Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:650/12.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO VS REGIME DE CONTABILIDADE ORGANIZADA
REENQUADRAMENTO OFICIOSO
IMPOSIÇÃO LEGAL
AFERIÇÃO DO TRIÉNIO
Sumário:I-A regra do nosso sistema fiscal é o lucro ser apurado com base na contabilidade, donde o regime simplificado constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada.

II-Se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000,00.

III-Se a premissa que levou à alteração e ao reenquadramento oficioso do regime contabilidade organizada para o regime simplificado, concretamente valores limiares respeitantes ao exercício de 2008, não legitimava o aludido reenquadramento, o qual, só estaria legitimado se no ano de 2009, último ano de vigência do triénio os valores ficassem aquém dos limites estabelecidos para a imposição automática no regime de contabilidade organizada, tal determina que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

l – RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J. M. e M. M., tendo por objeto a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2012 5000002061 e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios (JC), referentes ao ano de 2010, no valor total de € 31.390,87.


***

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 22/02/2021, a qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação do acto de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2012 5000002061 e do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2012 1520 , referentes ao período de tributação de 2010, que constam da demonstração de acerto de contas n.º 2012 24170, da qual resultou o imposto a pagar de € 31.390,87 (trinta e um mil, trezentos e noventa euros e oitenta e sete cêntimos).

B. A Representação da Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal “a quo” foi baseada numa errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, padecendo de erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito.

C. Encontra-se demonstrado nos autos de primeira instância que o Impugnante, ora recorrido, no período de tributação de 2010, encontrava-se registado para efeitos fiscais como exercendo a actividade de “instalações eléctricas” (cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196, não sendo tal facto controvertido nos autos).

D. Da prova documental produzida nos autos de primeira instância resulta ainda demonstrado que o Impugnante, ora recorrido, se encontrava enquadrado no regime de contabilidade organizada, para efeitos de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, nos anos de 2006, 2007 e 2008 (cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196, não sendo tal facto controvertido nos autos).

E. Do teor da informação oficial que serviu de fundamento à decisão proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196, resulta ainda demonstrado que o Impugnante, ora recorrido:

i) na declaração anual IES referente ao ano de 2006 declarou vendas de € 37.354,69 e prestações de serviços de €243.534,15;

ii) na declaração anual IES referente ao ano de 2007 declarou vendas de € 50.386,17 e prestações de serviços de €113.877,59;

iii) na declaração anual IES referente ao ano de 2008 declarou vendas de € 59.328,93 e prestações de serviços de €31.475,13;

iv) na declaração anual IES referente ao ano de 2009 declarou vendas de € 49.347,67 e prestações de serviços de €20.773,58.(cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196 e cfr. teor dos documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10 juntos aos autos com o libelo inicial).

F. Mais resulta demonstrado nos autos de primeira instância que o Impugnante, ora recorrido, apresentou a declaração de IRS (modelo 3) referente ao período de tributação de 2009, tendo preenchido o anexo B respeitante aos rendimentos empresariais e profissionais, apurados de acordo com as regras do regime simplificado de determinação do rendimento tributável, tendo declarado na mesma vendas no montante de €70.121.25, não tendo declarado prestações de serviços, indicando ainda no quadro 11 vendas de € 90.804,06 referente ao ano N-1 e de € 164.263,76 referente ao ano N-2 (cfr. teor do documento 6-A junto aos autos com o libelo inicial e cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196).

G. Mais resulta demonstrado nos autos de primeira instância que o Impugnante, ora recorrido, apresentou a declaração de IRS (modelo 3) referente ao período de tributação de 2010, tendo preenchido o anexo B respeitante aos rendimentos empresariais e profissionais, apurados de acordo com as regras do regime simplificado de determinação do rendimento tributável, tendo declarado na mesma vendas no montante de €95.163,75, não tendo declarado prestações de serviços, indicando ainda no quadro 11 vendas de € 70.121,25 referentes ao ano N-1 e de € 90.804,06 referente ao ano N-2 (cfr. teor do documento 6-B junto aos autos com o libelo inicial e cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196).

H. Resulta ainda provado nos autos de primeira instância que a Autoridade Tributária enquadrou oficiosamente o Impugnante, ora recorrido, no regime simplificado de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, com efeitos a 01.01.2009, em virtude de, no período de tributação de 2008, o mesmo não ter ultrapassado, quer quanto ao volume de vendas, quer quanto ao valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B de rendimentos, os montantes previstos no n.º 2 do art. 28.º do CIRS e de não ter optado pela contabilidade organizada nos termos do disposto no n.º 3 e n.º 4, alínea b), do art. 28.º do CIRS (cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196, não sendo tal facto controvertido nos autos).

I. Por outro lado, não constitui facto controvertido nos autos de primeira instância que o Impugnante, ora recorrido, auferiu, no ano de 2010, a título de prestações de serviços, o montante de € 158.375,52 – montante que corresponde ao rendimento bruto apurado na liquidação sindicada nos autos de primeira instância e que esteve na base da determinação do rendimento líquido da categoria B de € 106.662,806 (cfr. consta do teor do documento n.º 3 junto aos presentes autos com o libelo inicial e cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196).

J. Resulta, pois, demonstrado, que a liquidação adicional que o Impugnante, ora recorrido, sindica nos autos de primeira instância, referente ao período de tributação de 2010, limita-se, assim, apenas e tão-só a corrigir o valor das vendas declarado e o valor das prestações de serviços, com base nas declarações periódicas de IVA apresentadas pelo Impugnante, ora recorrido 806 (cfr. consta do teor do documento n.º 3 junto aos presentes autos com o libelo inicial e cfr. consta dos factos descritos na página 2 da informação oficial elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra – 1 em 29/02/2012, que precedeu a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º 1562201204000196).

K. Considerando tais factos, na tarefa hermenêutica de interpretação da norma do artigo 28.º do Código do IRS, de acordo com as disposições legais do n.º 1 do art. 11.º da LGT e do n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, dever-se-á, partindo da letra da lei, atender à unidade do sistema jurídico e atentar no elemento teleológico, considerando o fim e objectivo que presidiram à elaboração da norma.

L. Do disposto no art. 28º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, resulta que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso de imputação prevista no art. 20º do mesmo código, se faz com base na aplicação das regras do regime simplificado ou com base nas regras do regime de contabilidade organizada (nº 1), ficando abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites indicados no nº 2 e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

M. Não pode olvidar-se que, desde a génese da concepção do regime simplificado de tributação e até aos dias de hoje, para os sujeitos passivos que tenham o montante anual ilíquido de rendimentos da categoria B que não excedam os limites consagrados no nº.2 do art. 28.º do Código do IRS, o regime-regra é o regime simplificado, tendo o regime de contabilidade organizada aplicação no caso de haver declaração expressa de opção nesse sentido pelo sujeito passivo. Se o sujeito passivo nada disser, fica, portanto, enquadrado no regime simplificado de tributação.

N. Com efeito, com a alteração introduzida ao n.º 5 do art. 28.º do Código do IRS pela 53-A/2006 de 29/12, assistimos a uma mudança de paradigma relativamente a esta matéria: tal alteração veio no sentido de desonerar o contribuinte da obrigação de opção anual caso pretendesse ficar no regime da contabilidade (necessariamente por ali não estar por obrigação legal), passando qualquer um dos regimes a ter um prazo de três anos prorrogável.

O. Assim, com a redacção conferida ao artigo 28.º do Código do IRS pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – a aplicável ao caso concreto por ser a vigente à data dos factos-, caso tivesse existido opção por este regime da contabilidade, a mesma seria válida por três anos, prorrogáveis.

P. Pelo supra exposto, e face à evolução normativa do artigo 28.º do CIRS, é indubitável concluir que, desde a génese da criação do regime simplificado de tributação: i) o normativo do art. 28.º do Código do IRS, consagra limites legais, que uma vez não atingidos por referência ao período de tributação anterior, conduzem a que o sujeito passivo, não optando pela contabilidade organizada, seja tributado de acordo com o regime simplificado;

ii) o normativo do art. 28.º do Código do IRS, consagra um regime de opção pela contabilidade organizada e não inversamente, uma opção pelo regime simplificado; ii) existe uma necessária ligação entre os n.ºs 5 e 6 do art. 28.º do Código do IRS, que advém da redacção conferida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, que estabelecia um período mínimo de permanência no regime simplificado (n.º 5), existindo, por isso, a necessidade de estabelecer uma excepção a essa regra no caso se o sujeito passivo ultrapassar em dois anos consecutivos o limite previsto no n.º 2 ou apenas num ano, caso em que o sujeito passivo teria que ultrapassar 25% desse limite (n.º 6).

Q. Com efeito, todo o dispositivo legal do artigo 28.º do Código do IRS tem uma sequência lógica e sistemática:

i) começa por indicar quais os regimes de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, indicando que não sendo ultrapassado determinado montante anual ficam os sujeitos passivos obrigatoriamente abrangidos pelo regime simplificado; ii) de seguida, é estipulado que, ainda que estando no regime simplificado, podem os sujeitos passivos fazer opção pela contabilidade, necessariamente em determinados momentos temporais; iii) caso exista a opção, então, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12 – a que se aplica ao caso concreto - o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes é de três anos, prorrogável por iguais períodos, a não ser que, no final de cada um destes períodos de três anos, o sujeito passivo venha optar pelo outro.

R. Pelo exposto, resulta do normativo do art. 28.º do CIRS que apenas se pode estar no regime da contabilidade de duas maneiras: i) porque se optou, ou ii) por a ele se estar obrigado, atento o volume de rendimentos – efetivo ou estimado (no ano de início).

S. Obviamente, não se optando, nem se atingindo os rendimentos necessários está-se no regime simplificado – é o que resulta do disposto nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 28.º do CIRS.

T. Assim, o n.º 6 do art.º 28.º do CIRS, apenas prevê a passagem do regime simplificado para o regime da contabilidade e não o inverso, precisamente porque, pelo n.º 2, caso não exista opção, e não seja atingido o volume de rendimentos, sempre o sujeito passivo estará enquadrado no regime simplificado.

U. Voltando ao caso concreto, conforme supra mencionamos, resulta demonstrado pela prova documental produzida nos autos de primeira instância, que o Impugnante, ora recorrido, estava enquadrado nos anos de 2006, 2007 e 2008, no regime da contabilidade organizada em virtude do valor ilíquido dos rendimentos de categoria B ser superior ao legalmente previsto (cf. al. b) do n.º 2 do art 31.º do Código do IRS, na redacção em vigor pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12).

V. Por outro lado, resulta demonstrado que no ano de 2009 o Impugnante ficou enquadrado no regime simplificado, em virtude de o montante anual líquido de rendimentos da categoria B declarado no ano de 2008 não ultrapassar o limite legal previsto no n.º 2 do art. 28.º do Código do IRS (na redacção conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12), bem como atento o facto de o Impugnante, ora recorrido, não ter feito opção, dentro do prazo legalmente previsto, pelo regime da contabilidade organizada.

W. Assim, e com base no supra exposto, não tendo o Impugnante, ora recorrido, efectuado uma expressa opção pelo regime de contabilidade organizada, como método de determinação da matéria colectável, em sede de IRS, dos rendimentos de categoria B, não releva o período de três anos de permanência, susceptível de renovação, consagrado no nº. 5 do art. 28.º, do CIRS, na redacção vigente até à data da entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12.

X. Pelo contrário, a aplicação do regime de contabilidade organizada cessou quando se verificaram os pressupostos legais de emprego do regime simplificado, portanto, em 2009, atento o montante ilíquido de rendimentos da categoria B que teve no ano anterior, tudo por força da aplicação do nº. 2 do art. 28.º do CIRS, norma que consagra o regime-regra, conforme supra explanado.

Y. Pelo que, o Douto Tribunal “a quo”, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 do artigo 28.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”


***

Os Recorridos devidamente notificados para o efeito, optaram por não apresentarem contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público, promoveu que fosse negado provimento ao recurso.

***

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

***

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“A) O impugnante marido, J. M., no triénio de 2006/2008 esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada – facto não controvertido.

B) Nos exercícios do triénio 2006/2008 o valor total dos proveitos registados na atividade profissional do impugnante J. M. cifrou-se em € 280.976,24 no exercício de 2006; € 164.263,76 em 2007 e € 150.804,08 em 2008 – cf. docs. 7, 8 e 9 juntos à p.i.

C) No exercício de 2009 o impugnante obteve proveitos no valor de € 160.121,25 – cf. doc. 10 junto à p.i.

D) Do registo cadastral do sujeito passivo marido consta que possui contabilidade “organizada por opção informatizada”, com enquadramento, para efeitos de IR, no regime simplificado de 01.01.2009 a 31.12.2011 – cf. doc. 5 junto à p.i.

E) O enquadramento referido na alínea que antecede resulta de alteração oficiosa em 22.12.2009 do regime de contabilidade organizada para o regime simplificado – facto não controvertido.

F) Em 30.05.2011 os ora impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, com os anexos B, e H, sendo o anexo B, relativo à atividade do sujeito passivo A (o aqui impugnante marido), resultando desta declaração o apuramento de reembolso no montante de € 254,04 – cf. doc. 6-B junto com a p.i. e fls. 15 do PAT apenso.

G) No Anexo B à modelo 3 referida na alínea que antecede o impugnante indicou o valor de € 95.163,75 de venda de mercadorias e produtos, mais indicando, no quadro 11, vendas de € 70.121,25 no ano “N-1” e de € 90.804,06 no ano “N-2” – cf. doc. 6-B junto com a p.i.

H) Por ofício do Serviço de Finanças de Sintra 1, de 24.11.2011, o impugnante foi notificado, para efeitos de audição prévia, sobre a existência “incorrecção(ões)” na declaração de IRS referida em G), no que ao caso releva, nos seguintes termos:

«Terá que se dirigir a este Serviço de Finanças (NIF 100208991) com as facturas passadas no ano de 2010 a comprovar os valores de 85.163,75 euros, pois nas DP’S de IVA mencionou 158.375,52 euros, assim como se tratar de venda de material pois está coletado como electricista.

Deste modo, fica V. Ex.a notificado de Intenção de se efectuarem a(s) seguinte(s) correcção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3

[…]» – cf. doc. 3 junto com a p.i.

I) Em 21.12.2011 o impugnante marido reagiu contra a alteração de enquadramento referida em E) através do pedido de revisão previsto no art.º 78.º da LGT – cf. fls. 28/29 do PAT apenso.

J) Em 21.12.2011 foi elaborada a “declaração oficiosa/DC” relativa aos rendimentos do ano de 2010, em cujo anexo B foi preenchido o campo 403 do quadro 4 com o valor de € 158.375,52 – cf. fls. 35 a 37 do PAT apenso.

K) Em 27.12.2011 o impugnante foi notificado da “Conclusão da divergência relativa à Declaração Modelo 3 de 2010”, referindo que a mesma foi regularizada e que “não será necessário deslocar-se ao Serviço de Finanças para prestar esclarecimentos” – cf. doc. 3 junto com a p.i.

L) Por ofício n.º 21229, de 12.03.2012, foi o impugnante notificado da decisão de indeferimento do pedido de revisão referido em I), com data de 17.02.2012, e que continha a seguinte menção:

“deste despacho poderá recorrer hierarquicamente no prazo de 30 (trinta) dias, ou impugnar judiciaimente no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da notificação, nos termos, respectivamente do n.º 2 dos art.ºs 66.º e da alínea e) do n.º 1 do art.º 102.º ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário” – cf. fls. 28 a 31 do PAT.

M) Ato impugnado: Em 02.01.2012 foi emitida a liquidação n.º 2012 5000002061 que apurou a quantia total de € 31.380,77 a pagar, sendo € 30.968,37 referentes a imposto e € 676,56 a juros compensatórios, resultando a pagar, após compensação, a quantia de € 31.390,67 – cf. doc. 2 junto com a petição inicial.

N) Em 27.01.2012 o ora impugnante marido apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada em M), invocando, em síntese, como na presente impugnação judicial, o erróneo enquadramento no regime simplificado e a consequente errónea quantificação do imposto – cf. fls. 2 e sgts. do processo de reclamação graciosa (RG) apenso.

O) Por despacho de 14.05.2012 a reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos constantes do projeto de decisão e que, em síntese, assentou no entendimento de “a pretensão do reclamante… não se encontrar legalmente previst[a], nos termos do artº 28º e 31º do CIRS, e ainda de acordo com as instruções e definições constantes do ofício circulado 030033” – cf. fls. 57 a 63 da RG apensa.


***

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

1) Que aquando da submissão das declarações modelo 3 relativas aos anos de 2009 e 2010 os impugnantes obtinham sempre mensagem de erro, o que impedia a submissão das respetivas declarações (cf. art.º 11.º da p.i.)


***

A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, na posição assumida pelas partes nos articulados, nos casos em que a factualidade foi julgada como não controvertida e, no que respeita ao facto julgado não provado, resulta de sobre o mesmo não ter sido apresentado qualquer elemento de prova.


***
Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

A) Desde, pelo menos o ano de 2001, J. M. exerce a atividade empresarial com o Código CAE 43210 encontrando-se enquadrado, por imposição automática e legal, no regime de contabilidade organizada (facto não controvertido, facto que se extrai do teor do PA, mormente, da informação instrutora da reclamação graciosa; facto que se extrai da decisão arbitral junta aos autos e não impugnada);

B) Nos exercícios de 2006 a 2008, J. M., declarou vendas, prestações de serviços, variação de produção e ganhos financeiros, conforme discriminação que infra se descreve
Exercício VendasPrestações de ServiçosVariação de ProduçãoGanhos Financeiros
200637.354,69243.543,154.850,0087,33
200750.386,17113.877,5945.000,00---
200859.328,9331.475,1360.000,000,02
(cfr. declarações e IES juntas à p.i., a fls. 43 a 69 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


***

III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2010, determinando a sua anulabilidade.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, estava legitimado o reenquadramento oficioso do sujeito passivo no triénio de 2009 a 2011, no regime simplificado face à, alegada, não ultrapassagem dos limites consignados no artigo 28.º, nº2 do CIRS no ano de 2008, e por omissão de declaração expressa para apuramento dos rendimentos empresariais através da contabilidade organizada.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, não requerendo qualquer aditamento, alteração ou mesmo supressão ao probatório, limitando-se a convocar erros atinentes à valoração fática, e a tecer considerandos concernentes à prova carreada aos autos, sem daí retirar qualquer ilação e cominação atinente ao efeito. É certo que nas conclusões C) a H) convoca matéria de facto, no entanto nada retira em termos de concreta alteração do probatório ou mesmo aditamento. Ademais, por um lado, a generalidade dessas asserções fáticas já se encontra vertida no probatório, e por outro lado, carecem de relevo para a presente lide na medida em que não concatenadas com a fundamentação contemporânea do ato e conforme se apreciará em sede própria.

E por assim ser, a matéria de facto mantém-se inalterada, ressalvadas as alterações consignadas por este Tribunal ao abrigo dos seus poderes de cognição.

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se procede o erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo não realizou a correta interpretação jurídica do disposto no artigo 28.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, na medida em que desde a génese da conceção do regime simplificado de tributação e até aos dias de hoje, para os sujeitos passivos que tenham o montante anual ilíquido de rendimentos da categoria B que não excedam os limites consagrados no nº 2, do artigo 28.º, do Código do IRS, o regime-regra é o regime simplificado, tendo o regime de contabilidade organizada aplicação no caso de haver declaração expressa de opção nesse sentido pelo sujeito passivo.

Mais sufraga que, com a redação conferida ao artigo 28.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, apenas se tivesse existido opção por este regime da contabilidade, a mesma seria válida por três anos, prorrogáveis, o mesmo não sucedendo nos casos de imposição legal.

Densifica, depois, por reporte à factualidade dos autos que resulta demonstrado, in casu, que o Recorrido estava enquadrado nos anos de 2006, 2007 e 2008, no regime da contabilidade organizada em virtude do valor ilíquido dos rendimentos de categoria B ser superior ao legalmente previsto, e que o seu reenquadramento, oficioso, no ano de 2009 no regime simplificado se materializou, por virtude de o montante anual líquido de rendimentos da categoria B declarado no ano de 2008 não ultrapassar o limite legal previsto no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, e bem assim pela circunstância de não ter optado, dentro do prazo legalmente previsto, pelo regime da contabilidade organizada.

Logo, ter-se-á de concluir que inexistindo no caso sub judice, uma expressa opção pelo regime de contabilidade organizada, como método de determinação da matéria coletável, em sede de IRS, dos rendimentos de categoria B, não releva o período de três anos de permanência, suscetível de renovação, consagrado no nº. 5 do artigo 28.º, do CIRS.

Assim o não entendeu o Tribunal a quo ajuizando, para o efeito, que a aplicação do regime geral (de contabilidade organizada), em que estava enquadrado o Impugnante, ora Recorrido, para efeitos de determinação dos rendimentos da categoria B, só poderia cessar por manifestação de vontade do mesmo, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 28.º do CIRS, o que, in casu, não sucedeu, pelo que o período de permanência naquele regime (de contabilidade organizada) foi prorrogado, ope legis, por mais três anos.

Concluindo, assim, que: “[n]ão tendo manifestado intenção de alterar tal status quo nos termos em que tal lhe era permitido (cf. n.º 4 do art.º 28.º do CIRS), não havia como aplicar-lhe o regime simplificado, pois que o n.º 5 do artigo 28.º do CIRS prevê a prorrogação do regime de enquadramento vigente (cujo período mínimo de manutenção é de 3 anos) por iguais períodos, exceto se o sujeito passivo comunicar no sentido da respetiva alteração, não se colocando aqui a questão dos limites previstos no n.º 2 do art.º 28.º, ou seja, independentemente do volume de vendas, porque estamos perante uma situação de enquadramento no regime geral – de contabilidade organizada – e não do regime supletivo – designado regime simplificado.”

Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente, no atinente à interpretação que propugna quanto ao âmbito e extensão do artigo 28.º, nº 5 do CIRS.

Tendo presente que a questão em contenda, como visto, reconduz-se à interpretação jurídica do artigo 28.º do CIRS, mormente, nas situações em que não existe uma opção expressa por parte do contribuinte, e tendo presente que por acórdão do Plenário do STA, datado de 26 de maio de 2021, prolatado no âmbito do processo n.º 847/14.0BEALM foi uniformizada jurisprudência quanto à interpretação do referido normativo, eximimo-nos, em ordem, desde logo, ao consignado no artigo 8.º do Código Civil, de expender considerações adicionais acolhendo a fundamentação jurídica nele constante, passando, por isso, a transcrever a fundamentação jurídica na parte que para os autos releva:

“A questão que é suscitada no presente recurso prende-se com a interpretação do disposto no artigo 28º, nº 5, do CIRS, na redação em vigor à data dos factos (2010/2012), e consiste em saber se nos casos em que o contribuinte não manifesta qualquer opção por um dos regimes, verificados que estejam os respetivos requisitos substanciais, se se deve observar o período mínimo de permanência de três anos. E mais especificamente, se estando o contribuinte integrado no regime de contabilidade, por imposição legal, e não tendo ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 150 000, conforme previsto no nº 2 do art. 28º do CIRS, deve ou não ser integrado no regime simplificado, independentemente do período de permanência no regime de contabilidade.

Este tribunal tem sido chamado a pronunciar-se por várias vezes sobre a aplicação do regime previsto no artigo 28º do CIRS, ainda que sobre questões distintas (e designadamente a propósito da relevância da opção manifestada pelo contribuinte e da sua permanência). De todas as formas, e em face da redação do nº 5 do artigo 28º do CIRS, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o STA tem-se pronunciado no sentido de se observar a permanência de um período de 3 anos em cada um dos regimes, prorrogável por idêntico período, independentemente da necessidade de opção manifestada pelo contribuinte – cfr. acórdão de 28/11/2018, proc. 0912/12.9BELRS, e mais recentemente, entre outros, o acórdão de 10/03/2021, proc. 0771/14.7BEALM.

Também no acórdão de 05/02/2020, proferido no processo nº 0759/14.8BEALM, o STA entendeu que “a inclusão automática ou por obrigação legal no regime geral encontra-se sujeita à regra de validade por três anos (exercícios) estabelecida ao tempo no art. 28º, nº 5, do CIRS”.

Dispunha à data o artigo 28.º do CIRS sob a epígrafe “Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais”:

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos:

a) Na declaração de início de actividade;

b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.

6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.

(…)

Esta norma regulava a forma de determinar os rendimentos profissionais e empresariais para efeitos de imposto sobre o rendimento por via de dois regimes distintos:

-um, o da contabilidade organizada, para todos aqueles que no período de tributação imediatamente anterior tenham ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150.000€;

-outro, o do regime simplificado, para todos aqueles que no período de tributação imediatamente anterior não tenham ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 150.000€.

Enquanto que ao regime de tributação simplificado só era permitido o acesso aos segundos, já no que toca ao regime de contabilidade organizada era permitido o acesso a todos os contribuintes, independentemente do montante dos rendimentos, desde que nisso manifestassem interesse, cfr. n.º 3.

Ou seja, o regime de contabilidade organizada, automático, era sempre obrigatório para os primeiros e facultativo para os segundos; o regime simplificado, automático, era apenas aplicável aos segundos, desde que estes não tivessem manifestado interesse em estar enquadrados pelo regime da contabilidade organizada.

Estes regimes de tributação, em função das opções dos contribuintes e dos montantes anuais ilíquidos dos rendimentos, tinham uma duração mínima de 3 anos, cfr. n.º 5, a não ser que o contribuinte manifestasse interesse num enquadramento diferente em função dos rendimentos anuais ilíquidos do período de tributação anterior e das previsões para o ano seguinte ou, quando, e apenas relativamente àqueles que se encontravam enquadrados pelo regime simplificado, por força da lei, cfr. n.º 6, o enquadramento devesse ser feito para o regime da contabilidade organizada por força do montante dos rendimentos anuais ilíquidos dos períodos de tributação anteriores.

Portanto, a “obrigatoriedade” de permanência em cada um dos regimes, era sempre de 3 anos, só cessando após o decurso desse período (período este que foi estabelecido pelo legislador para permitir estabilidade na tributação dos rendimentos de modo a que os contribuintes pudessem saber a qualquer momento quais as regras que se aplicavam ao seu caso concreto) ou por força da lei, ou por vontade do próprio contribuinte, ou ainda prorrogando-se por período de igual duração, cfr. n.º 5.

Na verdade, o legislador não distinguiu no n.º 5, relativamente a cada um dos modos de tributação do rendimento que resultem de imposição legal, prazos de permanência diferentes, apenas a opção do contribuinte é determinante para que essa permanência se possa prolongar para além do prazo de 3 anos, desde que respeitados os requisitos legalmente previstos.

Como também é jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, do disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRS resulta (salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º do mesmo Código) que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais se faz com base na aplicação das regras do regime simplificado ou com base nas regras do regime de contabilidade organizada, ficando abrangidos pelo regime simplificado em cada ano os sujeitos passivos que não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites indicados no n.º 2 daquela disposição legal e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade (assim vide, a título de exemplo, os Acórdãos deste STA proferidos a 27 de Janeiro de 2010 no Processo n.º 0906/09 e a 4 de Novembro de 2015 no Processo n.º 0877/15).

Assim o é porque, como bem resulta das palavras de Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 2006, Almedina, p. 73, “a regra do nosso sistema fiscal é o lucro ser apurado com base na contabilidade”, caso em que “a matéria colectável de imposto corresponderá então ao resultado contabilístico dessa actividade (art. 29.º, n.º 1), depois de “corrigido” segundo as prescrições da lei fiscal”. Paralelamente, o regime simplificado constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada. Como ensinava SALDANHA SANCHES (Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001), o regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade, sendo uma das situações em que a lei atribui relevância à sua vontade e em que ele pode optar pelo regime que considera mais favorável. – cfr. acórdão datado 03-07-2019, recurso n.º 0361/13.1BELRS.

Portanto o presente preceito deve ser lido do seguinte modo:

se o contribuinte opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada sem que os seus rendimentos anuais ilíquidos ultrapassem o montante referido no n.º 2 permanecerá sempre em tal regime até que comunique nos termos do n.º 5 a alteração do regime de tributação;

se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6;

se o contribuinte não opta de início, ou posteriormente, pela contabilidade organizada e os seus rendimentos anuais ilíquidos não ultrapassem o montante referido no n.º 2, ficará sempre enquadrado no regime simplificado até que ocorra o circunstancialismo previsto no n.º 6, uma vez verificado este circunstancialismo o contribuinte passa a ser enquadrado pelo regime da contabilidade organizada por um período mínimo de três anos, independentemente do seu volume de rendimento, só regressando ao regime simplificado, se for o caso, cfr. n.º 2, findo que seja esse período de três anos;

se o contribuinte não opta de início, nem posteriormente, por qualquer regime de tributação, mas é enquadrado automaticamente no regime de contabilidade organizada em função do volume do rendimento, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000€ (…)” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo presente a fundamentação jurídica supra expendida, ter-se-á de concluir que não assiste razão à Recorrente nas duas ordens de razão que invoca para alicerçar a sua posição, ou seja, de que o regime regra é o regime simplificado e não o da contabilidade organizada e bem assim que o período legal de três anos de vigência implementado pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, apenas é aplicável caso tenha existido opção expressa pelo sujeito passivo.

Com efeito, do que dimana da jurisprudência uniformizada é que, como visto, mesmo nas situações em que o sujeito passivo não tenha optado, expressamente, pelo regime da contabilidade organizada, isto é, a sua abrangência decorra de uma imposição legal -donde imposição automática em função dos limiares dos rendimentos consignados no artigo 28.º do CIRS- ter-se-á de computar como válida a aplicação desse regime pelo triénio legalmente estabelecido.

Donde, só ao fim de cada período de três anos é que poderá ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, desde que no período de tributação imediatamente anterior não tenha ultrapassado um montante anual ilíquido de rendimentos de 150.000,00€.

Assim, ainda que não se perfilhe, inteiramente, do entendimento preconizado na decisão recorrida porquanto no caso inexistiu uma opção expressa do Recorrido no âmbito do regime de contabilidade organizada, a verdade é que o sentido decisório se afigura correto na medida em que o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

E isto porque, contrariamente ao propugnado pela Recorrente, a limitação ao período mínimo de permanência estabelecido no artigo 28.º, nº5 do CIRS aplica-se indistintamente aos dois regimes, sendo que, como veremos, o ano de 2008 se encontrava abrangido por esse período legal, correspondendo ao segundo ano do triénio, a isso não obstando a interpretação e qualificação jurídica realizada pelo Tribunal a quo porquanto a ela não vinculados.

Neste concreto particular, há que ter presente que a vinculação legal do período de vigência no regime de contabilidade organizada só foi implementada com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, donde com aplicação a partir do ano de 2007. Logo, o dies a quo do triénio ter-se-á de computar tomando por base, naturalmente, a sua implementação legal -o que ademais se entende consentâneo com a interpretação propugnada pelo Acórdão do Pleno, mormente quanto ao dies a quo do triénio, a qual assenta, desde logo, no início de atividade e que terá, necessariamente, de ser interpretado no sentido de apenas e quando posterior ao ano de 2007.

De relevar, neste âmbito e sem embargo do exposto, que mesmo computando-se a aplicabilidade desde o início da vigência do regime simplificado o qual, como é consabido, apenas foi introduzido pela Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro, em nada desvirtuaria o aludido erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto dimana da factualidade provada, que pelo menos desde 2001 -período em que foi implementado o regime simplificado- o Recorrido ficou enquadrado no regime de contabilidade organizada, regime no qual se manteve sempre enquadrado até ao ano de 2009. Logo, computaríamos, precisamente, um terceiro triénio de 2007 a 2009.

E por assim ser, ter-se-á de concluir que o prazo dos três anos de vinculação legal dos três anos se iniciou em 2007 e só terminou em 2009.

Neste âmbito, convoque-se o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº01094/17, de 12 de setembro de 2018, no qual é feita alusão, pelo DMMP, à decisão Arbitral prolatada no processo nº 97/2012-T, justamente relativamente ao mesmo Recorrido e que versava sobre a legalidade do ato de liquidação, respeitante ao ano de 2009, dele se extratando, no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Delineados os contornos legais da quezília doutrinal que divide a Recorrente AT e o Recorrido, o Ministério Público vem enfatizar que esta disposição legal vem sendo debatida pela jurisprudência, mormente por este Colendo STA, e, ademais, decidida de forma pacífica, uniforme e consistente (assim, cfr., por todos, os doutos Acórdãos de 06/05/2009, de 23/06/2010 e de 12/03/2014, tirados nos Processos n.ºs 0127/09, 01032/09 e 0736/13, disponíveis in www.dgsi.pt/jsta).

Acresce que a Decisão do Tribunal Arbitral, de 08/01/2012, proferida no âmbito do Processo n.º 97/2012-T versou sobre um caso similar ao dos presentes autos, aí tendo sido aduzida a fundamentação a que o Ministério Público adere inteiramente e que, com a devida vénia, passará a transcrever: “(...) A Administração Tributária procedeu em 2009 ao reenquadramento no regime simplificado, “tomando em consideração os rendimentos auferidos e declarados em 2008, e na ausência de opção, nos termos dos n.ºs 4 e do art. 28.º do CIRS, foi o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação, com efeitos desde 01.01.2009.”

Certamente que não teve em conta a alteração introduzida ao artigo 28.º n.º 5 do CIRS pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do OE/2007) sobre o período mínimo de permanência de três anos, quer no regime geral da contabilidade, quer no regime simplificado de tributação.
E daí que a AT fale na ausência de opção, sendo certo que
o Requerente não tinha que fazer qualquer opção em 2009, por estar a decorrer o período mínimo de 3 anos e, com base nesse fundamento legal, o Requerente não tenha apresentado qualquer declaração de opção pelo regime da contabilidade no referido ano de 2009.

E, portanto, nem o fato de no ano de 2008, segundo ano do período mínimo de três anos, o sujeito passivo Requerente auferir rendimentos inferiores a qualquer dos limites previstos no nº 2 do art. 28.º como foi o caso, o obrigava a ser tributado pelo regime simplificado em 2009.

O legislador do OE/2007 ao criar um período mínimo de três anos de permanência em qualquer dos regimes — simplificado ou da contabilidade — teve por intenção, em nosso entender, criar um período mínimo de estabilidade na sua forma de tributação durante, pelo menos durante 3 anos, no regime da contabilidade, avaliando, certamente, que uma vez adotada a contabilidade, isso implica determinados custos que não são irrelevantes e, portanto, não terá criado um regime de cessação da tributação pelo regime da contabilidade idêntico ao da cessação quando tributado pelo regime simplificado.

E tal como o contribuinte só pode alterar o seu regime no início do período seguinte e até 31 de março, se os seus proveitos do último ano do período ficarem aquém do desejado, também a Administração Tributária só o poderá reenquadrar no início do novo período de três anos, face aos proveitos do último exercício desse período, que é o exercício imediatamente anterior ao novo ciclo que se vai iniciar.

E também não se poderá esquecer que o regime geral de tributação é o da contabilidade e que o regime de tributação simplificado é supletivo, sempre que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade. (...)” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo presente o exposto, a AT só poderia reenquadrar o Recorrido no início do novo período de três anos, sendo caso disso e face aos proveitos do último exercício desse período, que é o exercício imediatamente anterior ao novo ciclo que se vai iniciar. Donde, transpondo para o caso vertente, ter-se-á de concluir que a premissa que levou à alteração e ao reenquadramento oficioso do regime contabilidade organizada para o regime simplificado, como visto, valores limiares respeitantes ao exercício de 2008, não legitimava o aludido reenquadramento, o qual, como expendido, só estaria legitimado e, inversamente ao defendido pela Recorrente, se no ano de 2009, último ano de vigência do triénio os valores ficassem aquém dos limites estabelecidos para a imposição automática no regime de contabilidade organizada.

E por assim ser, não assiste razão à Recorrente quando advoga que o facto do Recorrido no exercício de 2008, ter tido um montante ilíquido de rendimentos da categoria B inferiores a €150.000,00 legitima a inclusão automática no regime simplificado, donde um reenquadramento oficioso nesse mesmo regime no período visado.

Carecendo, outrossim, de qualquer relevo o aduzido em I) e J) porquanto não concatenados com a fundamentação contemporânea do ato.

Não podendo, outrossim, relevar o argumento atinente à falta de opção, dentro do prazo legalmente previsto, pelo regime da contabilidade organizada, porquanto, face a todo o expendido anteriormente, a ela não vinculado legalmente, na medida em que estava a decorrer o período mínimo de três anos previsto no artigo 28.º, nº5, do CIRS, só podendo, nessa medida, concluir-se pela ilegalidade do reenquadramento (operado pela AT) do sujeito passivo no regime simplificado, com a consequente cominação de anulabilidade do ato impugnado.

Destarte, a sentença que ajuizou a existência do vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito deve ser confirmada, com a presente fundamentação.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 18 de maio de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)















1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.