Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:647/23.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS;.
TITULO DE RESIDÊNCIA.
Sumário:I – Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.

II – Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.

III – O cidadão estrangeiro, enquanto o requerido título de residência não lhe for emitido, ou enquanto a autorização de residência não lhe for concedida, padecerá de todos os males que decorrem de estar ilegal no país.

Deste modo, considera-se existir uma necessidade imediata da detenção de um título ou uma autorização para se poder manter a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar na qualidade de estrangeiro com título legal de permanência.

IV A legalização da permanência no nosso território, é uma condição sine qua non para estrangeiro consiga uma regular integração no mercado de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e saúde.

A falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coartados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual, terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias pelo âmbito desta intimação.

A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode pois ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar – artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.

V - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta;

VI A falta de um título legal que permita a permanência do requerente em território nacional pode preencher, em abstrato, os pressupostos de recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, perante a omissão de decisão administrativa.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
M..... intentou a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ao abrigo do art. 109º, do CPTA, contra o Ministério da Administração Interna/SEF, na qual peticionou a intimação do réu a decidir a sua pretensão formulada em 2 de dezembro de 2021, bem como a emitir o seu título de residência.
Em síntese, peticiona o Requerente “(…) pela intimação do Requerido a decidir a pretensão por si formulada e a, consequentemente, emitir o seu título de residência ou, caso não se entenda que o objeto foi pedido de deferimento, declarar o deferimento tácito do mesmo, aplicando-se, em qualquer dos casos, uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento do julgado.”

O TAC de Lisboa decidiu em 13 de abril de 2023 julgar “inobservado o requisito da subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, circunstância que consubstancia uma exceção dilatória inominada, nos termos conjugados dos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, ambos do CPTA, e, em consequência, absolvo o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA da presente instância iniciada por M......”

Inconformado, o Autor recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa decisão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
“A) O Tribunal a quo faz um interpretação errada da Lei e ignora a Jurisprudência assente no STA e TC A SUL sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
B) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o Único instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão
C) E o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
D) O uso da providência cautelar pela sua precariedade é incerto no seu desfecho.
E) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos.
F) Somado a isso o Réu SEF recorre atualmente das providências cautelares.
G) O que aumenta ainda mais a incerteza do Requerente.
H) O Existe jurisprudência no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal e ainda no STA.
I) Existe desde 2019 uma reversão Jurisprudencial.
J) 0 Requerente vê ameaçada a sua identidade em território nacional o seu emprego, está a pagar impostos e não vê reconhecidos os seus direitos.
K) Especial enfâse para o processo n° 2906/22.7 BELSB de 23/02/23 e processo n° 3682/22.9 BELSB de 31.03.23 do TCA SUL.
L) O tribunal a quo não está a acatar a posição do TCA SUL e STA.
M) Estão ultrapassados os prazos legais previstos no artigo 11 Io, 1 do CPTA

N )Não existe tempo a perder devendo o R. SEF ser devidamente Intimado a decidir e a emitir o respetivo título de residência ao Autor.
O) Violaram-se os artigos 10,2V2°,13°, 15°,26°, 27°,36°,67°,68 da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 59/17 e Lei 102/17 e ainda artºs 5º,8º, 10°, 13° todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC.
Termos em que se conclui e requer com o mui douto provimento de v. Exas :
A) ser considerado procedente o presente recurso.
B) deve ser revogada a sentença a quo.
C) deve ser reconhecida em definitivo a intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias como o único instrumento legal para melhor Salvaguarda dos interesses do requerente e na Defesa da lei e da constituição da república portuguesa.
D) deve ser ainda o réu SEF intimado ou condenado a decidir de imediato.
E) deve ainda ser o réu SEF condenado a emitir a respetiva residência legal do autor com urgência.

Em 6 de Junho de 2023 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

O Recorrido MAI/SEF não apresentou contra-alegação de recurso.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado em 27 de junho de 2023, emitiu Parecer no mesmo dia, concluindo “no sentido da improcedência do presente recurso.”

Notificado este parecer às partes, veio o autor reiterar a sua posição, pugnando pela procedência do recurso.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade:
“1. Em 02.12.2021, o Requerente apresentou junto do Requerido uma manifestação de interesse ao abrigo do artigo 88.°, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04.07 (facto admitido por acordo, cf. artigos 25.° e 24.° dos doutos r.i. e resposta apresentadas).”

Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

A questão suscitada resume-se em determinar se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar o presente meio processual - intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - como inidóneo.

Por decisão singular foi decidido “Conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a Sentença Recorrida, mais se intimando “o Recorrido/SEF a, no prazo de 15 dias decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelo Autor.”


O Ministério Público veio em 3 de julho de 2023, reclamar para a Conferência, concluindo:
“1) O Ministério Público junto deste TCAS, na defesa da legalidade, não se conformando com a Decisão Sumária proferida, vem dela apresentar Reclamação para a Conferência, visando, assim, que o caso seja submetido ao Venerando Coletivo e que sobre a matéria nela decidida recaia Acórdão, que, apreciando o recurso interposto pelo Autor – cujo objeto se delimitado pelas conclusões nele formuladas –, lhe negue provimento, mantendo a sentença recorrida.
2) Aderindo-se integralmente à fundamentação da sentença proferida em 1ª instância, e dando aqui por reproduzido o teor do parecer que oportunamente emitimos nos autos, considera-se – ressalvado o devido respeito – que o entendimento que veio a ser perfilhado na Decisão Sumária, de que ora se reclama para a conferência do Venerando Coletivo deste TCAS, não valorou devidamente a circunstância de o Requerente, no seu requerimento inicial, incumprindo o ónus de alegação que sobre ele impendia, não ter alegado factos suscetíveis de evidenciarem o preenchimentos dos requisitos da indispensabilidade e subsidiariedade inerentes à ação de intimação prevista no art. 109º, do CPTA;
3) A verificação de tais requisitos terá que ser efetuada em concreto, analisando, para o efeito, específica situação dos autos, aferida em função do pedido e da respetiva causa de pedir, tal como foi configurada no requerimento inicial.
4) Pois que para o acionamento da tutela prevista no art. 109º, do CPTA, não basta que se esteja perante um direito, liberdade e garantia pessoal, nem, simplesmente, que se mostre violado o prazo para a decisão administrativa, nem bastará apelar a anteriores decisões jurisprudenciais para sustentar a adequação desta tutela, descurando as concretas circunstâncias do presente caso, tal como o Requerente as configurou no requerimento inicial.
5) É certo que o Requerente alegou, de forma conclusiva, que considera que os seus direitos à identidade pessoal, à dignidade da pessoa humana, à família e ao direito ao trabalho e à estabilidade no trabalho estão a ser postergados em virtude da inércia do Requerido.
6) Todavia, perscrutada a petição inicial, não se vislumbrou a alegação de quaisquer factos que fossem suscetíveis de evidenciar/justificar a necessidade de uma tutela principal urgente, pois que o Requerente não cuidou de alegar, com recurso a factos concretos, por que razão e de que modo a tutela dos direitos fundamentais invocados carece, no seu caso, de uma decisão definitiva urgente.
7) Assim, admitindo-se embora que o facto de o Requerente não ser titular de uma autorização de residência poderá, eventualmente, contender com alguns dos direitos, liberdades e garantias que invoca, verifica-se, porém, que o mesmo não alegou quaisquer factos que permitissem concluir que o recurso à ação de intimação é, nas circunstâncias do caso, indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de tais direitos e que, para o efeito, não era suficiente o recurso aos meios normais de tutela, incluindo a cautelar.
8) Impondo-se ainda notar que, ao contrário do que defendeu o Requerente, se considera que, manifestamente, no caso dos autos não se está perante uma situação atinente à sua identidade ou cidadania, em que não poderia haver decisões provisórias, que obstasse, assim, à idoneidade da tutela cautelar.
9) Mas antes, estamos perante uma situação de mera autorização de residência, em que não se vê que pudesse haver qualquer obstáculo legal à concessão de uma providência cautelar antecipatória, com eventual decretamento provisório, que, verificados que fossem os requisitos legalmente previstos para o efeito no art. 120º, do CPTA, intimasse a entidade administrativa a emitir um título provisório que habilite o Requerente a permanecer no país na pendência da ação principal.
10) Acompanhando-se o entendimento que, em dissonância com o sufragado na Decisão Sumária ora reclamada, foi perfilhado no Ac. do TCA Sul de 25/05/2023, proc. 806/22.0BEALM, quanto à questão da idoneidade da tutela cautelar em casos como o dos autos, e em que, com apoio em eminente doutrina e jurisprudência, concluiu pela afirmativa
TERMOS EM QUE, Deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se integralmente a sentença recorrida. ASSIM, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA”

Vejamos:
A decisão recorrida considerou o presente meio processual como inidóneo por falta de verificação do requisito da subsidiariedade.

O autor, ora recorrente, defende que a decisão ora sindicada é ilegal, já que carece de uma decisão definitiva em tempo útil sobre o mérito da sua pretensão para tutelar os direitos que invoca.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida.

Vem predominante e recursivamente suscitado o facto de se entender que a Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias será o meio processual idóneo para o Autor fazer valer a sua pretensão.

Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
Trata-se de uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar aquela situação concreta.
Assim, para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
Ora, no que concerne à urgência no uso do meio processual intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, perante o alegado na PI, terá de considerar-se um pressuposto verificado.
Efetivamente o Autor apresentou o seu pedido no SEF há cerca de ano e meio (02.12.2021), entidade que teria 90 dias para se pronunciar face à manifestação de interesse com vista à obtenção de autorização de residência ao abrigo do regime do art.º 88.º/2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, não tendo a Administração, até ao momento, emitido qualquer tipo de decisão, o que determina que aquele esteja indocumentado e a residir no nosso país ilegalmente, por não ser titular nem de uma autorização de permanência, nem de uma autorização de residência, embora se mantenha a trabalhar.
Assim, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual.
Enquanto o indicado título de residência não for emitido ao Recorrente, ou enquanto a autorização de residência não lhe for concedida, ele padecerá de todos os males que decorrem de estar ilegal no nosso país.
Deste modo, e como alegado na PI, considera-se existir uma necessidade imediata do Recorrente em deter um título ou uma autorização para se poder manter a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar na qualidade de estrangeiro com título legal de permanência.
Quanto à legalização da permanência do Recorrente no nosso território, é uma condição sine qua non para que consiga uma regular integração no mercado de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e saúde.
No caso, o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostrar-se-iam os mesmos inidóneos, pois a atribuição de uma providência desse tipo implicaria a atribuição efetiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da indicada autorização de permanência ou de residência. Isto é, o uso da tutela cautelar antecipatória equivaleria à atribuição de facto, efetiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal.
A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal.
Por seu turno, como decorre do acima assinalado, o uso de um meio principal, não urgente, não acautelaria, em tempo útil, a situação do Recorrente.
As regras da experiência, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência, em termos de legalidade, do Recorrente no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao principio da dignidade da pessoa humana (cf. art.º 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. art.ºs. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (art.º 26.º, n.º 1, da CRP), a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. art.ºs. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. art.º 64.º da CRP).
Em face da presente situação, o Recorrente pode ver-se limitado na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação.
Em suma, a falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coartados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual, terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias e logicamente pelo âmbito desta intimação.
A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode pois ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar – artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
Em linha com o vindo de discorrer, sumariou-se no Acórdão deste TCAS nº 2482/17.2BELSB, de 15-02-2018, nomeadamente, o seguinte:
“I – A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta;
II - Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar;
III – Estão preenchidos os pressupostos indicados no art.º 109.º, n.º1, do CPTA, numa situação em que o A. requer a condenação do SEF a emitir-lhe um título de residência, ou subsidiariamente a ser-lhe concedida uma autorização de residência, alegando ter-se verificado um deferimento tácito desse pedido e que desde Junho de 2017 deixou de ter um título que lhe permitisse estar legal no nosso território, estando assim violados os seus direitos à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, a procurar trabalho, a trabalhar, à estabilidade no trabalho ou à saúde;
(…)
V- Por conseguinte, neste caso, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual;
(…)”

Sumariou-se ainda no mesmo sentido, e mais recentemente, no Acórdão do TCAS nº 1899/18.0BELSB, de 30-01-2020, o seguinte:
“A falta de um título legal que permita a permanência do requerente em território nacional pode preencher, em abstrato, os pressupostos de recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, perante a omissão de decisão administrativa.”

Em qualquer caso, importa não perder de vista que nos termos do arte 13° n° 1 do CPA, “os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.”
Não obstante a verificada inércia administrativa, tal não determina que o Tribunal esteja em condições de condenar a Administração a deferir a autorização de residência solicitada e a emitir o título de residência a favor do Requerente.
Assim, em obediência ao disposto no art.° 71.°/2 e 3 do CPTA - e na medida em que decorre dos autos que a Administração ainda não procedeu sequer à cabal instrução do procedimento em causa - deve este tribunal determinar que prossiga a Administração com a instrução necessária de modo seja proferida decisão - que foi ilegalmente omitida - naquele procedimento.
Com efeito, não está este Tribunal em condições de condenar, sem mais, a entidade administrativa recorrida, desde logo por falta de elementos que permitam proceder à apreciação da pretensão.
Considerando o disposto no art.° 71.°/3 do mesmo Código, a alternativa não passa, porém, pela absolvição do Intimado do pedido, pois que é devida a prática de um ato pela Administração, tal como imposto pelo princípio da decisão consagrado nos artigos 266º/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e no art.° 13.° do CPA.
Nesta conformidade, não sendo possível determinar o conteúdo do ato administrativo a proferir, deverá a Administração, obedecendo às citadas normas, ser condenada a instruir e decidir o pedido de concessão de autorização de residência do Requerente em prazo que se estima ser razoável e adequado fixar-se em 15 dias.

IV - Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária do relator de conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a Sentença Recorrida, mais se intimando o Recorrido/SEF a, no prazo de 15 dias decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelo Autor.

Custas pelo Recorrido/SEF (art.° 527.°/1 e 2 do CPC), sem prejuízo da isenção objetiva prevista no art.° 4.º/2/b) in fine do RCP.

Lisboa, 31 de agosto de 2023

Frederico Macedo Branco

Carlos Araújo

Jorge Cortês