Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1152/04.6 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/04/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
AMOSTRA REDUTORA
EXTRAPOLAÇÃO POR EXERCÍCIOS E SEM CONEXÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I-Decorre do artigo 104.º, nº2 da CRP, que deve evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo, contudo a tributação pelo rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções.
II-Compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação;
III- A legitimação da avaliação indireta, não pode apoiar-se em juízos conclusivos, em amostras redutoras, em premissas sem expressividade, e não conexas e apoiadas no respetivo exercício objeto de correção.
IV-A existência de irregularidades contabilísticas, só permite fundamentar a tributação presuntiva quando for impossível quantificar diretamente a matéria coletável, sendo que a morosidade, a excessiva onerosidade e a dificuldade não podem ser aventadas como justificação para a avaliação indireta.
V-Qualquer amostra tem de ser, devidamente, expressiva incluindo todas as realidades concatenadas e intrínsecas ao âmbito e escopo empresarial, e por alusão a um universo anual.
VI-A AT não pode sobrevalorizar os valores declarados por um sócio gerente em detrimento dos elementos constantes na contabilidade, quando, ademais, se reconhece que a mesma se encontra devidamente organizada e existe um diferendo entre esses mesmos sócios.
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO


A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por G. A.-A. H., LDA., tendo por objeto os atos de liquidação n.ºs 03361010, 03367338 e 03372851 respeitantes a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos anos de 1999, 2000 e 2001, respetivamente, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios (JC), no valor global de €37.974,89.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação, anulando a liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios referentes a 1999, mantendo na ordem jurídica as liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios referentes a 2000 e 2001.

II. A douta sentença recorrida julgou a impugnação procedente relativamente ao exercício de 1999 por considerar que a AT não demonstrou a verificação dos pressupostos legais para recurso a métodos indiretos de determinação da matéria tributável, considerando que a maioria das irregularidades detetadas pela inspeção tributária são referentes a 2000 e 2001, tendo ainda relevado a afirmação da AT de que a impugnante possuía contabilidade regularmente organizada.

III. Contudo, como refere a douta sentença, a afirmação da regularidade da contabilidade não implica, por si só qualquer contradição com a impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável. E, no caso concreto assim é, como ficou demostrado, quer no relatório de inspeção tributária (RIT), quer no ato de fixação da matéria tributária em sede de procedimento de revisão.

IV. Importa ainda salientar que a verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indiretos não pode aferir-se pela maior ou menor quantidade de irregularidades detetadas relativamente a um exercício. Concretamente, ficou demonstrado e é indiscutível que não foram apresentadas fitas de máquina dos meses de dezembro de 1999. Verificaram ainda os serviços de inspeção que o valor das vendas declaradas pela impugnante à AT e o valor das vendas declaras pela mesma à sociedade gestora do centro comercial V. G. eram diferentes, tendo-se registado uma diferença de € 17.537,08, bem como diferenças de valores em dias concretos.

V. A douta sentença recorrida não aceita como válidos os valores fornecidos à sociedade V. G., considerando irrelevante a diferença de valores, com o argumento de que haveria um litígio entre sócios e ainda o argumento de a AT havia afirmado que a contabilidade estaria organizada. Contudo, a douta sentença recorrida considera igualmente que a falta das fitas de máquina referentes a agosto de 1999 não impediria o apuramento direto da matéria tributável, argumentando que a AT obter os elementos em falta através de meios alternativos, como os talões de caixa, as vendas a dinheiro e as relações diárias das vendas fornecidas à sociedade V. G..

VI. Sugerindo assim, contraditoriamente, a douta sentença, que a AT poderia ter recorrido aos mesmos dados que anteriormente havia rejeitado aquando da análise das divergências da contabilidade que justificam o recurso a métodos indiretos.

VII. Acresce ainda referir que a mesma sentença, relativamente aos anos 2000 e 2001, admite como válidos os valores fornecidos pela sociedade V.G., que lhe haviam sido fornecidos pelo sócio, para justificar a aplicação de métodos indiretos, bem como para a quantificação da matéria tributável (seguindo o acórdão do TCA no processo 667/05.3BELSB).

VIII. A Fazenda não se conforma com a decisão contraditória de considerar verificados os pressupostos para aplicar métodos indiretos e admitir como credíveis os valores que estavam na posse da sociedade V.G. e, simultaneamente, declarar os valores declarados à V.G. como não credíveis.

IX. Relativamente à existência de conflito entre os sócios e à possibilidade de esse conflito poder influenciar os valores declarados, considera a douta sentença na sua fundamentação referente a 2000 e 2001, que o argumento da retaliação em si é falacioso já que as consequências desse ato teriam efeitos ao nível empresarial, designadamente aumento de custos da empresa da qual o mesmo era sócio e da qual esperaria obter mais lucros quando, com essa atitude iria acontecer o contrário.

X. A douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito, por considerar que a AT não demonstrou a existência de pressupostos para aplicação de métodos indiretos, bem como contradição nos fundamentos na mesma sentença.

XI. Acresce ainda referir que o critério de quantificação se revela perfeitamente adequado ao caso concreto, encontrando o mesmo pleno enquadramento na enumeração (não taxativa) do artigo 90º, nº 1 da LGT, designadamente na alínea d) que prevê expressamente a possibilidade de a AT considerar os elementos e informações declaradas a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte, como é o caso da sociedade que gere o centro comercial V.G..

XII. Importa ainda salientar que, demonstrados os pressupostos e a validade do critério de quantificação, caberia ao sujeito passivo o ónus de demonstrar o eventual excesso de quantificação.

XIII. A douta sentença incorre assim em erro de julgamento de facto e de direito, infringindo as normas do artigo 87º, nº 1, alínea b) e do artigo 88º, al a) da LGT, bem como do artigo 74º da LGT. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.”


***


A Recorrida devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

“Com relevo para a apreciação do mérito da pretensão da Impugnante, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A ora Impugnante foi alvo de uma acção inspectiva por parte da Administração Fiscal relativamente ao IRC e IVA dos anos de 1999 a 2001:

Imagens: Originais nos autos






Imagens: Originais nos autos





- cfr. doc. a fls. 432 a 447 do processo físico;

2) A ora Impugnante foi notificada, através do Ofício n.º010731 da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, dos atos de fixação da matéria coletável de IVA relativos aos exercícios de 1999, 2000 e 2001 efetuados com recurso a métodos indirectos - cfr. doc. n.º1, junto com a petição inicial;

3) Não se conformando com tal decisão, a ora Impugnante solicitou, em 12.08.2003, a revisão da matéria coletável e do imposto fixado - cfr. doc. n.º2, junto com a petição inicial;

4)Foi a ora Impugnante notificada das liquidações de IVA e juros compensatórios supra identificados, cujos prazos limites para pagamento voluntário terminaram em 29 de Fevereiro de 2004 - cfr. docs.4 a 15 juntos com a petição inicial;

5) No que concerne à quantificação da matéria colectável em questão nos presentes autos, o laudo do perito da Fazenda Pública tem o seguinte teor: «5.Por outro lado, o Perito da Fazenda Pública entende que, para reconstituição da matéria tributável os Serviços de Inspecção consideraram, para cálculo das prestações de serviços presumidas, os dados obtidos através de controlo cruzado com uma entidade com quem o sujeito passivo tem relações económicas (V.G. D. G.).

Este indicador vem enumerado na alínea d) do n.º1 do art.90.º da L.G.T. Em face do exposto, e uma vez que o perito do sujeito passivo não apresentou, no decurso desta reunião, elementos que permitam legitimar a alteração dos valores propostos, nem demonstrou que os resultados efectivamente obtidos são inferiores aos fixados, serão de manter os mesmos valores com referência aos exercícios de 1999, 2000 e 2001 relativamente a IRC e IVA » - cfr. fls.42 do processo físico;

6) O perito da Impugnante, sustentou, a sua discordância com os critérios de quantificação da matéria tributável, considerando, relativamente ao que aqui importa, que as margens imputadas pela Administração Tributária ao negócio da Impugnante «(…) são manifesta e indelevelmente superiores àquelas que o sector tem», por serem «(…) perfeitamente desproporcionados, por exagerados, à realidade económica do sujeito passivo (…) mesmo quando comparada com aquela que se apura relativamente a todas as entidades inseridas no mesmo sector de actividade em que se encontra a contribuinte.» - cfr. fls.43 a 45 do processo físico;

7) O perito independente, por seu turno, e com suporte no debate resultante da reunião entre peritos e nos documentos que consubstanciam o requerimento de pedido de revisão e relatório da acção inspectiva, lavrou, ao que aqui releva, laudo do seguinte teor: «(…) tendo em conta que: - considera existir uma dúvida razoável sobre a veracidade dos principais documentos considerados para efeitos de revisão e que determinaram o apuramento da matéria colectável de IRC e IVA corrigido, ou seja, ou seja, sobre os talões de venda correspondentes à facturação do contribuinte e entregues por um dos sócios ao Centro Comercial V.G., uma vez que tais talões, os que foram exibidos, têm todos a mesma data embora respeitem a períodos diferentes; - não foram exibidos outros talões que pudessem ser confrontados com os exibidos na reunião; - tecnicamente parece ser muito discutível a aceitação dos talões como «bons» para efeitos de revisão; - parece que poderia ter sido aprofundada a análise para efeitos de revisão utilizando outros pressupostos (p.ex: confronto de facturas de fornecedores); - parece credível o argumento do contribuinte relativamente aos níveis de facturação que resultam da revisão e, como tal, da margem do negócio, sobretudo se se tiver em conta diversos parâmetros como a dimensão do estabelecimento, o mercado, o pessoal ao serviço e outros; - o facto de existirem processos interpostos pelo contribuinte contra o seu sócio que parecem indiciar alegadas atitudes por parte deste último no sentido de prejudicar o outro sócio com o qual entrou em conflito e que só com a resolução judicial serão completamente esclarecidos mas que, em todo o caso, contribuem para a existência de uma dúvida razoável sobre a realidade dos talões, conforme anteriormente referido; - ao perito independente parece que poderiam ter sido aplicados outros parâmetros ou elementos, conforme previsto no Art.90.º do CPT, que confrontados com os utilizados poderiam contribuir para um melhor e mais razoável valor da matéria colectável, sendo que, nestes termos, é de opinião desfavorável à revisão e, como tal, conforme ao perito do contribuinte.» - cfr. fls.46 a 47 do processo físico;

8) Os valores que a Administração Fiscal tomou em consideração para 1999, 2000 e 2001, disponibilizados pela V.G. G. G. - foram fornecidos, em 2002, a esta sociedade, pelo, então, sócio-gerente P. S., tendo estes elementos substituído os inicialmente entregues pela impugnante à referida V.G. - cfr. teor do relatório de inspecção e depoimento da testemunha, A. A.;

9) Os dados fornecidos pelo sócio P. S. à V.G. D. G. não foram previamente validados pelo técnico oficial de contas da sociedade Impugnante - cfr. depoimento do TOC, A. A.;

10) De acordo com a acta nº78/03, relativa ao procedimento de revisão, não foi possível obter um acordo entre os peritos, apesar de o perito da Impugnante e o perito independente estarem de acordo na contestação à atuação da Administração Fiscal - cfr. fls. 38 e 39 do processo físico;

11) Entre 10 e 16 de Janeiro de 2000 e entre 28 de Maio e 10 de Junho de 2001, a sociedade V.G. D. G. levou a cabo auditorias à loja da Impugnante, concretamente a análise quantitativa ao número de clientes da loja, às compras efetuadas, à faturação e ao valor médio das compras, não resultando dos relatórios a indicação de qualquer anomalia ou irregularidade - cfr. fls.265 a 269 do processo físico;

12) A renda paga pela Impugnante ao Centro Comercial V.G., pelo arrendamento da loja onde a mesma funcionava, era variável em função da faturação obtida pela Impugnante, aumentando a renda se aumentasse a faturação - cfr. depoimento das testemunhas ouvidas.


***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“Relativamente aos factos provados, o Tribunal formou a sua convicção, mediante a análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e constantes do Processo Administrativo, identificados a propósito de cada um dos factos provados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cf. artigo 74.º da LGT], também são corroborados ou infirmados pelos documentos juntos aos autos [artigo 76.º n.º 1 da LGT e artigos 362.º e seguintes do CC], bem como no depoimento das testemunhas ouvidas.

Refira-se que, qualquer das testemunhas ouvidas, mostrou total e direto conhecimento dos factos em relação aos quais foram ouvidas, mostrando-se o seu depoimento credível e esclarecedor na formação da convicção do Tribunal.

Quanto à restante matéria alegada, por se tratar de meros juízos conclusivos, de valor ou considerações de direito não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte atinente às correções dimanantes de avaliação indireta referentes ao ano de 1999 e que o Tribunal a quo julgou totalmente procedente, por falta de verificação dos respetivos pressupostos legais, com a consequente anulação da liquidação adicional e respetivos JC, no valor global de €2.581,24.

Em termos de delimitação da lide, cumpre, desde logo, relevar que face ao âmbito do presente recurso jurisdicional se encontra consolidado na ordem jurídica a improcedência e consequente manutenção das liquidações respeitantes aos anos de 2000 e 2001, na medida em que a Impugnante não interpôs recurso jurisdicional na parte em que decaiu.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos legais de facto e de direito, na medida em que ajuizou que não se encontravam reunidos os pressupostos para a determinação da matéria coletável e apuramento do IVA em falta através do recurso aos métodos indiretos.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não impugna a matéria de facto, nada requerendo em termos de aditamento por complementação ou supressão ao probatório, ao abrigo do artigo 640.º do CPC. E por assim ser, a matéria de facto encontra-se, devidamente, estabilizada, competindo, nessa medida, aquilatar do aduzido erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

Defende, neste âmbito, a Recorrente que o Tribunal a quo não valorou adequada e acertadamente todos os pressupostos e premissas que legitimaram o recurso à avaliação indireta, ressalvando, por um lado, que a afirmação da regularidade da contabilidade nada permite retirar para efeitos do recurso à metodologia adotada, e por outro lado, a circunstância de existirem mais irregularidades nos anos de 2000 e 2001, não permite inferir que as mesmas não existem no visado ano de 1999.

Adensa, neste âmbito, que não foram apresentadas as fitas de máquina referentes a dezembro de 1999, e que existiu um valor diferencial entre as vendas declaradas à AT e às declaradas à sociedade gestora do Centro Comercial V.G., no valor de €17.537,08.

Mais sustenta que, o raciocínio expendido na decisão recorrida é contraditório, na medida em que admite a possibilidade de recurso a elementos da contabilidade quando os mesmos foram apartados para efeitos de afastamento das divergências constatadas e bem assim porque aceita os mesmos para os exercícios de 2000 e 2001.

Aduzindo, a final, que o critério da quantificação se revela perfeitamente adequado ao caso vertente, e subsumível no artigo 90.º, nº1, alínea d), da LGT, logo estando demonstrados os pressupostos e validada a metodologia adotada pela AT, o ato impugnado não padece de qualquer ilegalidade.

O Tribunal a quo, esteou o seu raciocínio convocando a decisão prolatada no âmbito do processo de impugnação judicial nº 782/04.0BELSB, transitada em julgada, e onde foi impugnada a liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 1999, com total identidade fática com as correções, ora, em contenda dimanantes do mesmo Relatório Inspetivo, extratando-se na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Na verdade, e no que toca ao exercício de 1999, aquele que para aqui importa, a Administração Fiscal limita-se a dizer, conforme se deixou apontado no probatório, que (i) não foi apresentada a fita de máquina do mês de Dezembro de 1999, que (ii) verificaram-se alterações na apresentação dos fechos de caixa, deixando os mesmos de fornecer a hora do fecho, que (iii) foi constatada uma diferença, de €17.537,08, entre o valor das vendas declaradas pela impugnante e a Administração Fiscal - €171.199,02 – e as vendas declaradas à V.G. D. G. – G. C. C. - €1.88.736,10 e, bem assim, que (iv) a soma dos talões de venda dos dias 11 e 13 de Novembro de 1999, entregues à V.G. D. G., quando comparada com as prestações de serviços declaradas àquela sociedade, apresenta uma diferença de €505,30 e de €369,43.
A par destas considerações, importa ter presente que, no enquadramento geral sobre a organização contabilística da sociedade impugnante, a Administração Tributária afirmou que esta “Possui contabilidade regularmente organizada, os documentos estão classificados segundo a normalização contabilística do POC e têm numeração sequencial mensal e encontram-se arquivados nos Diários de Compras, Bancos, Caixa e Operações Diversas”.
Continuemos a análise, tendo presente que estamos, nesta fase, a arquivar os pressupostos de recurso a métodos indirectos, no que respeita ao ano de 1999.
Ora, constatar que se verificaram alterações na apresentação dos fechos de caixa, deixando os mesmos de fornecer a hora do fecho é, a todos os níveis, algo de absolutamente irrelevante, nada na lei obrigando a que dos fechos de caixa conste tal menção.
Por outro lado, o pilar fundamental do recurso a métodos indirectos assentou, como se retira do teor do relatório, na circunstância de ter sido constatada uma diferença, de €17.537,08, entre o valor das vendas declaradas pela impugnante à Administração Fiscal - €171.199,02 – e as vendas declaradas à V.G. D. G. – G. C. C. - €188.736,10. Contudo, este argumento, esta constatação, é absolutamente irrelevante face aos circunstancialismo que o próprio relatório de inspecção descreve e aponta.
Com efeito, não vem explicado, nem é apreensível, porque razão a Administração Fiscal desvaloriza os dados declarados inicialmente pela impugnante, com respeito a 1999, quer ao Fisco, quer à V.G. D. G. – G. C. C., para aceitar como bons os dados, respeitantes também a 1999, fornecidos três anos mais tarde, à referida V.G. D. G., por um sócio-gerente que, além de estar incompatibilizado com o outro sócio da impugnante, nem sequer fazia parte (em 1999) do quadro societário da empresa, nem era seu gerente.
Este argumento, a alegada diferença de valores declarados, é totalmente inócuo, face aos contornos da situação e tanto mais surpreendente quando a Administração Fiscal inicia o seu relatório pela constatação de que a impugnante “Possui contabilidade regularmente organizada, os documentos estão classificados segundo a normalização contabilística do POC e têm numeração sequencial mensal e encontram-se arquivados nos Diários de Compras, Bancos, Caixa e Operações Diversas.
Pela mesma ordem de razões, o argumento segundo o qual a soma dos talões de venda dos dias 11 e 13 de Novembro de 1999, entregues à V.G. D. G., quando comparada com as prestações de serviços declaradas àquela sociedade, apresenta uma diferença de €505,30 e de €369,43, não têm qualquer relevância. Valem aqui, integralmente, as razões pelas quais se afastou a validade do argumento anterior, ou seja, não há explicação fundamentada para desconsiderar os valores inicial e oportunamente declarados e valorizar os dados fornecidos a uma entidade terceira, 3 anos mais tarde, por alguém que, no período em causa, nada tinha a ver com a sociedade, aqui impugnante.
Resta um último argumento invocado, a saber, não ter sido apresentada a fita de máquina do mês de Dezembro de 1999. Contudo, como está bem de ver, tal não basta para fundamentar o recurso à avaliação indirecta, em concreto para que se possa verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Com efeito, e desde logo, porque, a Administração Tributária considerou que a contabilidade se encontrava regularmente organizada e os documentos classificados segundo a normalização contabilística do POC. Por outro lado, porque, assim sendo, face à organização regular da contabilidade, sempre a Administração Tributária tinha como controlar os seus valores constante da fita de maquina, sem recurso a métodos indirectos, através de documentos alternativos, como sejam os talões de caixa, as vendas a dinheiro, as relações diárias das vendas que eram fornecidas à V.G. D. G..
Portanto, não se retira do relatório, quanto ao ano de 1999, em que medida, para a correcção aqui em discussão, de €17.537,08, os elementos constantes da contabilidade não eram os suficientes.
Mais, o que se passou, em todo este percurso feito pela Administração Fiscal, foi algo de peculiar e que se resume nisto: a Administração Fiscal conclui que a contabilidade está regularmente organizada, contudo desvaloriza-a para, sem explicação que o justifique, valorizar os dados que, não sendo os constantes da contabilidade (a mesma que estava regularmente organizada), foram disponibilizados (em circunstâncias pouco lineares) a uma entidade terceira, cerca de três anos mais tarde da data a que os factos registados na contabilidade se reportam. Mas mais, o fornecimento de tais dados foi efectuado por alguém que, em 1999, nada tinha a ver, sequer, com a sociedade impugnante e sem que o técnico de contas os validasse ou confirmasse.
De realçar ainda que, estes dados, na posse de um terceiro, nem sequer, no que ao ano de 1999 respeita, serviram de ponto de partida para o cálculo de valores presumidos. Foram, no caso, o ponto de partida e o ponto de chegada, já que levou à Administração Fiscal calcular a diferença entre as vendas declaradas pela impugnante à Administração Fiscal - €171.199,02 – e as vendas declaradas à V.G. D. G. – G. C. C. - €188.736,10 – para concluir pela diferença de €17.537,08, ou seja, justamente o valor corrigido.
Ora, esta actuação é, em toda a linha, inaceitável e, do ponto de vista de análise dos requisitos de recurso à avaliação indirecta, claramente violadora da lei.
No caso em análise, e face ao que vem dito, não poderá deixar de se concluir que não se mostrava legitimado o recurso aos métodos indirectos para a determinação do imposto em falta, na medida em que se não mostra comprovada, no que ao ano de 1999 respeita, a impossibilidade de determinação directa do mesmo. Tal comprovação era, de resto, o primeiro aspecto a ser observado e explicado e tal não aconteceu”.

E a verdade é que, atentando na aludida fundamentação não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente, na medida em que realizou uma correta e adequada interpretação do quadro normativo com a devida transposição para a realidade de facto em apreço, porquanto os pressupostos atinentes ao ano de 1999, são diminutos, redutores e sem qualquer expressividade que legitime o recurso à avaliação indireta. Ademais, e conforme veremos em sede própria, não está, de todo, justificada a impossibilidade de recurso à avaliação direta, o que adensa, naturalmente, a insusceptibilidade de recurso a esta metodologia.

Vejamos, então.

Para o efeito, há, desde logo, que atentar no respetivo regime jurídico, e aquilatar em que situações é legítimo lançar mão dos métodos indiretos de fixação da matéria tributável, e estabelecer depois a competente transposição para o caso sub judice.

Atentemos, então, no quadro normativo, tecendo os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente.

O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

“É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 81.º, do CIRS”(1)

Neste particular, importa, desde logo, ter presente o consignado no artigo 81.º da LGT, o qual preceitua que:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Preceituando, por seu turno, o normativo 83.º da LGT, sobre os fins da avaliação direta e bem assim indireta, no sentido que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

Daí que, a determinação da avaliação direta, tenha como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, os quais se presumem verdadeiros.

Preceituando, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.

Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a AT fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, preferencialmente com recurso aos métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos.

Note-se que, como decorre do citado normativo, concretamente, do seu nº2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “[o]missões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, na medida em que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

O mesmo é dizer que, se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.

No tocante à concreta enumeração, como visto, taxativa, há que chamar à colação o plasmado nos normativos 87.º e 88.º da LGT.

Preceituando, para o efeito, o citado artigo 87.º, n.º 1, da LGT:

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de atividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.

Esclarecendo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, no atinente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Importando, ainda, ter presente que no domínio da errónea quantificação compete ao sujeito passivo provar -após demonstração por parte da AT que se mostram adequadamente fundamentados os pressupostos e critérios adotados para o recurso à avaliação indireta- que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade.

Sendo certo que, não se pode perder de vista que a avaliação indireta representa, em bom rigor, uma aproximação da realidade tributária, donde a provável falibilidade, e inverosimilhança da quantificação é resultado da inevitabilidade em acionar o método indireto ou presuntivo, derradeira possibilidade de repor a legalidade e apurar uma determinante e insubstituível matéria tributável que, apenas por motivos, deficiências, imputáveis ao sujeito passivo, não pode estabelecer-se com recurso à via direta e normal, ou seja, mediante os seus elementos de contabilidade. (2)

Como doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0537/11, datado de 21 de setembro de 2011:

“I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à AF o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.°, n.° 3 da LGT).

II - Não logrando o contribuinte provar a existência de tal excesso, nem se afigurando evidente para o Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo, é de manter o “quantum” tributável fixado pela AF, desde que devidamente fundamentado.”

Aqui chegados, e uma vez que, como já densificado anteriormente, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, importa, então, atentar no preenchimento do respetivo ónus probatório, aquilatando, para o efeito, se bem decidiu a sentença quando julgou que a AT não estava legitimada a proceder à determinação da matéria coletável por via presuntiva.

Vejamos, então.

De relevar, desde já, que não assiste razão à Recorrente quando sufraga que o Tribunal a quo não ponderou todas as premissas base que legitimaram a determinação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos, na medida em que analisou casuisticamente, entenda-se por período de imposto, os indícios convocados para o efeito, e concluiu -quanto ao período visado- que os mesmos são manifestamente insuficientes, por falta de expressividade das insuficiências e irregularidades corporizadas nesse mesmo exercício.

Mas explicitemos, então, porque motivo assim o entendemos.

No caso vertente, conforme resulta expressamente do Relatório de Inspeção Tributária, a AT entendeu que a contabilidade não reflete a exata situação patrimonial da empresa e o resultado efetivamente obtido, e por isso não é possível comprovar e quantificar direta e exatamente os elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável em causa e respetivo apuramento do IVA.

Evidenciou, para o efeito, no aludido Relatório Inspetivo, como circunstâncias fáticas impeditivas de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis ao correto apuramento e quantum direto e exato, as que infra se descrevem:

i. As vendas declaradas à AT e as declaradas por um dos sócios gerentes à Administração do Centro Comercial V.G., são diferentes;

ii. O suporte apresentado pelo sócio gerente à administração do Centro Comercial V.G. é credível e encontra-se bem documentado;

iii. Os fechos de caixa diários de outubro de 1999 a junho de 2001 são diferentes dos de setembro de 1999, sem que novos equipamentos tivessem sido adquiridos, tendo estes deixado de indicar a hora de fecho;

iv. Existem fechos de caixa diários a zero, sem razão que o justifique;

v. Menores margens de Lucro Bruto, nos exercícios de 2000 a 2001;

vi. Margem de Lucro Bruto apuradas pelo sujeito passivo (preços de 2003), superiores às por si declaradas nos exercícios de 2000 a 2001;

vii. Os movimentos de caixa e de bancos não refletem os verdadeiros movimentos de meios monetários;

viii. Redução de custos com o pessoal;

ix. Depósitos bancários superiores ao valor das prestações de serviços;

x. Empréstimos de sócios, sem que se consiga determinar com exatidão a sua fonte, e documentos justificativos dos mesmos iguais aos talões de depósitos;

xi. Redução de custos variáveis devia traduzir-se num aumento de resultados e não na sua redução, quando comparados com os declarados no exercício de 1999.

Ora, tendo presente a enumeração supra expendida não se vislumbra qualquer erro de julgamento, na medida em que, de facto, os aludidos indícios estão, na sua quase totalidade, concatenados com os exercícios de 2000 e 2001, conforme ajuizado, e bem, na decisão recorrida.

Aduza-se, em abono da verdade, que do elenco supra evidenciado só o patenteado em i) a iii) tem conexão com o período de imposto visado, concretamente, com o exercício de 1999, porquanto todos os demais foram convocados e objeto de densificação para os exercícios subsequentes.

Sendo certo que, até esses indícios são manifestamente redutores, e sem qualquer representatividade e expressão que legitime a avaliação indireta, faltando, desde logo, a demonstração de que há indícios seguros de que a contabilidade, no ano de 1999, não reflete a exata situação patrimonial da Recorrente e mais ainda que era, de todo, impossível o recurso a correções meramente aritméticas.

No atinente ao apontado em i), há que relevar ab initio e, neste concreto particular, que a aludida divergência de valores é diminuta representando no ano de 1999, um diferencial de apenas cerca de 10%, naturalmente pouco expressivo quando confrontado com os valores percentuais granjeados nos exercícios de 2000 e 2001 e que se cifram nos 67%.

Sendo que o apontado em ii) mais não representa que um juízo conclusivo, sem a devida e inerente densificação, sendo certo que, conforme evidenciado na decisão recorrida, e que, ora, se secunda não se aquilata de forma e porque motivo são sobrevalorizados os valores declarados por um sócio gerente em detrimento dos elementos constantes na contabilidade, quando, ademais, se reconhece que a mesma se encontra devidamente organizada e por outro lado existe um diferendo entre os mesmos.

Ademais, do teor do Relatório de Inspeção Tributária retira-se, outrossim, que o outro sócio gerente apenas terá evidenciado que poderiam existir resultados não conformes com os reais no período que medeia entre outubro de 1999 a setembro de 2001, portanto, no limite, e para o exercício visado -desde que inequivocamente atestado- abrangeria um período residual de apenas três meses.

Acresce que, conforme resulta do probatório, não impugnado, os dados fornecidos pelo sócio P. S. à “V.G. D. G.” não foram previamente validados pelo TOC da, ora, Recorrida.

Note-se que, o próprio Perito Independente no seu laudo, releva, neste particular, que existe “[u]ma dúvida razoável sobre a veracidade dos principais documentos considerados para efeitos de revisão e que determinaram o apuramento da matéria colectável de IRC e IVA corrigido, ou seja, ou seja, sobre os talões de venda correspondentes à facturação do contribuinte e entregues por um dos sócios ao Centro Comercial V.G., uma vez que tais talões, os que foram exibidos, têm todos a mesma data embora respeitem a períodos diferentes; - não foram exibidos outros talões que pudessem ser confrontados com os exibidos na reunião”

Adensando, ainda, “[o] facto de existirem processos interpostos pelo contribuinte contra o seu sócio que parecem indiciar alegadas atitudes por parte deste último no sentido de prejudicar o outro sócio com o qual entrou em conflito e que só com a resolução judicial serão completamente esclarecidos mas que, em todo o caso, contribuem para a existência de uma dúvida razoável sobre a realidade dos talões, conforme anteriormente referido”.

No concernente ao ponto iii), para além de não se percecionar de que forma tal realidade pode granjear uma legitimação da avaliação indireta, e mais ainda que impossibilitasse o recurso a uma correção meramente aritmética, a verdade é que, encontramo-nos perante uma situação fática que não é suficientemente expressiva e abrangente no atinente a um período anual, sendo, portanto, eminentemente redutora e sem que permita fundamentar a metodologia presuntiva no exercício em contenda.

Com efeito, e no atinente ao ano de 1999, apenas é corporizada uma comparação entre setembro e outubro, donde com manifesto deficit representativo. Ademais, é a própria AT que atesta no respetivo Relatório de Inspeção Tributária que há, desde logo, que destacar duas fases distintas, sendo que a primeira é alocada aos meses de abril a setembro de 1999 e a segunda a partir de outubro de 1999, o que, per se, traduz incongruência neste concreto particular.

Acresce que, conforme resulta, expressamente, consignado no Relatório de Inspeção Tributária, as vendas declaradas no ano de 1999, apresentam uma linha ascendente de maio a dezembro, sendo que a margem de lucro bruta declarada nesse mesmo exercício cifrou-se em 117%, inversamente a 2000 e 2001, as quais se computaram nos 92% e 63%. Logo, realidades que não podem, de todo, ser descuradas tendo, naturalmente, de ser valoradas para efeitos de falta de legitimação da avaliação indireta.

Quanto aos demais pressupostos, e conforme já evidenciámos anteriormente, os mesmos não têm qualquer aplicação no exercício visado, concatenando-se apenas com os exercícios subsequentes. Logo, uma simples extrapolação sem qualquer conexão e nexo não pode, de todo, justificar o recurso aos métodos indiretos.

Mas, densifiquemos, então, o supra expendido.

De uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária constata-se, desde logo, que a alegada redução dos custos com o pessoal, está materializada por referência a uma nova política de salários adstrita aos anos de 2000 e 2001, patenteada, tão-só, com um exemplo concernente a agosto de 2001.

O mesmo se diga no respeitante aos fechos de caixa a zero, no qual é apresentado um exemplo respeitante a março de 2001, existindo, ulteriormente, uma convocação dos resumos de caixa diários do período de agosto a dezembro de 2001, e uma singular análise do mês de outubro de 2001.

E igual ilação se retira das vendas a dinheiro, sendo que a comparação das prestações de serviços declaradas com as saídas a dinheiro reporta-se, mais uma vez, aos meses de outubro e novembro de 2001, e todos os movimentos nas contas Caixa e Bancos não têm qualquer respaldo em elementos obtidos no ano de 1999.

Inferindo-se, exatamente, no mesmo sentido quanto aos alegados empréstimos e à redução de custos variáveis, sendo que tais asserções são manifestamente conclusivas, não se conseguindo percecionar, e por conseguinte justificar o método adotado, e mais ainda a impossibilidade de recurso à avaliação indireta.

Sendo que, naturalmente, não pode proceder a argumentação da Recorrente no sentido de que a existência de mais irregularidades em 2000 e 2001 não permite inferir que as mesmas inexistem em 1999, porquanto compete à AT uma clara e inequívoca demonstração atinente ao efeito, visto que o ónus da prova se circunscreve na sua esfera jurídica, não podendo, assim, eximir-se de tal encargo probatório com essa lacónica e conclusiva alegação.

De ressalvar, ainda neste âmbito, que a alegação atinente à falta de apresentação das fitas das máquinas não tem, de todo, o alcance e almejo que a Recorrente lhe pretende dar, por um lado, porque a mesma, no respeitante ao ano em análise, se circunscreveu apenas ao mês de dezembro-mais uma vez manifestamente redutor-e por outro lado, porque não se encontra materializado de que forma tal falha poderia inviabilizar o apuramento pela via direta, na medida em que não é, minimamente, explicitado que inexistam quaisquer outros elementos que permitam o recurso à avaliação direta, que, como visto, é a regra.

Aliás, na linha do aduzido na decisão recorrida e inclusive atestado no laudo do Perito Independente, poderia, desde logo, estabelecer-se um confronto com as faturas de fornecedores, e bem assim uma concreta ponderação dos talões de caixa, das vendas a dinheiro, e das relações diárias das vendas que eram fornecidas à “V.G. D. G..”

Uma última nota para evidenciar que, não procede a alegada contradição, na medida em que o Tribunal a quo, esclareceu e delimitou, de forma clara e esclarecida, porque motivo entendia que os pressupostos atinentes ao ano de 1999 eram redutores, pouco expressivos, e insuficientes para legitimar o recurso à avaliação indireta. Por outro lado, há, igualmente, que sublinhar que não inexiste qualquer contradição quanto à convocação de elementos da contabilidade, para atestar a falta de demonstração da impossibilidade da avaliação direta, em nada relevando, neste e para este efeito, quaisquer dilucidações atinentes às concretas divergências respeitante aos anos de 2000 e 2001, porquanto realidade não abrangida neste recurso jurisdicional.

Ora, tendo presente as asserções fáticas que determinaram o recurso à avaliação indireta, supra expendidas, entende-se que nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida quando ajuizou que não estavam reunidos os pressupostos para a tributação presuntiva, na medida em que as mesmas não se afiguram, efetivamente, impeditivas de comprovar e quantificar, de forma direta e exata, a matéria tributável do imposto.

Conclui-se, assim, em sentido consonante com a decisão recorrida que os aludidos indícios não são suficientes, não permitindo cessar a presunção da sua veracidade, donde, inviabilizar o apuramento pela via direta.

Ademais, e se atentarmos na própria forma de apuramento da matéria coletável, a mesma permite estribar e fundar a falta de legitimidade de recurso aos métodos indiretos, na medida em que o acervo de elementos contabilísticos que dispunha e a que recorreu facultavam esse apuramento.

Neste âmbito, convoque-se o doutrinado, no Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 1621/07, de 25 de outubro de 2018, do qual se extrata, designadamente, o seguinte.

“ A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).

22. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária).” (destaques e sublinhados nossos).

Uma última nota final para relevar que resulta prejudicada a apreciação de qualquer realidade atinente ao excesso de quantificação, porquanto a prova da AT é a montante, e como visto, não foi realizada.

Destarte, a sentença que decidiu no sentido da ilegalidade do ato de liquidação, na parte recorrida, não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso, manter-se na esfera jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



lisboa, 04 de outubro de 2023
(Patrícia Manuel Pires)
(Luísa Soares)
(Ana Cristina Carvalho)
















1) Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso nº 2016/07, de 14 de novembro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt
2) Vide, designadamente, Acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 00235/04.7BEPNF de 25.01.2007.