Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:479/14.3 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/13/2023
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:A Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de administrador de direito da executada originária, o Oponente também exercia de facto a administração, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício no ano aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT e, nessa medida, é de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a execução.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

O Representante da Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, veio em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a oposição judicial deduzida por J......, revertido no processo de execução fiscal n.º.......13, originariamente instaurado contra a sociedade T......., SA, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas («IRC»), referente ao ano de 2006, no valor de € 344.699,62.

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
«I) Com a ressalva da devida vénia e também por melhor entendimento, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito; errando o douto Tribunal a quo quanto à aplicação do disposto nos art.°s 23° e 24, todos da LGT; bem como quanto ao disposto no art.º 204° do CPPT; art. 153° do CPPT, 64.º, 259º e 260.° todos do CSC.
II) Decidiu a douta Sentença a quo pela procedência da oposição por considerar que a AT não cumpriu o ónus probatório que o artigo 24° da LGT lhe impõe, ao não carrear para os autos elementos de prova suficientes para concluir pelo exercício da gerência efetiva da devedora originária por banda do Oponente.
III) No entanto, resulta do probatório e conforme se mostra transcrito no ponto 8º das presentes alegações de recurso, que em 16-06-2006, o Oponente outorgou, em representação da sociedade num "ACORDO DE PAGAMENTO E CONFISSÃO DE DIVIDA COM CLAUSULA DE COMODATO GRATUITO" e ainda, na mesma qualidade, um documento designado "CISAO-FUSAO”. E mais:
- Em 28-06-2006, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a transmissão de quotas da sociedade, constando como sujeito ativo o Oponente;
- Na mesma data, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a fransformação da sociedade em sociedade anónima, constando o nome do Oponente como membro do conselho de administração para o quadriénio de 2006/2009;
- Em 04-05-2007, deu entrada nos serviços da AT uma declaração Modelo 3 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares constando no Anexo A o NIF nº .......9 como Sujeito passivo A e no quadro 7 que este recebeu rendimentos pagos pela entidade com o NIF .......8;
- Em 21/09/2011, o Oponente assinou uma declaração em formulário, na qualidade de administrador da sociedade referida em 1) e no âmbito da ordem de serviço n.º OI201104158, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa em 13/07/2011, através da qual designou um representante para as relações com a administração tributária para coordenar, no decorrer do procedimento inspectivo.
- o Oponente subscreveu uma procuração forense, datada de 31/10/2012, em representação da sociedade.
IV) O artigo 24° da LGT exige a gerência de facto para que possa operar-se a reversão, e, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que aquela gerência de facto não se presume pela gerência de direito, sendo que, como a Lei não define no que consiste a gerência, têm a doutrina e a jurisprudência referido que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes/administradores praticam atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e em representação desta, vinculando-a perante terceiros, atento os contornos normativos que dela é feita nos artigos 252°, 259°, 260°, 408° e 409° do CSC [veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo 06732/13 de 31-10-2013].
V) Assim, é gerente/administrador aquele(s) que exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, praticando atos que traduzem tarefas de fiscalização, aprovação de contratos, pagamentos, assinaturas de diversos documentos que vinculem a sociedade, perante clientes, fornecedores, bancos, Estado e trabalhadores.
VI) Perante o quadro factual resultante do probatório, não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que o Oponente foi nomeado gerente/administrador e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto.
VII) Com efeito, o Oponente outorgou em representação da sociedade devedora originária em diversos atos notariais; declarou auferir rendimentos pagos por aquela e apresentou-se perante a Autoridade Tributária como seu representante no âmbito de um procedimento
inspetivo, motivo pelo qual, estamos perante fatos mais que demonstrativos da gerência efetiva, a qual deve ter-se assim por demonstrada.
VIII) Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos é manifestamente suficiente no sentido de sustentar o exercício efetivo da administração por parte do Oponente, devendo este ser considerado responsável subsidiário pelo pagamento das dívidas da sociedade devedora originária.
IX) Nesta conformidade, fez a douta Sentença errada interpretação da prova e dos factos, e errada subsunção dos factos ao direito, pelo que deverá a mesma ser revogada e proferido Acórdão que considere improcedente a presente oposição.
X) Por fim, e atendendo ao facto de, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 7.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos recursos a taxa ser fixada nos termos da tabela I-B [ainda que pela alínea a) do n.º 1 do art. 15.º do RCP esteja a Fazenda dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça], e tendo sido atribuído à causa o valor de € 344.699,62 Euros, sendo assim superior a 275.000,00 Euros, requer-se desde já a V. Ex.ªs que seja determinada a dispensa do pagamento, a final, do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do mesmo RCP.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Decisão recorrida com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»
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O Recorrido, notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«a) O art. 24º da LGT faz apelo, entre outros aspectos, ao exercício efectivo, material e de facto, de funções de gerente/administrador, que não a uma mera aparência, sem efectivo poder decisório, de administração;
b) A prova de tal exercício impende sobre a AT, sendo que a mesma, por forma a provar um determinado facto, tem de o invocar de forma efectiva e directa, quer quanto á sua conclusão, quer quanto aos factos integrantes da mesma;
c) Os elementos probatórios nos autos, máxime a sentença a que alude o ponto 21 dos factos provados, revela, de forma evidente, que o ora recorrido não tinha poder de decisão, limitando-se a ser um administrador automatizado, accionado em funcionamento por terceiro, algo que não corresponde aos requisitos de administração de facto exigíveis ao caso;
d) Assim, a sentença recorrida efectuou uma ponderação sem macula dos elementos dos autos e a uma impoluta integração no direito aplicável.
Termos em que deve o recurso a que se responde ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!»
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento quanto à subsunção dos factos provados ao regime do artigo 24º da LGT, no tocante à questão da gerência de facto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

«1) A “T......., SA” inicialmente denominada “C........., Ld.ª” é uma sociedade comercial anónima, com sede na Estrada Nacional 10, Km 127, Zona …., A……, freguesia de Alverca do Ribatejo, Concelho de Vila Franca de Xira e Distrito de Lisboa, cujo objecto social é de operador logístico, armazenagem, controle, distribuição, manipulação de embalagens, acondicionamento de mercadorias, transporte rodoviário de mercadorias e aluguer de veículos de mercadorias.
2) Em 16/06/2006, a sociedade “T........., SA”, na qualidade de primeira contratante e a sociedade referida no número anterior, na qualidade de segunda contratante, assinaram um documento, denominado por “ACORDO DE PAGAMENTO E CONFISSÃO DE DIVIDA COM CLAUSULA DE COMODATO GRATUITO”, do qual consta que esta última se encontrava representada, para o acto, pelo conselho de administração, na pessoa de J.........e pelo Oponente, cujas assinaturas se encontram apostas na última página (contrato de fls. 62 a 66 do SITAF).
3) Na mesma data foi lavrada, no Cartório Notarial de Odivelas, escritura pública, intitulada “CISÃO-FUSÃO” da qual constam, como primeira outorgante a sociedade “T........., SA” e como segunda outorgante a sociedade referida em 1), esta representada por J.........e o Oponente, respectivamente nas qualidades de presidente do concelho de administração e administrador, tendo declarado que, por proposta do Conselho de Administração e gerência de ambas as outorgantes, foi elaborado um projecto de cisão-fusão, consubstanciado no destaque, da sociedade cindida e primeira outorgante, de uma parte do seu património, correspondente à unidade logística e distribuição, com o activo e o passivo correspondente, a qual será fundida na sociedade incorporante e segunda outorgante, passando a primeira outorgante a ter a sua sede na mesma morada da segunda outorgante (certidão de escritura pública e documento anexo de fls. 105 a 121 do SITAF).
4) Até à data do aumento de capital, transformação em sociedade anónima, designação de membros de órgãos sociais e mudança da sede da sociedade referida no número anterior, ocorridos com a Insc. 11 da AP. 60/20060628, existiam cinco titulares do capital social da mesma, de entre os quais, o Oponente.
5) Com a Insc. 11 da AP. 60/20060628 do registo comercial da sociedade referida em 1), foi registado que, por deliberação tomada em 16/06/2006, além do mais, a referida sociedade se obriga pela assinatura de dois administradores, sendo uma delas obrigatoriamente a do presidente do conselho de administração ou de um administrador e de um mandatário, sendo a administração composta por um conselho com três membros e tendo os mandatos uma duração de quatro anos.
6) Da mesma Ap. referida no número anterior, consta o registo da designação dos órgãos sociais, para o quadriénio de 2006/2009, tendo sido designados, para o conselho de administração, J.........para o cargo de presidente e J.A........ e o Oponente para o cargo de administradores.
7) Pela Insc. 14 da AP. 4/20060809 da sociedade referida em 1), foi alterada a forma de obrigar a mesma, passando a ser com a intervenção de dois administradores ou de um administrador e de um mandatário.
8) Em 04/05/2007, o Oponente apresentou declaração de IRS (modelo 3), referente ao ano de 2006, em cujo anexo A declarou que recebeu rendimentos da categoria A de ambas as sociedades referidas em 2) (Anexo A de declaração de IRS (modelo 3) de fls. 67 do SITAF).
9) Do Av. 1 da AP. 5/20080702 do registo comercial da sociedade referida em 1), consta o registo da cessação de funções do membro do conselho de administração J.A........, por renúncia datada de 19/06/2008.
10)Da Insc. 16 da AP. 6/20080702 do registro comercial da sociedade referida em 1), consta o registo da designação de M......... para o cargo de administradora do conselho de administração, para o quadriénio em curso.
11)Do Av. 1 da AP. 2/20080826 do registo comercial da sociedade referida em 1), consta o registo da cessação de funções do membro do conselho de administração M........., por renúncia datada de 31/07/2008.
12)Da Insc. 17 da AP. 3/20080826 do registo comercial da sociedade referida em 1), consta o registo da designação de J.A........ para o cargo de administrador do conselho de administração, para o quadriénio em curso.
13)Em 21/09/2011, o Oponente assinou uma declaração em formulário, na qualidade de administrador da sociedade referida em 1) e no âmbito da ordem de serviço n.º OI201104158, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa em 13/07/2011, através da qual designou um representante para as relações com a administração tributária para coordenar, no decorrer do procedimento inspectivo, os contactos com o inspector tributário e assegurar o cumprimento das obrigações legais (declaração de fls. 123 do SITAF).
14)J.........e o Oponente subscreveram uma procuração forense, datada de 31/10/2012, em representação da sociedade referida em 1) (procuração forense de fls. 122 do SITAF).
15)Corre termos, no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, o processo de execução fiscal n.º .......13, instaurado em 08/03/2013, originariamente contra a sociedade referida em 1), com base na certidão de dívida n.º 2013/247400, relativa a IRC, referente ao ano de 2006, no valor de 344.699,62€, cujo prazo para pagamento voluntário terminou no dia 09/02/2013 (autuação de oposição e de processo de execução fiscal e certidão de dívida de fls. 2 do SITAF e fls. 1 a 3 do processo administrativo).
16)Em 14/03/2013 foi assinado o aviso de recepção, referente ao correio postal registado com a referência RQ269305740PT, com a designação de “CITAÇÃO – NOTIFICAÇÃO VIA POSTAL”, do qual consta como remetente o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 e como destinatário a sociedade referida em 1) (aviso de recepção da citação de fls. 30 do SITAF).
17)No âmbito do processo n.º 377/13.8TYLSB, que correu termos no então 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, em 24/06/2013 foi proferida sentença que declarou a insolvência da sociedade referida em 1), fixou a residência do administrador da insolvente, J.A........ e nomeou Administrador de Insolvência (certidão judicial de fls. 20 a 28 do SITAF).
18)Por comunicação com a referência 108126/13, datada de 31/07/2013, enviada pelo Banco Espírito Santo ao Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, foi-lhe comunicado que a sociedade referida em 1) não é sua cliente (comunicação de fls. 34 do processo administrativo).
19)Por comunicação com a referência DOP/DGOLIE (99993) A00007 1893-2013 2013-08-01 (00090350-2013), enviada pela Caixa Económica M……. para o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, foi-lhe comunicado que a sociedade referida em 1) não é sua cliente, não podendo satisfazer o pedido de penhora efectuado por ofício datado de 31/07/2013 (comunicação de fls. 32 do processo administrativo).
20)Em 05/08/2013 foi lavrado auto de penhora de depósitos bancários, do qual consta a penhora do valor de 11.718,95€, da conta de depósito à ordem n.º 3720600344270 da titularidade da sociedade referida em 1) (auto de penhora de depósitos bancários de fls. 35 do processo administrativo).
21)Por comunicações datadas de 02, 05, 06, 07 e 08/08/2013, enviadas pelo B........ao Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, foi-lhe comunicado que a sociedade referida em 1) não é titular de conta bancária na referida Instituição de Crédito (comunicações de fls. 36 a 45 do processo administrativo).
22)Por comunicação com a referência 2013102035, datada de 10/09/2013, enviada pelo Banco ……, SA para o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, foi-lhe comunicado que a sociedade referida em 1) foi declarada insolvente no âmbito do processo de insolvência referido em 17) (comunicação de fls. 80 do processo administrativo).
23)Em data não concretamente apurada, foi proferido despacho a conceder ao Oponente o prazo de 10 (dez) dias para se pronunciar, querendo, sobre a reversão contra si do processo de execução fiscal referido em 15) (despacho para audição (reversão) de fls. 13 e 14 do processo administrativo).
24)Em data não concretamente apurada, foi dado conhecimento ao Oponente do despacho referido no número anterior, por ofício enviado pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 (notificação para audição prévia de fls. 15 e 16 do processo administrativo).
25)Por ofício n.º 7290, datado de 23/09/2013, o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 remeteu, ao 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, o processo de execução fiscal referido em 15), por avocação do processo de insolvência referido em 17) (ofício de fls. 70 do SITAF).
26)Por requerimento que deu entrada, no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, em 25/09/2013, o Oponente pronunciou-se sobre o despacho referido em 23) (requerimento de fls. 32 a 47 do SITAF e fls. 58 a 72 do processo administrativo).
27)Em 15/11/2013, foi elaborada a informação n.º 1512/2013, na qual foi analisado o requerimento referido no número anterior, referindo que a assinatura, pelo Oponente, de um acordo de pagamento e confissão de dívida com cláusula de comodato gratuito e o recebimento, por este, de rendimentos da categoria A, provenientes da sociedade referida em 1), atestam o exercício da gerência de facto pelo Oponente; que a reversão não padece de falta de fundamentação; que a insuficiência bens da sociedade devedora originária se encontra justificada com a declaração da sua insolvência e pela situação líquida negativa constante da última declaração de Informação Empresarial Simplificada, referente ao ano de 2009 e entregue no ano de 2011 e que não caducou o direito à liquidação, nem a dívida se encontra prescrita, propondo a prossecução do procedimento de reversão contra o Oponente (informação de fls. 49 a 61 do SITAF).
28)Sobre a informação referida no número anterior, em 21/11/2013 foi proferido despacho de concordância determinando que se proceda como proposto (despacho de fls. 49 do SITAF).
29)Em data não concretamente apurada, foi proferido despacho a ordenar a reversão do processo de execução fiscal referido em 15) contra o Oponente, do qual consta, designadamente, o seguinte (despacho de reversão de fls. 27 e 28 do processo administrativo):
“(…)
DESPACHO
Face às diligências de fls. __, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra J...... (…) na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
(…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Fundamentos de emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23.º/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).;
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais).
(…)”
30)Em 17/12/2013 foi enviada, ao Oponente uma comunicação denominada “CITAÇÃO (Reversão)”, por correio postal registado com a referência RQ294630516PT, cujo aviso de recepção foi assinado em 20/12/2013, da qual consta que contra si corre o processo de execução fiscal referido em 15) com vista a cobrança da dívida aí referida para, além do mais, pagar ou apresentar oposição (citação e aviso de recepção de fls. 29 a 31 e 82 do processo administrativo).
31)A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 em 07/01/2014 (carimbo aposto a fls. 3 do SITAF).»
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Não foram considerados provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da presente causa.»
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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:
«A convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e do processo administrativo apenso, conforme indicado por referência a cada um dos factos provados, os quais não foram impugnados.
Em relação aos factos provados 1), 4) a 7) e 9) a 12), a convicção do Tribunal baseou-se na consulta oficiosa e pública dos actos societários da entidade com o número de pessoa colectiva .......8, publicados no sítio https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx e em https://publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx.»

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II.2. Enquadramento Jurídico

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente oposição procedente e, consequentemente, declarou a extinção do processo de execução fiscal contra o oponente.


Inconformado, o Representante da Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão, alegando, erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito; errando o Tribunal a quo quanto à aplicação do disposto nos art.°s 23° e 24, todos da LGT; bem como quanto ao disposto no art.º 204° do CPPT; art. 153° do CPPT, 64.º, 259º e 260.° todos do CSC.

- Erro de julgamento da matéria de facto

Antes de mais, importa referir que embora a recorrente impute à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto a verdade é que não cumpre com os ónus previstos no art. 640º do CPC.
No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa.
Na realidade, extrai-se das conclusões de recurso, que aquilo que a recorrente discorda é das ilações que foram tiradas da factualidade provada, pois entende que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, carreou para os autos elementos de prova suficientes para se concluir pelo exercício da gerência de facto por parte do oponente.
Ora, cabe ao tribunal apreciar livremente a prova.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas.
Pelo que improcede o presente fundamento de recurso.

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- Do alegado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, em particular, o requisito da gerência efectiva –

Em execução estão dívidas provenientes de IRC referentes ao ano de 2006, cuja responsabilidade foi inicialmente imputada pela administração fiscal à executada devedora originária. Tal significa que estão em causa dívidas cujo facto tributário ocorreu na vigência da LGT que entrou em vigor em 01.01.99, pelo que o diploma legal aplicável à efectivação da responsabilidade subsidiária é o vigente à data do facto tributário correspondente.

Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.

A questão a decidir no presente recurso é, portanto, a de saber se a sentença sofre deste erro de julgamento, ou seja, se a Fazenda Pública cumpriu o ónus da prova dos pressupostos responsabilidade subsidiária, sabendo-se que «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência».(neste sentido vide Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 1132/06 (reiterado posteriormente pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12).

Aqui chegados, retornemos à análise da situação concreta.

Como já vimos, as dívidas exequendas em causa nos presentes autos são dívidas de IRC e respeitam ao exercício de 2006, inicialmente exigidas à sociedade «T......., SA».

Não é facto controvertido que pela Ap.60/20060628 o oponente foi nomeado administrador da sociedade devedora originária, cfr. facto nº 6 do probatório.

Na mesma Ap.60/20060628 foi registado que a devedora originária, vinculava-se/obrigava-se pela assinatura de dois administradores, sendo um deles obrigatoriamente a do presidente do conselho de administração ou de um administrador e de um mandatário, sendo a administração composta por um conselho com três membros e tendo os mandatos uma duração de quatro anos.

Cumpre salientar que o oponente foi nomeado para o quadriénio de 2006/2009 já em Junho de 2006, como supra referimos, quando a dívida exequenda em causa nos presentes autos respeita a IRC do ano de 2006.

Alega a recorrente que resulta do probatório, que em 16-06-2006, o Oponente outorgou, em representação da sociedade num "ACORDO DE PAGAMENTO E CONFISSÃO DE DIVIDA COM CLAUSULA DE COMODATO GRATUITO" e ainda, na mesma qualidade, um documento designado "CISAO-FUSAO”. E mais:
- Em 28-06-2006, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a transmissão de quotas da sociedade, constando como sujeito ativo o Oponente;
- Na mesma data, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a fransformação da sociedade em sociedade anónima, constando o nome do Oponente como membro do conselho de administração para o quadriénio de 2006/2009;
- Em 04-05-2007, deu entrada nos serviços da AT uma declaração Modelo 3 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares constando no Anexo A o NIF nº .......9 como Sujeito passivo A e no quadro 7 que este recebeu rendimentos pagos pela entidade com o NIF .......8;
- Em 21/09/2011, o Oponente assinou uma declaração em formulário, na qualidade de administrador da sociedade referida em 1) e no âmbito da ordem de serviço n.º OI201104158, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa em 13/07/2011, através da qual designou um representante para as relações com a administração tributária para coordenar, no decorrer do procedimento inspectivo.
- o Oponente subscreveu uma procuração forense, datada de 31/10/2012, em representação da sociedade.

Contudo, tal factualidade, em nada abala a posição expressa na sentença recorrida, no sentido que a Fazenda Pública não demonstrou o exercício da gestão de facto por parte do oponente, como veremos de seguida.

Quanto aos dois últimos factos apontados não nos pronunciaremos sobre os mesmos, uma vez que, para além do mais, são factos ocorridos em 2011 e 2012, pelo que não teriam a virtualidade de provar a gerência de facto do oponente no ano de 2006.

Vejamos o que se escreveu na sentença recorrida sobre esta matéria:

«Mais ficou provado que a reversão contra o Oponente se baseou na data da nomeação para o cargo de administrador constante da certidão do registo comercial da sociedade devedora originária, fazendo alusão aos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT (vd. facto provado 29)).
Donde resulta que a administração tributária estabeleceu a administração de facto do Oponente com base, primeiramente, na sua nomeação para o cargo de administrador, constante do registo comercial da sociedade devedora originária e seguidamente, pelo facto de este ter declarado, na declaração de IRS (modelo 3), Anexo A, referente ao ano de 2006, que havia recebido remunerações da categoria A, provenientes da sociedade devedora originária (vd. facto provado 20)).
Porém, não são os sobreditos indícios susceptíveis de estabelecer a administração de facto do Oponente.
Com efeito, como se referiu supra, o facto de o nome do Oponente constar, na qualidade de administrador, no registo comercial da sociedade devedora originária, apenas conduz à conclusão que este foi nomeado administrador de direito, desde 16/06/2006, não permitindo concluir, por si só, que o Oponente exerceu, de facto, o correspondente cargo, o que, sendo um mero indício, não conduz a uma qualquer presunção do exercício da administração de facto.
Por outro lado, o facto de o Oponente ter declarado que recebeu rendimentos da categoria A, provenientes da sociedade devedora originária, por si só ou adicionado com a sua nomeação de administrador de direito, também não é susceptível de estabelecer o exercício de facto do referido cargo, porquanto tal não significa que as mesmas tenham sido efectivamente pagas, podendo apenas ter sido elaborada a escrita com essa menção, por diversos motivos contabilísticos, ou até para o início da construção de histórico contributivo.
E mesmo que tais remunerações tenham sido pagas e recebidas, tal facto não passa de um indício, a partir do qual se poderá pressupor que a Oponente terá exercido o cargo de administrador de facto, mas não é suficiente, por si só ou em conjunto com os outros indícios já analisados, para realizar essa prova, porquanto e como também já se referiu, a gerência/administração de facto não se presume.
Por outro lado, também não é possível estabelecer a administração de facto, ligando-os a outros documentos existentes nos presentes autos, mormente a assinatura conjunta de um acordo de pagamento e confissão de dívida com cláusula de comodato gratuito, de uma escritura pública de cisão-fusão entre a sociedade devedora originária e uma sociedade pertencente ao mesmo grupo de sociedades familiares, de uma procuração forense e de uma declaração em formulário, para o efeito de estabelecimento de contactos com a inspecção tributária, no decorrer de uma acção inspectiva (vd. factos provados 2), 3), 13) e 14)).
Como se disse, tais actos não constituem actos de gerência/administração relevantes para este efeito.
Efectivamente os actos de gerência/administração relevantes, são aqueles em que o gerente/administrador representa a sociedade perante terceiros, ou seja, aqueles em que o gerente/administrador “dá a cara”, em nome e no interesse da sociedade, perante fornecedores, clientes trabalhadores, entidades bancárias, entre outros, não relevando, por conseguinte, a mera assinatura de um documento ou mesmo de vários documentos, elaborados ao abrigo de uma obrigação legal, como é o caso da assinatura aposta numa declaração em formulário da inspecção tributária e numa procuração forense.
Aliás, este último acto só teria relevo para a aferição da administração de facto, se tivesse sido outorgado para o Oponente ser substituído na administração diária, ou para a prática de actos de representação externa da sociedade devedora originária, o que não ocorre nos presentes autos, por se tratar de uma simples procuração forense com a atribuição de poderes gerais a advogado, o que a torna irrelevante para efeito da reversão de dívidas tributárias (neste sentido, Ac. TCAS de 14/03/2019, proc. n.º 07377/14, refere: “(…) o relevo do uso de procuração em termos de prova do exercício dos poderes de gerência verifica-se quando o gerente passa uma procuração a terceiro para o substituir na prática de actos de administração ou representação da sociedade em causa. No caso concreto, não nos encontramos perante tal tipo de procuração, antes estamos perante uma procuração forense passada a advogados e com vista à concessão dos poderes necessários para movimentar processos judiciais, nomeadamente, o presente, tal como o acesso a informação de natureza fiscal relativa à sociedade executada originária. Com base na examinada procuração os advogados nomeados não podiam, manifestamente, substituir o opoente na prática de actos de administração ou representação da sociedade em causa, enquanto na sua gestão corrente.”).
E o acordo de pagamento e reconhecimento de dívida com cláusula de comodato gratuito, assim como a escritura pública de cisão-fusão, não passam de actos de mera gestão (e não de representação), na medida em que foram celebrados entre duas sociedades que se podem considerar do mesmo “grupo” de empresas familiares, nomeadamente do Oponente, dos seus pais e dos seus tios.
Empresas que ostentam a mesma denominação social, sendo a sociedade devedora originária a empresa 2, situadas na mesma sede, com transmissão de uma parcela de património de uma para a outra e os administradores de ambas têm relações de parentesco entre si, o que denota a realização de negócios entre os vários intervenientes familiares, no âmbito do planeamento de gestão de ambas as empresas, que não se pode considerar a exteriorização da vontade de uma pessoa colectiva perante terceiros.»

Concorda-se com o decidido.
A reversão contra o oponente, ora recorrido, baseou-se na data da nomeação para o cargo de administrador constante da certidão do registo comercial da sociedade devedora originária que, como vimos, ocorreu já em Junho de 2006, quando o exercício em causa nos presentes é somente e precisamente o ano de 2006.

Na verdade, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal relativa (“juris tantum”) da existência da situação jurídica nos termos em que a inscrição a define, “ex vi” do artigo 11.º do Código do Registo Comercial.

Dos autos resulta que o Oponente outorgou em 16/06/2006 em representação da sociedade um “Acordo de pagamento e confissão de dívida com cláusula de comodato gratuito” e um documento designado “Cisão-Fusão”.

Consta, ainda, dos autos que o oponente declarou no Modelo 3 do IRS que recebeu rendimentos pagos pela sociedade devedora originária.

Aqui chegados, vejamos se a factualidade indicada pela recorrente se consubstancia em verdadeiros actos de gerência.

Ora, o facto de ter resultado provado que a oponente assinou um ou outro documento relativo à devedora originária, não altera a conclusão extraída na sentença recorrida porque a assinatura pontual de um ou outro documento não revela de per si e atenta a demais factualidade provada que tenha havido exercício efectivo de funções, exercício esse que, como mencionado, pressupõe a prática reiterada e com carácter de continuidade de actos de administração.

Por outro lado, o facto do oponente ter declarado rendimentos pagos pela sociedade devedora originária, conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, não é incompatível com uma administração nominal ou de direito (veja-se o Acórdão do TCAN de 10/11/2016, Proc.00313/11.6BEBRG, disponível em www.dgsi.pt).

Em face do que ficou dito, resulta que a Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de administrador de direito da executada originária, o Oponente também exercia de facto a administração, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício no ano aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º da LGT e, nessa medida, é de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a execução.

A sentença que assim decidiu, não enferma, portanto, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.


Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 344.699,62.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.


Lisboa, 13 de Setembro de 2023


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Hélia Gameiro Silva]