Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:344/23.3 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/04/2023
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GARANTIA – HIPOTECA
IDONEIDADE - SUFICIÊNCIA
Sumário:Para a consideração da idoneidade e suficiência de uma garantia hipotecária prestada em execução fiscal, apenas poderá ser tido em conta a diferença entre o VPT do imóvel e os valores em dívida dos créditos hipotecários pré-existentes, não relevando os montantes máximos assegurados pelas hipotecas.
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

M........, veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou improcedente a reclamação do despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 27/12/2022, que determinou o reforço da garantia prestada sob a forma de hipoteca voluntária constituída sobre bem imóvel, por entender que o seu valor era insuficiente para garantir o o processo de execução fiscal n.º ..........38 e apensos.

A Recorrente termina as alegações do seu recurso formulando as conclusões seguintes:
«A - Para suspensão dos autos de execução fiscal, a ora recorrente cumpriu o disposto no artigo 169º do CPPT, prestando garantia real, necessária e suficiente.
B- O princípio da necessidade legalmente exigível, foi cumprido nos termos do disposto no artº 199º do CPPT, por hipoteca voluntária.
C - Tendo sido oferecida a garantia real, hipoteca do bem imóvel com o valor patrimonial de 275 899,80 €, ficaram, desta forma inequívoca, cumpridos os requisitos legais e o princípio da suficiência, uma vez que o valor apurado pelo S.F. é inferior ao Valor Patrimonial do bem imóvel.
D- Por outro lado, na escritura de hipoteca voluntária, já junta aos autos, o texto que o distinto notário entendeu por bem e legal, ter dado á Saciedade, foi no sentido de se oferecer a garantia do imóvel, sempre pelo valor patrimonial que é de 275 899,90 €, não obstante, que discriminasse e quantificasse a dívida “até à presente data”, em 236 069,70 €, ipsis verbis.
E - Devem, pois, ser anuladas as penhoras das rendas, em apreço, porquanto o valor da garantia a prestar é inferior ao valor patrimonial da hipoteca voluntariamente efectuada.
Com a bondade e verdade do que aqui se expendeu, fundamentou, argumentou e comprovou, será de nossa sempre humilde, mas firme convicção, da total precedência da nossa tese, com todas as suas consequências legais In Casu.
E assim será feita, seguramente a tão acostumada justiça.»
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A Recorrida Fazenda Pública, devidamente notificada do recurso interposto, não contra-alegou.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos, atenta a sua natureza urgente, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
«1. Em data não apurada, foram instaurados contra a Reclamante os processos de execução fiscal n.ºs ..........38 e apensos n.ºs ..........95, ..........12 e ..........46, por dívidas de IRS dos anos de 2016, 2017 e 2018 e de IMI do ano de 2019. - cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças e junta com a p.i.;

2. O PEF n.º ..........46 encontra-se extinto por pagamento voluntário em 27/07/2021. - cf. Ibidem;

3. Em 26/10/2021, foi constituída, por escritura pública, uma hipoteca voluntária para garantir a dívida exequenda nos PEF referidos no ponto 1, nos seguintes termos:

“(texto integral no original; imagem)”



- cf. doc. junto sob a referência 007709225 do SITAF.

4. O valor patrimonial tributário (VPT) do prédio objeto da hipoteca a que se refere o ponto anterior é de € 275.899,80, de acordo com avaliação realizada no ano de 2021. - cf. certidão do registo predial do imóvel junta com o doc. com a referência 007709229 do SITAF.

5. Em 27/10/2021, a hipoteca voluntária a que se refere o ponto 3 foi registada junto da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, aí constando a informação de que o montante máximo assegurado pela referida hipoteca é de € 236.069,70. - cf. certidão permanente junta como doc. com a referência 007709226 do SITAF.

6. A Reclamante deduziu oposição judicial, que foi convolada em impugnação judicial em 26/01/2022, e que se encontra ainda pendente de decisão. - cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças e junta com a p.i.;

7. Por ofício datado de 17/09/2020, foi remetida à Reclamante a seguinte comunicação:

“(texto integral no original; imagem)”
(…)



- cf. doc. Junto com a p.i.
8. Como garantia dos PEF referidos no ponto 1, a Reclamante ofereceu a constituição de hipoteca voluntária sobre quatro prédios urbanos:
i. artigo matricial ….9 – fração….– freguesia do Beato, com o valor patrimonial tributário de € 42.466,13;
ii. artigo matricial ….5 – fração ….– freguesia do Areeiro com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75;
iii. artigo matricial …….5 – fração …– freguesia do Areeiro com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75;
v. artigo matricial …..5 – fração ….– freguesia do Areeiro com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75.
- cf. Ibidem;

9. Em 18/11/2020, o Diretor de Finanças Adjunto da Área de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de aceitação da garantia a que se refere o ponto anterior. - cf. Ibidem;

10. Posteriormente, a Reclamante apresentou pedido de substituição do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ….5 – fração ……, sito na freguesia do Areeiro, concelho e distrito de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75, pelo prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º …..5 – fração ….. sito na mesma freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 72.207,10, mantendo-se a oferta de constituição de hipoteca voluntária sobre os outros três prédios urbanos inscritos nas matrizes prediais sob os artigos …..9 – fração …, ……5 – frações ….. e …..
- cf. Ibidem;

11. O pedido de substituição a que se refere o ponto anterior foi deferido por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 04/02/2021.
– cf. Ibidem;

12. Em 24/06/2021, a Reclamante solicitou nova substituição, da fração “……” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….5, da freguesia do Areeiro, concelho e distrito de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 72.207,10, pelo prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ……5 – fração “….” sito na mesma freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 275.899,80.
- cf. Ibidem;
13. Em 27/07/2021, o pedido a que se refere o ponto anterior foi deferido por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa.
- cf. Ibidem;

14. Em 28/10/2021, a Reclamante solicitou a aceitação, em substituição, da garantia consubstanciada na hipoteca voluntária constituída, em 26/10/2021, a favor da Autoridade Tributária, sobre a fração autónoma identificada pela letra “A”, do prédio inscrito na matriz sob o artigo …..5, da freguesia do Areeiro (hipoteca a que se refere o ponto 3). - cf. Ibidem;

15. Com o requerimento a que se refere o ponto anterior, a Reclamante apresentou a escritura de constituição de hipoteca, datada de 26/10/2021 (a que se refere o ponto 3), e a certidão permanente da Conservatória do Registo Predial com o código de acesso PA-……….45, referindo que requereu o registo da hipoteca voluntária junto da Conservatória do Registo Predial, e que aguarda pela disponibilização do mesmo. - cf. Ibidem;

16. Aquando da análise do pedido de aceitação de garantia a que se referem os dois pontos antecedentes, a Direção de Finanças de Lisboa verificou que na certidão permanente remetida não constava o registo da hipoteca voluntária celebrada a favor da AT, e que o código de acesso remetido (PA-…………45) se encontrava expirado.
- cf. Ibidem;

17. Nessa sequência, a Direção de Finanças de Lisboa elaborou a informação n.º 1301/2022, datada de 14/09/2022, que tem, designadamente, o seguinte conteúdo:
“(texto integral no original; imagem)”
- cf. Ibidem;

18. Tendo por base a informação referida no ponto anterior, em 20/09/2022, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento do pedido de substituição de garantia.
- cf. Ibidem;

19. Em 10/10/2022, não se encontrava registado nenhum ónus ou encargo sobre o prédio objeto da hipoteca voluntária a que se refere o ponto 3.
- cf. certidão permanente junta como doc. com a referência 007709226 do SITAF.

20. Em 12/10/2022, o valor da garantia a constituir âmbito dos PEF a que se refere o ponto 1 era de € 255.850,11.
- cf. informação prestada pelo órgão de execução fiscal e constante do email junto com o doc. com a referência 007709228 do SITAF.

21. Em 14/11/2022, a Reclamante deduziu reclamação do despacho a que se refere o ponto 18, nos termos do artigo 276.º do CPPT.
- cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças e junta com a p.i.;

22. Na sequência dessa reclamação, em 27/12/2022, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu o seguinte despacho (ato reclamado):
“(texto integral no original; imagem)”
- cf. doc. Junto com a p.i.;

23. O despacho a que se refere o ponto anterior teve por base a informação n.º 1925/22, que tem, designadamente, o seguinte conteúdo:
“[…]

“(textos integrais no original, imagens)”


- cf. doc. Junto com a p.i.

24. Do despacho reclamado foi enviada notificação à Reclamante, através de carta com o seguinte conteúdo:
“(texto integral no original; imagem)”
- cf. doc. Junto com a p.i.»

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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Inexistem factos não provados com interesse para a decisão.»
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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:
«Conforme especificado nos diversos pontos do probatório, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na análise dos documentos constantes dos autos, não impugnados (cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil), e relativamente aos quais não existem razões para duvidar da respetiva veracidade.»

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II.2. Enquadramento Jurídico

Está em causa apreciar se a garantia prestada - hipoteca voluntária sobre bens imóveis - pela Reclamante, ora Recorrente, no âmbito do PEF nº ..........38 e apensos (nºs ..........95 e ..........12 é, ou não, suficiente.

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a reclamação improcedente e, em consequência, manteve o acto reclamado.
Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«Consta do probatório que, em 26/10/2021, a Reclamante constituiu, por escritura pública, uma hipoteca voluntária para garantir a dívida exequenda nos PEF em causa na presente reclamação (cf. ponto 3 do probatório). Da escritura pública consta que a hipoteca foi constituída sobre o prédio ali identificado, com o valor patrimonial tributário de € 275.899,80, para garantia do pagamento pontual da quantia de € 185.713,39, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento da respetiva dívida, que se computam em € 2.286,58, custas a contar do pedido de pagamento em prestações, que se computam em € 855,79, e de acrescido no montante de € 47.213,94.
Essa hipoteca foi registada junto da Conservatória do Registo Predial pelo montante máximo assegurado de € 236.069,70 (cf. ponto 5 do probatório).
Porém, o valor a garantir, conforme informação prestada pelo órgão de execução fiscal, era, à data de 12/10/2022, de € 255.850,11 (cf. ponto 20 do probatório).
A Reclamante refere, na petição inicial, que o valor da garantia a constituir seria de € 238.299,46. Efetivamente, na data de 17/09/2020, era esse o valor da garantia a constituir (cf. ponto 8 do probatório). Todavia, à data da constituição da hipoteca e, por maioria de razão, à data em que o órgão de execução fiscal tomou conhecimento de todos os dados necessários à avaliação da idoneidade e suficiência da garantia, já não era o esse valor a garantia. Sempre se diga, contudo, que ainda que fosse esse o valor a garantir, de € 238.299,46, o montante máximo garantido pela hipoteca (de € 236.069,70), não seria suficiente.
Em qualquer caso, conforme informação prestada pelo órgão de execução fiscal, o valor a garantir cifrava-se, em 12/10/2022, de € 255.850,11. Tendo aquele órgão considerado a data de 12/10/2022, porquanto, segundo decorre do probatório, só aí teve conhecimento de toda a informação necessária para avaliar a idoneidade e suficiência da garantia.
(…)
Ora, considerando o valor a garantir, de € 255.850,11, e o montante máximo assegurado pela hipoteca constituída pela Reclamante, de € 236.069,70, ressalta à evidência que tal hipoteca não é suficiente para garantir todo o valor.
A Reclamante faz referência à penhora de uma renda, o que qualifica de “desnecessário e abusivo”. Porém, não junta qualquer documento que prove a alegada penhora, sendo certo que sobre si impendia tal ónus probatório (cf. artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Por outro lado, dos autos não decorre a existência da penhora de quaisquer rendas para garantia dos PEF aqui em apreço; pelo contrário, o órgão de execução fiscal apenas refere que foram apresentadas as garantias mencionadas nos pontos 8, 10, 12 e 14 do probatório.
Atento todo o exposto, conclui-se que o despacho reclamado não viola a norma do artigo 169.º do CPPT, nem, bem assim, qualquer princípio atinente à necessidade e à suficiência da garantia, afigurando-se-nos que o órgão de execução fiscal fez uma correta avaliação da garantia oferecida, em face do valor a garantir.»

Antes de mais, façamos um breve enquadramento legal.
Estabelece o artigo 199.º do CPPT, sob a epígrafe “garantias”:
“1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 – A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
[…]
4 – Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 – No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
6 – A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º.
[…]”.
E no que diz respeito à avaliação das garantias, preceitua o artigo 199.º-A do CPPT:
“1 – Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo.
[…]
3 – Sendo o garante uma pessoa singular, deve atender-se ao património desonerado e aos rendimentos suscetíveis de gerar meios para cumprir a obrigação.
4 – O valor determinado nos termos dos números anteriores deve ser deduzido dos seguintes montantes, quando aplicável e sempre que afete a capacidade da garantia:
a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas;
b) Passivos contingentes;
c) Partes de capital do executado, detidas, direta ou indiretamente, na respetiva proporção;
d) Quaisquer créditos sobre o executado.”

Aqui chegados, importa apreciar da suficiência da garantia.
No ponto 22. do probatório consta o acto reclamado que tem o seguinte teor:
“(texto integral no original; imagem)”

E do ponto 23. do probatório consta a Informação nº 1925/22 que foi a base do despacho supra transcrito.
Ora, de uma leitura atenta da referida informação, facilmente se extrai o ponto de discórdia entre as partes: sendo o valor a garantir de € 255.850,11, e o montante máximo assegurado pela hipoteca constituída de €236.069,70, pese embora o valor patrimonial tributário do bem imóvel ascender a € 275.899,80, é insuficiente para garantir os presentes autos.
A sentença recorrida concordou com esta fundamentação e com a decisão reclamada. Mas não julgou com acerto.

Vejamos.
A garantia idónea para efeitos do disposto nos artigos 169º e 199º do CPPT, será, pois, aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 21.09.2011, Proc. n° 0786/11, de 11.07.2012, Proc. nº 0730/12, de 10.10.2012, Proc. nº 0916/12, e de 30.01.2013, Proc. nº 034/13.

Contudo, para a consideração da idoneidade e suficiência de uma garantia hipotecária prestada em execução fiscal, apenas poderá ser tido em conta a diferença entre o VPT do imóvel e os valores em dívida dos créditos hipotecários pré-existentes, não relevando os montantes máximos assegurados pelas hipotecas.
No mesmo sentido, e embora o caso não seja totalmente idêntico, veja-se o Acórdão do STA de 30.05.2018, proferido no processo nº 0499/18, disponível em www.dgsi.pt, onde se poder ler:
«Antes do mais, note-se que no caso sub judice não está em causa a idoneidade stricto sensu da garantia oferecida, enquanto susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. Na verdade, o órgão da execução fiscal aceitou que a constituição da hipoteca é idónea para garantir o pagamento; no entanto, sujeitou a suspensão da execução fiscal a uma condição adicional, qual seja a alteração no registo do montante máximo garantido pela hipoteca preexistente. Seja como for, mais do que a questão semântica está em causa saber se o órgão da execução fiscal pode, ou não, recusar a aceitação da garantia por incumprimento da referida condição.
(…)
Ora, se para apurar da idoneidade da garantia a prestar mediante hipoteca (() A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo e visa garantir não só o capital, como também os acessórios do crédito que constem do registo (cfr. arts. 686.º, n.º 1 e 693.º, n.º 1, do Código Civil), nomeadamente as despesas, juros e cláusula penal.) apenas há que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual do crédito garantido pela hipoteca preexistente, como aliás o reconheceu o órgão da execução fiscal, e não o limite máximo daquela garantia que consta da inscrição registral, não faz sentido condicionar a suspensão da execução fiscal à alteração da inscrição no registo predial do montante garantido pela hipoteca preexistente.»

E assim sendo, tendo em conta o VPT do imóvel de € 275.899,80, e que o valor a garantir se cifra em € 255.850,11, claro fica que a hipoteca constituída a favor da AT mostra-se suficiente e idónea, como já se mostrava aquando da prolação da decisão reclamada, sendo, assim, ilegal o despacho reclamado.
É assim de anular o despacho reclamado, por se encontrarem cumpridos os requisitos legais e o princípio da suficiência.
Pelo que a decisão recorrida não se poderá manter.

Por último, vem a recorrente alegar que devem ser anuladas as penhoras de rendas em apreço, porquanto o valor da garantia a prestar é inferior ao valor patrimonial da hipoteca voluntariamente efectuada.
Nesta alegação remetemos para o que se escreveu na sentença recorrida:
«A Reclamante faz referência à penhora de uma renda, o que qualifica de “desnecessário e abusivo”. Porém, não junta qualquer documento que prove a alegada penhora, sendo certo que sobre si impendia tal ónus probatório (cf. artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Por outro lado, dos autos não decorre a existência da penhora de quaisquer rendas para garantia dos PEF aqui em apreço; pelo contrário, o órgão de execução fiscal apenas refere que foram apresentadas as garantias mencionadas nos pontos 8, 10, 12 e 14 do probatório.»
Do mesmo modo, nesta sede, não se descortina de que penhoras das rendas se tratam, pois embora o recorrente alegue, não identifica, nem nada juntou aos autos.
Pelo que esta alegação não será apreciada.

Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando procedente a reclamação e, em consequência, anulando o despacho reclamado.

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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando procedente a reclamação e, em consequência, anulando o despacho reclamado.

Custas pelo recorrido, com insenção de taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.


Lisboa, 4 de Outubro de 2023





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[Lurdes Toscano]


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[Catarina Almeida e Sousa]


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[Isabel Maria Fernandes]