Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:970/19.5BELRS-S1
Secção:CA
Data do Acordão:01/20/2022
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
CASO JULGADO
ADVOGADO ESTAGIÁRIO
Sumário:I – Incorre em nulidade por excesso de pronúncia a decisão que, convolando a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, viola o caso julgado formal que deriva do despacho de citação.

II – Deve admitir-se o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias ao advogado estagiário que pretende realizar a prova cuja aprovação lhe permitirá a prática de atos próprios da profissão de advogado.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul


I – Relatório:

E… intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Ordem dos Advogados pedindo que:
- se “recuse, por orgânica e materialmente inconstitucional, nos moldes expostos, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República e por violação do direito fundamental de acesso à profissão, a aplicação de eventual norma regulamentar, extraída nomeadamente do RNE ou de outro Regulamento da Ordem dos Advogados, segundo a qual as intervenções orais de Advogados Estagiários, em processos oficiosos só são aceites, para efeitos de conclusão do estágio, relativamente a processos do patrono; ou”
- se “recuse, por orgânica e materialmente inconstitucional, nos moldes expostos, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por violação do direito fundamental de acesso à profissão e por violação do princípio da proporcionalidade, a aplicação da norma extraída do n.º 4 do artigo 27.º do RNE, segundo a qual, tendo o Advogado Estagiário apresentado duas, das cinco exigidas, intervenções orais em processos oficiosos de Advogado da confiança do patrono, e tendo entregue toda a demais documentação exigida, deve ver cancelada a sua inscrição; ou”
- se “declare nulo o acto em crise, por aplicação violação do conteúdo essencial do direito fundamental de acesso à profissão consagrado no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição; ou”
- se “anule o acto em crise, por violação do direito de audiência prévia, bem como por violação do dever de fundamentação e por inexistência de fundamento jurídico; e”
- se “condene a Ré à prática do acto devido que, no caso, será a aceitação dos Relatórios n.ºs 2, 4 e 5; a aceitação da conclusão do estágio; a convocação da entrevista profissional e subsequente aceitação da realização pelo Autor da prova de agregação; ou, por mera cautela e sem conceder,”
- se “condene a Ré a conceder ao Autor o prazo estritamente necessário para realizar duas intervenções orais para substituição das não aceites”.

Foi decidido convolar os autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, decisão que o A. não aceita, tendo, portanto, apresentado o presente recurso no qual formula as seguintes conclusões:
1º.
O Tribunal a quo, na decisão recorrida (consubstanciada nos despachos de 3 e 5 de Setembro de 2019, que se complementam entre si) incorreu em evidentes nulidades, que devem ser declaradas por este Tribunal de recurso, porquanto omitiu pronúncia quanto a um vasto conjunto de questões colocadas pelo Autor/Recorrente, em vários requerimentos – designadamente aquele em que se pronunciou quanto à improcedência da alegada inidoneidade do meio processual e aquele, de 3 de Setembro de 2019, em que se pronunciou contra a anunciada convolação da Intimação em providência cautelar;
2º.
A decisão recorrida, consubstanciada nos despachos de 3 e 5 de Setembro de 2019, é nula por não especificar os fundamentos de facto que a justificam, designadamente nem sequer refere quais as «datas agendadas» pela Recorrida que motivam a decisão [primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada;
3º.
A mesma decisão também não especifica os fundamentos de direito que a justificam, com o que viola flagrantemente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 154.º e a segunda parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 1.º do CPTA;
4º.
É insuficiente, para cumprir o dever de especificação dos fundamentos de direito, dizer-se no primeiro dos referidos despachos que «a arguida inidoneidade revela-se como procedente» (Despacho de 3 de Setembro de 2019) ou no segundo deles que «A Ré na contestação ofereceu defesa por exceção, ao arguir a exceção dilatória de inidoneidade do presente meio processual, pelas razões e fundamentos que aqui se dão por reproduzidas e que se acompanham, já que não está em causa o exercício de direito fundamental, e de que o A. obtém tutela pela via cautelar com a suspensão de eficácia do acto impugnado - cancelamento da inscrição e consequente devolução da cédula profissional - aditada de pedido de providência de regulação provisória de situação» (Despacho de 5 de Setembro de 2019);
5º.
O Tribunal a quo, no despacho liminar de 31 de Maio de 2019, mandou citar a Ré, porque, certamente entendeu nesse momento – e bem – que o meio processual da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias era idóneo;
6º.
Por este motivo, se o Tribunal recorrido considera que não está em causa o exercício de um direito fundamental, sempre careceria de ser devidamente fundamentada a razão de ser pela qual não foi, logo no despacho liminar proferido em 31 de maio de 2019, invocado esse fundamento, tendo sido, ao invés, ordenada a citação da Ré;
7º.
Igualmente careceria de fundamentação adicional o motivo pelo qual o Tribunal recorrido diverge do decidido quanto a esta matéria pelo STA no Acórdão de 18 de maio de 2017 proferido no processo n.º 0283/17;
8º.
Sob outra perspectiva, a decisão recorrida é ambígua e obscura, pois não permite compreender se o Tribunal decidiu convolar a Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, porque as datas de 9 e 12 de junho de 2019, relativas aos exames escritos de agregação da Ordem dos Advogados, já tinham decorrido, ou se o fez porque as datas dos exames de 9 e 12 de dezembro de 2019 ainda estariam longe e permitiriam a decisão de uma providência cautelar;
9º.
Tal ambiguidade e tal obscuridade não permitem ao Autor/Recorrente exercer adequadamente o seu direito de recurso, na medida em que não é sequer claro (rectius, é até contraditório) para o destinatário de ambas as decisões qual o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo julgador para decidir como o fez;
10º.
Em consequência, a decisão recorrida, consubstanciada nos despachos de 3 e 5 de setembro de 2019, é nula por ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível [segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada;
11º.
Por outro lado, o Tribunal a quo pecou por excesso de pronúncia, pois, tendo o despacho liminar sido praticado nestes autos em 31 de maio de 2019, o qual ordenou a citação da Ré, deveria ter julgado verificados os pressupostos processuais de que depende a Intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, uma vez que, em momento anterior, ocorreu caso julgado formal do despacho liminar, nos termos do n.º 1 do artigo 620.º do Código de Processo Civil;
12º.
Pelo que, ao decidir sobre matéria transitada em julgado, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre matéria cujo conhecimento lhe estava vedado e incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, devendo essa nulidade ser declarada;
13º.
Acresce que, estando, como estavam preenchidos os pressupostos processuais à data da propositura da Intimação, são irrelevantes, para efeito de aferição da idoneidade do meio processual, as modificações nos pressupostos processuais ocorridas após a propositura da Acão, considerando que a mesma foi intentada a 30 de maio de 2019, isto é, antes dos exames marcados para o mês Junho do mesmo ano;
14º.
Logo, não poderia o Tribunal a quo, nomeadamente por considerar que as datas dos exames de 9 e 12 de dezembro de 2019 ainda estariam distantes e que, por isso, permitiriam a tramitação de um procedimento cautelar, decidir, face a estas datas, que afinal o meio processual da Intimação passou a ser inidóneo;
15º.
Por esta razão, ao conhecer dessa matéria da idoneidade do meio processual em momento posterior ao do despacho liminar, relativamente ao qual já se havia consolidado caso julgado formal, e atendendo a factos posteriores à data da propositura da Acão, é forçoso concluir que o Tribunal a quo não podia pronunciar-se sobre esta questão e, tendo-o feito, incorreu em nulidade por excesso de pronúncia [segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada, o que se requer.
16º.
A decisão recorrida do Tribunal a quo também incorre em omissão de pronúncia, porquanto o Autor/Recorrente referiu nos autos que a questão das datas de realização da prova de agregação é absolutamente irrelevante no caso vertente, na medida em que também está em causa o facto de o Autor/Recorrente estar, desde a prolação do ato administrativo impugnado, privado de exercer a advocacia como Advogado estagiário;
17º.
Além disso, nada impedia que o Tribunal recorrido determinasse a convocação de entrevista e de uma prova de agregação em data ad hoc para o Autor/Recorrente, como modo de celeremente minimizar os profundos prejuízos causados;
18º.
Nenhum dos despachos de 3 e 5 de setembro de 2019 esclarece porque é que, não tendo o Autor/Recorrente formulado no seu pedido qualquer data concreta, ainda assim o Tribunal a quo tenha considerado relevantes umas quaisquer datas de provas de agregação (9 e 12 de Junho ou 9 e 12 de Dezembro de 2019) para considerar inidóneo o meio processual da Intimação;
19º.
Ao não se pronunciar sobre o motivo pelo qual atendeu a (in)certas datas das provas de agregação, sem que o pedido formulado pelo Autor/Recorrente as indicasse, o Tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, sendo certo que a resposta a esta questão não se mostra prejudicada pela resposta dada a qualquer outra questão [primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC], devendo essa nulidade ser declarada;
20º.
Relativamente aos erros de julgamento, o Tribunal a quo, em primeiro lugar, não atendeu ao facto de o ato administrativo impugnado ter sido praticado sem o respaldo – e, por isso, sem fundamento – em qualquer disposição legal ou regulamentar, devidamente aprovada, publicada e em vigor;
21º.
A Recorrida violou o princípio da legalidade consagrado no artigo 3.º do CPA, e, em consequência, violou, restringindo, de modo intolerável o direito (ou liberdade) fundamental do Autor/Recorrente de acesso à profissão de Advogado, tal como consagrado no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, com o que praticou um ato nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, o que foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo;
22º.
Acresce que, a restrição do direito (ou liberdade) fundamental de acesso à profissão do Autor/Recorrente no caso dos autos foi exercida pela Recorrida à margem de qualquer competência constitucional ou legalmente atribuída à Ordem dos Advogados, sendo tal restrição absolutamente inadmissível, por ilegítima, ilegal e desproporcionada, o que foi, de igual modo, completamente ignorado pelo Tribunal a quo;
23º.
Em concreto, o Tribunal a quo ignorou por completo as razões invocadas pelo Autor/Recorrente, tais como as baseadas nas normas regulamentares em vigor da Ré;
24º.
Com efeito, a Portaria n.º 210/2018, de 29 de fevereiro, permite a participação do Advogado estagiário nos processos em que o Patrono foi nomeado oficiosamente, assim como atribuiu à Ré a competência para definir os termos da participação dos Advogados estagiários em diligências e processos, no âmbito do regime do acesso ao direito, que não estejam atribuídos ao seu Patrono;
25º.
E, conforme resulta do n.º 2 do artigo 22.º do RNE, a Ordem dos Advogados definiu esses requisitos, para efeitos das intervenções previstas no seu n.º 1: deve ser um Advogado da confiança do Patrono, como sucedeu nos casos a que respeitam os Relatórios 2, 4 e 5 apresentados pelo Autor/Recorrente;
26º.
Não sendo lícito concluir do n.º 11 do artigo 22.º do RNE que o mesmo estaria a remeter para o disposto no Regulamento n.º 330-A/2008, de 24 de Junho, publicado no suplemento ao Diário da República n.º 120, 2.ª Série, de 24 de Junho de 2008, na redação resultante da Deliberação n.º 1551/2015, publicada no Diário da República n.º 152, 2.ª Série, de 6 de Agosto de 2015, dado que, no que respeita ao n.º 3 do artigo 2.º desse Regulamento, o mesmo remete para o artigo 189.º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado em 2005 e não para o atual, pelo que, quanto a esta parte, o referido Regulamento encontra-se caduco;
27º.
Além disso, o n.º 3 do artigo 2.º do mesmo Regulamento manifestamente não exclui a possibilidade de participação do Advogado estagiário em processos de outros Advogados, ou seja, não proíbe que o Advogado estagiário relevantemente participe em processos de nomeação oficiosa de Advogado da confiança do Patrono;
28º.
Não obstante, mesmo que excluísse essa possibilidade de participação, teria o n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento n.º 330-A/2008, de 24 de Junho, publicado no suplemento ao Diário da República n.º 120, 2.ª Série, de 24 de Junho de 2008, na redação resultante da Deliberação n.º 1551/2015, publicada no Diário da República n.º 152, 2.ª Série, de 6 de Agosto de 2015 de ser considerado derrogado pelo citado n.º 2 do artigo 22.º do RNE em vigor, que foi aprovado pela Deliberação n.º 1…-A/2017, que é diploma posterior e do mesmo valor hierárquico;
29º.
Logo, o ato administrativo impugnado, que o Tribunal recorrido manteve na ordem jurídica, constitui uma flagrante e ilegal – por absoluta falta de norma em que se fundamente – violação pela Recorrida do direito (ou liberdade) fundamental de acesso à profissão de Advogado que assiste ao Recorrente e que resulta do n.º 1 do artigo 47.º da Constituição;
30º.
A afirmação da Recorrida (artigo 19.º da Contestação) de que não «se discute nos presentes autos o exercício de direitos fundamentais» e que não «se poderá afirmar que estamos numa situação de lesão iminente e irreversível do direito», que o Tribunal a quo subscreveu – de forma absolutamente acrítica e desfasada da realidade, bem como ignorando a melhor doutrina e a melhor jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores – na decisão recorrida, é absolutamente irrazoável e sem fundamento;
31º.
Deste modo, o pressuposto processual da qualificação do direito deveria ter sido considerado preenchido pela decisão recorrida e, não o tendo sido, esta violou, entre outros preceitos já referidos, o disposto no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA;
32º.
Para além disso, o Tribunal recorrido incorreu ainda em violação do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA ao ignorar que o Autor/Recorrente carece de uma decisão célere e definitiva de mérito para a sua situação, que resulta de um ato arbitrário e sem fundamento legal ou regulamentar por parte da Recorrida, que lhe coarta o exercício transitório da Advocacia como Advogado estagiário e assim angariar meios de subsistência, bem como o acesso à profissão de Advogado;
33º.
O meio processual de Intimação é imprescindível, pois o decretamento de uma providência cautelar é insuficiente, porquanto a precariedade da situação advinda da provisoriedade e da instrumentalidade dessa providência não se compadece com o exercício da Advocacia, na medida em que além dos direitos e interesses do Autor, estão também em causa os direitos e legítimos interesses dos clientes, pelo que ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA;
34º.
A decisão a proferir neste caso é urgente, na medida em que, além de a Intimação ter sido intentada em tempo útil que permitia inclusivamente a prolação de decisão antes das provas agendadas para 9 e 12 de Junho de 2019, cada dia que passa representa uma perda de chance para o Autor/Recorrente, não apenas em termos do exercício profissional diário como Advogado estagiário, mas também de acesso à entrevista e à prova de agregação e consequente acesso à profissão, pelo que ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA;
35º.
O Tribunal recorrido, caso tenha decidido a inidoneidade do meio processual da Intimação com base nas datas da prova de agregação agendadas para 9 e 12 de Dezembro de 2019, incorreu num flagrante venire contra factum proprium, uma vez que tal ficou a dever-se à demora incompreensível com que todo este processo tem sido tramitado pelo Tribunal a quo, quando é certo que a lei coloca ao seu dispor meios céleres para decisão em tempo útil, designadamente os previstos no n.º 3 do artigo 110.º do CPTA, que o Tribunal – por razões que ignoramos – optou por não utilizar.
36º.
O comportamento do Tribunal recorrido configura, de igual modo, um flagrante tu quoque, na medida em que volta contra o Autor/Recorrente os efeitos da conduta flagrantemente ilícita da Recorrida, com a qual o Tribunal recorrido compactuou;
37º.
Além disso, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 111.º do CPTA, ao não criar condições para assegurar o efeito útil da decisão;
38º.
No caso vertente, o pressuposto da idoneidade do meio na vertente da urgência de tutela (tal como os demais pressupostos processuais), estava claramente preenchido à data da propositura da Intimação, pelo que é irrelevante o facto de, entretanto, terem decorrido as datas dos exames escritos agendados para 9 e 12 de Junho de 2019;
39º.
O Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, em momento muito posterior ao do despacho liminar, nos termos já expostos, violou o disposto no n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, que só admite a decisão da questão da inidoneidade do meio processual e a convolação em providência cautelar no despacho liminar;
40º.
A decisão recorrida, além de inadmissível, porque atende a factos supervenientes, e extemporânea, porque não se está na fase liminar, é absolutamente incongruente com o processado anterior, dado que em momento algum anterior à decisão recorrida se levantou a questão da inidoneidade do meio processual da Intimação;
41º.
Essa incongruência exigiria um dever acrescido de fundamentação da decisão tomada, que não ocorreu, em flagrante violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 154.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do artigo 1.º do CPTA;
42º.
Por outro lado, resulta claro do pedido formulado na Intimação que o Autor/Recorrente mantém utilidade na prolação de uma decisão de mérito nestes autos - e não de mera tutela cautelar e de Acão impugnatória “normal” - porquanto, (i) mesmo decorridas as datas de 9 e 12 de Junho de 2019 - decurso este apenas imputável ao Tribunal a quo - ainda é possível obter nestes autos uma decisão de mérito mais célere do que nas ditas tutela cautelar e Acão impugnatória e (ii) a tutela cautelar, meramente provisória e precária, não resolve a questão da necessidade de protecção dos direitos de terceiros, que poderiam resultar violados pela prática pelo Recorrente de actos jurídicos como Advogado estagiário, caso a Acão principal viesse a ser julgada improcedente;
43º.
Por isso, uma possível questão de inutilidade superveniente seria improcedente e, a ser prolatada, violaria a alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do artigo 1.º do CPTA;
44º.
Acresce que a decisão recorrida optou por conhecer, de modo nulo, extemporâneo e ilegal, de uma questão processual cujo conhecimento já se lhe encontrava vedado, furtando-se assim a decidir o processo no prazo necessário para assegurar o efeito útil da decisão, violando o n.º 1 do artigo 111.º do CPTA;
45º.
O Tribunal a quo omitiu ou evitou pronunciar-se relativamente a diversas questões substantivas carreadas aos autos pela Intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias.
46º.
Com efeito, o ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, enferma de vários vícios, conducentes à anulabilidade, porque não foi, como devia, precedido de audiência prévia do interessado nem se mostra devidamente fundamentado, além de que, quer o mesmo ato, quer a notificação de 7 de Maio de 2019, resultam de uma interpretação absolutamente errada das disposições regulamentares aplicáveis e que viola o princípio da legalidade administrativa;
47º.
O mesmo ato é também nulo, por ofender o núcleo essencial do direito (ou liberdade fundamental) de acesso à profissão de Advogado;
48º.
No caso dos autos, a decisão administrativa a tomar não seria estritamente vinculada, na medida em que, atenta a gravidade da decisão a tomar, sempre deveria ser feita uma ponderação, nomeadamente em termos de proporcionalidade, que não foi feita;
49º.
Consequentemente, o ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, foi praticado com violação do direito de audiência dos interessados e, por isso, é anulável, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, por violação do citado n.º 1 do artigo 121.º do mesmo Código;
50º.
O ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, igualmente não inclui qualquer motivação jurídica com base na qual decidiu não aceitar os Relatórios n.ºs 2, 4 e 5 e, em concreto, porque é que as intervenções orais em processo de nomeação oficiosa só podem ter lugar em processos em que o nomeado é o Patrono e não um Advogado da confiança;
51º.
Por estes motivos, o ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, é anulável, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, por vício de falta de fundamentação de direito, em violação das citadas normas da alínea a) do n.º 1 do artigo 152.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 153.º do mesmo Código;
52º.
A lei – e em particular o princípio da legalidade – não permite à Ordem dos Advogados, na regulação do acesso à profissão de Advogado, a prática de actos não previstos na lei ou em regulamento legalmente aprovado, em nome do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa;
53º.
Pelo exposto, o ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, é anulável, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA, por ofender os princípios e normas jurídicas aplicáveis;
54º.
O ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, é absolutamente ilegal, pelas mencionadas nas Conclusões 21.ª a 29.ª, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, pelo que é anulável nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA, por ofender os princípios e normas jurídicas aplicáveis;
55º.
A exigência que o ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, reflete, mesmo que constasse de lei ou de regulamento – e já vimos que não consta – sempre seria inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade que se deduz do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição e que é afirmado, em sede de relações entre particulares e a Administração Pública, no n.º 2 do artigo 266.º da Lei Fundamental e no artigo 7.º do CPA, bem como do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da mesma Lei Fundamental;
56º.
A restrição ao acesso à profissão que consiste na não aceitação de relatórios de intervenções orais em processos de nomeação oficiosa de Advogado da confiança do Patrono não é justificada pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos nem é imposta pelo interesse coletivo, pelo que o ato administrativo impugnado, que o Tribunal a quo manteve na ordem jurídica, é nulo, por ofender – ademais sem base legal ou regulamentar – o conteúdo essencial de um direito fundamental [alínea d) do n.º 1 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo]
57º.
Encontra-se demonstrada a flagrante e atual violação pela Recorrida do direito (ou liberdade) fundamental de acesso à profissão que assiste ao Recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa;
58º.
Por todo o exposto, o Tribunal a quo, na decisão recorrida, deveria ter conhecido do mérito da causa e julgado procedente, por provada, a requerida Intimação, decidindo, intimando e condenando como nela se pediu;
59º.
Não o tendo feito, a douta decisão recorrida violou o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, no n.º 1 do artigo 111.º do CPTA, bem como, entre outros já mencionados, o princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP e o princípio da proporcionalidade que dele se deduz, o direito (ou liberdade) de acesso a uma profissão consagrado no n.º 1 do artigo 47.º da CRP, o disposto nos n.ºs 1, 2 e 11 do artigo 22.º do Regulamento Nacional de Estágio (doravante «RNE»), na redacção resultante da Deliberação n.º 1096-A/2017, publicada no Diário da República n.º 236, 2.ª Série, de 11 de Dezembro de 2017, no artigo 12.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, na redação resultante da Portaria n.º 210/2018, de 29 de Fevereiro, e no n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento n.º 330-A/2008, de 24 de Junho, publicado no suplemento ao Diário da República n.º 120, 2.ª Série, de 24 de Junho de 2008, na redação resultante da Deliberação n.º 1551/2015, publicada no Diário da República n.º 152, 2.ª Série, de 6 de Agosto de 2015;
60º.
Importa, por conseguinte, revogar a douta decisão recorrida e substituí-la por outra que, no cumprimento das referidas disposições, julgue procedente, por provada, a requerida Intimação, decidindo, intimando e condenando como nela se pediu.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso


II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir as seguintes questões:

1. Nulidades da decisão recorrida:
1.1 Por não especificar dos fundamentos de facto e de direito (art.º 615º, n.º 1, b) do CPC);

1.2 Por ambiguidade e obscuridade da fundamentação que a tornam ininteligível (art.º 615º, n.º 1, al. c) do CPC);

1.3 Por excesso de pronúncia (violação do caso julgado formal) (art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC);

1.4 Por omissão de pronuncia (art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC);

2. Em caso de verificação de uma (ou mais) nulidades da decisão (e do ulterior processado):

- Conhecimento do objeto da causa: saber se o A., enquanto advogado estagiário, tem direito à realização da prova de agregação por se dever julgar cumprido o dever de intervenção em cinco audiências de julgamento, como exigido pelo Regulamento Nacional de Estágios; em particular cumpre decidir se é conforme à Lei (designadamente à CRP) a desconsideração das intervenções judiciais do A. em processos nos quais foi nomeado patrono (ao abrigo do sistema de acesso ao direito e aos tribunais) advogado que não é o seu patrono.

3. Não se verificando nenhuma das nulidades imputadas à decisão recorrida: erros de julgamento em matéria de direito: violação dos art.ºs 109º, n.º 1, 110º-A, n.º 1, 111º, n.º 1 do CPTA, do princípio do Estado de Direito (art.º 2º da CRP), do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso a uma profissão (art.º 47º, n.º 1 da CRP).


III – Fundamentação De Facto:

Resulta da tramitação dos autos, a seguinte factualidade:

1. O processo n.º 970/19.5BELSB (no âmbito do qual foi proferida a decisão recorrida) foi intentado no dia 30 de maio de 2019.

2. Em 31 de maio de 2019 foi proferido despacho com o seguinte teor:
Proceda-se à citação da Ré para deduzir resposta no prazo de sete dias, e com a qual deve ser apresentado o processo instrutor.

3. Em 5 de agosto de 2019 foi proferido o seguinte despacho:
Considerando
a) Que nos termos do Artigo 109.º n.º 1 do CPTA, "A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quanto a célere emissão de emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente (…)";
b) Que o Autor justifica o pressuposto da urgência exigido naquela disposição legal, no facto de: i) dispor de 10 dias para proceder à entrega da cédula profissional, o qual terminaria a 6 de Junho; ii) a manter-se a decisão impugnada, o Autor não teria acesso à prova de agregação realizada no dia 7 de Junho, nem à sua repetição realizada no dia 12 de Junho - cfr. Itens 26.º a 29.º da petição inicial;
c) Que o presente meio processual é subsidiário em relação aos demais, mormente em relação à acção administrativa de impugnação de actos, à qual o Autor ainda poderá recorrer, considerando a data em que alega ter sido notificado da decisão objecto dos presentes autos;
Queira o Autor, no prazo de 5 dias, pronunciar-se quanto à utilidade da decisão que venha a ser proferida nestes autos, mormente no que diz respeito à necessidade da tutela urgente requerida.
Naquele mesmo prazo, deverá a Entidade Demandada dizer o que tiver por conveniente quanto à questão ora suscitada.

4. Em 16 de agosto de 2019 foi proferido o seguinte despacho:
Conforme se deixou escrito, no Acórdão do STA, Proc. n.º 0283/17, de 18-05/2017, “[n]o que respeita a este pressuposto de aplicação da intimação para proteção dos DLG, é importante sublinhar que a urgência da atuação do julgador no sentido de alcançar uma decisão de mérito definitiva pressupõe a urgência da necessidade de tutela; ou seja, é preciso que os direitos ou interesses cuja tutela se requer careçam de uma proteção urgente, pois está em curso ou é iminente uma atuação ilegal e grave da Administração que atenta contra um determinado DLG. Isto mesmo é salientado por Vieira de Andrade, para quem “A utilização desta Acão deve, no entanto, por isso mesmo, limitar-se às situações em que esteja em causa direta e imediatamente o exercício do próprio direito, liberdade ou garantia ou direito análogo”. Mais ainda, o processo de intimação é o “paradigma dos processos principais urgentes, na medida em que este é o único dos processos urgentes do CPTA em que se exige uma urgência concreta”.
Ainda a propósito da intimação, sustenta Vieira de Andrade que a formulação da 2.ª parte do artigo 109.º do CPTA “não é a mais feliz, pois que a intimação não é excluída apenas quando seja adequado o decretamento provisório da providência cautelar, mas, em geral, sempre que não seja necessária uma decisão de fundo urgente” (vide J.C Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Coimbra, 2016, pp. 253, 255 e 256, nota 618). Também Isabel Fonseca sublinha este especto quando afirma que, “Enfim, há situações claras de urgência que são propícias a exigir decisões de fundo. De uma forma generalista, podemos dizer que a situação de urgência pode manifestar-se pela sua configuração em função do tempo: situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas fixas – questões conexas como uma eleição, incluindo campanhas eleitorais, situações decorrentes de limitações ao exercício de direitos, num certo dia ou numa data próxima, atos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado, como exames escolares ou uma frequência do ano letivo.
Podem configurar igualmente casos de urgência situações de carência pessoal ou familiar, sem que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém. Casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa podem constituir igualmente uma situação de urgência”. (cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e Estrutura), Lisboa, 2004, p. 84). Ora, no caso concreto dos autos, apenas no ponto I. d. da presente Acão se estabelece uma baliza temporal, o exame final de avaliação e de agregação marcado para 20.05.16. Sucede que esta pretensão dos ora recorrentes, mesmo sem entrarmos na questão da sua legalidade (a recorrida invoca que ainda não tinham passado os 12 meses da formação complementar), não era passível de ser executada, pois os 18 meses já tinham passado naquela data. Assim sendo, não se pode falar de uma tutela em tempo útil.
Como vimos […] o direito supostamente ameaçado é, na realidade, uma liberdade fundamental, mais especificamente, a liberdade de escolha de profissão e de acesso à função pública (art. 47.º da CRP), em todo o caso, uma liberdade que faz parte dos denominados DLG. Trata-se de uma liberdade fundamental em relação à qual o legislador constituinte estabeleceu uma autorização ao legislador ordinário para restringir – “salvas a s restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade” (reserva de lei restritiva). Esta faculdade, no entanto, tem que obedecer aos requisitos de restrição (limites dos limites) previstos no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, nomeadamente ao princípio da proporcionalidade.
No caso particular do exercício da profissão de advogado, esse exercício pressupõe a inscrição definitiva em associação pública profissional, in casu, na Ordem dos Advogados (OA), a qual, por sua vez, depende da frequência prévia de um estágio profissional e da prestação de provas profissionais de acesso à profissão.
Como facilmente se percebe, as exigências em apreço compadecem-se bem com os valores constitucionais a ponderar em caso de restrição da liberdade em questão, quais sejam, o interesse coletivo e a capacidade das pessoas (no fundo, é social e profissionalmente importante que seja assegurada a boa formação dos advogados estagiários e o adequado desempenho da advocacia) e estão conformes, designadamente, com o artigo 24.º (Acesso e Registo) da Lei n.º 2/2013, de 10.01, que prescreve, no seu n.º 1, que “o exercício de profissão organizada em associação pública profissional, seja a título individual seja sob a forma de sociedade de profissionais ou outra organização associativa de profissionais nos termos do n.º 4 do artigo 37.º, depende de inscrição prévia enquanto membro daquela associação pública, salvo se regime diferente for estabelecido na lei de criação da respetiva associação”; mais ainda, que determina que “Os requisitos de que depende a inscrição definitiva em associação pública profissional são taxativamente fixados na lei de criação da associação ou na lei de regulação da profissão” (n.º 5); e ainda, que dispõe que, “Para efeitos do número anterior, a inscrição definitiva de profissional depende apenas da titularidade da habilitação legalmente exigida para o exercício da profissão e, caso sejam justificadamente necessários para o exercício desta, por razões imperiosas de interesse público ou inerentes à própria capacidade das pessoas, do cumprimento de algum dos seguintes requisitos: a) Verificação das capacidades profissionais pela sujeição a estágio profissional ou outro, previstos em lei especial; b) Formação e verificação dos conhecimentos relativos ao código deontológico da profissão; c) Realização de exame final de estágio com o objetivo de avaliar os conhecimentos e as competências necessárias para a prática de atos de confiança pública”(n.º 6).
Em suma, a liberdade de escolha de profissão, no que respeita à advocacia, está legalmente condicionada à frequência de um estágio, à prestação de provas profissionais de acesso e, em caso de sucesso em tais provas, na inscrição na OA. À partida, as situações em que a intimação para a proteção de DLG se afigura o meio mais adequado são aquelas em que está em causa a inscrição num determinado estágio, a realização de um determinado exame, a inscrição na OA num determinado momento”.
Face ao supra exposto e decidido no douto aresto, considerando que o pressuposto da urgência invocada na presente intimação se funda na impossibilidade de acesso à realização da prova escrita de agregação e demais procedimentos inerentes ao acesso definitivo da profissão, por efeito do cancelamento da inscrição do aqui autor como advogado estagiário, bem como a entrega da respetiva cédula profissional de advogado no passado dia 6 de Junho de 2019, prova esta que teve já lugar no dia 7 de Junho de2019 e repetição a 12 de Junho, do mesmo ano, notifique a Ordem dos Advogados para ,no prazo de 5 dias, vir aos presentes autos esclarecer e informar da data certa ou estimada de novas provas de agregação que, ordinariamente, estejam previstas pela Comissão Nacional de Estágio e Formação da Ordem dos Advogados.

5. Em 21 de agosto de 2020 a Ordem dos Advogados informou o seguinte: “Está agendado o dia 9 e 12 de dezembro para a realização de exame nacional para todos os advogados estagiários do curso de estágio de 2017 que tenham requerido a prorrogação, ou faltado justificadamente ao exame de junho, bem como para todos aqueles que estão inscritos no curso de estágio de 2018, mas que se encontram na fase específica”.

6. Em 3 de setembro de 2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Em face das datas agendadas pela requerida Ordem dos Advogados a arguida inidoneidade revela-se como procedente, e por isso, suscita-se a aplicação do disposto no artº. 110º-A/1, dando lugar a convolação dos autos em providência cautelar, de regulação provisória de situação jurídica (cfr. artº.112º/e)/CPTA), determinando-se as partes para, querendo, pronunciar-se para cumprimento do principio do contraditório (cfr. artº.3º/3/CPC).
Prazo: 5 (cinco) dias.”

7. No mesmo dia, o Requerente invocou a obscuridade do despacho identificado em 6. e pronunciou-se relativamente à convolação no mesmo despacho referida, nos termos constantes de fls. 1251 e segs. do processo.

8. Em 5 de setembro de 2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Foi proferido despacho com vista à convolação dos presentes autos em autos de providência cautelar, nos termos e ao abrigo do disposto noartº.110º-A/1/CPTA, do que foi o A. notificado em ordem ao cumprimento do contraditório, o qual veio pronunciar-se considerando o despacho "obscuro" e refutando a aludida convolação.
A Ré na contestação ofereceu defesa por exceção, ao arguir a exceção dilatória de inidoneidade do presente meio processual, pelas razões e fundamentos que aqui se dão por reproduzidas e que se acompanham, já que não está em causa o exercício de direito fundamental, e de que o A. obtém tutela pela via cautelar com a suspensão de eficácia do cato impugnado - cancelamento da inscrição e consequente devolução da cédula profissional - aditada de pedido de providência de regulação provisória de situação.
O artº.110º-A/1/CPTA dispõe que:
" - Quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar."
e tal é o caso vertente.
Assim, e atento o supra exposto, e face ao disposto no artº. 110º-A/1/CPTA é de convolar os presentes autos em autos de providência cautelar, e convidar o A. a substituir a petição inicial por requerimento inicial que dará lugar à subsequente tramitação da providência cautelar, inclusive com pedido de decretamento provisório, se o A. o assim entender, e com a cominação de que o incumprimento dará lugar à prolação de sentença nos presentes autos de procedência da arguida exceção com a consequente absolvição da instância.
Fixa-se ao A. o prazo de 5 (cinco) dias para dar cumprimento ao supra determinado.
Notifique-se a Ré do teor do presente despacho.”

Julgam-se ainda provados os seguintes factos:

9. O A. obteve inscrição como advogado estagiário em 28 de dezembro de 2010, na Ordem dos Advogados– cfr. fls. 1 a a 27 do processo administrativo.

10. Com efeitos a partir de 3 de setembro de 2013, foi suspensa a inscrição do A., por “não cumprimento do prazo legal e regulamentar para a formalização da inscrição como advogado” - cfr. fls. 95 a 99 do processo administrativo.

11. A R. informou os interessados com “inscrição suspensa” de que deveriam pedir o levantamento da suspensão e inscrição no curso de estágio, procedendo à entrega da documentação necessária, até ao dia 11 de junho de 2018 - cfr. fls. 116 a 121 do processo administrativo.

12. Em 5 de junho de 2018, o A. requereu inscrição como advogado estagiário - cfr. fls. 101 a 110 do processo administrativo.

13. O A. foi integrado na segunda fase de estágio de 2017, com efeitos a 13 de dezembro de 2017, “podendo aproveitar as intervenções orais, escritas e assistências já realizadas anteriormente que estejam em conformidade com o disposto no RNE, na versão da Deliberação nº 1… /2017, de 11 de Dezembro”- cfr. fls. 101 a 110 e 153 a 157 do processo administrativo.

14. Em 23.04.2019, o A. entregou, com vista à conclusão do estágio, a documentação constante de fls. 160 a 500 v. do processo administrativo.

15. Em 7 de maio de 2019, por correio eletrónico, o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados comunicou ao A. que deveria entregar, no prazo de cinco dias úteis, retificação ao processo de estágio, “sob pena de cancelamento da inscrição” porquanto: ―O(s) relatório(s) nºs 2, 4 e 5, não são aceite(s), porquanto se trata(m) de nomeação(ões) oficiosa(s) de um advogado que não é o Patrono- cfr. fls. 501 e 502 do processo administrativo;

16. Em 14 de maio de 2019, o A. apresentou à R. uma exposição e documentos tendentes a suprir irregularidades formais e contestando a não aceitação dos relatórios 2, 4 e 5– cfr. fls. 503 a 645 do processo administrativo.

17. Em 21 de maio de 2019, a Presidente do Centro de Estágio do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados proferiu despacho com o seguinte teor: “Na sequência da regularização do processo de estágio e compulsados os autos, verificou-se o seguinte: Intervenções orais Relatórios 2, 4, e 5 – o advogado estagiário interveio em processos de nomeação oficiosa de advogado que não o patrono. Tendo em consideração que não cumpriu a notificação da Secção de Inscrições datada de 7 de maio de 2019, cancele-se a inscrição ao abrigo do artigo 27.º/4 do regulamento 913-A/2015, na versão da deliberação 1…/2017” - cfr. fls. 646 do processo administrativo.

18. O despacho mencionado em 17. foi comunicado ao A. pelo ofício nº 0… de 21.05.2019, que o recebeu em 27.05.2019, - cfr. fls. 647 do processo administrativo.

19. Em 5 de junho de 2019, o A. devolveu a cédula profissional de advogado estagiário - cfr. fls. 648 do processo administrativo.

20. A Ordem dos Advogados retirou o nome do A. da lista de advogados estagiários constante da respetiva página na internet – admissão por acordo;

Não há factos não provados, com relevância para a decisão da causa.

Os factos descritos em 1. a 8. resultam diretamente do exame do processo.
Os restantes factos. resultam das do processo administrativo, especificamente das folhas do mesmo que respetivamente foram identificadas no final da enunciação de cada um, à exceção da factualidade vertida em 20., admitida por acordo.


IV – Fundamentação De Direito:

1. Das nulidades:
1.1 Por não especificação dos fundamentos de facto e de direito:
Entende o Recorrente que a decisão recorrida não especifica a que “datas agendadas” se refere (se as de 9 e 12 de junho, se as de 9 e 12 de dezembro de 2019) e, assim, não especifica os seus fundamentos de facto pelo que é nula.
É verdade que da decisão recorrida (corporizada nos despachos de 3 e de 5 de setembro de 2019) não consta expressamente a menção a essas datas. Mas resulta, com clareza bastante, da mesma, que tais datas se referem aos dias 9 e 12 de dezembro de 2019.
Com efeito, naquele primeiro despacho o Tribunal a quo expressamente evidencia que “em face das datas agendadas pela requerida Ordem dos Advogados, a arguida inidoneidade revela-se como procedente (…)” sendo que tal despacho foi proferido na sequência de um outro no qual se determinou a notificação da Ordem dos Advogados no sentido de informar a “data certa ou estimada de novas provas de agregação que, ordinariamente, estejam previstas pela Comissão Nacional de Estágio e Formação da Ordem dos Advogados”, o que esta fez informando, nos termos descritos em 5.
Por outra banda, ao contrário do que defende o Recorrente, a decisão está também fundamentada juridicamente. Da mesma resulta que se julgou que as circunstâncias concretas não justificariam o decretamento de uma intimação, bastando-se com a adoção de uma providência cautelar e, por isso, nos termos do art.º 110º-A, n.º 1 do CPTA, procedeu-se à convolação com a qual o Recorrente não se conforma.
A decisão recorrida está, portanto, fundamentada, de facto e de direito não padecendo, da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC. Adiante, apreciaremos se a mesma apresenta o “mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva” (nas palavras de Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2020, pág. 82).

1. 2 Por ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível:
Reitera, o Recorrente, que não é possível discernir a que “datas agendadas” pela Ordem dos Advogados se refere o despacho de 3 de setembro de 2019 porque tanto poderá tratar-se das datas de 9 e 12 de dezembro de 2019 ou, face ao teor do despacho de 5 de setembro de 2019, das datas de 9 e 12 de junho de 2019, únicas que a Ré se referiu na contestação.
A decisão recorrida é, no entanto, inteligível.
O despacho de 3 de setembro foi proferido na sequência do despacho nos termos do qual se solicitou à Ordem dos Advogados informação sobre as datas de realização das novas provas de agregação e decorridas as datas que eram mencionadas na petição inicial (9 e 12 de junho de 2019) pelo que, reconhecendo-se que a sua redação poderia ter sido mais clara, é palmar que o sentido da expressão em causa (“datas agendadas”) se reportava às datas de 9 e 12 de dezembro.
Não há, portanto, qualquer ambiguidade ou obscuridade que tornem a decisão ininteligível, não se tendo incorrido na nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do at.º 615º do CPC.

1.3 Por excesso de pronúncia:
Entende o Recorrente que, caso se considere que as “datas agendadas” são as de 9 e 12 de junho de 2012, há excesso de pronúncia tendo-se violado o caso julgado formal que resultou da decisão de admissão liminar.
Por outra banda, se se considerar que com a menção às “datas agendadas” se reporta às datas de 9 e 12 de dezembro de 2019, também nesse caso, entende que há nulidade por excesso de pronúncia porquanto são irrelevantes, para efeito de aferição de adequação do meio processual, as modificações ocorridas após a propositura da ação.
Não obstante, como supra já explicitamos, resultar da decisão recorrida, com clareza bastante, que as “datas agendadas” se referem aos dias 9 e 12 de dezembro (datas ocorridas, portanto, após ter sido instaurado o presente processo), o despacho proferido no dia 31 de maio de 2019 (cfr. ponto 2. Da Fundamentação De Facto) determinou a citação da Ré.
Nos processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, o despacho liminar “tem designadamente em vista verificar se o processo pode prosseguir e, podendo prosseguir, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar. Esse despacho constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação. E, nesse caso, já não será possível, na fase de decisão, rejeitar a petição ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir a decisão de mérito” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, pág. 950).
Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 10.09.2020 (processo 01798/18.5BELSB, publicado em www.dgsi.pt), que “o despacho liminar em que não se questiona a tramitação do processo como intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e se ordena a citação da parte contrária constitui caso julgado formal e, assim sendo, já só restará ao juiz proferir decisão de mérito”.
A decisão de admissão da intimação corporizada no despacho liminar que ordenou a citação consolidou-se e, assim sendo, a decisão que, posteriormente, determina a convolação em causa, viola o caso julgado formal (art.º 620º, n.º 1 do CPC), conhecendo de questão de que não podia conhecer e, por isso, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC.
E a tanto não obsta a circunstância de, em data posterior à da admissão liminar da intimação, ter sido realizada prova de agregação (nos dias 7 e 12 de junho de 2019).
Para além de, para efeito da apreciação da idoneidade do meio processual (no que se refere ao requisito relativo à necessidade, para a salvaguarda do direito, liberdade e garantia, de uma tutela urgente e definitiva e não meramente cautelar) serem irrelevantes as modificações posteriormente ocorridas, não se pode olvidar que a pretensão material do A. se reconduzia ao acesso e ao exercício de uma profissão e foi sobre essa pretensão (e não sobre os atos concretos que consubstanciariam a execução do deferimento dessa pretensão) que recaiu o juízo sobre a insuficiência da tutela cautelar que resulta do despacho liminar que determina a citação do R.
A decisão recorrida é, portanto, nula, nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

1.4 Por omissão de pronúncia:
Considera ainda, o Recorrente, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a razão pela qual, não tendo sido invocada, na petição inicial, qualquer data, considerou relevante umas das datas da prova de agregação.
Não é verdade que, na petição inicial, não tenha sido invocada qualquer data da prova de agregação. No artigo 28º da petição inicial o A. alega que tal prova ocorreria no dia 7 de junho de 2019 (e a prova de repetição no dia 12 de junho).
Mas é verdade que o A., efetivamente, não peticionou a realização da prova em questão em qualquer data específica.
No entanto, a consideração, pelo Tribunal a quo, das datas agendadas pela Ordem dos Advogados para a realização das provas de agregação como fundamentação fáctica para a formulação de um juízo de suficiência da tutela cautelar não consubstancia uma violação do dever de decidir qualquer questão que, nesta fase processual, lhe fosse imposto. (Em rigor, como vimos, o que se impunha era a regular tramitação do processo enquanto intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias com a oportuna decisão relativa ao mérito da pretensão do A.). A valoração dessa factualidade teria, é certo, consequências ao nível da apreciação de um erro de julgamento. Não já de uma nulidade decisória por omissão de pronúncia, em que não incorreu o Tribunal a quo (art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC).
*
Das consequências da nulidade da decisão recorrida:
Sendo nula, a decisão recorrida, e, portanto, todo o processado ulterior à mesma (respeitante à tramitação da causa como processo cautelar), e considerando que o processo seguiu (até à prolação da decisão recorrida) a tramitação regular de um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (tendo sido já indeferido o requerimento probatório apresentado pelo A.) cumpre decidir o objeto da causa (que supra já foi identificado), nos termos do art.º 149º do CPTA.
*
*
Em sede de resposta, a Ré Ordem dos Advogados invocou a “falta de idoneidade do meio processual”.
Segundo entende, não está em causa um direito, liberdade e garantia nem uma situação de lesão iminente e irreversível do direito.
À intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias referem-se os art.ºs 109.º e segs. do CPTA em concretização do disposto no art.º 20.º, n.º 5, da CRP nos termos do qual “para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
São seus pressupostos, como resulta do art.º 109º, n.º 1 do CPTA:
- que a emissão urgente de uma decisão de mérito (que imponha à Administração a adoção de uma conduta) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia;
- que não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar;
Como, a propósito da apreciação da causa de nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, supra se referiu, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo aí citada, foi já formulado um juízo sobre a necessidade de uma célere emissão de uma decisão de mérito, não se bastando, as circunstâncias do caso, com a adoção de uma providência cautelar, caso em que, em sede de despacho liminar, teria de ter sido fixado prazo para a substituição da petição inicial, nos termos previstos no art.º 110º-A, n.º 1 do CPTA.
Note-se aliás, nesta matéria, que, para além de estar em causa um direito, liberdade e garantia (o direito de acesso à profissão (de advogado) que decorre do art.º 47º, n.º 1 da CRP), a eventualidade de uma decisão sobre o acesso a uma profissão assente num conhecimento perfunctório ou parente dos factos e do direito é “desastrosa para a parte que for vencida” (na expressão de Rosendo Dias José, A admissão ao ensino superior e as exceções…processuais, Cadernos de Justiça Administrativa, 10, págs. 68 a 78) .
Com efeito, se por força de uma decisão cautelar, o A. for admitido à realização da prova de agregação (obtendo aprovação) e, a final, a decisão no processo principal for desfavorável, o A, perderá esses anos e poderá, entretanto, praticar atos jurídicos, atos próprios da profissão de advogado. Por outra banda, se não lhe for concedida a tutela cautelar e afinal se concluir que deveria ter sido admitido, a tutela obtida é ainda mais frustrante.
Como decidiu este Tribunal Central Administrativo em 01.07.2010 (processo 0639/10, publicado em www.dgsi.pt), em situação com contornos semelhantes, o caso sub judice “não se compadece com uma decisão provisória e antecipatória, pois o exercício da profissão de advogado, aqui se incluindo de advogado estagiário, ficará coartado ou gravemente prejudicado com aquela provisoriedade, desde logo porque terão sido praticados atos, que caso a Acão principal improceda, poderão ficar inquinados pela falta de condições das AA.”.
Com efeito, como bem explicou Rosendo Dias José, (ibidem) “a expressão do art. 109.°,"... por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”(redação anterior à introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), “tem de ser entendida a partir da razoabilidade das circunstâncias que envolvem a tutela pretendida e não presidida por análises sobre se é possível ou suficiente obter efeitos com o decretamento da medida provisória, usando para tanto juízos assepticamente lógicos e a, ainda, omnipresente teoria dos conceitos. Efeitos obtêm-se, mas não são o remédio adequado e quem pede a tutela pode afinal sentir-se defraudado, o que é especialmente grave quando se venha a verificar que lhe assiste razão quanto à pretensão substantiva”.
Reconhecendo-se que este meio processual “ foi claramente pensado para situações em que a escolha de uma via que veiculasse um a decisão rápida e final fosse justificada pela absoluta necessidade de evitar a perda da possibilidade de exercer o direito em tempo útil”, deve admitir-se o seu uso “para prevenir danos intoleráveis ao requerente que, obtendo o mesmo efeito útil através de um a providência cautelar, ficaria numa situação de precariedade demasiado intensa (…) e bem assim para garantir a segurança jurídica relativamente a atos praticados por profissionais cuja admissão em Ordens Profissionais, a não ser decretada através de intimação, deixaria em aberto a eventual nulidade dos mesmos, em caso de reversão da providência cautelar (de admissão provisória) na sentença final” (Carla Amado Gomes, Contra uma interpretação demasiado conforme à Constituição do artigo 109º /1 do CPTA in Temas e Problemas da Justiça Administrativa: Um Guia de Estudo, 2.ª edição, AAFDL, 2019, págs. 119 e 120).
Pelo que, ainda que vinculados pelo caso julgado formal resultante do despacho que determinou a citação do R., reiteramos que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual adequado à salvaguarda do direito do A., improcedendo assim a exceção dilatória (inominada) invocada pela R.

Quanto ao mérito da pretensão do A.:
O A. não se conforma com o ato praticado em 27 de maio de 2019 pela Presidente do Centro de Estágio da Ordem dos Advogados que procede ao cancelamento da sua inscrição como advogado estagiário por três dos cinco relatórios que apresentou respeitarem a intervenções em processos de nomeação oficiosa de advogado que não o patrono. Por via de tal ato, o A. fica impedido de praticar atos próprios da sua condição de advogado estagiário e vê-se confrontado com a impossibilidade de aceder às próximas fases (entrevista e prova de agregação) com vista ao exercício da advocacia.
Na essencialidade, o A. sustenta que uma “eventual norma regulamentar” extraída do Regulamento Nacional de Estágios ou de outro Regulamento da Ordem dos Advogados de acordo com a qual as intervenções orais de advogados estagiários em processos oficiosos que não os do patrono não são considerados deve ser desaplicada por violar o direito de acesso à profissão e a reserva de competência da Assembleia da Republica
O art.º 22º do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 913-A/2015 (Série II), de 22 de dezembro de 2015 com as alterações introduzidas pela Deliberação do Assembleia Geral da Ordem dos Advogados de 30 de novembro de 2010) tem como epígrafe “Intervenções, Assistências e Peças Processuais” sendo o seguinte o teor dos seus n.ºs 1, 2 e 11:
“1 - O Advogado estagiário deve realizar intervenções em cinco audiências de julgamento.
2 - Para os efeitos do número anterior, são consideradas quer as intervenções que ocorram em processos que caibam no âmbito da competência própria do Advogado estagiário, quer as intervenções que, fora desse âmbito, se realizem com o acompanhamento e sob a orientação do Patrono ou de Advogado da confiança deste que reúna as condições para o exercício da função de patrono.
(…)
11 - As intervenções processuais do Advogado estagiário no âmbito do sistema de acesso ao direito ficam sujeitas aos requisitos estabelecidos no respetivo regime.”

Por sua vez, o art.º 12º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro (que regulamento a Lei de Acesso ao Direito) tem como epigrafe “Advogados estagiários” e é o seguinte o seu teor:
1 - Sem prejuízo das competências estatutárias que lhes estão cometidas, os advogados estagiários podem participar no sistema de acesso ao direito, mediante acompanhamento por parte do seu patrono, em todas as diligências e processos a este atribuídos.
2 - A Ordem dos Advogados define os termos da participação dos advogados estagiários, em diligências e processos que não estejam atribuídos ao seu patrono.”

O art.º 2º do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito (Regulamento n.º330-A/2008 de 24 de Junho, publicado na 2ª Série, DR n.º 120, Suplemento de 2008-06-24, p. 27648(2) a 27648(4), alterado pela deliberação n.º 1733/2010, publicada no Diário da República, 2.ª Série - N.º 188 de 27 de setembro de 2010 e pela deliberação n.º1551/2015, publicada no Diário da República, 2.ª Séride - N.º 152 de 6 de Agosto de 2015), refere-se à “participação de advogados e advogados estagiários no sistema de acesso ao direito e aos tribunais”.
É o seguinte o seu teor:
1. Compete ao Conselho Geral a definição dos termos da selecção dos Advogados e Advogados Estagiários que tenham apresentado candidatura para participação no sistema de acesso ao direito e aos tribunais.
2. Os Advogados com inscrição definitiva e em vigor na Ordem dos Advogados e com as quotas regularizadas podem apresentar candidatura com vista à participação no sistema de acesso ao direito e aos tribunais para prestação de qualquer das modalidades de prestação de serviços previstas no n.º 1, do artigo 18.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro.
3. Os Advogados Estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem participar no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em todos os processos atribuídos ao seu patrono nos termos do art.º 189º do E.O.A., intervindo em diligências determinadas, com substabelecimento com reserva.
4. Os Advogados Estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem apresentar candidatura para participação no sistema de acesso ao direito e aos tribunais na modalidade de prestação de serviços previstos na alínea e), do n.º 1, do artigo 18.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro”.

Da concatenação dos preceitos regulamentares citados resulta que, no âmbito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, o advogado estagiário não pode intervir em processos nos quais tenha sido nomeado advogado que não o seu patrono.
A interpretação preconizada pelo A. no sentido de que do último preceito citado não decorre que esteja vedado ao advogado estagiário intervir em processos de nomeação oficiosa de advogado que não o patrono, não pode aceitar-se pois contraria frontalmente a letra e o espírito da mesma. A previsão expressa de que, no âmbito do sistema de acesso ao direito, os advogados estagiários podem participar nos processos atribuídos aos seus patronos (para além, dos que lhes forem atribuídos “em nome próprio”), significa que lhes está vedada a participação nos restantes processos (nos quais tenha sido nomeado outro advogado que não o patrono).
Sendo também inaceitável a afirmação de que este preceito deve considerar-se derrogado pelo n.º 2 do art.º 22º do RNE, supra citado. As normas em questão conjugam-se. Não há uma incompatibilidade entre as disposições em questão que permita concluir, nos termos do art.º 7º, n.º 2 do Código Civil, pela revogação do art.º 2º, n.º 3 do Regulamento n.º 330-A/2008.
Não colhe ainda a argumentação do A. a propósito da alegada “falta de justificação sob o ponto de vista material”. Se se entendeu vedar aos advogados estagiários a representação do beneficiário de proteção jurídica em determinados processos (naqueles em que o patrono nomeado não é o patrono do advogado estagiário) é carecida de qualquer sustentação lógica a ideia de que, para efeitos de preenchimento das exigências da segunda fase de estágio, poderia ser considerada a (ilegítima) participação em tais audiências.
Em suma, quando o art.º 22º do RNE ao referir-se à possibilidade das intervenções em questão ocorrerem com o acompanhamento e sob a orientação do advogado da confiança do Patrono, está a referir-se aos processos em que existe uma relação de mandato entre uma pessoa e esse advogado.

Por outra banda, não existe, ao contrário do defendido pelo A., qualquer violação do art.º 47º, n.º 1 da CRP ou da reserva de lei que justifique a pretendida desaplicação dos Regulamentos.
Como evidencia o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 3/2011 de 4 de janeiro de 2011 (processo n.º 561/10, 2.ª secção, publicado em Diário da República, serie I de 25.01.2011), “a compreensão de que a advocacia, enquanto profissão liberal, desempe­nha um papel essencial na realização da justiça, levou a que se atribuísse a uma associa­ção pública – a Ordem dos Advogados – a tarefa de zelar pela função social, dignidade, prestígio e qualidade da profissão, chamando-se, assim, a colaborar, na prossecução de um interesse público, uma pessoa coletiva, cujos associados são precisamente os advogados, consubstanciando uma cedência pelo Estado de poderes a uma entidade autónoma.
Entendeu-se que a melhor maneira de proceder à supervisão do exercício duma atividade profissional privada, fundamental para a boa administração da justiça, era entregar essa função à associação representativa dos interesses dos advoga­dos, confiando-se que a prossecução desses interesses conduziria à realização dos desígnios públicos neste domínio (vide sobre a história da Ordem dos Advogados em Portugal, Alberto Sousa Lamy, em A Ordem dos Advogados Portugueses – História, órgãos, funções, ed. de 1984, da Ordem dos Advogados, e sobre a atribuição a esta instituição de poderes de direcção e disciplina da advocacia desde 1926, Augusto Lopes Cardoso, em Da associação dos advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados – Subsídios históricos e doutrinais para o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, I, Abril de 1988, e Rogério Ehrhardt Soares, em A Ordem dos Advogados uma corporação pública, na RLJ, Ano 124.º, p. 161 e seg.).
Como impressivamente se disse no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março, que aprovou o anterior EOA, “assim se concretiza o princípio da descentra­lização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos, e se articulam harmo­niosamente os interesses profissionais dos Advogados com o interesse público da jus­tiça”.
(…)
O artigo 47.º, n.º 1, da CRP, inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, assegura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade.
A liberdade de escolha de profissão tem vários níveis de realização, neles se incluindo a fase de ingresso na atividade profissional, a qual pode estar sujeita a condi­cionamentos de índole subjetiva, mais ou menos exigentes, impostos com a finalidade de assegurar a qualidade do serviço profissional a prestar, atenta a sua relevância social”
Porém, tais condicionamentos, só se inserem na “zona nuclear do direito à livre escolha da profissão” (e, portanto são abrangidos pela reserva relativa de competência legislativa a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art.º 165º da CRP) quando assumem um “cariz limitativo do universo das pessoas que podem exercer uma determinada profissão”.
Restringir o âmbito das intervenções em audiências de julgamento, na segunda fase de estágio (excluindo a possibilidade de intervenção do advogado estagiário em processos em que outro advogado, que não o patrono, foi nomeado patrono oficioso ao abrigo da Lei n.º 34/2004, de 29 de junho) não assume semelhante cariz contendo-se legitimamente no âmbito da auto-regulação a que se refere, designadamente, o art.º33º, n.º 2, al,. d) do EOA. A exigência da apresentação de cinco intervenções pode ser satisfeita em relação a processos próprios do advogado estagiário, do seu patrono, de advogado da sua confiança e ainda no domínio do instituto de acesso ao direito, em relação a processos do seu patrono (para além dos próprios).
De igual forma, não pode conceber-se que o número de intervenções em audiências de julgamento exigidas (cinco) configure uma tal restrição considerando a duração da segunda fase de estágio (de 10 a 12 meses, nos termos dos art.ºs 2º, n.º 1 e 2º-A, n.º 2 do RNE).
Nem que o art.º 27º, n.º 4 do RNE (nos termos do qual se estabelece o cancelamento da inscrição como Advogado estagiário em caso de falta de suprimento das obrigações do advogado estagiário – designadamente do dever de apresentar cinco relatórios relativos às cinco intervenções judiciais) viole o princípio da proporcionalidade. A intervenção de um advogado estagiário em cinco audiências de julgamento na segunda fase de formação e a entrega, no seu termo, de cinco relatórios por cada uma dessas intervenções é uma exigência cuja razoabilidade se compreende e que, reitera-se, atendendo ao lapso temporal em causa, não pode julgar-se excessiva, revelando, o incumprimento da mesma (mesmo após convite ao seu suprimento), um desinteresse ou incapacidade que legitimamente justificam a consequência prevista: o cancelamento da inscrição como advogado estagiário.

Não obstante o objeto do presente processo de intimação se dever circunscrever à pretensão material do A. no sentido de ser admitido o seu acesso a uma profissão (e bem assim a manutenção do estatuto de advogado estagiário até ao termo da formação), sempre se dirá que o A. teve oportunidade de se pronunciar sobre o sentido da decisão de cancelamento da inscrição e até de suprir a falta em questão (como resulta da factualidade vertida em 15. ) e que o ato administrativo que veio a determinar tal cancelamento (cfr. factualidade vertida em 17.) contém, na sua essencialidade, as razões de facto e de direito que justificam aquela decisão, demonstrando o A., aliás, uma compreensão exata das mesmas. Em suma, tem-se por cumprido o dever de audiência prévia e julga-se que a fundamentação, embora exígua, e em face da qualidade do seu destinatário, cumpriu a função que lhe era exigida, não se tendo violado os art.ºs 121º, 152º e 153º do CPA. Em todo o caso, ainda que assim não se julgasse, a consequência do cumprimento deficiente de tais deveres, seria a mera anulação do ato, efeito que não se produziria porquanto, tratando-se de ato vinculado, o seu conteúdo não poderia ser outro (art.º 163º, n.º 5, al. a) do CPA).

Em suma, as normas regulamentares que constituem o fundamento do ato impugnado não violam a Constituição, e, por isso, aquele ato não padece do vício de violação de lei.
O ato administrativo em questão não fere o conteúdo essencial do direito fundamental previsto no art.º 47º, n.º 1 do CRP nem o direito de audiência prévia e o dever de fundamentação
E, acima de tudo, não há fundamento legal algum para que a R. seja condenada a aceitar os relatórios n.ºs 2, 4 e 5, a aceitar a conclusão do estágio e a convocar a entrevista profissional e submeter o A. à realização da prova de agregação.
A R. deu já oportunidade ao A. de suprir as insuficiências respeitantes à documentação entregue, oportunidade que este não aproveitou, no que à falta que motivou a prática do ato impugnado concerne, carecendo também de sustentação a concessão de uma nova oportunidade para a realização das diligências que, tempestivamente, o A. não terá realizado.
A pretensão do A. não tem, portanto, qualquer fundamento legal, improcedendo todos os pedidos formulados.

O processo está isento de custas nos termos do art.º 4º, n.º 2, al. b) do RCP.


V – Decisão:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em conceder parcial provimento ao presente recurso e consequentemente:
a) Anular, por excesso de pronúncia, a decisão recorrida e todo o ulterior processado
Em substituição:
b) Julgar improcedente a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, absolvendo a R. de todos os pedidos.

Sem custas.

Valor da causa: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) - artigos 31.º, n.º 1, e 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.

Lisboa, 20 de janeiro de 2022

Catarina Vasconcelos
Rui Belfo Pereira
Dora Lucas Neto