Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1237/19.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:PAGAMENTO POR CONTA DO IMPOSTO DEVIDO A FINAL
INEXISTÊNCIA DE LUCRO TRIBUTÁVEL
TIPO LEGAL DE CONTRAORDENAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 114.º N.º 2 AL. F) DO RGIT
PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVIDA
CAUSA DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE
Sumário:I - A obrigação de proceder ao pagamento por conta não tem fundamento substantivo nas situações em que nenhuma quantia pecuniária há de ser entregue por conta do imposto devido a final, nomeadamente quando, como na situação em apreço, não foi a final apurada qualquer matéria coletável em sede de IRC, nesse mesmo exercício.
II - Acresce referir que, não sendo, a final, devido qualquer montante a título de imposto, para além, de não se verificar qualquer infração, a verdade é que qualquer punição sempre acarretaria o desrespeito da valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, e a capacidade contributiva do devedor.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

C........, S.A., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 5, de fixação da coima no âmbito do processo de contraordenação nº ........26

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de março de 2021, julgou procedente o recurso tendo determinado a anulabilidade da anulabilidade da decisão administrativa de aplicação de coima, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Inconformada, a Fazenda Publica, vem recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente o recurso de contraordenação que teve subjacente o procedimento contraordenacional n.° ........26, instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 5, com fundamento na falta de entrega de pagamento por conta, com aplicação ao arguido de coima no valor de €5.671,29, pagamento devido nos termos do artigo 104.° n.° 1 alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), e cujo incumprimento constitui infração contraordenacional tributária prevista e punida nos Artigos 26.° n.° 4 e 114.° n.°s.° 1, 2 e 5 alínea f) do RGIT.

II. Conforme consta dos autos, a infração imputada à arguida é a falta de entrega de pagamento por conta, pagamento este devido nos termos do Artigo 104.° n.° 1 alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), e cujo incumprimento constitui infração contraordenacional tributária prevista e punida nos artigos 26.° n.° 4 e 114.° ns.° 1, 2 e 5 alínea f) do RGIT. 

III. A infração em causa nos autos assume-se como uma infração tributária omissiva, pelo que o momento em que se considera praticada é aquele em que o agente devia ter atuado, mais precisamente “na data em que termine o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário”, tal como se depreende dos n.°s 1 e 2 do artigo 5.° do RGIT.

IV. Dispondo o normativo em questão que “Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: (...) f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta” (114.°, n.° 5 al. f) do RGIT), resulta inequívoco que a referência feita ao pagamento por conta do imposto devido a final destina-se a identificar o normativo infringido nos diversos códigos tributários, o que permite assim sancionar com este tipo contraordenacional a violação do disposto nos artigos 104.°, n.°1 alínea a) do CIRC e do disposto no artigo 102.° do CIRS.

V. O legislador fixou nos supra aludidos códigos tributários, designadamente nos artigos 107.° do CIRC e 102.° n.°s 4 e 5 do CIRS, os condicionalismos que permitiriam a suspensão dos pagamentos por conta, tendo sempre presente que o bem jurídico tutelado é a entrega antecipada do imposto devido a final e que, verificados aqueles condicionalismos, a não realização do pagamento por conta já não teria por efeito abalar o interesse público de garantir antecipadamente a boa cobrança do crédito tributário.

VI. Com efeito, tratando-se de um tipo contraordenacional omissivo, a eventual exigência de que, após a omissão do agente, se venha a concluir que existe tributo devido a final para assim tornar passível de punição a conduta omissiva afigurar-se-ia constituir uma condição objetiva de punibilidade, a qual todavia não resulta expressamente dos normativos legais em questão.

VII. Pelo que inexiste, no entendimento da Fazenda Pública, e salvo melhor opinião, bons argumentos para corroborar o entendimento vertido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida no sentido de que “a norma punitiva não se compadece com um mero perigo, ao invés, exige um resultado, uma lesão efetiva do interesse protegido pela norma”, o que faz deste resultado uma condição de punibilidade, ou mesmo um verdadeiro elemento integrativo do tipo legal; interpretação esta que, porém, não parece ter acolhimento na letra da lei nem na vontade do legislador.

VIII. Nestes termos, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, o disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 5.° e na alínea f) do n.° 5 do artigo 114.°, ambos do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue o recurso de contraordenação totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”


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Devidamente notificados, o Ministério Publico e a Fazenda Publica (artigo 411.º n.º 6 e 413.º n.º 1 CPP), nada disseram.

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Já neste TCA, os autos foram com vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, aderindo à posição da recorrente (FP) emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário, para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, aplicável “ex vi” do artigo 3.º al. b), do RGIT e do artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, atento o exposto e face ao teor das conclusões recursivas, as questões que a este Tribunal cumpre apresciar são as de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que a conduta da Arguida não preenche os pressupostos do ilícito contraordenacional, ou dito pelas palavras da impetrante, se, a sentença recorrida, violou, o disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 5.° e na alínea f) do n.° 5 do artigo 114.°, ambos do RGIT.


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II - FUNDAMENTAÇÃO
De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

« 1) Em 29.09.2018, foi levantado o auto de notícia n° C0......../2018, o qual imputa à ora Recorrente a prática da infração da falta de entrega de pagamento por conta, nos termos que parcialmente se passam a reproduzir - Cf. fls. 3 dos autos no SITAF, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido:

02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRAÇÃO
Infração 1
1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC)
2. Valor da prestação tributária em falta: 18.624,94
3. Período a que respeita a infração: 2018/07
4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2018-07-31
5. Normas infringidas: Art. 104.° n.° 1 a) CIRC - Falta de entrega de Pagamento por Conta
6. Normas punitivas: Art. 114. ° ns.° 2, 5 f) e 26.° n.° 4 do RGIT - Falta de entrega de prestação tributária

Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou, para o período e até à data referida, respetivamente, em 2 e 3 do quadro 02, o pagamento por conta, o que constitui infração às normas previstas em 5, punível pelas disposições referidas em 6, do mesmo quadro. [...]

(sublinhado da nossa responsabilidade)

2) Com fundamento no auto de notícia referido em (a), foi instaurado pelo ‘Serviço de Finanças de Lisboa 5’ contra a ora Recorrente, o Processo de contraordenação n.° ........26 - Cf. fls. 5 dos autos no SITAF, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido;

3) O visado Processo de contraordenação correu seus normais trâmites, com notificação para exercício de defesa/pagamento antecipado de coima, tendo sido proferida decisão final de aplicação de coima em 22.10.2018 pelo Chefe do ‘Serviço de Finanças de Lisboa 5’, nos termos que parcialmente se passam a reproduzir - Cf. fls. 9-10 dos autos no SITAF, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido:

DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 5.671,29 cominada no(s) Art(s) 114 n.° 2, 5 f) e 26 n. °, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26. ° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do n.° 2 do Art. 20. ° do Dec-Lei N.° 29/98, de 11 de Fevereiro.

(sublinhado da nossa responsabilidade)

4) O ‘Serviço de Finanças de Lisboa 5’ emitiu ofício dirigido a ‘C........, S.A.’, remetido para a morada «Polo Tecnológico de Lisboa, Estrada do Paço do Lumiar, n.° ..........., 1600-…….. Lisboa», para a sua notificação da decisão referida em (c) - Cf. fls. 11 dos autos no SITAF, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido;
5) Em 26.11.2018, a ora Recorrente apresentou no ‘Serviço de Finanças de Lisboa 5’ as alegações de recurso da decisão de aplicação de coima aludida (c), as quais deram origem aos presentes autos - Cf. registo postal n.° RD 774154935 PT a fls. 50 dos autos no SITAF;
6) Em 27/06/2019, a Recorrente apresentou a declaração de rendimentos, para efeitos de IRC, modelo 22, referente ao exercício de 2018, na qual foi apurado prejuízo fiscal no valor de € 66436,12 - Cf. declaração modelo 22 a fls. 79 dos autos no SITAF.

7) No exercício de 2018, a Recorrente não apurou qualquer matéria coletável em sede de IRC - Cf. declaração modelo 22 a fls. 79 dos autos no SITAF.

*
Inexistem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.
*
Motivação:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise dos documentos e informações oficiais constante dos presentes autos, conforme discriminado supra no probatório.»

De Direito

Vem o presente recurso interposto de decisão proferido pelo TT de Lisboa que julgou procedente o presente Recurso e determinou a anulação por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Está em causa nos autos a falta de entrega de pagamento por conta, devido nos termos do artigo 104.° n.º 1 alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), e cujo incumprimento constitui infração contraordenacional tributária prevista e punida nos artigos 26.° n.º 4 e 114.° p.s. 1, 2 e 5 alínea f) do RGIT.

Alega a recorrente (FP) que a infração em causa nos autos se assume “… como uma infração tributária omissiva, pelo que o momento em que se considera praticada é aquele em que o agente devia ter atuado,”, ou seja, a data do computo do prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário, como, o que a seu ver, se depreende dos n.°s 1 e 2 do artigo 5.° do RGIT. – conlc. III

Argui que o legislador fixou nos códigos tributários, designadamente nos artigos 107.° do CIRC e 102.° n.°s 4 e 5 do CIRS, os condicionalismos capazes de alicerçar a suspensão dos pagamentos por conta, “… tendo sempre presente que o bem jurídico tutelado é a entrega antecipada do imposto devido a final e que, verificados aqueles condicionalismos, a não realização do pagamento por conta já não teria por efeito abalar o interesse público de garantir antecipadamente a boa cobrança do crédito tributário.” – concl. V.

Advoga ainda que, “… tratando-se de um tipo contraordenacional omissivo, a eventual exigência de que, após a omissão do agente, se venha a concluir que existe tributo devido a final para assim tornar passível de punição a conduta omissiva afigurar-se-ia constituir uma condição objetiva de punibilidade, a qual todavia não resulta expressamente dos normativos legais em questão.” – concl. VI

E conclui no sentido de que, “… o entendimento vertido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida no sentido de que “a norma punitiva não se compadece com um mero perigo, ao invés, exige um resultado, uma lesão efetiva do interesse protegido pela norma”, o que faz deste resultado uma condição de punibilidade, ou mesmo um verdadeiro elemento integrativo do tipo legal …” não tem, em seu entender, acolhimento na letra da lei nem na vontade do legislador. – concl. VII.

Vejamos, então, encetando por apelar ao discurso fundamentador trilhado na decisão recorrida.

Diz-se ali que:

“(…)

O Artigo 104.° n° 1 alínea a) do CIRC, tem o seguinte enunciado: «1 - As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes: a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n°s 2 e 3 do artigo 8. °, no 7.° mês, no 9.° mês e no dia 15 do 12.° mês do respetivo período de tributação;».

O valor a pagar a título de pagamento por conta é calculado «[c]om base no imposto liquidado nos termos do n.° 1 do artigo 90.° relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea e) do n.° 2 do mesmo artigo.» - Cf. Artigo 105.° n.° 1 do CIRC, correspondendo, no caso dos «[s]ujeitos passivos cujo volume de negócios do período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos seja igual ou inferior a (euro) 500 000” a 80 % do montante do imposto apurado, repartido por três montantes iguais, [...]» - Cf. Artigo 105.° n.° 2 do CIRC.

Acresce que «[s]e o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode deixar de efetuar novo pagamento por conta.» - Cf. Artigo 107.° n.° 1 do CIRC.

No caso concreto reportado nos autos, a Administração Fiscal detetou que não foi feito o pagamento do (1.a) pagamento por conta do ano de 2018, cujo vencimento ocorreu em 31.07.2018 - Cf. alínea a) do Probatório, pelo que desde já se afasta a aplicação do disposto no Artigo 107.° do CIRC que se refere aos pagamentos por conta a realizar após o pagamento do (1.a), como sugere a própria letra da lei «[...] pode deixar de efetuar novo pagamento por conta».

Impõe-se, pois, apurar se a não entrega do (1.°) pagamento por conta determina, sem mais, a existência de um ilícito contraordenacional nos termos do disposto no Artigo 114.° n.° 5 alínea f) do RGIT.

A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é, como vimos, a constante do Artigo 114.° ns.° 1, 2 e 5 alínea f) do RGIT, do seguinte teor:


Artigo 114. °
Falta de entrega da prestação tributária
1. A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
[...]
5. Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
(sublinhado da nossa responsabilidade)


Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal - Cf. Artigo 11.° alínea a) do RGIT.

No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é suscetível de constituir a infração por negligência, prevista no n.° 2 do citado normativo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - Cf. Artigo 24.° n.° 1 do RGIT) de contraordenação imputada à Sociedade Arguida, ora Recorrente, no caso concreto reportado nos autos.

A referida norma punitiva abrange as situações previstas no n.° 5 do mencionado normativo que prevê um elenco de situações que são equiparáveis à falta de entrega da prestação tributária e que são na sua maioria omissões que originam a falta de cobrança do imposto devido, relevando, como vimos, para o caso concreto reportado nos autos, a alínea f) do n.° 5 do mencionado normativo.

De acordo com o Artigo 33.° da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe «Pagamento por conta», «[a]s entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por conta do imposto devido a final.».

O que significa que o ‘pagamento por conta’ é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário.

Tal prestação tributária que configura um adiantamento ao Estado. Efetivamente, o pagamento por conta do IRC devido pelos sujeitos passivos, é um mecanismo legal que possibilita ao credor tributário uma antecipação do momento da cobrança do imposto devido a final. Trata-se, em princípio, de um pagamento parcial de uma divida tributária, que se confirmará com o acto de liquidação referente ao exercício correspondente. No entanto, casos haverá, em que o lucro tributário do exercício será inferior (ao do exercício anterior) ou até inexistente, correspondendo, nesse caso, a um adiantamento de um imposto que não é devido. As entregas correspondentes ao pagamento por conta assumem um carácter provisório de pagamentos a serem creditados numa presumível, mas ainda não confirmada, dívida de imposto, vide neste sentido, Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 218 e ss.

Nesta medida, defende-se ainda que «[a]s entregas pecuniárias antecipadas poderão ser entendidas em termos de pagamentos fracionados do imposto sujeito às condições resultantes da existência e do montante deste.» - neste sentido, Cf. Diogo LEITE DE CAMPOS, Benjamim SILVA RODRIGUES e Jorge LOPES DE SOUSA, ‘Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada’, 4.° edição, 2012, Editora: Encontro da Escrita, p. 276.

O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o ‘pagamento por conta’) - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele ‘pagamento por conta’ não tem fundamento substantivo.

Senão vejamos:

O não pagamento das quantias devidas a título de pagamento por conta consubstancia um perigo de o imposto devido a final não ser pago. Porém, o interesse protegido pelo Artigo 114.° n.° 1 do RGIT consiste em evitar que o imposto devido não seja pago. Aliás, no caso do n.° 5 alínea f), que está causa no caso concreto reportado nos autos, o legislador refere-se expressamente ao «imposto devido a final». Logo, para que as situações previstas no n° 5 alínea f) sejam efetivamente punidas como falta de entrega da prestação tributária é imperioso que da sua ocorrência resulte de facto a falta de pagamento do imposto devido à Administração Fiscal.

Assim, a norma punitiva não se compadece com um mero perigo, ao invés, exige um resultado, uma lesão efetiva do interesse protegido pela norma. Pelo que, se no final do período a que se reporta o pagamento por conta se verificar que não existe lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma.

A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efetiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infração não se verifica, e, não se verificando infração, não pode haver punição - neste exato sentido, Cf. Acórdão do STA de 07.03.2007, proferido no âmbito do Processo n.° 0877/06.

Se não houver imposto devido (por não haver lucro tributável), a punição, para além de não respeitar a norma tipificadora da infração, desrespeitaria também a valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, onde se contêm normas a requerer a tributação de acordo com o lucro tributável do período e segundo a capacidade contributiva do devedor, conformemente, aliás, a uma visão do Direito como ordem jurídica sistémica e unitária, onde, a propósito, ganham proeminência os princípios constitucionais da tributação do lucro real, da justiça e da proporcionalidade, Cf. Artigo 104.° n.° 2 da Lei Fundamental, e Acórdão do STA de 09.10.2019, proferido no âmbito do Processo n.° 0329/18.1BELLE.

Veja-se, ainda o disposto no Acórdão do STA, processo n.° 0461/18.1BELLE de 16/01/2020, no qual se sumariou:

“No art. 107.° n.° 1 do C.I.R.C., na redação introduzida pela Lei n.° 66-B/2012, de 31/12, encontra-se previsto que possa ser dispensado o pagamento da terceira prestação de pagamento por conta de IRC.

Se a segunda prestação desse pagamento não vem a ser efetuada, mas no final do exercício se apura haver imposto a recuperar - e não a pagar -, encontra-se excluída a ilicitude quanto à mesma pela contraordenação p.a e p.a, conjugadamente, pelos artigos 104.° n.° 1 a) do CIRC, 114.°, n° 2, f), e 26.°, n.° 4, do RGIT”

E disse-se ainda:

liás, adere-se, ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de março de 2007 no processo n.° 0877/06, o qual se encontra acessível em www.dgsi.pt, em que assenta a sentença recorrida, já se entendeu-se o seguinte:

- “(...) para que a falta de pagamento por conta constitua infracção tributária punível de forma equiparada a “falta de entrega da prestação tributária”, torna-se absolutamente necessária a existência de lucro tributável ao final do período do respectivo pagamento por conta”.

E ainda ao acórdão do S.T.A. de 9-10-2019, proferido no processo 0329/12/18.1BELLE, acessível na mesma base de dados, o qual, pronunciando-se, sobre factos semelhantes aos do presente caso, considerou também:

“Em conclusão: nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr. Art° 31, do C. Penal; art°. 2.°, n° 1 do RGIT”).

Aqui chegados importa reverter ao caso sub judice e aferir da procedência dos fundamentos de recurso.

Resulta do Probatório que a Sociedade Arguida, ora Recorrente «[n]ão entregou, para o período e até à data referida, respetivamente, em 2 e 3 do quadro 02, o pagamento por conta, [...]», cujo prazo para pagamento terminava em 31.07.2018 - Cf. alínea a) do Probatório, e que, por causa disso, o Chefe do ‘Serviço de Finanças de Lisboa 5’ decidiu: «(...) aplico ao arguido a coima de €5.671,29 cominada no(s) Art(s) 114 n.° 2, 5 f) e 26 n.° 4 do RGIT [...]» - Cf. ponto 3 do Probatório.

Na decisão do Chefe do ‘Serviço de Finanças de Lisboa 5’ a que aludimos não é feita qualquer menção à existência de lucro tributável da Sociedade Arguida no final do período (1.°) do pagamento por conta - Cf. ponto 3 do Probatório.

Por outro lado, resulta do probatório que a Sociedade Arguida, ora Recorrente, no exercício de 2018, registou um prejuízo para efeitos fiscais de € 66436,12 - Cf. declaração modelo 22 a fls. 79 dos autos no SITAF.

Daqui resulta que não se prova que, com referência ao fim do período (1°), a que se refere a falta de pagamento por conta em causa, a Sociedade Arguida, ora Recorrente, patenteie a presença de algum lucro tributável, pelo qual seja devido imposto ao Estado (IRC); pelo contrário, prova-se, sem contestação, que a Sociedade Arguida, no ano de 2018, teve prejuízo fiscal no montante apurado de € 66436,12 - Cf. ponto 5 do Probatório.

Quer isto significar que qualquer pagamento por conta que a Sociedade Arguida, ora Recorrente, tivesse efetuado ao longo do ano de 2018 seria reembolsado aquando da liquidação do imposto a apurar para o referido exercício.

Provando-se o prejuízo fiscal no exercício de 2018 da Sociedade Arguida, ora Recorrente, concludentemente não há lucro tributável, e, não havendo lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que o Artigo 114.° n.° 5 alínea f) do RGIT faz depender a punição, porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma (o perigo de o imposto devido a final não ser pago - há prejuízo, não há imposto a pagar, logo inexiste qualquer perigo de o imposto não ser pago).

A falta de entrega da prestação por conta existe - Cf. ponto 1 do Probatório, mas, ao não ocorrer a efetiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora (o perigo de o imposto devido a final não ser pago), a infração não se verifica, e, não se verificando infração, não pode haver punição.

Nestes termos o Acórdão do STA de 02.12.2020, proferido no âmbito do Processo n.° 02482/17.2BEBRG onde se concluiu que «[...] a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte - Cf. Artigos 31.° do CP e 2.° n.° 1 do RGIT, [...]».

Na verdade, e tal como se concluiu no aresto do egrégio Supremo Tribunal Administrativo de 07.03.2007 a que supra fizemos expressa referência, «[...], de acordo com o facto típico modelado pela alínea f) do n.° 5 do Artigo 114.° do Regime Geral das Infrações Tributárias, para que a falta de pagamento por conta constitua infração tributária punível de forma equiparável a «falta de entrega da prestação tributária», torna-se absolutamente necessária a existência de lucro tributável ao final do período do respetivo pagamento por conta.».

Tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever e a factualidade considerada assente nos presentes autos, a conduta da Sociedade Arguida, ora Recorrente, não preenche os pressupostos do ilícito contraordenacional tipificado no Artigo 114.° n.° 5 alínea f) do RGIT.” – fim de citação

Diga-se, desde logo que o assim decidido não nos merece qualquer censura, já que, importa dizê-lo, não nos deparamos com qualquer razão válida para nos distanciarmos dos entendimentos os doutrinais e jurisprudenciais citados.

Com efeito, a conduta prevista na alínea f), do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, constitui uma infração por omissão consubstanciada na falta de pagamento por conta que o sujeito passivo deva efetuar, por conta do imposto devido a final(1).

E neste sentido concordamos com a recorrente, quando diz que o momento em que se considera praticada a infração omissiva «… é aquele em que o agente devia ter atuado, mais precisamente “na data em que termine o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário”, tal como se depreende dos n.°s 1 e 2 do artigo 5.° do RGIT.»

Porém, o que se retira, quer da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, quer ainda do n.º 2 do artigo 5.º do mesmo diploma legal que fixa o momento da prática da infração omissiva “… na data em que termine o prazo para cumprimento dos respetivos deveres tributários.”, é existência da infração.

Ora, na situação que nos ocupa, como é bom de ver, a infração de que a Arguida vem acusada – falta de entrega de pagamento por conta – não tem fundamento substantivo dado que nenhuma quantia pecuniária havia de ser entregue por conta do imposto devido a final, já que, como decorre do probatório [pontos 6) e 7)], no exercício de 2018, a Arguida não apurou qualquer matéria coletável em sede de IRC, tendo outrossim, apurado na declaração de rendimentos, para esse mesmo exercício de um prejuízo fiscal no valor de € 66.436,12.

Acresce referir que, não sendo, a final, devido qualquer montante a título de imposto, para além, de não se verificar qualquer infração, a verdade é que qualquer punição sempre acarretaria o desrespeito da valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, e a capacidade contributiva do devedor.

Assim, e como se disse no acórdão deste TCA Sul proferido em 13/01/2022 no processo n.º 3336/15.2BESNT « (…) só com essa interpretação serão respeitados os princípios constitucionais basilares da tributação do lucro real, da justiça, da legalidade e da proporcionalidade, porquanto o artigo 114.º, nº5, alínea f), do RGIT, tem de ser interpretado no sentido de que apenas quando o Estado tenha deixado de arrecadar o imposto devido é que deve ser punida a falta de entrega da prestação tributária.

Até porque, “[o]s pagamentos por conta revestem natureza provisória, apenas se podendo tornar definitivos quando o montante de imposto a pagar estiver efectivamente determinado, pelo que se verifica apenas um adiantamento do pagamento do imposto devido a final. Deste modo, o pagamento antecipado produzirá os seus efeitos se couber dentro da dívida de imposto, a qual apenas ficará determinada no momento da liquidação, sendo que a estruturação desta, em regra, implica a existência de uma obrigação acessória declarativa do sujeito passivo (cfr.v.g.artºs.89, al.a), e 90, nº.1, al.a), do C.I.R.C.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.291). [5]“.

Conclui-se, assim, que a conduta da Recorrente é insuscetível de preencher o tipo da contraordenação prevista e punida pelo aludido normativo 114.º, n.º 5, alínea (…) [f)], do RGIT, impondo-se a sua absolvição por falta de preenchimento do tipo, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica”.»

Considerando este entendimento, a que se adere, resulta, nos termos mencionados, que não assiste razão à recorrente, pelo que improcedem in totum as conclusões de recurso que vimos de apreciar.

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida, ao que se provirá no dispositivo.

Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas - (artigo 94.º n.º 4 do RGCO)

Notifique.

Lisboa, 19 de outubro de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Isabel Vaz Fernandes – 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa – 2.ªAdjunta
(Com assinatura digital)


(1)Vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in anotação 3 ao artigo 114.º do RGIT, anotado, 4ª edição, 2010, Áreas Editora - pag. 812