Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:120/16.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:AVALIAÇÃO DIRETA-IRC
ANÁLISE DE DADOS DE PEN
RELATÓRIO PERICIAL
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I-Decorre da interpretação conjugada dos normativos 14.ºe 121.º, ambos do CPPT que compete ao DMMP, designadamente, a defesa da legalidade, e a promoção do interesse público tendo o mesmo de ser ouvido antes de ser proferida decisão final.
II-O seu parecer não assume, porém, natureza vinculativa, existindo apenas pronúncia expressa e obrigatória por parte do julgador caso, no seu parecer, seja suscitada questão que obste ao conhecimento do pedido.
III-Gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. Significa, portanto, que tem o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar, in casu, a presunção de veracidade dos proveitos declarados pela Impugnante, só então passando a competir à mesma o ónus da prova de que os mesmos correspondem à realidade.
IV-Assentando o juízo de entendimento da AT, em pressupostos de facto insuficientes, conclusivos, e inclusive em premissas erróneas que inquinam a conclusão atinente à omissão de proveitos, tal determina que a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impende.
V-Socorrendo-se a AT da avaliação direta, tal implica que todas as correções realizadas devem ser, devidamente, atestadas num juízo claro e perfeitamente identificador dos pressupostos e premissas inerentes, não podendo socorrer-se de juízos presuntivos, com extrapolações, inferências e premissas não devidamente suportadas e demonstradas.
VI-É pressuposto basilar da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios o pagamento indevido da correspondente prestação tributária, carecendo, por conseguinte, de justificação legal a condenação de forma condicional. Logo, não resultando provado o pagamento da liquidação impugnada, inexiste reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO


l – RELATÓRIO

A…, LDA (doravante Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), juros de mora e compensatórios do exercício de 2013, no valor global de €31.701,09.

A Recorrente formulou as conclusões que infra se descrevem:

“A – A douta exposição do Tribunal “a quo” desde logo se denota uma clara e evidente contradição entre aquilo que o Tribunal “a quo” considerou como PROVADO:

1) No programa de faturação descrito em 3) a funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM1” e a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM2” (cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos e depoimento das testemunhas T…N.. e D… S…);

2) Os documentos “CM1” são consultas de mesa através das quais se registam os pedidos dos clientes (cf. depoimentos das testemunhas T…N.. e D… S…);

3) Podiam ser emitidos vários documentos de consulta de mesa para os mesmos clientes (cf. depoimentos das testemunhas T…N.. e D… S…);

4) No ano de 2013 foram registados na contabilidade da Impugnante 12740 documentos “CM1” que não deram origem a faturas (cf. RIT a fls. 101 a 126, e Anexo II ao mesmo, a fls. 132 a 572 do PA apenso aos autos);

B - E considerou como FACTOS NÃO PROVADOS, os seguintes:

1) Os dados da pen apreendida não pertençam à base de dados do programa de faturação da Impugnante;

2) A Impugnante não conseguiu aceder ao conteúdo da pen apreendida;

3) Os serviços da AT entregaram à Impugnante uma cópia da pen apreendida, descrita em 10);

4) Os documentos “CM1” constantes do Anexo II ao RIT foram vertidos em faturas simplificadas;

e) A Impugnante efetuou o pagamento do imposto.

C - Como bem salienta da Digna magistrada do MP, com base num Acórdão do STA datado de 24/01/2018, e proferido no processo 0745/15, há que atender “á regra constante do nº 3 do art. 8 do CC – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direto”

Efetivamente já transitou em julgado o Proc nº 121/16.8 BEALM, ref. 004751553 datado de 20/02/2023, (Trib Central Adm Sul) do qual foi aproveitada a prova dos presentes autos, e que é no essencial da argumentação jurídica similar, divergindo unicamente do ano de liquidação do imposto e do tipo de imposto.

D - O Tribunal não pode omitir as conclusões do Relatório pericial, do perito nomeado pelo Tribunal, e depois não retirar as devidas conclusões desse relatório

E - Faz uma ligeira referencia ao relatório pericial, genérica, mas omite o teor do mesmo, na sua fundamentação de facto, meio de prova essencial e fundamental para pôr em crise os alicerces da inspeção Tributária, realizada pela AT.

F - Ora o Tribunal “a quo” mal andou, ao ter decidido desvalorizar a prova da Impugnante, que como é logico e natural, tem muitos menos meios ao seu dispor que a AT, bastando-lhe para o efeito, como o fez, retirar credibilidade ao apuramento realizado, com base nessa inspeção.

G - A prova produzida nos autos, evidenciou que os documentos “CM1” não davam necessariamente lugar à emissão de uma fatura.

H - Os documentos “CM1” podem dar origem a uma fatura, mas também foram identificadas situações em que um documento “CM1” deu origem a um outro documento “CM1”, situações em que um documento “CM1” deu origem a várias faturas e situações em que várias linhas de documentos “CM1” deram origem a uma única fatura.

I - Não sendo possível, assim, aferir se os documentos “CM1” em causa estavam efetivamente em duplicado, se os mesmos foram excluídos ou se não haveria outros documentos “CM1” em duplicado que haveria que também ter excluído.

J - A prova produzida, nos autos, quer a testemunhal, quer a pericial, foi de molde a demonstrar que os serviços de inspeção, mal andaram, já que o pressuposto de que todos os documentos denominados “CM1” dariam lugar, de forma automática, a emissão de fatura, revelou-se uma falsidade que inquina a prova que teve por base a dita avaliação direta.

L - A ora recorrente não demonstrou, uma mera dúvida sobre a qualidade da recolha da prova da mesma, demonstrou que os dados de prova que serviram de base ao alegado apuramento, foram mal analisados, foram distorcidos e empolados, o que necessariamente torna a dita correção ilegal.

M - A recorrida ao ter optado, por uma avaliação direta deveria ter certeza no apuramento dos dados contabilísticos, alegadamente recolhidos, demonstrar com total clareza e pertinência, que os mesmos eram corretos e que não sucumbiam a qualquer “contraprova” … o que acabou por não acontecer.

N - A AT não soube, ou não quis, explicar os critérios que levou a considerar como omissão de faturação, a totalidade dos registos de “CM1” encontrados, quando no mesmo relatório de inspeção, identificaram documentos “CM1” que deram lugar a outros documentos “CM1”, que alegadamente não revelaram para efeitos de correção.

O - É aquele que invoca um direito, que cabe fazer a prova dos fatos constitutivos do direito alegado, o que manifestamente não ocorreu, pois, a prova que teve por base a recolha de dados, não era verdadeira, nem traduzia a determinação do valor real dos rendimentos, pressuposto necessário, para a aplicação da avaliação direta, conforme estatuí o art. 83 da LGT

P - Não basta, à impugnada ter trazido para os autos, uma recolha exaustiva de dados supostamente real, retirados de um sistema informático de faturação, se posteriormente, e sob o crivo de uma perícia colegial, não se consegue aferir da qualidade da dita recolha de dados, dos critérios que tiveram subjacentes.

Q - A decisão do Tribunal “a quo”, mal andou ao ter afastado a fundada dúvida, desconsiderando a perícia colegial, a relevância da mesma, focando-se unicamente nas provas que em seu entender permitiriam à AT, fazer prova sólida e clara das conclusões, sem, contudo, fundamentar como era possível manter as liquidações válidas, fatiando a prova que serviu de base a essas liquidações adicionais, sem demonstrar, que não o fez, que o resultado da inspeção tributária realizada, seria o mesmo, sem a perícia informática realizada pela AT.

R - Uma vez que se estava perante uma avaliação direta, caberia à impugnada o ónus da prova, ao abrigo do disposto no art. 342 do Cod. Civil: Se a Autoridade Tributária, invoca, como base, para as liquidações adicionais, um pertenço rendimento real, apurado em inspeção tributária, não bastava ter a iniciativa da prova, será necessário que a mesma seja considerada como coerente, capaz de resistir a um “exame de veracidade”.

S - Analisando toda a prova produzida, e não só a prova valorizada pelo Tribunal “a quo”, ao considerar a prova documental e a desconsiderar a prova pericial e testemunhal, O Tribunal “a quo” não faz uma leitura correta, ponderada e justa da prova produzida, ao omitir a consequência jurídica, das dúvidas levantadas pela única prova independente, o disposto no art. 100 do CPPT:“…Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”

T - Conforme se tem assinalado na doutrina, “(…) se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro. (…)

Se as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções” (cf. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, “Lei Geral Tributária comentada e anotada”, 3.ª edição, setembro 2003, Vislis Editores, pp. 365).

U - Nos termos do artigo 74.º da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Deste modo, é sobre a administração tributária que recai o ónus da prova dos factos em que assenta o direito à tributação (cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25.01.2018, proferido no âmbito do processo n.º 02318/06.0BEPRT).

Só cumprido este ónus da prova passa a competir ao contribuinte o ónus da prova dos factos em que suporta a ilegalidade da correção.

V - Atento o teor do relatório de inspeção tributária, verifica-se, desde logo, que os serviços de inspeção tributária não evidenciam, nem demonstram, as afirmações transcritas no relatório. Com efeito, os serviços de inspeção tributária referem-se às funcionalidades de impressão no sistema de faturação (“Imprimir p/cliente” e “Imprimir p/controlo”), à existência de documentos “CM1” e à existência de “CM2”, à falta de relevância dos documentos “CM2”, à existência da tabela sales_hashes e à existência de identificadores únicos de transação e, ainda, à existência de documentos “CM1” alegadamente emitidos para a mesma transação relativamente aos quais só foi considerado o último.

X - Do relatório de inspeção tributária consta apenas o anexo II, que consiste numa tabela elaborada pelos serviços de inspeção tributária e que sintetiza as correções efetuadas

Nada mais constando, que permita seguir e comprovar o seu itinerário cognoscitivo e atestar as afirmações em que suportaram a realização da correção.

O que, por si só, indicia, desde logo, a falta de demonstração dos pressupostos em que assenta a correção.

Z - Pelo que, considerando-se, neste caso, que a administração tributária não cumpriu o ónus que sobre si impendia, nenhuma prova há que ter sido efetuada pelo contribuinte nesse sentido.

AA - Pelo que, também por aqui, resulta que não está evidenciado o ónus que sobre si impendia.

De resto, e sem embargo do exposto, sempre se teria de convocar, in limite, o consignado no artigo 100.º do CPPT, ou seja, em caso de dúvida teria a mesma de prevalecer em prol do contribuinte.

BB - foi que igualmente invocado que a metodologia seguida, métodos diretos, não foi a mais correta, na realidade as conclusões da perícia colegial, são uniformes em considerar que de fato não era possível á AT chegar de forma segura e credível, não ficcionando valores, recorrendo a uma mera soma aritmética de valores, apurados sabe-se lá como..., pelo que poderia e devia tê-lo feito, lançando mão dos métodos indiretos, ao abrigo do disposto no art. 87 nº 1 al) b), da LGT, na medida em que inexistia uma possibilidade forte e exata de quantificação dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.

CC – Em suma: não existe uma correta subsunção dos factos provados, prova pericial e testemunhal, às normas jurídicas invocadas art. 74 e 75 da LGT, bem como o art. 100 do CPPT, “ou seja, em caso de dúvida, teria a mesma de prevalecer em prol do contribuinte”, pugnando a ora recorrente, na revogação da douta Sentença do Tribunal “a quo”, substituindo-se por outra que julgue a impugnação judicial procedente, por provada, e em consequência determine a anulação dos atos tributários em causa.

Nestes termos e como nos melhores de direito, deverá ser julgado, por procedente, o presente recurso, e em consequência ser a douta sentença revogada, e substituída por douto acórdão, que julgue procedente por provado a impugnação judicial, com as consequências legais.”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, convocando, desde logo, o artigo 8.º do CC, e a sentença e o Acórdão prolatado pelo TCAS, no âmbito do processo nº 121/16, datado de 16 de fevereiro de 2023, com total identidade fática com os presentes autos, apenas diferindo quanto à natureza do tributo, e já transitado em julgado.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

1) A Impugnante é uma sociedade por quotas que desenvolve a atividade de bar e atividades hoteleiras (cf. relatório de inspeção tributária (RIT) a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos);

2) No ano de 2013 a Impugnante adotava um período de tributação coincidente com o ano civil e encontrava-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC (cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos);

3) No ano de 2013 a Impugnante utilizava um programa de faturação informático denominado “iECR” certificado pela AT com a licença n.º 1194 (facto admitido por acordo, cf. artigo 4.º da PI e RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos);

4) No programa de faturação descrito em 3) podiam ser emitidos documentos de conferência através das funcionalidades “Imprimir p/ controlo” e “Imprimir p/cliente” (cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos e depoimento das testemunhas T…N.. e D… S…);

5) No programa de faturação descrito em 3) a funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM1” e a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM2” (cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos e depoimento das testemunhas T…N.. e D… S…);

6) Os documentos “CM1” são consultas de mesa através das quais se registam os pedidos dos clientes (cf. depoimentos das testemunhas T…N.. e D… S…);

7) Podiam ser emitidos vários documentos de consulta de mesa para os mesmos clientes (cf. depoimentos das testemunhas T…N.. e D… S…);

8) No ano de 2013 foram registados na contabilidade da Impugnante 12740 documentos “CM1” que não deram origem a faturas (cf. RIT a fls. 101 a 126, e Anexo II ao mesmo, a fls. 132 a 572 do PA apenso aos autos);

9) Em 24-04-2014 a AT revogou o certificado n.º 1194 do sistema de faturação informático denominado “iECR” (facto admitido por acordo, cf. artigo 5.º da PI e RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos);

10) Em 29-04-2014 os serviços da AT apreenderam nas instalações da Impugnante a pen com o n.º de série T1204010000024 (cf. auto de apreensão a págs. 20 e 21 de fls. 78 a 103 do SITAF);

11) Os serviços da AT efetuaram uma cópia digital exata do conteúdo da pen descrita em 10) (cf. relatório de criação de imagem a págs. 21 a 23 de fls. 1 a 47 do SITAF e perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF);

12) Entre junho de 2012 e março de 2014 foram armazenados mensalmente ficheiros na pasta “archive” da pen descrita em 10), contendo várias tabelas de registo de dados com base nos procedimentos relacionados com a emissão de documentos de suporte das transações ou através da definição das configurações existentes na aplicação (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF);

13) Na pen descrita em 10) foram encontrados 55.826 registos de documentos denominados “CM1”, repartidos por 7 séries (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndices 1.1 e 1.2 no CD apenso);

14) Na pen descrita em 10) foram encontrados 35.273 registos de documentos “CM1” que deram origem a faturas, 19.439 registos de documentos “CM1” que não deram origem a qualquer fatura ou qualquer outro documento e 14 registos de documentos “CM1” que deram origem a registos de outros documentos “CM1” que nunca foram faturados (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndices 2.5 e 2.6 no CD apenso);

15) Na pen descrita em 10) existem registos de apenas um documento denominado “CM1” em cada registo de fatura (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndice 3.1 e 3.2 no CD apenso);

16) Da pen descrita em 10) resulta que nos registos dos documentos denominados “CM1” podem existir registos de um ou mais documentos denominados “CM1”, antecessores/intermédios, que lhe deram origem (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndice 3.3 e 3.4 no CD apenso);

17) Na pen descrita em 10) existem registos referentes ao dia 03-02-2000 que intercalam a numeração dos documentos referentes ao dia 27-09-2013 (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndice 5.1 no CD apenso);

18) Na pen descrita em 10) existem 5 registos de documentos denominados “CM1” com numeração duplicada, existem falhas/faltas na sequência numérica nos registos dos documentos denominados “CM1” e dos documentos denominados “faturas e vendas a dinheiro” (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndices 6.1 a 6.4 no CD apenso);

19) Na pen descrita em 10) existe coerência e consistência nos registos existentes, assim como nas respetivas bases de dados (cf. perícia a págs. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF);

20) No exercício de 2013 a Impugnante declarou € 209.480,53 de vendas e prestações de serviços, com Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) incluído (cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos);

21) No ano de 2013 a Impugnante recebeu € 236.285,07 via terminal de pagamento automático e depósitos em numerário, com IVA incluído (cf. RIT, a fls. 101 a 126, e Anexo III ao mesmo, a fls. 573 a 775 do PA apenso aos autos);

22) Em 21-08-2015 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante o relatório da inspeção tributária titulada pelas ordens de serviço n.ºs OI201500202, OI201500203 e OI201500204, da qual resultaram correções por métodos diretos à matéria tributável do exercício de 2013 no valor de € 112.106,45, constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte:

«[...] Para determinar as prestações de serviços/vendas omitidas foi necessário identificar as transações em que foi emitido um documento do tipo “CM1”, e que posteriormente não houve lugar à emissão de fatura/fatura simplificada.

Analisando a tabela sales_hashes verificou-se que o campo designado de gb_identifier_header é utilizado para identificar a transação. Assim se em determinada operação foi emitida uma “CM1” e posteriormente uma fatura, da referida tabela constarão 2 registos, tendo como elemento comum pelo menos o valor do campo gb_identifier_header.

Caso em determinada transação não tenha sido emitida qualquer fatura, o documento “CM1” emitido em último lugar é o considerado. Ou seja, caso tenham sido emitidos dois ou mais documentos do tipo “CM1” para a mesma transação, apenas o último concorre para efeitos de apuramento de prestações de serviços/vendas omitidas, evitando, por esta via, uma duplicação de valores. Utilizando os pressupostos acima expostos, e com recurso à linguagem SQL (Structured Query Language), foi possível determinar de forma exata o montante de IVA que deixou de ser entregue nos cofres do Estado, bem como a matéria tributável em sede de IRC [...]» (cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos);

23) Em 22-09-2015 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a demonstração de compensação de IRC, juros compensatórios e de mora n.º 2015 00020961464, relativa ao exercício de 2013, no valor total de € 31.701,09 (cf. demonstração a págs. 8 de fls. 54 a 69 do SITAF);

24) Em 10-12-2015 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista solicitar uma cópia do teor da pen descrita em 10) (cf. requerimento a págs. 16 e 17 de fls. 1 a 47 do SITAF);

25) Em 08-01-2016 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante um ofício acompanhado do relatório da análise pericial à pen descrita em 10), dois CD contendo a imagem forense da mesma e os ficheiros Standard Audit for Taxes Purposes (SAFT) do ano de 2013 (cf. ofício a págs. 18 a 23 de fls. 1 a 47 do SITAF);

26) Em 22-01-2016 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai que não foi possível obter a informação constante dos dois CD descritos em 25) (cf. requerimento a págs. 24 de fls. 1 a 47 do SITAF);

27) Em 25-01-2016 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante um ofício do qual se extrai que já foi disponibilizada toda a informação requerida (cf. ofício a págs. 26 de fls. 1 a 47 do SITAF).


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Consideram-se não provados os seguintes factos:

a) Os dados da pen apreendida não pertençam à base de dados do programa de faturação da Impugnante;

b) A Impugnante não conseguiu aceder ao conteúdo da pen apreendida;

c) Os serviços da AT entregaram à Impugnante uma cópia da pen apreendida, descrita em 10);

d) Os documentos “CM1” constantes do Anexo II ao RIT foram vertidos em faturas simplificadas;

e) A Impugnante efetuou o pagamento do imposto.



***Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.

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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos, da perícia e seus apêndices.

Os depoimentos das testemunhas T…N…, comercial, e D… S…., empregada de mesa, foram assertivos, mostraram-se coerentes com a documentação constante dos autos e resultam do exercício das suas funções na data relevante para a causa, motivos pelo qual se deram como provados os factos 4) a 7).


Dos depoimentos das testemunhas F… P…. não resultou qualquer facto provado, porquanto os mesmos incidiram sobre factos que carecem de prova documental ou sobre matéria não controvertida nos presentes autos.

Na valoração da prova pericial produzida, de livre apreciação pelo julgador, cf. o artigo 389.º do Código Civil, foram tidas em consideração as reservas e limitações expendidas pelos peritos no seu relatório decorrentes do facto de estes não terem tido acesso a outros elementos, como o sistema de faturação original da Impugnante.

Contudo, ali se concluí que existe na pen coerência e consistência nos registos, assim como nas respetivas bases de dados, não existindo qualquer evidência que os dados tenham sido manipulados ou não sejam verdadeiros, pelo que foi possível extrair da prova pericial os factos que se deram como provados em 11) a 19).

Os factos não provados em a) a e), atendendo ao princípio previsto no artigo 342.º do Código Civil, segundo o qual quem invoque um determinado facto tem de o provar, resultam de não terem sido carreados para os autos qualquer elemento que permitisse suportar as alegações produzidas supra.

Com efeito, embora a Impugnante alegue que não consegue aferir da veracidade dos dados da pen, não demonstra factos concretos dos quais se possa extrair qualquer falta de veracidade ou de manipulação da mesma, sendo esta afirmação também contrária ao auto de apreensão descrito em 10) e ao relatório pericial.

Efetivamente, encontrando-se aquela pen nas instalações da Impugnante, tudo faz crer que aqueles dados são referentes à sua atividade, sem que se possa extrair da circunstância de não ter sido descarregada na sua presença qualquer falta de veracidade.

No que se refere ao facto não provado b), não está evidenciado nos autos que não seja possível aceder ao conteúdo da pen, resultando, aliás, do relatório pericial o oposto.

Quanto ao facto não provado d), a Impugnante alega que identificou no Anexo II ao RIT muitos documentos “CM1” a que correspondem faturas simplificadas constantes dos ficheiros SAFT, juntando aos autos alegadas tabelas identificativas, como documentos n.ºs 7 e 8 da petição inicial.

Todavia, compulsados o teor destes documentos, não é possível atestar que àqueles concretos documentos “CM1” correspondem as faturas aí identificadas, não tendo sido junto aos autos as referidas faturas ou outro qualquer elemento, pelo que o facto se deu como não provado.

Por fim, a Impugnante requer o ressarcimento através do pagamento de juros indemnizatórios, mas não alega nem decorre dos autos que tenha sido efetuado qualquer pagamento, pelo que se deu como não provado o facto e), assim como também se deu como não provado o facto c) por a Fazenda Pública não alegar, sequer, que entregou à Impugnante uma cópia da pen apreendida.”


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Elimina-se o facto provado nº 19, com o seguinte teor:

19) Na pen descrita em 10) existe coerência e consistência nos registos existentes, assim como nas respetivas bases de dados, porquanto a mesma mais não representa que uma conclusão, inteiramente concatenada com a questão de direito em discussão nos autos, donde insuscetível de integrar o acervo fático.

In casu, o que tem de integrar o probatório são as ocorrências da vida real, devidamente contextualizadas e substanciadas espácio-temporalmente, que permitam ao Tribunal, da sua interpretação conjugada, concluir pela existência ou não de coerência e consistência nos registos, e não a conclusão de direito assumida da sua concreta valoração e ponderação.

Com efeito, “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado ”.


Ademais, do Relatório Pericial Colegial, consta uma expressa contextualização do âmbito de ação, e bem assim de “reservas” atento o deficit de acervo de consulta, e que sempre importa relevar, nessa conformidade, relevando-se, outrossim, antinómico com tais afirmações e, ora, aditadas à matéria de facto provada, quando da parte final do aludido Relatório é, desde logo, usada a menção “certa coerência”, e finaliza-se com a necessidade de acesso complementar, designadamente, ficheiros “saft”.


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração, e bem assim para melhor consubstanciação espácio-temporal e ulterior expurgo de juízos conclusivos e opinativos.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

18) Na pen descrita em 10) existem 5 registos de documentos denominados “CM1” com numeração duplicada, existem falhas/faltas na sequência numérica nos registos dos documentos denominados “CM1”, nas designadas faturas e vendas a dinheiro, existência de duplicação de registos de dados na tabela sales_hashes referentes aos meses 03/2012 e 6/2012, e existência de um ficheiro dump de base de dados denominado “2000002.dump” com dados intercalados referentes ao dia 2013-09-27 (cfr. Relatório Pericial colegial a fls. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndices 6.1 a 6.4 no CD apenso);

22) A 21 de agosto de 2015, os serviços de Inspeção Tributária emitiram em nome da Impugnante o Relatório Definitivo de Ação de Inspeção Tributária credenciado pelas Ordens de Serviço n.ºs OI201500202, OI201500203 e OI201500204, da qual resultaram correções técnicas ao exercício de 2013, que determinaram um resultado tributável corrigido de €115.224,92, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“(…) Em virtude do sujeito passivo ter utilizado como sistema de faturação o programa iECR, certificado n.º 1194, que veio a ser revogado a 24 de Abril de 2014, foi a dongle/pen” com o n.º de série T1204010000024 apreendida por Inspetores Tributários da Direção de Finanças de Setúbal.

Sendo do conhecimento desta Direção de Finanças que o referido dispositivo, para além de conter o licenciamento da aplicação, era utilizado para armazenar cópias de segurança do sistema de faturação (programa e base de dados), foi solicitada à equipa do Núcleo de Informática Forense (NIF) que efetuasse uma imagem bit a bit do dispositivo, de forma que fosse possível aceder aos ficheiros no sistema de ficheiros, bem como aos eliminados. A equipa do NIF, com recurso ao software EnCase procedeu à extração dos ficheiros da “dongle/pen”. Todos os backups da base de dados alojados no dispositivo, independentemente de se encontrarem, ou não, no estado eliminado, foram objeto de exportação para uma única base de dados SQL Server 2012.

Por consulta à base de dados SQL Server constatou-se que se encontravam armazenados na “dongle/pen” ficheiros que continham registos de faturação desde 19/06/2012 até 27/04/2014.

Através da análise ao programa iECR constatou-se que podem ser emitidos documentos de conferência através das funcionalidades “Imprimir p/controlo” e “Imprimir p/cliente”.

Verificou-se que a funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração iniciava-se com “CM1”, enquanto que a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração iniciava-se com “CM2”.

Na análise aos dados, constatou-se que a emissão de documentos do tipo “CM2” foi insignificante, sem que daí tenha resultado prejuízo para o Estado. Por outro lado, existem documentos de conferência do tipo “CM1” que não têm associada uma fatura/fatura simplificada, não tendo sido consideradas para efeitos de apuramento do IVA liquidado ou da matéria tributável para efeitos de IRC.

Para determinar as prestações de serviços/vendas omitidas foi necessário identificar as transações em que foi emitido um documento “CM1”, e que posteriormente não houve lugar à emissão de fatura/fatura simplificada.

Analisando a tabela sales_hashes verificou-se que o campo designado de gb_identifier_header é utilizado para identificar a transação. Assim se em determinada operação foi emitida uma “CM1” e posteriormente uma fatura, da referida tabela constarão 2 registos, tendo como elemento comum pelo menos o valor do gb_identifier_header.

Caso em determinada transação não tenha sido emitida qualquer fatura, o documento “CM1” emitido em último lugar é o considerado. Ou seja, caso tenham sido emitidos dois ou mais documentos do tipo “CM1” para a mesma transação, apenas o último concorre para efeitos de apuramento de prestações de serviços/vendas omitidas, evitando, por esta via, uma duplicação de valores. Utilizando os pressupostos acima expostos, e com recurso à linguagem SQL (Structured Query Language), foi possível determinar de forma exata o montante de IVA que deixou de ser entregue nos cofres do Estado (…), de acordo com a tabela que se junta em anexo e que descrimina exaustivamente todos os documentos do tipo “CM1” que não deram origem a fatura, e que constitui o anexo II.

(…)

No âmbito da ação inspetiva foram obtidas cópias dos extratos bancários da conta empresarial do sujeito passivo, com o n.º 296.10.001202-4 do Montepio Geral, referente aos anos de 2012, 2013 e 2014 (anexo III).

Da análise efetuada aos referidos extratos bancários, apurou-se que o sujeito passivo auferiu/recebeu rendimentos decorrentes da sua atividade de pelo menos € 245.226,52 (IVA incluído) no ano de 2012, de € 236.285,07 (IVA incluído) no ano de 2013, e € 321.021,15 (IVA incluído) no ano de 2014. Esta conclusão resulta da soma de todos os recebimentos via TPA – terminal de pagamento automático e depósitos em numerário, resultantes de pagamentos de clientes pelos serviços prestados e pelas vendas de tabaco, no exercício da sua atividade.

Comparando estes valores com os valores contabilizados e declarados pelo sujeito passivo, verifica-se o seguinte:

considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado ”.

Ademais, do Relatório Pericial Colegial, consta uma expressa contextualização do âmbito de ação, e bem assim de “reservas” atento o deficit de acervo de consulta, e que sempre importa relevar, nessa conformidade, relevando-se, outrossim, antinómico com tais afirmações e, ora, aditadas à matéria de facto provada, quando da parte final do aludido Relatório é, desde logo, usada a menção “certa coerência”, e finaliza-se com a necessidade de acesso complementar, designadamente, ficheiros “saft”.


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração, e bem assim para melhor consubstanciação espácio-temporal e ulterior expurgo de juízos conclusivos e opinativos.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

18) Na pen descrita em 10) existem 5 registos de documentos denominados “CM1” com numeração duplicada, existem falhas/faltas na sequência numérica nos registos dos documentos denominados “CM1”, nas designadas faturas e vendas a dinheiro, existência de duplicação de registos de dados na tabela sales_hashes referentes aos meses 03/2012 e 6/2012, e existência de um ficheiro dump de base de dados denominado “2000002.dump” com dados intercalados referentes ao dia 2013-09-27 (cfr. Relatório Pericial colegial a fls. 4 a 29 de fls. 474 a 502 do SITAF e apêndices 6.1 a 6.4 no CD apenso);

22) A 21 de agosto de 2015, os serviços de Inspeção Tributária emitiram em nome da Impugnante o Relatório Definitivo de Ação de Inspeção Tributária credenciado pelas Ordens de Serviço n.ºs OI201500202, OI201500203 e OI201500204, da qual resultaram correções técnicas ao exercício de 2013, que determinaram um resultado tributável corrigido de €115.224,92, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“(…) Em virtude do sujeito passivo ter utilizado como sistema de faturação o programa iECR, certificado n.º 1194, que veio a ser revogado a 24 de Abril de 2014, foi a dongle/pen” com o n.º de série T1204010000024 apreendida por Inspetores Tributários da Direção de Finanças de Setúbal.

Sendo do conhecimento desta Direção de Finanças que o referido dispositivo, para além de conter o licenciamento da aplicação, era utilizado para armazenar cópias de segurança do sistema de faturação (programa e base de dados), foi solicitada à equipa do Núcleo de Informática Forense (NIF) que efetuasse uma imagem bit a bit do dispositivo, de forma que fosse possível aceder aos ficheiros no sistema de ficheiros, bem como aos eliminados. A equipa do NIF, com recurso ao software EnCase procedeu à extração dos ficheiros da “dongle/pen”. Todos os backups da base de dados alojados no dispositivo, independentemente de se encontrarem, ou não, no estado eliminado, foram objeto de exportação para uma única base de dados SQL Server 2012.

Por consulta à base de dados SQL Server constatou-se que se encontravam armazenados na “dongle/pen” ficheiros que continham registos de faturação desde 19/06/2012 até 27/04/2014.

Através da análise ao programa iECR constatou-se que podem ser emitidos documentos de conferência através das funcionalidades “Imprimir p/controlo” e “Imprimir p/cliente”.

Verificou-se que a funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração iniciava-se com “CM1”, enquanto que a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração iniciava-se com “CM2”.

Na análise aos dados, constatou-se que a emissão de documentos do tipo “CM2” foi insignificante, sem que daí tenha resultado prejuízo para o Estado. Por outro lado, existem documentos de conferência do tipo “CM1” que não têm associada uma fatura/fatura simplificada, não tendo sido consideradas para efeitos de apuramento do IVA liquidado ou da matéria tributável para efeitos de IRC.

Para determinar as prestações de serviços/vendas omitidas foi necessário identificar as transações em que foi emitido um documento “CM1”, e que posteriormente não houve lugar à emissão de fatura/fatura simplificada.

Analisando a tabela sales_hashes verificou-se que o campo designado de gb_identifier_header é utilizado para identificar a transação. Assim se em determinada operação foi emitida uma “CM1” e posteriormente uma fatura, da referida tabela constarão 2 registos, tendo como elemento comum pelo menos o valor do gb_identifier_header.

Caso em determinada transação não tenha sido emitida qualquer fatura, o documento “CM1” emitido em último lugar é o considerado. Ou seja, caso tenham sido emitidos dois ou mais documentos do tipo “CM1” para a mesma transação, apenas o último concorre para efeitos de apuramento de prestações de serviços/vendas omitidas, evitando, por esta via, uma duplicação de valores. Utilizando os pressupostos acima expostos, e com recurso à linguagem SQL (Structured Query Language), foi possível determinar de forma exata o montante de IVA que deixou de ser entregue nos cofres do Estado (…), de acordo com a tabela que se junta em anexo e que descrimina exaustivamente todos os documentos do tipo “CM1” que não deram origem a fatura, e que constitui o anexo II.

(…)

No âmbito da ação inspetiva foram obtidas cópias dos extratos bancários da conta empresarial do sujeito passivo, com o n.º 296.10.001202-4 do Montepio Geral, referente aos anos de 2012, 2013 e 2014 (anexo III).

Da análise efetuada aos referidos extratos bancários, apurou-se que o sujeito passivo auferiu/recebeu rendimentos decorrentes da sua atividade de pelo menos € 245.226,52 (IVA incluído) no ano de 2012, de € 236.285,07 (IVA incluído) no ano de 2013, e € 321.021,15 (IVA incluído) no ano de 2014. Esta conclusão resulta da soma de todos os recebimentos via TPA – terminal de pagamento automático e depósitos em numerário, resultantes de pagamentos de clientes pelos serviços prestados e pelas vendas de tabaco, no exercício da sua atividade.

Comparando estes valores com os valores contabilizados e declarados pelo sujeito passivo, verifica-se o seguinte:

Esta análise efetuada aos extratos bancários, confirma a existência de omissões nas vendas/prestações de serviços já detetadas pela auditoria aos dados do sistema de faturação. O facto da quantificação das omissões detetadas pela auditoria informática ser superior, poderá ser justificado em virtude de o sujeito passivo não ter procedido à totalidade dos depósitos dos rendimentos auferidos na referida conta bancária (por exemplo muitas vezes nesta atividade o pagamento aos fornecedores é efetuado com dinheiro em caixa)”.

(cf. RIT a fls. 101 a 126 do PA apenso aos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:


27) Mediante despacho nº DI201400906, da Direção de Finanças de Setúbal, e para efeitos de análise forense da “Dongle pen”, dispositivo denominado 0024, foi elaborado Relatório da Análise Pericial “Criação de Imagem”, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”



(…)

28) No âmbito da ação de Inspeção Tributária referida em 22), e enquanto elemento integrante do Relatório de Inspeção Tributária, foi elaborado documento intitulado como Anexo II, que se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extraem, designadamente, os elementos que se transcrevem:

(cfr. Anexo II ao RIT, junto ao PAT a fls. 132 a fls.572, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

29) A 06 e 21 de março de 2013, foram efetuadas transferências bancárias para a conta titulada em nome da Impugnante, de cujo descritivo consta a referência “TR… P”, nos montantes de € 1.250,00 e de € 2.000,00 (cf. anexo III do relatório de inspeção tributária a fls. 636 e 637 do PA apenso);

30) As asserções fáticas referidas em 13) a 18), resultantes das respostas aos quesitos corporizadas no Relatório Pericial C0legial, foram precedidas de reserva no sentido de que “só perante à análise do sistema, com a versão utilizada à data dos factos, ou cópia fiel do mesmo, podemos responder com toda a certeza”, resultando, outrossim, do aludido Relatório, designadamente, no item epigrafado de “exame”, o que infra se transcreve: “Nesta fase, verificou-se que, alguns dos ficheiros constantes da cópia em formato forense “raw”, criada a partir da “dongle-pen”, apresentam blocos de dados irrecuperáveis, em resultado de existirem danos na estrutura de ficheiros ou na própria memória física do dispositivo, situação que ocorre com bastante frequência neste tipo de dispositivos de armazenamento “USB”. Por este facto, alguns dos ficheiros não foram recuperados de forma integral, o que resulta na impossibilidade da sua leitura”. (cfr. relatório Pericial Colegial a fls. 8, 23 a 25);



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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRC, juros de mora e juros compensatórios, respeitante ao exercício de 2013, no valor total de €31.701,09.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que a Recorrente não sindicou os vícios respeitantes à preterição de formalidades legais e falta de fundamentação formal julgados improcedentes, encontrando-se, por conseguinte, a apreciação desses vícios consolidada na ordem jurídica.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

- Incorreu em contradição entre a matéria de facto provada elencada nos nºs 5 a 8 e a factualidade não provada;- Descurou e preteriu o parecer do DMMP, o qual convocava o princípio consignado no artigo 8.º, nº3 do CC, atenta a prolação de sentença e Acórdão do TCAS, no âmbito do processo nº 121/2016, com total similitude com os presentes autos;

- Cometeu erro de julgamento de facto, porquanto não valorou, adequadamente, o Relatório Pericial quando o mesmo representa meio probatório fundamental;

- Incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto:

o A AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, e as premissas base em que assentou o seu juízo de entendimento apresentam incoerências, fragilidades e incorreções;

o Não computou, erroneamente, o artigo 100.º do CPPT;

o Adotou uma metodologia incorreta, porquanto deveria ter determinado a matéria coletável mediante o recurso a avaliação indireta.

- Procedendo o erro de julgamento, cumpre aquilatar do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Vejamos, então.

A Recorrente advoga, desde logo, uma contradição entre a matéria de facto provada concretamente os factos elencados em 5) a 8) e a factualidade elencada como não provada.

Densifica essa contradição relevando, para o efeito, que se o Tribunal a quo considera que os documentos “CM1” são consultas de mesa através das quais se registam os pedidos dos clientes e se podiam ser emitidos vários documentos de consulta de mesa para os mesmos clientes, então devia retirar as conclusões lógicas desse entendimento, ou seja, de que nem todas as “CM1” deram origem, necessariamente, a “faturação oculta”.

Vejamos, então.

Importa, desde já, convocar o acervo fático computado de contraditório, e que infra se transcreve:

“Fixou como factos provados, designadamente, os seguintes:

5) No programa de faturação descrito em 3) a funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM1” e a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM2”;

6) Os documentos “CM1” são consultas de mesa através das quais se registam os pedidos dos clientes;

7) Podiam ser emitidos vários documentos de consulta de mesa para os mesmos clientes;

8) No ano de 2013 foram registados na contabilidade da Impugnante 12740 documentos “CM1” que não deram origem a faturas;

Considerando como FACTOS NÃO PROVADOS, os seguintes:

a) Os dados da pen apreendida não pertençam à base de dados do programa de faturação da Impugnante;

b) A Impugnante não conseguiu aceder ao conteúdo da pen apreendida;

c) Os serviços da AT entregaram à Impugnante uma cópia da pen apreendida, descrita em 10);

d) Os documentos “CM1” constantes do Anexo II ao RIT foram vertidos em faturas simplificadas;

e) A Impugnante efetuou o pagamento do imposto.”

Ora, tendo presente a factualidade supratranscrita não se vislumbra qualquer contradição que acarrete qualquer alteração ou supressão do contraditório, porquanto as asserções contempladas enquanto facto provado permitem retratar a realidade factual atinente ao programa de faturação e às suas concretas funcionalidades transpostas para o exercício em contenda, donde premissas subjacentes aos pressupostos e a montante, enquanto a factualidade não provada, mormente, a elencada em d), já se coaduna com a concreta prova a jusante, e na esfera da Recorrente. Logo, inexiste qualquer contradição.

É certo que tais asserções podem, eventualmente, ter sido incorretamente valoradas e apreciadas, desde logo, por deficiente e insuficiente valoração do Relatório de Inspeção Tributária e Relatório Pericial Colegial, no entanto, tal realidade a suceder determina erro de julgamento e não qualquer contradição que careça da devida materialização no probatório, mormente, supressão.

E por assim ser, improcede a arguida contradição.


***


Atentemos, ora, na questão atinente ao parecer do DMMP.

De relevar, desde logo, que o DMMP, não obstante assumir uma função bastante relevante de garante e controle da legalidade, o seu parecer não tem natureza vinculativa, sendo certo que apenas existe pronúncia expressa e obrigatória por parte do Julgador caso, no seu parecer, seja suscitada questão que obste ao conhecimento do pedido.

Com efeito, decorre da interpretação conjugada dos normativos 14.ºe 121.º, ambos do CPPT que compete ao DMMP a defesa da legalidade, a promoção do interesse público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes, tendo o mesmo de ser ouvido antes de ser proferida decisão final. Mais dimanando, mormente, do teor do artigo 121.º, nº2, do aludido diploma legal que, sendo suscitada, na vista pré-sentencial, questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o Impugnante e o DRFP, devendo, naturalmente, o julgador pronunciar-se sobre tal questão.

Face ao supra expendido, e ainda que se reconheça que o Meritíssimo Juiz deveria ter estabelecido qualquer considerando atinente ao concreto afastamento de uma sentença confirmada por Acórdão, e já transitada em julgado, a verdade é que tal falta não configura qualquer irregularidade ou nulidade processual-de resto, nem, tão-pouco, devidamente substanciadas- podendo, é certo, fundar um erro de julgamento e adensar a procedência da ação, caso se verifique uma situação de total identidade fática e jurídica, que reclame tratamento análogo e sem que sejam avançados novos argumentos, o que será apreciado em sede própria.

Prosseguindo.

Cumpre, ainda, evidenciar no âmbito do erro de julgamento de facto, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, na medida em que não requer qualquer aditamento, supressão ou alteração do probatório mediante a convocação do respetivo meio probatório.

É certo que ao longo das suas alegações de recurso discorre e transcreve excertos do depoimento das testemunhas, no entanto nada advoga –entenda-se mediante e face a esse meio probatório-qualquer alteração do acervo fático dos autos, limitando-se a invocar um erro de julgamento de facto.

De relevar, outrossim, que no atinente ao Relatório Pericial não convoca, nesse concreto particular, qualquer aditamento ao probatório, limitando-se a evidenciar um erro de julgamento por falta de criteriosa e concreta ponderação do mesmo, e por assim ser, será nessa sede que o mesmo será abordado.

Relevando-se, de todo o modo, que inversamente ao aduzido pela Recorrente o Tribunal a quo ponderou esse mesmo Relatório Pericial, sendo, aliás, expressão dessa concreta valoração os factos enunciados nos pontos 13 a 18 do probatório, fazendo uma enunciação e explicitação do seu iter na decisão da matéria de facto e no item atinente ao efeito.

Mais uma vez se refira que, se o mesmo foi bem ou mal valorado, suficiente ou redutoramente ponderado, traduz, tão-só, um erro de julgamento que poderá, sendo caso disso, refletir-se na manutenção da decisão recorrida. Ademais, importa relevar, in fine, que este Tribunal, no âmbito dos seus poderes de cognição já procedeu às alterações à matéria de facto que reputava pertinentes para o efeito.***

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto importa então aferir do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente sustenta a existência de erro de julgamento na medida em que, inversamente ao propugnado na decisão recorrida, a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia. Densifica, nesse âmbito, que o juízo constante no Relatório de Inspeção Tributária é manifestamente insuficiente, conclusivo e com fragilidades, desde logo, porque o fundamento base em que assentou não se apresenta correto.

Adensa, para o efeito, que a prova produzida nos autos, evidenciou que os documentos “CM1” não davam necessariamente lugar à emissão de uma fatura, porquanto os documentos “CM1” podem dar origem a uma fatura, mas também foram identificadas situações em que um documento “CM1” deu origem a um outro documento “CM1”, situações em que um documento “CM1” deu origem a várias faturas e situações em que várias linhas de documentos “CM1” deram origem a uma única fatura.

Mais sufragando que, não é possível aferir se os documentos “CM1” em causa estavam efetivamente em duplicado, se os mesmos foram excluídos ou se não haveria outros documentos “CM1” em duplicado que haveria, também, que ter excluído.

Ademais, advoga que a Recorrente não demonstrou, uma mera dúvida sobre a qualidade da recolha da prova, tendo antes demonstrado que os dados de prova que serviram de base ao alegado apuramento, foram mal analisados, foram distorcidos e empolados, o que necessariamente torna a dita correção ilegal.

Convoca, in limite, o consignado no artigo 100.º do CPPT, ou seja, em caso de dúvida teria a mesma de prevalecer em prol da Recorrente.

Apreciando.

Comecemos por ter presente a fundamentação jurídica que esteou a improcedência da presente impugnação:

“A base de dados em que assenta a faturação, constante da pen apreendida, é composta por várias tabelas que contêm, em si, várias colunas, nomeadamente uma designada “gb_Identifier” que corresponde ao identificador único da transação, ou seja, cada transação tem um número único.

Assim, se em determinada operação foi emitido um documento “CM1” e posteriormente uma fatura, da tabela “sales_hashes” constarão 2 registos, tendo como elemento comum o valor do campo “gb_ Identifier”.

Da análise destes elementos verificou-se que no ano de 2013 foram registados 12740 documentos “CM1” que não deram origem a qualquer fatura, como provado em 8), 12), 13) e 14).

Mais, se é certo que podem existir registos de um ou mais documentos “CM1” antecessores ou intermédios, certo é também que os serviços da AT apenas consideraram o último documento emitido e que existem registos de apenas um documento “CM1” em cada registo de fatura, como decorre provado em 15) e 16), pelo que, ao contrário do alegado, esta particularidade foi levada em conta na correção.

Também não colhe o alegado vício nas correções por o sistema de faturação não ser fiável e conter erros de processamento, porquanto apesar de estes se verificarem efetivamente, como provado em 17) e 18), a peritagem conclui que existe coerência e consistência nos registos existentes, assim como nas respetivas bases de dados, como assente em 19), não constando do Anexo II ao RIT que tenham sido considerados registos que não fossem respeitantes aos exercícios em inspeção.”

Mas a verdade é que entendemos que o Tribunal a quo não terá interpretado da melhor forma a realidade de facto constante dos autos, sendo que as asserções fáticas que permitiriam estribar a aludida improcedência são manifestamente insuficientes para legitimar a correção, na medida em que, como veremos, os pressupostos em que assenta o raciocínio da AT são exíguos, padecendo inclusive de incoerências, fragilidades e premissas não devidamente sustentadas e evidenciadas no respetivo Relatório de Inspeção Tributária.

Expliquemos, então, porque assim o entendemos.

Para o efeito importa estabelecer, ab initio, uma concreta contextualização da origem da ação inspetiva, os pressupostos que a desencadearam e os fundamentos que apoiaram as correções técnicas por alegada, omissão de proveitos.

A Recorrente no âmbito do exercício da sua atividade de “Bares”, utilizava desde 2012 um programa de faturação denominado IECR, cuja “dongle/pen”, com o n.º de série T1204010000024, viria a ser apreendida pelos Serviços de Inspeção de Setúbal, no âmbito de uma ação denominada de “Controlo da certificação de software (Fase-1).

O motivo que desencadeou a aludida ação de controlo coadunou-se com o facto de o referido programa ter sido objeto de revogação por parte da AT, desde 24 de abril de 2014.

Nessa conformidade, foi solicitada à equipa do Núcleo de Informática Forense (NIF) que efetuasse uma imagem bit a bit do dispositivo, de forma que fosse possível aceder aos ficheiros no sistema de ficheiros, bem como aos eliminados. A equipa do NIF, com recurso ao software EnCase procedeu à extração dos ficheiros da “dongle/pen” os quais foram objeto de exportação para uma única base de dados SQL Server 2012.

Face ao exposto, os Serviços de Inspeção atestaram o armazenamento na “dongle/pen” de ficheiros que continham registos de faturação desde 19.06.2012 até 27.04.2014, tendo concluído pela omissão de proveitos, de acordo com a fundamentação que se extrata infra:

- Através da análise ao programa iECR constatou-se que podem ser emitidos documentos de conferência através das funcionalidades “Imprimir p/controlo” e “Imprimir p/cliente”.

- A funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração iniciava-se com “CM1”, enquanto que a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração iniciava-se com “CM2”.

- A emissão de documentos do tipo “CM2” foi insignificante;

- Existem documentos de conferência do tipo “CM1” que não têm associada uma fatura/fatura simplificada;

- Analisando a tabela sales_hashes verificou-se que o campo designado de gb_identifier_header é utilizado para identificar a transação, operação foi emitida uma “CM1” e posteriormente uma fatura, da referida tabela constarão 2 registos, tendo como elemento comum pelo menos o valor do gb_identifier_header.

- Caso em determinada transação não tenha sido emitida qualquer fatura, o documento “CM1” emitido em último lugar é o considerado.

- Da análise efetuada aos extratos bancários, apurou-se que o sujeito passivo auferiu/recebeu rendimentos decorrentes da sua atividade de pelo menos € 245.226,52 (IVA incluído) no ano de 2012, de € 236.285,07 (IVA incluído) no ano de 2013, e € 321.021,15 (IVA incluído) no ano de 2014.

- Esta análise efetuada aos extratos bancários, confirma a existência de omissões nas vendas/prestações de serviços já detetadas pela auditoria aos dados do sistema de faturação.

Conclui, assim, que a Impugnante, ora, Recorrente não cumpriu com a obrigatoriedade de emitir fatura/fatura simplificada relativamente a todas as transações por si efetuadas, porquanto emitiu diversos documentos CM1 (“Controlo de mesa”), aos quais não correspondeu a emissão de fatura/fatura simplificada.Atentemos, para o efeito, no quadro normativo e nos considerandos de direito que reputamos relevantes para o caso sub judice.

De relevar, ab initio, que por imposição constitucional, a tributação das pessoas coletivas obedece ao princípio da tributação do rendimento real efetivo, ou seja, o imposto deve incidir sobre o rendimento efetivamente obtido (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP).

Em obediência a este princípio, determina-se no artigo 16.º, n.º 1, do CIRC que a matéria tributável é, por regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo que a AT venha a fazer da mesma.

O IRC incide, então, sobre o “lucro das sociedades comerciais”, sendo que, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 3.º do CIRC “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no código”.

O lucro tributável das pessoas coletivas, de acordo com o artigo 17.º do CIRC, é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas nesse mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos daquele Código.

Sendo que, no atinente ao ónus da prova, incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Mais se refira, com particular interesse para os presentes autos, que vigora neste âmbito o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, segundo o qual:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Daí resulta que, gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. O que significa que, in casu tem o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos proveitos declarados pela Impugnante, ora Recorrente, só então passando a competir à mesma o ónus da prova de que os mesmos correspondem à realidade.

Ora, tendo por base a fundamentação supra expendida e analisada à luz do recorte probatório dos autos, assiste, efetivamente, razão ao propugnado pela Recorrente quando advoga que a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impende, na medida em que os pressupostos em que assenta o seu juízo de entendimento, são insuficientes, conclusivos, e fundam-se em premissas erróneas que inquinam a conclusão atinente à omissão de proveitos.

Senão vejamos.

Do acervo probatório resulta, desde logo, que nem todos os documentos “CM1” davam lugar à emissão de uma fatura, o que inquina, per se, o raciocínio que subjaz e que fundou o apuramento da matéria coletável.

Com efeito do recorte probatório dos autos resulta que:

No ano de 2013, e conforme já referimos e, ora, se reitera, a Impugnante utilizava um programa de faturação informático denominado “iECR” certificado pela AT com a licença n.º 1194, e que nesse mesmo programa de faturação podiam ser emitidos documentos de conferência através das funcionalidades “Imprimir p/ controlo” e “Imprimir p/cliente”, sendo que a funcionalidade “Imprimir p/cliente” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM1” e a funcionalidade “Imprimir p/controlo” provocava um registo cuja numeração se iniciava com “CM2”.

Dimanando, igualmente, que no atinente aos documentos “CM1” os mesmos representam as consultas de mesa através das quais se registam os pedidos dos clientes, e que podiam ser emitidos vários documentos de consulta de mesa para os mesmos clientes.

Sendo que nos registos dos documentos denominados “CM1” podem existir registos de um ou mais documentos denominados “CM1”, antecessores/intermédios, que lhe deram origem.

Significa, portanto, que os documentos “CM1” podem dar origem a uma fatura, mas podem, também, dar origem a um outro ou vários documentos “CM1”, materializando, inclusive, duplicações.

É certo que dimana provado que existem documentos CM1 em número muito superior às faturas ou faturas simplificadas, porém, tal realidade de per se, não permite inferir uma omissão de proveitos. Até porque, dizem-nos, desde logo, as regras da experiência que no âmbito da atividade de bares, para uma mesa podem existir diversos e sucessivos pedidos, a que corresponderão, igualmente, diversos CM1. Sendo que um CM1 não tem, naturalmente, que corresponder ao valor total dos pedidos realizados, pelo que podem existir CM1 sem fatura, bastando, para o efeito, equacionar as situações de anulações, de aditamentos e mesmo de alterações de pedidos.

Logo, dimana perentório que a prova produzida elucidou que os documentos “CM1” não davam, necessariamente, lugar à emissão de uma fatura, sendo que a metodologia utilizada pela AT, de computação do último não só não se encontra, minimamente justificada, assentando, num juízo absolutamente conclusivo, como não traduz a devida fiabilidade, basilar no âmbito de uma avaliação direta, como in casu.

Há, ademais, que ter presente que o Relatório Pericial é perentório em afirmar que a mera análise da pen é redutora, e que as conclusões podem traduzir deficit atento o escasso acervo de elementos que lhe subjaz, o que elencou não só como “reserva”, mas como índice de exame e ora aditado à matéria de facto.

Não se acompanhando, assim, o aduzido na sentença recorrida quanto à conclusão de que a peritagem conclui que “existe coerência e consistência nos registos existentes, assim como nas respetivas bases de dados”, conforme demos nota supra aquando da eliminação do facto contemplado em 19), e para o qual remetemos.

Ademais, importa relevar que atentando no teor do Relatório de Inspeção Tributária a mesma se limita a enunciar os juízos conclusivos, que levaram às correções mediante a consulta à aludida pen, não demonstrando, com a devida substanciação, o que aferiram na “pen” apreendida, limitando-se a elaborar o Anexo II, o qual mais não representa que uma tabela que agrega e sintetiza as correções efetuadas.

Não podendo, sem mais, relevar que “analisando a tabela sales_hashes verificou-se que o campo designado de gb_identifier_header é utilizado para identificar a transação. operação foi emitida uma “CM1” e posteriormente uma fatura, da referida tabela constarão 2 registos, tendo como elemento comum pelo menos o valor do gb_identifier_header.”

Até porque, da consulta ao aludido Anexo II, apenas está contemplada uma parte da realidade, ou seja, aquela que congrega os documentos “CM1” computados para efeitos da fixação da matéria coletável, nada se dizendo quanto aos documentos “CM1” que alegadamente não relevaram, não sendo, portanto, possível aferir sobre uma concreta duplicação, exclusão ou mesmo afastamento, e os motivos subjacentes ao mesmo.

Não podendo, igualmente e conforme já demos nota e, ora, reiteramos, ter o alcance granjeado pelo Tribunal a quo quanto à consideração dos últimos CM1, na medida em que fica por explicar a razão atinente a essa valoração e ponderação, sendo que no caso a apreciação teria de ser casuística, devidamente mensurada e com a análise da cadeia integrativa do processo CM1, explicitando-se, assim, quais os ponderados, quais os expurgados, e os motivos subjacentes a essas opções. Ora, conforme resulta expresso do Relatório de Inspeção Tributária nada disso foi realizado e externado.


Sendo ainda de reiterar que, não releva neste e para este efeito, a factualidade elencada na alínea d) da factualidade não provada, na medida em que, conforme já tivemos oportunidade de referir, a mesma reporta-se ao ónus da Recorrente, e que impõe, preliminar e previamente que a AT tenha cumprido os pressupostos atinentes ao efeito, o que, como visto, não sucede.

Ainda neste âmbito, importa relevar que pese embora o Tribunal a quo não tenha convocado a questão atinente aos fluxos financeiros -a mesma integra a fundamentação contemporânea do ato, sendo, portanto, pertinente a sua convocação- a verdade é que tais elementos de facto não são, outrossim, legitimadores das correções realizadas, bem pelo contrário.

E isto porque, existem, desde logo, realidades que ficam por elucidar e que não foram, efetivamente, ponderadas, mormente, o facto de existirem movimentos bancários que consubstanciam transferências efetuadas pelo sócio da Impugnante.

Não podendo, naturalmente, relevar para efeitos da concreta demonstração de omissão de proveitos, mormente, desfasamentos de quantum, uma assunção conclusiva e claudicante no sentido de que “[p]oderá ser justificado em virtude de o sujeito passivo não ter procedido à totalidade dos depósitos dos rendimentos auferidos na referida conta bancária”, e aventando, inclusive a título de prognose que “muitas vezes nesta atividade o pagamento aos fornecedores é efetuado com dinheiro em caixa”, sem que exista a menor consubstanciação, em termos de expressão pormenorizada, quer qualitativa, quer quantitativa, e nesse concreto domínio.

Note-se que, a AT socorreu-se da avaliação direta, porquanto todas as correções realizadas devem ser, devidamente, atestadas num juízo claro e perfeitamente identificador dos pressupostos e premissas inerentes, não podendo, como é bom de ver, socorrer-se de juízos presuntivos, com extrapolações e inferências e premissas não devidamente suportadas e demonstradas.

Ora, tais asserções não permitem concluir, sem mais, que as diferenças apuradas entre os extratos bancários e os valores declarados consubstanciam necessariamente omissões de proveitos, bem pelo contrário.

A final, conforme aduzido pela Recorrente e que se secunda, no limite sempre o Tribunal teria de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100.º do CPPT, e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AT, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios seguros e suficientes daqueles.


Destarte, em face de todo o exposto, entende-se que assiste, efetivamente, razão à Recorrente porquanto não estão, devidamente, demonstrados os pressupostos que determinaram as correções.

Este foi também o sentido do Acórdão proferido por este TCAS, no âmbito do processo nº 121/2016, relativamente ao mesmo Impugnante, ao mesmo exercício, resultante do mesmo Relatório Inspetivo, com aproveitamento da prova testemunhal e atendibilidade a Relatório Pericial, diferindo apenas quanto à natureza do imposto e com identidade fática (existindo apenas pequenas nuances fáticas sem expressão dignas de destaque e destrinça), o qual se adere e acolhe, inclusive, atendendo ao artigo 8.º do CC, e que se transcreve na parte que releva para os presentes autos:

“Prosseguindo, tenhamos presente que as liquidações de IVA sindicadas são resultantes de avaliação direta, tendo a AT concluído haver uma omissão de proveitos e, nessa medida, a falta de liquidação e entrega do IVA respeitante a transações efetuadas no exercício da atividade de bar desenvolvida pela Impugnante.

No essencial, como se percebe, a AT concluiu que foram emitidos inúmeros documentos CM1, Imprimir P/Cliente (consultas de mesa), que refletiam pedidos feitos por clientes e que não deram origem à correspondente fatura (ou fatura simplificada).

Tenhamos presente que, nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária (ou dos contribuintes) recai sobre quem os invoca.

No caso, como o TAF explicou, competia, em primeiro lugar, à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, arrogando-se a AT o direito à liquidação adicional de imposto teria por encargo probatório, nos termos citados, a demonstração dos factos constitutivos do direito à liquidação.

Tenha-se ainda presente que, estando a contabilidade organizada, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que a mesma não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte, por força do artigo 75º da LGT.

Ora, no caso, como bem mostra a matéria de facto e a análise detalhada constante da sentença, o esteio essencial para as correções efetuadas corresponde ao anexo II ao RIT, documento no qual, ao longo de cerca de 300 páginas, são identificados milhares de números de CM1 que não terão dado origem a fatura e, consequentemente, à liquidação de IVA. Foi nesse documento (anexo II) que se apurou o IVA em falta no período em análise.

Deixámos já transcritas as considerações e óbices que o Tribunal a quo apontou a tal documento como forma de suportar, como se impunha, de forma evidente e compreensível as correções efetuadas.

Vejamos.

Como se percebe, a circunstância de haver documentos CM1 em número muito superior às faturas ou faturas simplificadas, nada tem de extraordinário na atividade de bar, já que os CM1 correspondem aos diversos pedidos feitos numa mesa e um CM1 não tem que corresponder (e muitas vezes não corresponderá) ao valor total dos pedidos feitos, pelo que podem existir CM1 sem fatura. Note-se que um CM1 pode dar lugar a uma fatura ou pode dar lugar a várias, se a conta for dividida, por exemplo.

Também pode acontecer que um CM1 dê lugar a outro CM1 ou, ainda, que várias linhas de diferentes CM1 deem origem a uma fatura, se, por hipótese, alguém paga um item de um pedido inicial, ao qual acrescenta outro item de um pedido posterior seu ou de outra pessoa. Portanto, repita-se, a um CM1 não se segue obrigatoriamente a emissão de fatura, o que se justifica por uma multiplicidade de situações que podem ocorrer no serviço de bar.

Ainda que este Tribunal possa perceber o alcance da linha argumentativa espelhada no RIT, a verdade é que, como o TAF apontou, ela sofre de diversas fragilidades, sendo a mais evidente a falta de evidenciação no relatório das premissas que permitiram chegar às conclusões alcançadas.

A fim de evitarmos repetições (face à análise detalhada que a sentença levou a cabo), salientamos o seguinte: era essencial que no RIT, e nos elementos que o suportam, tivesse ficado evidente o total dos pedidos por mesa (podendo ser um ou vários CM1) e perceber, face a esse total, o que foi, ou não, faturado – repete-se, com respeito a uma mesa. Esta necessidade é absoluta, pois – lembremo-nos – estamos no âmbito da avaliação direta.

Como a matéria de facto evidencia, vários CM1 podem dar lugar a uma única fatura, pelo que a técnica utilizada de caso tenham sido emitidos dois ou mais documentos do tipo “CM1” para a mesma transação, apenas o último concorre para efeitos de apuramento de prestações de serviços/vendas omitidas”, pouco tem de fiável.

Porquê o último e não outro? Por outro lado, este itinerário argumentativo não surge evidente, pelo que dificilmente pode ser apreendido e controlado, quer pelo contribuinte, quer pelo Tribunal. Como o Tribunal a quo apontou, não é possível aferir se os documentos CM1 em causa estavam efetivamente em duplicado, se foram excluídos ou se outros documentos deveriam ter sido excluídos e não foram.

Ora, os elementos que constam do relatório não permitem o conhecimento mínimo essencial para acompanhar todo o percurso de análise levado a cabo pelos SIT, o que impede, face à escassez e fragilidade dos elementos, concluir pela demonstração concludente dos pressupostos em que a AT fez assentar os valores corrigidos e adicionalmente liquidados.

Na verdade, perante a constatação de que nem todos os CM1 dão necessariamente lugar a uma fatura/fatura simplificada, impunha-se, em sede de avaliação direta, uma base fundamentadora dos pressupostos com outra solidez e concludência.

Diga-se, por último, que as conclusões retiradas pelos SIT relativamente aos extratos bancários (concretamente as diferenças apuradas relativamente os valores declarados) também não se assumem como dados concludentes, já que, como resulta da matéria de facto, foram evidenciadas situações de movimentos correspondentes a transferências efetuadas pelo sócio a favor da sociedade impugnante e que, pela sua natureza, escapam ao conceito de omissão de proveitos.

Assim sendo, há que concluir, com a sentença recorrida, que a AT não demonstrou, como lhe competia, o ónus probatório relativamente aos pressupostos das correções efetuadas e liquidações adicionais emitidas.” (destaques e sublinhados nossos).

Ajuíza-se, assim, que a AT não provou a verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e por assim ser, a sentença que assim o não entendeu não pode manter-se, concluindo-se pela existência de vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, o que comina o ato de liquidação de anulabilidade.


***


Subsiste, então, por apreciar se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.Comecemos por convocar o regime jurídico e tecer os considerandos de direito que se afiguram relevantes neste e para este efeito.

A reposição da situação ex ante, passa pela reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado, realizando todos os atos materiais de execução que se revelem necessários para o efeito.

Conforme dimana do artigo 100.º da LGT, a reconstituição da situação que hipoteticamente existiria na ausência da prática de ato ilegal ter-se-á de coadunar e pressupor a reparação de todos os efeitos dos atos consequentes do ato declarado ilegal, donde com o reembolso das quantias indevidamente pagas.

Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT, com a redação à data aplicável, que:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

Mais preceituando o artigo 61.º do CPPT, que:

1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades:

a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;

b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição;

c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento;

d) Pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do ato tributário.

2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respetivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.

4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.

5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, pode o interessado reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no n.º 1, no prazo de 120 dias contados da data do conhecimento da nota de crédito ou, na sua falta, do termo do prazo para a sua emissão.

7 - O interessado pode ainda, no prazo de 30 dias contados do termo do prazo de execução espontânea da decisão, reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios no caso da execução de uma decisão judicial de que resulte esse direito.”

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT, dimanando, assim, que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu .

In casu, não obstante o vício que inquinou o ato seja um vício de violação de lei, donde exista erro imputável aos serviços, a verdade é que falta um pressuposto basilar que se coaduna com o seu pagamento.

Como visto, os pressupostos do direito a juros indemnizatórios encontram-se plasmados no citado normativo 43.º LGT, sendo os mesmos distintos consoante o seu enquadramento legal, podendo sintetizar-se os requisitos contemplados no seu nº1, da seguinte forma:

- Existência de um erro num ato de liquidação de um tributo;

- Esse erro seja imputável aos serviços;

- Definido em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial;

- Que determine o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Ora, do supra expendido dimana perentório que é pressuposto basilar da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios o pagamento indevido da correspondente prestação tributária. Como é bom de ver, só pode ordenar-se a restituição do que foi, efetivamente, pago e naturalmente incidem juros para locupletar essa privação de capital.

Como doutrinado por JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES e outros , “[q]uando ocorre atraso na percepção do valor a pagar pelos contribuintes, o prejuízo correspondente do credor tributário é reparado com o pagamento de juros compensatórios e juros de mora. Quando o sujeito passivo do tributo efectua um pagamento indevido ou a administração tributária procede tardiamente à sua restituição, o prejuízo do sujeito passivo é reparado com o pagamento de juros indemnizatórios.”.

Note-se, ademais, que carece de qualquer justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional, como doutrinado nos Arestos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 194/20, de 18 de maio de 2023 e 1027/08, de 14 de janeiro de 2020.

Aqui chegados, não resultando provado, no caso sub judice, e conforme resulta do ponto 5) da factualidade não provada, e não impugnado, que a Recorrente haja procedido ao pagamento da liquidação de IRC impugnada, não há que reconhecer o direito a juros indemnizatórios.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR a decisão recorrida, e em consequência julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação do ato de liquidação de IRC impugnado, improcedendo o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Custas pela Recorrida.

Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de novembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Maria Cardoso)

(Vital Lopes)