Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 5345/12.4BCLSB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/24/2021 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | PROCEDIMENTO DE REVISÃO NOTIFICAÇÃO PRAZO |
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Sumário: | A interpretação conforme ao direito à notificação dos actos administrativos consagrado constitucionalmente, determina que o n.º 7 do artigo 86.º do CPT seja interpretado no sentido de que os vogais devem ser notificados com a antecedência mínima de 8 dias para a realização da reunião da comissão e revisão, tendo em conta a necessidade de um período de tempo para que os destinatários possam preparar-se para a discussão das questões para que foram indicados. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a primeira Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou procedente a impugnação deduzida por L….. S.A., contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1993, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «I. Visa o presente recurso reagir contra a mui Douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por L….. SA, no que concerne às liquidações efectuadas em sede de Imposto s/ o Rendimento das Pessoas Colectivas [IRC] do exercido de 1993. II. A fundamentação da sentença recorrida assenta, no entendimento de que foram violados os artigos 65 n.° 5 e 86 n.° 7, ambos do CPT, porquanto, nenhuma das notificações chegou ao seu destinatário dentro do prazo legalmente preconizado no artigo 86.° do CPT, ou seja, com a antecedência mínima de 8 dias da data em que o acto se realize. III. Existindo assim vício de violação de lei. IV. A Douta sentença procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 85 n.° 1 e 86.° n.°s 4, 6, 7 e 8 do Código de Procedimento Tributário. V. Não se verificou qualquer vicio por parte da Administração Fiscal, porquanto, na sequência de reclamação dirigida à comissão de revisão nos termos do artigo 84.° do CPT, foi convocada a respectiva reunião, em estrita observância dos preceitos legais, nomeadamente, o n.° 7 do artigo 86.° do CPT, que determina que as reuniões sejam previamente marcadas pelo presidente da comissão com uma antecedência não inferior a oito dias. VI. Porém, o preceito apenas faz referência à marcação da reunião, sem referir qualquer prazo para a respectiva notificação aos interessados. VII. Verifica-se dos autos que a reunião foi marcada para o dia 1998.12.14, e que foi enviada notificação ao perito indicado pela parte, através do of.° n.° ….. de 1998.11.30, donde se retira que a marcação observou escrupulosamente o prazo previsto na lei, não só de oito dias mas sim de 15 dias, pelo que não se verifica qualquer vicio. VIII. A notificação do perito da parte ocorreu de forma legal, nos termos do n.° 1 do artigo 65.° do CPT, através de carta registada com AR, tendo em conta que se trata duma convocatória para participação em acto, ao invés do que vem sendo dito na Douta Sentença, que considera que a respectiva convocação deve ocorrer nos termos do n.° 2 do artigo 65.°, só através de carta registada. IX. O perito da parte assinou o respectivo AR em 1998.12.07, donde se conclui expressamente pela notificação deste, e pela legalidade dessa notificação. X. O perito da parte foi ainda notificado para o mesmo acto, reunião da comissão de revisão, através de notificação pessoal em 1998.12.09, donde mais uma vez se conclui não só pela notificação do acto à parte, como do seu conhecimento do acto de reunião da comissão de revisão. XI. Ainda a considerar o facto de que o perito da parte teve pleno conhecimento do acto, porquanto, de sua livre e expressa vontade veio em data anterior, 1998.12.11, apresentar requerimento dirigido ao Presidente da Comissão no sentido da marcação de nova data, e posteriormente em 1998.12.14, com base nos mesmos argumentos. XII. O perito não compareceu não porque não fosse notificado para o efeito, mas sim porque não quis comparecer, e não foi afectado por qualquer justo impedimento. XIII. Razão pela qual a reunião prosseguiu sem a sua presença, de acordo com os n.°s 6 e 4 do artigo 86.° do CPT . XIV. O Perito nunca invocou justo impedimento nem apresentou justificativo posterior da falta de comparência à reunião da comissão de revisão, procedimento este, a que estava obrigado por imperativo legal previsto no n.° 8 do artigo 86.° do CPT. XV. Em conformidade e obediência ao preceituado no n.° 4 do artigo 86.° do CPT, vale como desistência do pedido a não comparência, injustificada, do louvado da parte, situação que ocorreu efectivamente no caso concreto. XVI. Conclui-se assim que não se verificou qualquer vicio no acto impugnado.
Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença na parte recorrida como é de Direito e Justiça.» * A Recorrida não apresentou contra-alegações. * Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, porquanto a decisão recorrida encontra-se bem fundamentada e procedeu a uma “correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta foi a sua subsunção jurídica.” * Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a sentença recorrida fez errada apreciação da prova e incorreu em erro de julgamento de direito ao anular a deliberação e actos subsequentes, por julgar verificado o vício procedimental de preterição de formalidade consistente na notificação da data designada para a realização da reunião da comissão de revisão sem a antecedência mínima de 8 dias.
III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: « A) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° ….. e 29.10.1996, a Administração Fiscal levou a efeito uma acção de fiscalização à Impugnante com referência aos exercícios de 1993 e 1994. ( Doc. fls. 91 a 109 dos autos) * Consta ainda da mesma sentença o seguinte:« FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do p.a. em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.» * Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: P) No requerimento identificado em F) o requerente declarou ter assinado o aviso de recepção relativo ao oficio n.º ….. em 7/12/1998, convocando-o para a realização da reunião da comissão de revisão sem que tenha sido respeitado o prazo de antecedência mínima de 8 dias, impedindo-o de preparar os elementos necessário à sua comparência – cf. documento de fls. 214 do processo administrativo e conclusão IX das alegações de recurso.
III – 2. De direito
A questão que importa decidir é, recorde-se, a de saber se a sentença recorrida fez errada apreciação da prova e incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar verificado o vício procedimental de preterição de formalidade consistente na notificação da designação de data para a realização da reunião da comissão de revisão sem a antecedência mínima de 8 dias. Está assim, em causa, saber se o prazo estabelecido no n.º 7 do artigo 86.º do CPT para o agendamento da reunião da comissão de revisão tem por referência a marcação da reunião, sem dependência de qualquer prazo para a respectiva notificação, como defende a recorrente, ou se deve reportar-se à data da sua notificação, como se julgou em primeira instância. Não constitui controvérsia nos autos, conforme resulta do ponto G) do probatório, que a reunião foi marcada para o dia 14/12/1998 e que foi enviada notificação ao vogal indicado pela recorrida, através do ofício n.º ….. de 30/11/1998, registado com aviso de recepção, cuja assinatura foi acompanhada da aposição da data de recepção de 07/12/1998. Vejamos o enquadramento legal. O artigo 86.º do CPT, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 23/97, de 23 de Janeiro, sendo esta a redacção a aplicável ao caso dos autos, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do referido Decreto-Lei que estabeleceu que «[a]s normas sobre a composição e funcionamento das comissões de revisão previstas no presente diploma entram em vigor no dia 1 de Abril de 1997.» Dispunha o artigo 86.º do CPT, na parte que releva para o caso dos autos: «(…) 4 - A nomeação do vogal do contribuinte e a indicação do seu perito de apoio será efectuada na petição de reclamação, valendo como desistência do pedido a não comparência injustificada do primeiro. (…) 6 – A não comparência de qualquer dos peritos convocados não obsta à reunião e decisão da comissão de revisão. 7 - As reuniões serão previamente marcadas pelo presidente da comissão, com uma antecedência não inferior a oito dias, apenas sendo admissível o respectivo adiamento uma única vez, por falta de comparência do vogal do contribuinte. 8 - No caso referido no número anterior, o presidente convocará nova reunião para o 5.º dia subsequente, advertindo o vogal do contribuinte de que a mesma terá lugar ainda que este não compareça e de que deverá justificar a falta à primeira reunião.» Da interpretação literal da citada norma resulta afirmada a tese defendida pela recorrente. Contudo, a interpretação da norma deve ser feita tendo em conta o enquadramento do instituto em causa no boco de legalidade. Com efeito, a revisão da matéria tributável através da constituição de uma comissão de revisão que integra vogais designados pelas partes, constitui um dos pilares das garantias dos contribuintes, importando conferir às notificações relativas ao seu agendamento as garantias constitucionalmente consagradas nessa matéria. E assim é porquanto a sua preterição tem consequências graves, consubstanciadas na consideração de que o contribuinte desistiu da revisão da matéria tributável, tendo ainda em conta que do procedimento de reclamação da decisão de fixação da matéria tributável depende a impugnação da liquidação no que se refere à invocação da errónea quantificação. Impõe-se assim, uma leitura e interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, mais precisamente ao artigo 268.º, n.º 3, que se traduz no princípio de que os actos administrativos são sujeitos a notificação aos interessados, tendo em vista o efeito útil a que se destinam. No caso concreto, a notificação visava dar a conhecer ao perito a data designada para a realização da reunião da comissão, pelo que a notificação não pode ser considerada um fim em si mesmo, constituindo antes uma garantia do conhecimento atempado que permita a preparação antecipada dos vogais relativamente às matérias em discussão. Impõe-se assim, considerar o referido prazo como o prazo mínimo que medeia entre a tomada de conhecimento da reunião e a realização desta. A reunião da comissão foi agendada para o dia 14/12/1998. A notificação convocando o vogal indicado pelo contribuinte foi recebida por este em 07/12/1998, data em que foi assinado o aviso de recepção, pelo que entre o termo inicial do prazo verificado em 8/12/1998 e a data designada para a realização da reunião mediaram 6 dias, donde se conclui que não foi respeitado o aludido prazo mínimo de 8 dias. Acresce dizer que, logo que tomou conhecimento da data designada, o vogal nomeado pelo contribuinte dirigiu ao presidente da comissão um pedido de designação de nova data, invocando a não observância do prazo de 8 dias, e a necessidade de tempo para se preparar para a aludida reunião. Atenta a importância deste procedimento, importava que tivesse sido efectuada a ponderação não só da necessidade de celeridade, mas também da proporcionalidade, considerando as consequências que se lhe seguiram, tendo presente que este procedimento integra o sistema de direitos e garantias dos contribuintes. Sobre esta questão decidiu este Tribunal em acórdão datado de 20/02/2020 proferido no processo n.º 558/12.1BECTB, que apesar de se reportar a situação em que é aplicável o actual regime constante do artigo 91.º, n.º 5 da LGT é inteiramente transponível para o caso dos autos, na medida em que o regime se mantém com as mesmas características: «a questão da importância da presença ou não do perito da parte na reunião está intimamente conexionada com a sanção que dessa ausência (e não justificação) advém, que é o “encerramento definitivo” do procedimento de revisão, com a consequente impossibilidade de, em qualquer outro procedimento ou processo judicial, ser apreciada a legalidade do recurso a métodos indirectos ou o erro de quantificação (artigos 86.º, n.º 5 e 91.º da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT). Do que vimos dizendo e do teor do artigo 91.º, nº 5 da LGT, resulta, em nosso entender, clarividente, que o legislador, ao estipular que a reunião deve ser designada com uma antecedência não inferior a 8 dias não pretendia facultar ou conceder à Administração Tributaria o direito ou o dever de enviar a carta com 8 dias de antecedência relativamente à data de concretização da reunião, mas, obviamente, que o destinatário tinha que tomar conhecimento dessa data, no mínimo, com 8 dias de antecedência, prazo que, mesmo sendo reduzido, o legislador terá entendido como razoável para o perito se preparar tecnicamente para o debate que na reunião se realiza ou se organizar pessoalmente para não faltar e, simultaneamente, assegurar a celeridade desejável do procedimento.» Verificando-se que no procedimento de revisão em causa nos autos não foi dado conhecimento ao vogal nomeado pelo contribuinte da designação da data para a realização da reunião da comissão de revisão com a antecedência mínima de 8 dias, a sentença recorrida deve ser confirmada e julgadas ilegais as liquidações impugnadas, sem prejuízo de, se a tal nada obstar, o procedimento ser reaberto e nele serem praticados os actos cuja ilegalidade aqui ficou confirmada e se repercutem nos actos subsequentes, ou seja, nas liquidações. O que implica a improcedência do recurso que nos vem dirigido. * Contudo, atendendo à data da interposição da impugnação judicial, vigorava o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11/2, em cuja alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do «Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados». Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respectivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso.
IV - CONCLUSÕES
A interpretação conforme ao direito à notificação dos actos administrativos consagrado constitucionalmente, determina que o n.º 7 do artigo 86.º do CPT seja interpretado no sentido de que os vogais devem ser notificados com a antecedência mínima de 8 dias para a realização da reunião da comissão e revisão, tendo em conta a necessidade de um período de tempo para que os destinatários possam preparar-se para a discussão das questões para que foram indicados.
V - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da primeiro Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas atenta a isenção subjectiva de que beneficia a recorrente.
Lisboa, 24 de Junho de 2021.
A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Lurdes Toscano e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão. Ana Cristina Carvalho |