIT em que a Recorrida; em particular a sócia gerente mencionada no RIT, afirma que as retomas ainda estavam; como sempre estiveram. e estão. no armazém da sede da empresa em Benfica desmentindo qualquer "falta"; assim como qualquer transporte para qualquer sucateiro no Fundão ou na Guarda, como afirmado no RIT (conforme estes 3 documentos incluídos nos factos provados comprovam G), I) e L)).
M. Todavia, mesmo que não seja entendido deste modo, e se considere que o RIT constitui prova legal plena, o que não se concede, só comprovaria o fundamento da sentença recorrida, i.e., que a AT nunca efectuou a inventariação, contagem dos materiais, como era seu ónus prévio: porquanto, caso a Recorrente Fazenda Pública quisesse pôr em causa a sentença, era obrigatório que acrescentasse aos factos provados que a AT fez inventariação e que constatou que determinados materiais não estariam no local - Q. que não fez - assim, o que o RIT comprova é que nunca houve tal contagem, pelo que não se vislumbra como é que o RIT poderá alterar o sentido da sentença.
N. Perante o que fica consignado, o que pretende a Recorrente não é uma alteração dos factos que levaram à decisão (já que a Recorrente pugna por serem dados como provados factos que não alteram em nada a decisão uma vez que não se destinam a demonstrar que a AT confirmou através da contagem física qualquer falta) mas antes, numa ambiguidade anotada e evidente, gerar uma aplicação errada do Direito - defendendo que pode usufruir da presunção do artigo 80.º do Código do IVA sem efectuar qualquer contagem direta física e presencial dos bens, tentando alterar a seu favor, ao arrepio da lei, a ordem do ónus da prova.
O. Constitui jurisprudência uniforme o entendimento dos tribunais superiores quanto à matéria dos presentes autos, podendo citar-se, entre outros o lapidarmente decidido pelos:
• Acórdão do TCAS de 09-07-2018, proferido no Proc. n.º 428/13.6BDCTB, Relator: Vital Lopes; disponível in www.dgsi.pt: "(...) 2. Se o contribuinte é alva de uma acção inspectiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no art.º 86.º do CIVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido. 3. Porém, essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nas registos contabilísticos e extra-contabilísticos do contribuinte, ou seja, sobre factos registados na contabilidade."
• Acórdão do TCAS de 02-09-2017, proferido no Proc. n.º 885/07.0BELSB, Relatora: Catarina Almeida e Sousa, disponível in www.dgsi.pt : "I - Nos termos do artigo 80º do CIVA (actual artigo 86º), pode a AT presumir como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade. Por conseguinte, a presunção de transmissão decorre da verificação do facto de os bens não se encontrarem em locais relacionadas com o exercício da actividade. " (destaque nosso).
P. Como referem F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, "O disposto neste artigo poderá considerar-se como uma consequência directa da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artigo anterior, conduzindo à existência de bens não documentados nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Também como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros. Em ambos os casos o legislador admite por um lado, uma presunção juris tantum de aquisição daqueles bens e, por outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, motivando, neste caso, a liquidação do correspondente imposto" - cfr. Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, 4.ª edição, pág.813 e 814.
Q. Também a este propósito, F. Duarte Neves, salienta que "Este artigo estabelece que se presumem como transmitidos os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o contribuinte exerça a sua actividade, salvo prova em contrário. O regime consagrado neste artigo pode considerar-se como uma consequência directa da inventariação de bens, sendo que o legislador presume a transmissão dos bens não encontrados no local onde é normalmente exercida a actividade do sujeito passivo, comportando a liquidação do respectivo IVA. Trata-se de uma presunção juris tantum que pode ser ilidida mediante prova (por qualquer meio legalmente admissível) de que os bens não foram transmitidos" - cfr. Código do IVA Comentado e Anotado, edição Vida Económica, 2010, p. 628-629.
R. Conforme jurisprudência e doutrina referidas sobre o tema, a aplicação do artigo 80º é uma consequência da contagem, e, portanto, indispensável para que a AT possa beneficiar da presunção de transmissão
S. O artigo 80.º do CIVA refere expressamente "local" pelo que é manifesto que teria de haver uma avaliação no local.
T. Revertendo ao caso sub judice, ao não proceder a AT à verificação local de facto e contagem física das existências da Recorrida que se encontravam em local relacionado com o exercício da actividade desta, nunca poderá ser evidenciada qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens e os registos contabilísticos que permitam à AT concluir que faltam (local e fisicamente) bens e daí extrapolar e presumir a sua transmissão.
U. A má fé da AT é notória, violando os princípios da legalidade e da cooperação, desde o procedimento da acção inspectiva de que foi alvo a Recorrida: note-se que Recorrida no seu direito de audição: (i) referiu que os materiais presumidos como vendidos pela AT se encontravam nas suas instalações (e, por conseguinte, não tinham sido vendidos) e que estavam em estado de inutilização (e, por conseguinte, nunca poderiam ser vendidos pelo preço presumido pela AT), e {ii) solicitou uma deslocação da equipa da inspeção ao local onde tais materiais se encontravam guardados para a inventariação das existências, cf. requerimentos incluídos nos factos provados G ), I) e L) - o que a AT nunca fez: reitere-se, o que confirma não só que a AT não satisfez o ónus que sobre si, impendia para a aplicação do artigo 80.º do Código do IVA, como não teve em consideração os elementos novos trazidos pelo contribuinte em sede de audição prévia, o que equivale a falta de audição prévia (preterição de formalidade legal essencial).
V. Ou seja, caso pretendesse usufruir da presunção do artigo 80.º do Código do IVA, a AT teria de efectuar uma contagem física no local de actividade da Recorrente, o que confessadamente nunca fez, e fundamentar que do confronto dessa contagem com a contabilidade existiam faltas que se presumiam vendidas. Não tendo havido contagem não pode beneficiar da presunção prevista no artigo 80.º do CIVA.
W. Por tudo visto, e sem necessidade de mais delongas, ao nunca cuidarem os serviços de fiscalização de saber sobre a localização e destino físico dos bens em causa, como era, aliás, sua obrigação, incorre a AT em erro nos pressupostos ao subsumir no artigo 80.º do Código do IVA a situação em causa: pois, como se disse anteriormente, nunca aqui a presunção poderia operar - é, por conseguinte, manifesta a falta de razão da Recorrente!
X. Todavia, caso assim não se entenda, sem conceder, sempre se dirá que conhecido o objeto do presente recurso da Fazenda Pública, restringido à reapreciação da prova gravada, cumpre salientar que, como com toda a clareza ficou consignado na sentença recorrida, as testemunhas inquiridas "depuseram de forma clara e convicta, revelando conhecimento direto dos factos por colaborarem ou trabalharem para a Impugnante", o que não as impediu de prestarem "depoimento claro, seguro e com conhecimento dos factos aos quais responderam", descrevendo os procedimentos de recolha, logística, depósito no armazeém e inutilização relativos aos equipamentos, centrais telefónicas e outros, nomeadamente aparelhos telefónicos, recolhidos nos clientes (cf. fls. 10 e 11 da sentença).

Y. Pois que corroboraram, sem margem para dúvidas, confirmaram, provaram ser verdade o alegado na p.i. e na resposta à contestação da Fazenda Pública, em especial no que respeita à questão das centrais retomadas pela Recorrida nos exercícios de 1999 e 2000 que:

i) todas as centrais retomadas dos clientes nos exercícios de 1999 e 2000 não foram vendidas,
ii) permanecem nas instalações (armazém da Recorrida) sitas em Benfica, Lisboa (sede fiscal e social),
iii) são perfeitamente identificáveis, e aliás foram penhoradas pela AT em processo de execução contra a Recorrida instaurado - o que, acima de tudo, prova a sua existência e que não foram alienados a terceiros,
iv) encontram-se em visível estado de deterioração e obsolescência, conforme o comprova o documento 5 da resposta à contestação da Fazenda Pública, junto aos autos a 12-09-2006,
v) os inspectores da AT só não verificaram a existência dessas centrais nas instalações da Recorrida porque aí não se deslocaram para tal!
vi) é possível efectuar de forma inequívoca e sem margem para dúvida a correspondência entre o material no armazém e a respectiva factura de retoma, registo contabilístico e cliente de origem, os quais estão expressos em documento colado no próprio material.
Z. Em suma: a AT teria que ter efectuado uma inventariação no local e demonstrar que da sua confrontação com a contabilidade existiriam faltas que se presumiam vendidas. Nunca tendo feito qualquer inventariação, como confessa, nunca a presunção do artigo 80º poderia operar neste caso.
AA. Nestes termos, não pode, como supra exposto, aplicar-se a presunção de venda constante do artigo 80.º do Código do IVA.
BB. Em conclusão, s.m.o., não merece a sentença recorrida qualquer censura, não podendo deixar de ser confirmada e integralmente mantida na ordem jurídica, negando-se provimento à pretensão recursória da Fazenda Pública.
Termos em que, em face do que se alega, porque a douta sentença recorrida bem decidiu, deve a mesma ser mantida e negado provimento ao presente recurso apresentado pela Fazenda Pública.
Todavia, caso se considere que estão os actos tributários impugnados suficientemente fundamentados por se encontrarem reunidos os pressupostos legais para a Fazenda Pública proceder ao cálculo do imposto através de métodos indiretos e da presunção do artigo 80.º do CIVA, presumindo-se a transmissão do material retomado a clientes durante o ano de 2000, sem conceder, reapreciada a prova gravada, deverá a pretensão recursória da Fazenda Pública improceder porque, observado o ónus probatório nos termos do artigo 74.º da LGT, se encontra cabalmente demonstrado que os bens retomados não foram objeto de venda ainda se encontrando inutilizados na posse da Recorrente e, por conseguinte, padecem de ilegalidade as correções em causa, ou pelo menos que foi gerada fundada dúvida sobre o destino e respectivo valor de venda do material retomado (nos termos do nº 1do artigo 100.º do CPPT) determinante da anulação do acto impugnado.
Caso assim não se entenda, sem conceder,
deverá ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que sejam conhecidas as questões cujo conhecimento ficou preterido pela solução dada às questões concretamente conhecidas, em respeito ademais pelo princípio da imediação e da livre apreciação da prova pelo juiz perante o qual as mesmas foram produzidas (artigos 18.º n.º 1 e 20.º, n.º 4 da CRP), sob pena de serem as partes coartadas de direitos fundamentais, designadamente, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa e tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigos 18.º n.º 3 e 20.º, n.º 1 da CRP).
Vossas Excelências com douto suprimento, decidirão, porém, como é de JUSTIÇA.»

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante dedica-se à venda e instalação de centrais telefónicas de marca própria [cf. ponto 2.3.2 do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 141 a 176 do processo administrativo (PA)];

B) A Impugnante comercializa e instala centrais telefónicas novas e recolhe as usadas que os clientes detivessem anteriormente (Id. e depoimento das testemunhas ouvidas);

C) Estes equipamentos recolhidos das instalações dos clientes, designados por retomas, eram levados para o armazém da Impugnante sito em Benfica (cf. depoimento das testemunhas ouvidas);

D) A Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa de âmbito geral, que incidiu sobre o exercício do ano 2000 (Id.);

E) Em 2003.11.04, foi emitida a Ordem de Serviço nº 03/1/334, constante de fls. 43 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida, da qual foi dado conhecimento à Impugnante em 2003.11.17;

F) Por ofício datado de 2004.07.26, a Impugnante foi notificada do projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária e para exercer o direito de participação na decisão (cf. fls. 46 do PA);

G) Em 2004.08.14, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 47 do PA);

H) Em 2004.09.27, a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria coletável (cf. fls. 50 e 51 do PA);

I) Em 2004.10.07, a Impugnante exerceu por escrito o direito de audição sobre o projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos (cf. fls. 51 do PA);

J) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, concluiu verificarem-se motivos para aplicação de métodos indiretos e de correção em sede de IVA do período de 2000, e imposto em falta no montante global de € 10 221,00; do despacho de 2004.08.30, do Diretor de Serviços, constante de fls. 141 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:


Concordo com as conclusões do relatório

(…)

Notifique-se o Contribuinte nos termos do artigo 61/2 do RCPIT

(…);

K) Do Relatório da Inspeção Tributária de 2004.08.23, constante de fls. 141 a 176 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

(…)

4. Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções por Aplicação de Métodos Indiretos

4.1 Faltas em Existências – Retomas

O negócio da B..., venda de centrais telefónicas novas, implica que, por vezes, esta seja obrigada a retomar equipamento usado, a fim de vender equipamento novo. As centrais que adquire por retoma são registadas na contabilidade em compras. Passamos a descrever os factos ocorridos no exercício com este tipo de bens.

4.1.1 Factos relevados na contabilidade

(a) A contabilidade da empresa, bem como o inventário físico, apresentavam existências em equipamentos usados, no montante de PTE 18 178 332$00 (…)

(b) Ao longo do exercício de 2000 forma sendo registados na contabilidade, conta POC 3191, documentos de aquisição de equipamentos usados no montante PTE 183 089 914$00, que passamos a denominar por retomas (…)

(c) Nas retomas, constam equipamentos de marcas concorrentes da B..., registados por valores, geralmente na ordem dos PTE 50 000$00 e PTE 100 000$00. E equipamentos da marca vendida pela B..., registados por valores de retoma, com frequência se encontram equipamentos a PTE 1 000 000$00, 2 000 000$00, 5 000 000$00 e até 7 000 000$00.

(d) Em 2000.12.31, a contabilidade, bem como o inventário não apresentavam qualquer valor de bens usados em existências, conforme se comprova com o respetivo documento (…)

(e) Os custos dos bens adquiridos em estado de uso afetam o custo das existências vendidas e consumidas no exercício. A empresa usa o sistema de inventário intermitente.

(f) As retomas de centrais telefónicas registadas na contabilidade, em Existências Iniciais (PTE 18 178 332$00) e Compras no exercício de 2000 (PTE 169 569 078$00), totalizam PTE 187 747 410$00. O valor das compras do exercício encontra-se devidamente corrigido (…) e corresponde à aquisição no exercício de cerca de 350 centrais usadas.

(g) Das centrais usadas, adquiridas por retoma, apenas foi relevado na contabilidade a venda de 31 pelo valor de PTE 2 953 948$00, a que correspondem as faturas nº 12380 e 12381 de 2000.06.20, emitidas em nome do cliente R... – C... (…). Nas referidas faturas não consta qualquer central da marca vendida pela B.... Os bens constantes destas faturas referem-se a centrais adquiridas pela B..., em estado de uso, de marcas concorrentes da sua e sem indicação de que estas foram antecipadamente destruídas e vendidas como sucata (…).

4.1.2 Correção das Faltas em Existências

(a) o valor das retomas, acima citado, foi devidamente corrigido, expurgando os registos indevidos, e abatendo o valor do equipamento vendido, devidamente faturado, conforme se descreve da alínea (f) do ponto anterior (…).

(b) o equipamento usado, o montante de PTE 184 793 462$00, não consta das existências a 2000.12.31 e não foram apresentados, no decorrer da ação inspetiva, apesar da insistência dos técnicos, quaisquer comprovativos do destino das mesmas.

(c) A empresa e para ilidir a presunção prevista no artigo 80º do CIVA, deveria ter na sua posse documentos que comprovem as faltas nas suas existências de bens. Caso existisse destruição ou inutilização dos mesmos, deveria elaborar uma lista dos bens e proceder à prévia comunicação desses factos, indicando o dia e a hora, aos serviços competentes, a fim de que os agentes de fiscalização pudessem, se assim entendessem, exercer o devido controlo, bem como deveria elaborar o auto de destruição, devidamente assinado, pelas pessoas que presenciaram o ato (Ofício Circulado 35264 de 1986.10.24).

(d) Se os bens foram vendidos ou abatidos e depois oferecidos como sucata, esta também tem valor, deveria existir a respetiva fatura ou documento equivalente, processado nos termos do artigo 35º CIVA. Aliás, deve-se referir que nas faturas emitidas ao cliente R..., já citadas, constam telefones a valor zero.

Nos termos do Dl 45/89, de 11/02, artigo 1º, todos os bens em circulação deverão ser acompanhados de dois exemplares de documento de transporte, emitido pela B..., detentora dos bens, para que estes possam circular do local de origem para o de destino.

(e) Os elementos que comprovassem o destino dos bens em estado de uso, abate, venda ou de circulação, foram muitas vezes solicitados pelos técnicos à B..., nas pessoas da sócia-gerente e do sócio maioritário, que nunca os apresentaram e sempre disseram não existirem. A falta dos comprovantes foi sempre justificada com a alegação de que os bens usados, retomas, eram esmagados e entregues a um sucateiro, gratuitamente. O sucateiro era da Guarda, na versão de um e do Fundão, na versão do outro. Este facto, a ser verídico, não invalida a existência de documentos comprovativos do destino dado aos mesmos.

(f) Não tendo sido apresentados, em tempo útil, os devidos comprovantes do destino dos bens e uma vez que estes não constam dos registos contabilísticos e do inventário físico a 2000.12.31(…) procede-se à correção do montante de PTE 184 793 462$00, faltas nas existências (…).

(g) Os elementos contabilísticos de que dispomos, bem como as diligências efetuadas no decorrer da ação não nos permitem obter os elementos necessários à determinação do lucro tributável de harmonia com o artigo 17/1 CIRC.

(h) Este facto tornou necessário recorrer-se à aplicação de métodos indiretos na presunção dos proveitos em conformidade com o artigo 51º CIRC, uma vez que a contabilidade não reflete as operações relacionadas com o destino dos bens adquiridos em estado de uso (retomas), situação que infringe o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 17º CIRC.

(i) As faltas em existências detetadas no montante de PTE 184 793 462$00, presumem-se transmitidas nos termos do artigo 80º CIVA. Tais transmissões encontram- se sujeitas a imposto, à taxa normal de 17%, conforme estipulado no artigo 1º, alínea a) e alínea c) do nº 1 do artigo 18º do mesmo diploma, pelo que se propõe, nos termos do artigo 82/3 CIVA, uma liquidação adicional de IVA no montante de PTE 31 414 889$00.

O sujeito passivo infringiu, assim, o disposto no artigo 28/1.b) conjugado com os artigos 35º e 36º, todos do CIVA, dado que não foram admitidas as respetivas faturas com a indicação do IVA, nem liquidou nem entregou nos cofres do Estado tais montantes, conforme obrigação legal imposta pelo artigo 26/1 do mesmo diploma legal.

Aos montantes de IVA não liquidado nem entregue nos cofres do Estado, acrescem juros compensatórios devidos e calculados nos termos do disposto no artigo 35º da LGT.

(j) Em consequência da correção efetuada em sede de IVA, conclui-se que o sujeito passivo omitiu proveitos no montante de PTE 184 793 462$00, em resultado de transmissões de bens não declaradas cujo valor de venda corresponde ao valor de aquisição pelo qual os mesmos bens se encontram registados na contabilidade, sendo que o montante atrás referido é acrescido ao resultado líquido do exercício de 2000, nos termos do disposto no artigo 51º CIRC e artigos 87.b) e 88.a) da LGT.

(…)

L) Em 2004.11.25, Impugnante pediu a revisão da decisão que fixou a matéria tributável por métodos indiretos e indicou peritos (cf. fls. 448 do PA);

M) Em 2004.12.09, reuniu-se a Comissão de Revisão, constituída pelo perito da Fazenda Pública e pelo perito indicado pela Impugnante que não chegaram a acordo, (cf. ata nº 61/04 a fls. 57 do PA);

N) Em 2004.12.10, pelo Diretor de Finanças foi proferida decisão fundamentada constante de fls. 115 do PA, e que aqui se dá como integralmente reproduzida, que manteve os valores fixados pelos Serviços de Inspeção Tributária;

O) Em 2004.12.27, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº 04399123, respeitante ao período de 00, com valor a pagar de € 156 696,81 e data limite de pagamento de 2005.02.28 (cf. fls. 41 do PA);

P) Em 2004.12.27, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios nº 04399122, respeitante ao período de 0012T, constante de fls. 42 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com valor a pagar de € 32 421,21 e data limite de pagamento de 2005.02.28. Deste transcreve-se:

(…) Fundamentação

Juros compensatórios liquidados nos termos dos artigos 89º do Código do IVA e 35º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por fato imputável ao sujeito passivo.

Imposto em falta sobre o qual incidem juros: € 156 696,81

Período a que se aplica a taxa de juro: de 2001.02.15 a 2004.08.23

Taxa de juro aplicável ao período: a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.

Valor dos juros: € 32 421,21

(…)

Q) Em 2005.05.30, no Serviço de Finanças de Lisboa-13, deu entrada reclamação contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes ao ano 2000 (cf. fls. 2 do PA);

R) Em 2006.02.24, a presente impugnação foi enviada por carta registada ao Serviço de Finanças de Lisboa-13 (cf. fls. 33 e 34 de doc. nº 004584692 registado em 11-10-2007 às 19:14:38);


b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.


IV – Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informação constantes do processo e das testemunhas ouvidas, que que depuseram de forma clara e convicta, revelando conhecimento direto dos factos por colaborarem ou trabalharem para a Impugnante.

As testemunhas inquiridas, muito embora com ligações profissionais à Impugnante, prestaram depoimento claro, seguro e com conhecimento dos factos aos quais responderam. A primeira testemunha, J..., técnico de comunicações, trabalha para a Impugnante desde 1999, descreveu os procedimentos de recolha e armazenagem dos equipamentos retomados dos clientes. A segunda testemunha, M..., fiel de armazém, trabalhou para a Impugnante desde 1999 a 2007, prestou depoimento sobre os procedimentos de logística e de armazenagem relativos aos equipamentos, centrais telefónicas e outros, nomeadamente aparelhos telefónicos, recolhidos dos clientes. A terceira testemunha J..., técnico de comunicações, trabalha para a Impugnante desde 1999, descreveu os procedimentos de recolha e entrega no armazém dos equipamentos recolhidos a clientes. A quarta testemunha C..., colabora com a Impugnante desde 1999, descreveu igualmente os procedimentos de recolha e entrega no armazém dos equipamentos recolhidos a clientes.»





*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela ERFP, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por terem sido incorrectamente julgados determinados pontos da informação dos serviços junta com a contestação e outros constantes da p.i., se devem ser aditados os pontos de facto elencados nas alegações de recurso e se se verifica erro na interpretação do artigo 80º do CIVA.

Vejamos, então, começando a nossa apreciação pelas questões respeitantes à matéria de facto.

Como supra vimos a Recorrente pretende que sejam aditados ao probatório determinados factos que constam da informação oficial junta com a contestação, bem como outros cuja prova resulta, em sua opinião, dos elementos documentais juntos aos autos.

Antes de mais, cumpre referir que a sentença recorrida concluiu pela procedência da impugnação judicial em virtude de ter entendido que o preceituado no artigo 80º do CIVA, na redacção à data aplicável, tem subjacente que os serviços de inspecção procedam à inventariação física e avaliação dos bens relacionados com a actividade do contribuinte, incluindo a contagem física das existências, da caixa e do imobilizado, e a realização de amostragens destinadas à documentação das acções de inspecção [ artigo 29/1.b RCPIT].

Mais referiu a sentença que, para proceder ao cálculo da matéria tributável por métodos indirectos, e concluir pela omissão de proveitos no montante de PTE 184 793 462$00, relativa a material recolhido das instalações dos clientes em estado de uso, designados por retomas, e não relevados nas existências a 2000.12.31, os inspetores deveriam ter procedido à constatação direta de que as centrais e telefones retiradas das instalações dos clientes, bens em estado de uso (retomas), não constavam no inventário físico, para depois presumir a transmissão dos bens em falta e liquidar o imposto devido.

Tanto mais que, como mencionado no relatório de inspeção, a Impugnante utilizava um sistema de inventário intermitente, o que implica que o valor dos inventários em armazém e os resultados apurados, só é determinável através de inventariações diretas dos valores em armazém, efetuadas periodicamente.

Feito este enquadramento, importa, agora, apreciar e decidir se tem razão a Recorrente quanto ao pretendido aditamento ao probatório.

Compulsados os autos, verifica-se que a contestação apresentada assumiu o conteúdo da informação elaborada pelos serviços nos termos do artigo 111º do CPPT, sendo que é deste articulado que a Recorrente entende que foram incorrectamente julgados os factos constantes dos artigos 47º, 50º, 51º, 52º, 53º, 56º, 58º, 60º, 61º, 72º, 74º, 75º e 78º do mesmo.

No que respeita ao artigo 47º da referida informação dos serviços, constata-se que tem um conteúdo claramente conclusivo, quando refere resultar claro que a actuação dos serviços de fiscalização gozou de legitimidade ao presumir a transmissão dos bens ao abrigo do disposto no artigo 80º do CIVA. Por essa razão, ou seja, por não se tratar de uma ocorrência da vida real, mas antes de uma ilação/conclusão, não pode ser aditado ao probatório.

Os artigos 50º e 51º da informação em causa limitam-se a transcrever partes do RIT, cujo conteúdo foi parcialmente incluído no probatório e integralmente dado como reproduzido na sentença recorrida, pelo que não tem razão a Recorrente na sua pretensão, já que, sendo caso disso, na apreciação que se fizer do probatório, sempre se poderá considerar a totalidade do RIT.

No que se refere ao artigo 52º da informação, verifica-se que respeita à alegada entrega, pela Recorrida no âmbito do direito de audição em sede de acção inspectiva, de um inventário das centrais velhas retomadas para sucata, bem como autos de declarações assinados por técnicos ao serviço da empresa relativos a retomas. Ora, sucede, como consta do RIT, que não foi considerado o exercício do direito de audição pela Recorrida, por intempestivo, não tendo, por conseguinte, sido considerada nem a argumentação da Recorrida, nem os elementos nesse momento juntos.

Quanto ao artigo 53º da informação, que a Recorrente entende ter sido incorrectamente julgado, se é certo que do probatório não consta nenhum facto relativo à penhora efectuada no âmbito do PEF, também não se demonstra a utilidade do mesmo face ao sentido da decisão ora recorrida.

No que respeita ao artigo 56º da informação, verifica-se que aí se dão nota de incongruências detectadas pelos serviços de inspecção, claramente conclusivas, pelo que não se deverá ter em conta no probatório.

Relativamente ao artigo 58º da informação, embora não se diga por que se entende ter sido incorrectamente julgado, verifica-se que o que dele consta não é suficientemente detalhado para integrar o probatório, pelo menos, da forma como está descrito, com a menção da identificação genérica em facturas de compra e em facturas de venda, sem especificação concreta.

No que toca ao artigo 60º da informação, do teor do mesmo, só por si, não se consegue descortinar qual o facto que a recorrente pretendia que fosse dado como provado, uma vez que menciona diversas circunstâncias.

O mesmo se diga quanto ao artigo 61º.

Já quanto ao artigo 72º, refere a existência de um auto de penhora no âmbito do PEF, que alegadamente refere equipamentos em estado novo de bom funcionamento, mas cuja utilidade não se descortina, face ao decidido e à questão de que cumpre apreciar.

Os artigos 74º e 75º da informação são conclusivos, pelo que não nos debruçaremos especialmente sobre os mesmos.

Finalmente, o artigo 78º trata-se de uma mera opinião, pelo que não releva para o efeito pretendido pela Recorrente.

Vejamos, agora, o pretendido aditamento ao probatório.

Pretende a Recorrente que sejam aditados ao probatório 29 factos que, afirma, resultam provados por constarem do RIT, que possui força probatória plena.

Do elenco dos factos pretendidos aditar pela Recorrente, verificamos que os factos nºs 1 a 10 (da numeração constante da alegação recursiva) nada mais são do que transcrições do RIT, sendo que, como já vimos, este foi referido e parcialmente transcrito, no facto constante da alínea k) do probatório fixado na sentença recorrida, tendo o mesmo sido dado como integralmente reproduzido.

O que significa que nada impede, a ser necessário, que este Tribunal se socorra dos factos que entenda por relevantes constantes do RIT, com a limitação decorrente de se tratar de factos, não já de ilações ou conclusões a que chegaram os autores do mesmo.

Isto dito, não se vislumbra utilidade em aditar os pretendidos factos, por desnecessário, desde já se adiantando que, relativamente à questão de fundo, já este TCAS se pronunciou no sentido seguido pela sentença recorrida, em arestos respeitantes à aqui Recorrida e à mesma acção inspectiva, não se vislumbrando razões para dissentir do aí decidido.

Ou seja, uma vez que a correcção da AT aqui posta em causa, se baseou no disposto no artigo 80º do CIVA (na redacção então aplicável), e cuja interpretação, seguida pela sentença, e já confirmada por diversos Acórdãos deste Tribunal, implica a verificação in loco pelos agentes fiscalizadores, dos bens existentes (ou não) nas instalações da Recorrida, a única prova que importava realizar, de modo a conseguir uma decisão favorável à AT e consequente manutenção das correcções efectuadas em sede de IVA, era a de que tal verificação tinha ocorrido.

Ora, em momento algum da alegação recursiva vem invocada tal circunstância, essa, sim, digna de relevo probatório.

Assim sendo, é despiciendo, e inútil, aditar factos que se prendem, por um lado, com documentos entregues em sede de audição prévia (nº11), facturas, nota de débito, vendas a dinheiro e guias de remessa relativas à recepção, pela Recorrida, do material retomado, bem como a outros documentos internos, cuja utilidade probatória se prende, unicamente, com o procedimento de recepção, catalogação e identificação daquele material, em nada permitindo alterar o sentido da decisão recorrida.

Assim, a questão não tem tanto que ver com a força probatória do RIT, antes da utilidade em concreto do aditamento peticionado, que como vimos, é nenhuma, considerando o enquadramento legal em que se baseou a correcção, ou seja, o artigo 80º do CIVA.

No que se refere aos factos que a Recorrente pretende que sejam dados como não provados, entendemos ser despiciendo o seu aditamento, já que na sentença recorrida se faz referência aos factos não provados, por contraposição aos que se consideraram provados.

Pelo que, improcede o pretendido aditamento ao probatório.

Vejamos, agora, o invocado erro de julgamento de direito, na interpretação acolhida pela sentença do artigo 80º do CIVA.

Recuperemos o segmento da sentença relevante:

“(…) A liquidação de IVA impugnada decorre da aplicação ao caso do disposto no artigo 80º do CIVA, com a redação coeva, que dizia:

Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais.

Este artigo contém uma presunção ilidível (juris tantum) de aquisição de transmissão dos bens encontrados em falta, que justifica a liquidação do correspondente imposto.

Contudo, este artigo tem subjacente que os Serviços de Inspeção procedam à inventariação física e avaliação dos bens relacionados com a atividade da Contribuinte, incluindo a contagem física das existências, da caixa e do imobilizado, e a realização de amostragens destinadas à documentação das ações de inspeção [artigo 29/1.b) RCPIT].

Assim, para proceder ao cálculo da matéria tributável por métodos indiretos, e concluir pela omissão de proveitos no montante de PTE 184 793 462$00, relativa a material recolhido das instalações dos clientes em estado de uso, designados por retomas, e não relevados nas existências a 2000.12.31, os inspetores deveriam ter procedido à constatação direta de que as centrais e telefones retiradas das instalações dos clientes, bens em estado de uso (retomas), não constavam no inventário físico, para depois presumir a transmissão dos bens em falta e liquidar o imposto devido.

Tanto mais que, como mencionado no relatório de inspeção, a Impugnante utilizava um sistema de inventário intermitente, o que implica que o valor dos inventários em armazém e os resultados apurados, só é determinável através de inventariações diretas dos valores em armazém, efetuadas periodicamente.

Anote-se que a questão sobre se estão ou não reunidos os pressupostos para a Fazenda Pública proceder ao cálculo imposto através do recurso a métodos indiretos foi já analisada, em sede de IVA relativo ao ano de 2001, no processo que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 2129/06.2BELSB, da mesma Contribuinte, sentença que pende sobre recurso.

Sendo certo que, nos termos do artigo 8/3 Código Civil, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. Tal como ali se decidiu: a presunção de transmissão das retomas registadas em compras e em falta no inventário final a 31/12/2001, enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, não podendo manter-se na ordem jurídica a correção de proveitos omitidos.

Note-se que fica por esclarecer a divergência, nos elementos de contabilidade, entre o registo de compras de bens usados e o inventário final de existências a 31/12/2001. Todavia, demonstrar que tais bens permaneciam no inventário físico apesar de não registados no inventário final de existências por terem valor nulo (…), ou que os mesmos foram objeto de abate por obsolescência apesar de permanecerem fisicamente demonstrar que tais bens permaneciam no inventário físico apesar de não registados no inventário final de existências por terem valor nulo (…), ou que os mesmos foram objeto de abate por obsolescência apesar de permanecerem fisicamente em armazém, ou que tinham “valor de mercado zero” apesar de registados em compras pela importância de PTE (…) levada a custos do exercício (…), não é ónus que impenda sobre a impugnante, uma vez que a Administração Fiscal não cumpriu, a montante, os pressupostos vinculativos da sua atuação corretiva (recolhendo prova indireta do destino das retomas) a que estaria obrigada não fora o facto de se ter prevalecido, erroneamente, da presunção legal de transmissão prevista no art°80°, do CIVA (cf. artigos 74° da LGT e 342° e 344° n°l, do Código Civil).

Cabia, pois, à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração de que os bens não se encontravam nas instalações da Impugnante, o que não foi feito.(…)”

Pretende a Recorrente que a inventariação das existências físicas por parte da AT é uma mera possibilidade e não uma obrigação, invocando o preceituado no artigo 79º do CIVA.

Adiante-se que não tem razão.

Seguimos, por não vislumbrarmos razões para discordar, o entendimento seguido por este TCAS nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos nºs 2129/06 e 1726/06, sendo que mais de perto o primeiro, já que também se referia a IVA, entre as mesmas partes e referente à mesma acção inspectiva.

Ali se entendeu o seguinte:

“(…) Lendo a fundamentação do RIT elaborada a propósito desta correcção, temos por certo que o montante do IVA contestado decorreu da aplicação ao caso do disposto no artigo 80º do CIVA (actual artigo 86º), isto é, da presunção aí contida. Tal preceito legal dispunha nos seguintes termos:

“Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais”.

Como referem F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, “O disposto neste artigo poderá considerar-se como uma consequência directa da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artigo anterior, conduzindo à existência de bens não documentados nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Também como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros. Em ambos os casos o legislador admite por um lado, uma presunção juris tantum de aquisição daqueles bens e, por outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, motivando, neste caso, a liquidação do correspondente imposto” - cfr. Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, de, 4ª edição, pág. 813 e 814.

Também a este propósito, F. Duarte Neves, salienta que “Este artigo estabelece que se presumem como transmitidos os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o contribuinte exerça a sua actividade, salvo prova em contrário. O regime consagrado neste artigo pode considerar-se como uma consequência directa da inventariação de bens, sendo que o legislador presume a transmissão dos bens não encontrados no local onde é normalmente exercida a actividade do sujeito passivo, comportando a liquidação do respectivo IVA. Trata-se de uma presunção juris tantum que pode ser ilidida mediante prova (por qualquer meio legalmente admissível) de que os bens não foram transmitidos” – cfr. Código do IVA Comentado e Anotado, edição Vida Económica, 2010, p. 628 e 629.

Temos, pois, que a AT pode presumir como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade. Por conseguinte, a presunção de transmissão decorre da verificação do facto de os bens não se encontrarem em locais relacionados com o exercício da actividade. Trata-se, nos termos que decorrem do artigo 73º da LGT, de uma presunção ilidível pelo sujeito passivo, ou seja, este pode demonstrar que não foram transmitidos os bens que não se encontrem nos apontados locais.

Ora, focando a atenção no relatório de inspecção temos que a IVA liquidado adicionalmente resultou das seguintes considerações:

- o valor dos bens adquiridos em estado de uso, retomas, registados em compras, que não constam registados em vendas, a contabilidade não os releva nas existências finais em 31/12/01, e não foi apresentado qualquer comprovante do seu destino;

- a empresa deveria ter na sua posse documentos que comprovassem as faltas nas existências de bens;

- se os bens foram vendidos ou oferecidos como sucata, deveria existir a respectiva factura, valorizada porque a sucata também tem algum valor.

Tal como a sentença evidenciou, a Recorrente não tem razão no que alega, sendo claro que a correcção de IVA em apreciação nunca se poderia manter nos termos em que foi efectuada.

Com efeito, ressalta de imediato que a discrepância subjacente ao artigo 80º do CIVA pressupõe a inventariação dos bens, para daí se concluir que faltam (fisicamente) bens em face dos registos contabilísticos. Esta decorrência directa da inventariação de bens era, aliás, absolutamente clara no artigo 79º, nº1 do CIVA, em vigor à data dos factos, nos termos do qual se dispunha que “Sempre que necessário, poderão os funcionários encarregados da fiscalização proceder à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento”.

Ora, no caso concreto, tal situação não se verifica, pois não vem evidenciada qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens (que a AT não fez) e os registos contabilísticos que permita à AT concluir que faltam (fisicamente) bens e daí extrapolar para presumir a sua transmissão.

Por conseguinte, se em sede de fiscalização, por qualquer razão não revelada no relatório, os serviços de inspecção não cuidaram de saber sobre a localização e destino dos bens em causa, essa é uma opção que apenas respeita à AT e que não pode, naturalmente, reverter contra o sujeito passivo – veja-se que o sujeito passivo expressamente evidencia que “foram (…) ignoradas no Relatório as indicações dadas pela gerência de que os bens retomados, embora abatidos, ainda se encontravam inutilizados nas suas instalações em virtude da dificuldade em lhes encontrar outro destino”.

Assim sendo, e como foi decidido, e não eficazmente contrariado, a presunção que decorre do artigo 80º do CIVA nunca aqui poderia operar.

No sentido que aqui defendemos, e em processo também relativo à B...... (IRC/2001), pode ler-se no acórdão de 18/04/18, no processo nº 03064/09 que:

“Sabendo-se, que recai sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que os bens se encontram em falta, e em momento algum do procedimento de inspecção veio invocar qualquer circunstância capaz de justificar a desnecessidade/inutilidade da realização da visita ao local, de molde a proceder à conferência documental e física das centrais retomadas.

Ou dito de outro modo, não há qualquer divergência detectada pela Administração Tributaria após a contagem dos bens, entre o inventário físico das existências e o registo das existências no inventario contábil, que possa ser corrigida por aplicação do artigo 80º do CIVA.

Acresce, que como bem adiantou a recorrente, a Administração Tributária não cumpriu os pressupostos vinculativos da sua actuação correctiva - recolha de prova indirecta sobre o destino das retomas- que estaria obrigada não fora o facto de se ter prevalecido, erroneamente, da presunção legal de transmissão prevista no artigo 80º do CIVA (cfr. artigo 74º da LGT) .”(…)”

Assim, acolhendo na íntegra o decidido no Acórdão transcrito, improcedem as conclusões da alegação do recurso, pelo que será de negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Púbica.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recuso, assim se mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)