Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:527/15.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA
INDEMNIZAÇÃO
ERRO IMPUTÁVEL À AT
MEIO PROCESSUAL
Sumário:I - A indemnização prevista no artigo 53.º nº 2 da LGT, não prescinde da verificação, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, da existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
II – A reparação poderá ser pedida em processo próprio, pela demonstração da existência do direito a indemnização, nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


L…, impugnou no Tribunal Tributário (TT) o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação adicional de IVA n.º 12006502M, referente ao período de 2005 e juros compensatórios.

Por Acórdão de 23/04/2015, transitado em julgado, em sede de recurso no âmbito do processo de oposição n.º 2273/13.0 BELRS foi declarada a inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de notificação das liquidações impugnadas nos presentes autos, dentro do prazo de caducidade.

Notificada da extinção do processo de execução fiscal, veio a impugnante requerer o prosseguimento dos autos, invocando que o conhecimento dos vícios dos actos tributários impugnados (cuja caducidade foi declarada), é condição para apreciação e deferimento do pedido de indemnização dos encargos incorridos com a prestação de garantia devida, cujo pedido havia formulado na petição inicial.

Por sentença proferida nos autos, o Tribunal julgou procedente a impugnação por se verificar a caducidade do direito à liquidação e procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia.

Inconformada com o segmento da decisão referente à condenação da administração tributária no pagamento de indemnização pela prestação indevida de garantia, a Fazenda Pública, interpôs recurso apresentando alegações, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

«1. Na douta sentença ora recorrida o tribunal "a quo", julgou procedente a presente impugnação e, em consequência, determinou o direito de a Impugnante, "(...) ser indemnizada pela prestação indevida de garantia, nos termos do art.53° da LGT.";

2. Com todo respeito, que é muito, não podemos, de modo algum, concordar com tal decisão, por a mesma não traduzir uma correta aplicação do direito aos factos que a fundamentaram, padecendo a douta sentença, por esse facto, de erro de facto e de direito quanto aos pressupostos, no que respeita ao direito a indemnização por prestação de garantia indevida, prevista no artigo 53° da LGT;

3. Tendo presente, que a garantia não foi prestada no âmbito dos presentes autos de Impugnação judicial, como resulta provado e é facto não controvertido, nem por período superior a 3 (três) nos como é exigível pelo n° 1 do mencionado artigo 53° da LGT, como condição sine qua non, para que o devedor possa ser ressarcido, total ou parcialmente, dos custos suportados com a prestação de garantia tendo em vista a suspensão da execução fiscal, nem que houve erro imputável aos serviços na liquidação dos tributos;

4. Como se disse em "Dos facto dados como provados", o tribunal a quo, fundamentou a sua decisão, transcrevendo parte do acórdão proferido pelo TCAS, em 23.04.2015, (Proc° n°8.753/15), pelo qual foi mantida, em recurso, a sentença proferida no processo de oposição judicial n°2273/13. OBELRS, que determinou a extinção da execução fiscal, por inexigibilidade da quantia exequenda, por as liquidações que lhe deram origem terem sido emitidas já depois de completado o prazo de caducidade do direito à liquidação e, também, por não terem sido validamente notificadas no prazo de caducidade, nos termos do artigo 45°, n° 1, do CPPT,

5. Só se pode concluir que, não tendo o tribunal a quo emitido pronúncia relativamente à eventual ilegalidade das liquidações ou se nas mesmas houve erro imputável aos serviços, não podia ter decido como decidiu, pelo direito da Impugnante em ser ressarcida pela prestação de garantia com o intuito de suspender o processo de execução fiscal, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 53°, n°1 e 2 da LGT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência seja a douta sentença ora recorrida, revogada, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto no artigo 53°, n° 1 e 2 da LGT, e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia formulado pela impugnante, por não se encontrarem reunidos os pressupostos previstos naquela norma.»


*


A Impugnante contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido, tudo com base no seguinte no seguinte quadro conclusivo:«l.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n°R029 2013 005 218, deduzido contra a liquidação adicional de IVA n°12006502 M, no valor de €2.881.636.99 e correspondente liquidação de juros compensatórios n°12006484 M, no valor de € 517.312,90, ambas datadas de 23.01.2012 e referentes ao período de julho de 2005;

2.ª O Ilustre Representante da Fazenda Pública invoca no seu recurso um alegado erro da sentença recorrida no que respeita à verificação dos pressupostos do direito à indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos do artigo 53° da Lei Geral Tributária (LGT);

3.ª Não podem proceder, salvo o devido respeito, os fundamentos em que assenta o presente recurso, o qual deve ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida na parte ora objeto de recurso;

4.ª Resulta do disposto no artigo 53° da LGT e no artigo 171° do CPPT que são pressupostos da indemnização pela prestação de garantia indevida (i) a prestação de uma garantia para suspensão de um processo de execução fiscal, (ii) a ocorrência de prejuízos com a sua prestação e (iii) a manutenção da garantia por período superior a três anos ou a existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo verificado em processo de reclamação ou impugnação;

5.ª No caso sub judice, estão verificados todos os pressupostos em que assenta o direito a esta indemnização, pois que a ora Recorrida prestou uma garantia bancária tendente à suspensão do processo de execução fiscal, tendo incorrido em custos com a sua prestação e, embora a garantia bancária não tenha sido mantida por período superior a 3 anos, verifica-se a existência de erro imputável aos serviços na emissão da liquidação;

6ª A esta conclusão não obstam os argumentos aduzidos pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública no seu recurso e que se suportam, por um lado, na alegada circunstância de a garantia não ter sido prestada no âmbito do processo de impugnação judicial e, por outro, na alegada circunstância de o Tribunal não ter concluído de forma expressa pela existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo;

7.ª Com efeito, e desde logo, é destituída de qualquer fundamento a afirmação de que a garantia não foi prestada no âmbito do presente processo de impugnação judicial ou de que a mesma não o foi ''(...) no âmbito ou por causa dos presentes autos, mas antes, num processo de oposição judicial, autónomo (...). " (cf. p. 10 das alegações de recurso);

8.ª De facto, a garantia bancária é prestada no âmbito de um processo de execução fiscal, independentemente dos meios de reacção a que o contribuinte recorra para a contestação da legalidade ou da exigibilidade da dívida, sendo suficiente que a indemnização seja requerida no processo em que se discute a legalidade da dívida - o que sucedeu, precisamente, no caso sub judice;

9.ª Deste modo, encontram-se cumpridos todos os requisitos legais de que depende a sua apreciação no âmbito dos presentes autos, razão pela qual improcede, assim, o argumento da Fazenda Pública assente na falta de prestação da garantia bancária no âmbito do presente processo de impugnação judicial;

10.ª Também no que concerne à alegada falta de apreciação da existência de erro imputável aos serviços não assiste razão ao Ilustre Representante da Fazenda Pública, na medida em que, contrariamente ao que surge invocado, o erro imputável aos serviços tem-se por verificado na medida em que os actos tributários sub judice foram anulados com fundamento em ilegalidade assente na sua emissão em violação do prazo de caducidade do direito à liquidação, o qual consubstancia um erro sobre os pressupostos de facto e de direito do ato tributário;

11.ª Trata-se de entendimento que encontra acolhimento na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, de que é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.01.2015, proferido no processo n°0632/14, e que também encontra respaldo na doutrina, de que são exemplo JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES (et al.) (cf. «Lei Geral Tributária - Comentada e Anotada», Almedina, 2015, pp. 549-550, sublinhados nossos) e DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (cf. «Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada». Encontro da Escrita, 2012, pp.433);

12.ª Em face do supra exposto, não restam dúvidas de que qualquer ilegalidade do ato tributário de liquidação não imputável ao sujeito passivo é causa de indemnização pela prestação de garantia indevida, como, aliás, é decorrência do próprio artigo 100° da LGT, segundo o qual a administração tributária está obrigada à reconstituição da situação que existiria se não houvesse ocorrido a emissão do ato tributário, pelo que o dever de reconstituição não pode deixar de abranger o pagamento de uma indemnização correspondente ao valor dos encargos suportados pelo contribuinte com a prestação de uma garantia bancária;

13.ª É neste contexto que se conclui, pois, que bem andou a sentença recorrida quando decidiu no sentido do reconhecimento do direito do contribuinte à indemnização pela prestação de garantia indevida, razão pela qual deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a douta sentença recorrida;

14.ª E nem sequer se invoque, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, que o erro imputável aos serviços para efeitos do disposto no artigo 53°, n°2, da LGT não abarca todo e qualquer tipo de ilegalidade, mas apenas aquelas que se reconduzem ao conceito de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, excluindo-se dessa forma os vícios dos actos administrativos e tributários, nomeadamente os vícios de fornia e de incompetência, nem se invoque, por conseguinte, que este entendimento afasta o direito à indemnização no caso sub judice;

15.ª Este entendimento não pode proceder, uma vez que a anulação dos actos tributários de liquidação com fundamento na emissão dos mesmos actos para além do decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação integra a existência de um erro sobre os pressupostos de facto e de direito do ato e não se trata de um vício suportado em regras procedimentais da administração tributária;

16.ª De facto, importa não perder de vista que, ao contrário da notificação do ato para além do prazo de caducidade do direito à liquidação, que pode ser erigido a vício formal, a emissão do ato para além do prazo de caducidade do direito à liquidação é um verdadeiro erro nos pressupostos do ato pois que o inquina de ilegalidade (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume III, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pp. 485) (sublinhado nosso);

17.ª Trata-se de conclusão sufragada pela sentença recorrida, quando na mesma se refere que "(...) as liquidações impugnadas foram emitidas já depois de completado o prazo de caducidade do direito à liquidação (...)" (cf. p. 18 da sentença recorrida);

18.ª Assim, e em face do exposto, uma vez demonstrado que a anulação do ato tributário com fundamento na emissão para além do prazo de caducidade do direito à liquidação é um erro sobre os pressupostos de facto e de direito - e não um mero vício formal ou procedimental - e que foi com este fundamento que os actos tributários sub judice foram anulados, resulta evidente que sempre se verificaria a existência de erro imputável aos serviços para efeitos do disposto no artigo 53°, n°2, da LGT no caso sub judice;

19.ª Trata-se de conclusão que, acrescente-se, também não surge inquinada pelos acórdãos citados pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas doutas alegações de recurso, nos quais suporta o seu entendimento de que a anulação dos actos tributários sub judice não implica a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que, para além do facto de os referidos acórdãos aludirem a situações em que está em causa o pagamento de juros indemnizatórios, o que desde logo impede a transposição directa do seu entendimento para o caso sub judice, os mesmos abordam situação distinta que se prende com a notificação do ato para lá do prazo de caducidade do direito de liquidação;

20.ª Não são, por conseguinte, e em face do que supra se expôs, susceptíveis de afastar o direito à indemnização pela prestação de garantia indevida no caso sub judice;

21.ª Sem prejuízo do acima exposto, e sem conceder quanto ao que acima se aduziu, entende ainda a Recorrida que, mesmo que não estivesse perante um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas um mero vício, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, nem por isso deveria deixar de lhe ser reconhecido o direito à indemnização pela prestação de garantia indevida;22.ª É que, estando em causa um direito à indemnização que se suporta na ocorrência efectiva de danos, não se compreende, nem pode aceitar-se, qualquer restrição ao referido direito;

23.ª De facto, contrariamente ao que sucede quando está em causa o pagamento de juros indemnizatórios, em que o reconhecimento de um vício formal não implica qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação tributária cobrada pela administração tributária, razão pela qual se compreenderia que não se impusesse a atribuição de uma indemnização ao contribuinte consubstanciada no pagamento dos juros indemnizatórios, no caso da indemnização pela prestação de garantia indevida há um inequívoco prejuízo para o contribuinte não admitido pelas normas fiscais - qual seja, a ocorrência de danos concretos com a prestação de uma garantia - que não pode deixar de ser ressarcido;

24.ª É esta concreta ocorrência de danos e prejuízos - que não uma mera privação de um montante de imposto por um determinado período de tempo - que justifica que não haja qualquer limitação ao nível dos fundamentos de ilegalidade do ato de liquidação que suportem esse direito;

25.ª Com efeito, no caso do pagamento de juros indemnizatórios, há uma presunção de lesão para o contribuinte que justificará a sua atribuição apenas quando a anulação do ato se efectue com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito, enquanto que, no caso da indemnização pela prestação de garantia indevida, há uma efectiva ocorrência de danos que não justifica idêntica restrição como a que sucede no caso do pagamento dos juros indemnizatórios (cf., ilustrando a consistência do entendimento quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios e permitindo concluir que o mesmo é intransponível para o caso sub judice, JORGE LOPES DE SOUSA, «Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais». Áreas Editora, 2010, pp. 43-44);

26.ª Trata-se, em suma, de uma solução que pode ser considerada equilibrada no âmbito dos juros indemnizatórios, mas que não pode deixar de implicar que, no caso do pagamento de uma indemnização pela prestação de garantia indevida, havendo prejuízos, os mesmos sejam indemnizados independentemente dos vícios ou erros em que suportou a anulação dos actos tributários impugnados;

27.ª Outra interpretação que não a que é supra aduzida pela Recorrida é susceptível de incorrer, com o devido respeito, em inconstitucionalidade;

28.ª Com efeito, a interpretação do artigo 53°, n°2, da LGT, no sentido de que o conceito de erro imputável aos serviços não abrange qualquer tipo de ilegalidade, mas apenas os erros sobre os pressupostos de facto e de direito na liquidação do tributo, incorre em inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 22° da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que se invoca para os devidos efeitos legais;

29.ª De facto, está em causa uma restrição ao direito ao ressarcimento dos danos emergentes da prática de actos tributários ilegais para a qual inexiste qualquer justificação e fundamento legal;

30.ª Assim, e em face de todo o exposto, resulta por demais evidente que bem decidiu o Tribunal recorrido, quando reconheceu o direito à indemnização pela prestação de garantia indevida. Razão pela qual, deve julgar-se improcedente o recurso apresentado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»

Requereu ainda, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.


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A Procuradora-Geral Adjunta, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOAtento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que a declaração de caducidade do direito à liquidação confere à ora recorrida o direito a indemnização pela prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal e se a interpretação do artigo 53.°, n.° 2, da LGT, no sentido de que o conceito de erro imputável aos serviços não abrange qualquer tipo de ilegalidade, mas apenas os erros sobre os pressupostos de facto e de direito na liquidação do tributo, quando esteja em causa a prestação de garantia incorre em inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 22.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Impugnante é um sujeito passivo de IVA registado no Reino Unido e não estabelecido no território português, que exerce habitualmente a actividade de locação de meios de transporte. (Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada e confirmado pela decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa)
B) Durante os anos de 2002 a 2004, a Impugnante procedeu ao aluguer de viaturas a clientes finais sediados no Reino Unido. (Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada e confirmado pela decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa)
C) Para efectuar a locação daquelas viaturas, a Impugnante adquiriu serviços de aluguer de viaturas a empresas terceiras sediadas em Portugal. (Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada e confirmado pela decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa)
D) Aquelas empresas facturaram à Impugnante os diversos serviços que lhe foram prestados, acrescidos de IVA. (Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada e confirmado pela decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa)
E) A ora Impugnante requereu o reembolso do IVA suportado em Portugal com referência aos anos de 2002 a 2004. (Conforme copiados respectivos pedidos e despachos de deferimento juntos como doc. n°2 ao pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor em apenso).
F) Em 20.06.2003, foi requerido o reembolso do IVA suportado em Portugal com referência ao ano de 2002, no montante de €843.636,53, o qual foi objecto de deferimento em 13.04.2004. (Conforme doc. n°2 do pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor em apenso).
G) Em 07.06.2004, requereu o reembolso do IVA suportado com referência ao ano de 2003, no montante de €1.321.379,91, sobre o qual recaiu despacho de deferimento datado de 09.05.2005. (Conforme doc. n°2 do pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor, em apenso).
H) Em 06.06.2005, a Impugnante requereu, nos mesmos termos, o reembolso do IVA suportado com referência ao ano de 2004, no valor de €716.620,55, sobre o qual recaiu despacho de deferimento datado de 15.11.2005. (Conforme doc. n°2 do pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor em apenso).
l) Aqueles montantes foram pagos à Impugnante, respectivamente, em 19.04.2004, 10.05.2005 e 22.11.2005. (Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada e confirmado pela decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa)
J) Nos anos de 2002 a 2006, a Impugnante esteve registada junto das autoridades competentes no Reino Unido como empresa de locação de meios de transporte (rent-a-car). (Conforme certificados "Group Registration Record", "Certificate of Status of Taxable Person" e "Certificate of Registration for Value Added Tax" juntos como doc. n°3 ao pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor em apenso).
K) A Impugnante é classificada de acordo com o código 71100, a que corresponde a actividade de "Carand van rental" (Aluguer de Automóveis e Carrinhas). (Conforme doc. n°3 do pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor, em apenso).
L) Posteriormente, tendo por base a informação n°749, de 16-11-2011, da Direcção de Serviços de Reembolso, sancionada, por despacho de 2011-11-18, da respectiva Directora de Serviços desta unidade orgânica, sustentada num parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF), formulado na informação n°229/2010, de 2010-05-20, que mereceu despacho de actuação em conformidade, do Exm° Senhor Director Geral da AT, de 2010-05-25, sancionando a metodologia de actuação proposta, que se transcreve, na parte com interesse para os presentes autos:
«Como reconhecido pela delegação britânica no Comité IVA, no Reino Unido as rent-a-car aplicam o regime das agências de viagem quando dão em locação viaturas que lhe tenham sido locadas por terceiros.
Tal significa que cada rent-a-car britânica não pode deduzir — ou pedir reembolso — do IVA que lhe foi facturado pela empresa que lhe locou as viaturas cuja locação a clientes finais submeteu ao regime. Tal decorre inequivocamente do disposto no artigo 310° da Directiva IVA, que estabelece que "o IVA liquidado à agência de viagens por outros sujeitos passivos relativamente às operações referidas no artigo 307º efectuadas em benefício directo do cliente não é dedutível nem reembolsável em nenhum Estado membro".
Considerando que o regime especial das agências de viagens tem Carácter obrigatório quando estejam verificados os respectivos pressupostos, não prevendo qualquer possibilidade de opção pela tributação pelo regime normal de tributação, é legítimo supor que todas as rent-a-car britânicas estão enquadradas no regime da margem quando dão em locação viaturas a clientes finais, viaturas essas que tenham locado junto de outros operadores.
Tal significa que as rent-a-car britânicas não podem solicitar ao Estado português o reembolso do IVA que lhe tenha sido liquidado por empresas estabelecidas em Portugal pela locação de curta ou longa duração de viaturas que são colocadas à disposição em território nacional, mas cuja locação aos clientes finais é facturado (pela margem) a partir do Reino Unido.
Sendo sabido que as empresas rent-a-car do Reino Unido há largos anos vêm solicitando o reembolso de IVA suportado com a locação de viaturas em Portugal, anteriormente ao abrigo do Decreto-Lei n. ° 408/87, de 31 de Dezembro, e presentemente ao abrigo do regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro do reembolso, aprovado pelo artigo 6,0 do Decreto-Lei n. ° 186/2009, de 12 de agosto, importa obstar a tal situação.
Nesse sentido, vem propor-se que os serviços competentes promovam as medidas adequadas para assegurar que:a) Não sejam reembolsadas a empresas rent-a-car do Reino Unido os montantes de IVA suportados em Portugal, relativos à locação de viaturas colocadas à disposição dos clientes finais em território nacional;
b) No caso de ocorrerem pedidos de reembolso de empresas rent-a-car de outros Estados membros, tais pedidos sejam objecto de pedidos de informação adicionais, junto da respectiva administração fiscal, para garantir que não está nesse Estado a ser aplicado o regime da margem à locação de viaturas colocadas à disposição dos clientes em território nacional:
c) Se superiormente assim for entendido, se proceda ás liquidações adicionais que se mostrem devidas, ao abrigo do disposto no artigo 17° do Regime de reembolso a sujeitos passivos não residentes.
Propõe-se que, para os devidos efeitos, se dê conhecimento desta informação aos Serviços de Inspeção Tributária, à Direção de Serviços de Reembolsos e à Direção de Finanças de Lisboa.».(Conforme resulta de fls. 87 e segs. do processo administrativo apenso).
M) Foi proposto, ao abrigo do art°310° da Diretiva IVA e artº4° do Regime Especial do IVA nas Agências de Viagens e Organizadores de Circuitos Turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n°221/85, de 3 de julho, à direção de Serviços de Cobrança, nos termos do art°7° do Decreto-Lei n°408/87, de 30 de dezembro, vigente à data dos reembolsos, "que se proceda às devidas liquidações adicionais, relativamente às empresas sediados no Reino Unido, identificadas na presente informação, para ressarcimento pelo estado dos valores indevidamente pagos. (Conforme resulta de fls. 87 e segs. do processo administrativo apenso).
N) Foram emitidas as liquidações objeto de impugnação nos presentes autos, (Liq n°12006502 M, no valor de €2.881.636,99) e (Liq. n°12006484 M, na quantia de €517.312,90). (Conforme resulta de fls. 94 e 101 do processo administrativo apenso).
O) Por não terem sido pagas dentro do prazo de cobrança voluntária, cujo termo ocorreu em 2012.03.31, foram extraídas as certidões de dívida para fins de instauração do competente processo executivo. (Conforme resulta de fls. 50 a 53 do processo administrativo apenso).
P) A ora Impugnante, na sequência da instauração do processo executivo n°3085201201148311, a correr termo no mencionado SF Lisboa 3, foi citada em 17.05.2013, (Conforme resulta de fls. 49 do processo administrativo apenso).
Q) Em sequência, deduziu oposição judicial que foi registada neste tribunal sob o n°2273/13.0BELRS. (Conforme resulta de fls. 55 e segs. do processo administrativo apenso).
R) Simultaneamente, a Impugnante procedeu à prestação de garantia bancária para a suspensão do processo de execução fiscal então instaurado (Conforme resulta de fls. 83 do processo administrativo apenso).
S) Posteriormente, já em setembro de 2013, a Impugnante foi notificada de certidão emitida pelo serviço de finanças de Lisboa-3 da qual consta a informação solicitada com referência àquela dívida exequenda e, designadamente, às liquidações de IVA e juros compensatórios em causa (Conforme resulta de fls. 86 e segs. do processo administrativo apenso).
T) Em 28.10.2013, a Impugnante deduziu revisão oficiosa contra os atos tributários identificados em epígrafe. (conforme pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor em apenso).
U) Na revisão oficiosa foram invocados como fundamentos de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios sub judice a sua emissão após o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45° da Lei Geral Tributária (LGT), a ilegalidade da revogação das decisões de deferimento dos reembolsos concedidos ao abrigo do Decreto-Lei n°408/87, de 31 de dezembro e, por fim, a violação dos princípios da neutralidade do IVA e da reciprocidade na interpretação do disposto no artigo 17°, n°3, alínea a), da Sexta Diretiva do IVA. (conforme pedido de revisão oficiosa que integra o processo administrativo instrutor em apenso).
V) Em 03.11.2014, a Impugnante foi notificada, através do Ofício n°1911, de 31.10.2014, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a qual convola em definitivo o projeto de decisão anteriormente notificado, (Conforme resulta de fis. 74 e segs.).
W) Naquela decisão os serviços da administração tributária principiam por reconhecer a tempestividade e admissibilidade do presente pedido de revisão oficiosa (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
X) Referem os serviços da administração tributária, então, que "(...) os vícios alegados no presente pedido de revisão oficiosa estão em apreciação no âmbito do referido processo de oposição judicial, designadamente os relativos à alegada caducidade do direito à liquidação de imposto (...)"(Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
Y) Deste modo, e fazendo apelo ao disposto no n°2 do artigo 68° do CPPT, segundo o qual "(...) Não pode ser deduzida reclamação graciosa quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento ", determinam aqueles serviços que "(...) na parte em que os fundamentos do presente pedido de revisão oficiosa coincidirem com aqueles em discussão na oposição judicial, o pedido de revisão tem de ser considerado inadmissível (...)"(Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
Z) No entendimento dos serviços da administração tributária, "Esta coincidência verifica-se no que concerne à imputada ilegalidade dos atos tributários por caducidade do direito à liquidação (...) E também no que concerne ao exercício extemporâneo do direito à revogação do ato de deferimento dos pedidos de reembolso (...) O que configura uma alegação de caducidade do direito à revogação de tais atos" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
AA) Com efeito, para aqueles serviços,"(...) o vício da revogação ilegal das decisões de reembolso, por extemporaneidade, apesar de não ter sido expressamente aludido na oposição judicial, para efeitos de apreciação, não pode ser cindido da pretérita alegação da caducidade do direito à liquidação. Em ambos os casos o que está em apreciação é o limite do prazo para a revogação dos deferimentos, seja ele o prazo de caducidade do imposto, um prazo existente especificamente para a revisão de decisões administrativas ou outro" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
BB) Assim, concluem os serviços da administração tributária que "(...) só podem ser apreciados os vícios plasmados nos pontos 67° a 95° do presente pedido de revisão, apresentado ao abrigo do art°78° da LGT, rejeitando-se liminarmente o conhecimento da alegada ilegalidade relativa ao momento da prolação das liquidações" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
CC) Determinando, então, conhecer apenas do vício respeitante à violação dos princípios da neutralidade do IVA e da reciprocidade na interpretação do disposto no artigo 17°, n.°3, alínea a), da Sexta Directiva do IVA, referem os serviços da administração tributária, tendo por base a Informação n°229/2010, de 20.05.20 10, do Centro de Estudos Fiscais, sancionada por despacho de 25.05.2010 do Director-geral dos Impostos, que as informações administrativas juntas aos autos "(..) demonstram, de forma inequívoca, que os reembolsos requeridos foram indevidamente atribuídos, estando, quanto à sua substância, justificada a emissão de liquidação adicional de imposto com o fim de proceder à sua revogação" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
DD) Efectivamente, consideram os serviços da administração tributária que "(…) o facto das empresas rent-a-car aplicarem o regime das agências de viagens quando dão em locação viaturas que lhes tenham sido locadas por terceiros, facturando (pela margem) a locação aos clientes finais a partir do Reino Unido, tem por consequência necessária a impossibilidade de deduzirem ou pedirem o reembolso do IVA que lhes foi facturado pela empresa que lhes locou as viaturas dadas depois em locação aos seus clientes" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
EE) Para tanto, invocam que "Uma vez que a impossibilidade de dedução decorre directamente das normas da Directiva e da legislação nacional, estando a administração vinculada à aplicação dessas normas, revela-se inoperante alegar a violação de princípios gerais de tributação, como sejam os da neutralidade ou reciprocidade, porquanto estes só relevam no âmbito da margem de discricionariedade permitida pela Directiva, designadamente em situações em que as suas normas possam ter mais do que uma interpretação" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
FF) bem como que"(...) parece claro que as normas invocadas nas informações referidas não violam os princípios da neutralidade e da reciprocidade. O que se afiguraria desvirtuador da neutralidade do imposto seria permitir a um sujeito passivo que liquida pela margem, a dedução na íntegra do imposto suportado para efeitos dessa operação. Ademais, não pode a Requerente invocar uma situação de reciprocidade ou de igualdade com as empresas de rent-a-car registadas em Portugal, porquanto estas não liquidam pela margem, mas sim nos termos gerais" (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).

GG) Deste modo, concluem os serviços da administração tributária pelo indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante. (Conforme resulta de fls. 74 e segs.).
HH) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 03/02/20115. (Conforme resulta de fls. 3).
II) Em 27.06.2014, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição judicial n°2273/13.0BELRS, deduzida contra a execução fiscal n°3085201201148311, (Conforme resulta de fls. 118 segs.).
JJ) Conforme resulta da aludida sentença, a oposição judicial foi julgada procedente com fundamento na falta de notificação das liquidações, o que implica a inexigibilidade da dívida nos termos da alínea i) do n°1 do artigo 204° do CPPT. (Conforme resulta de fls. 118 segs.).
KK) Contra a referida sentença foi apresentado recurso pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, o qual aguarda, na presente data, notificação do respectivo despacho de admissão.
LL) Por douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23/04/2015, foi mantida a sentença proferida no processo de oposição judicial n° 2273/13.0BELRS, deduzida contra a execução fiscal n°3085201201148311. (Conforme resulta da certidão de fls. 118 e segs.).
MM) Resulta do referido acórdão em matéria de fundamentação de facto:
1. Em 2 de agosto de 2012 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de 3 contra a ora Oponente o processo de execução fiscal n°3085201201148311 referente a NA de julho de 2005 e correspondentes juros compensatórios no montante total de EUR 3,398.949,89, sendo EUR 2.881.636,99 referentes a IVA e EUR 517.312,90 a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 2012/03/31 (cf. autuação e certidões de dívida n°s 2012/40982 e 2012/40983, respectivamente a fls. 38, 39 a 40 e 41 a 42 dos autos).
2. Em 17 de maio de 2013 a Oponente foi citada para a execução através do ofício n°4928 de 2013/05/09, do qual consta para além das quantias referidas no ponto anterior "acrescido" no montante de EUR 281.939,97assim como o valor indicativo para efeitos de garantia de EUR 4.607.515,33 (cf. cópia do oficio a fls. 25 e 55, e informação dos serviços a fls. 122, todas dos autos)
3. A Oponente é um sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) registado no Reino Unido e não estabelecido no território português.
4. Em 2003 a Oponente requereu o reembolso do IVA suportado em Portugal com referência ao ano de 2002 no montante de EUR 843.636,53 que lhe foi pago em abril de 2004 (cf. informação n°749 da Direcção de Serviços de Reembolsos, a fls. 83 dos autos).
5. Em junho de 2004 a Oponente requereu o reembolso do IVA suportado com referência ao ano de 2003 no montante de EUR 1.321.379,91 que lhe foi pago em maio de 2005 (cf. informação n°749 da Direcção de Serviços de Reembolsos, a fls. 83 dos autos).
6.Em 2005, a Oponente requereu o reembolso do IVA suportado em território português com referência ao ano de 2004, no valor de EUR 716.620,55 que lhe foi pago em 22 de novembro de 2005 (cf. informação n°749 da Direcção de Serviços de Reembolsos, a fls. 83 dos autos).7. Em 16 de novembro de 2011 foi emitida a informação n° 749 pela Direcção de Serviços de Reembolsos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. informação a fls. 82 a 86 dos autos).
8. Em 18 de novembro de 2011 a directora de Serviços de Reembolsos exarou despacho sobre a informação referida no ponto anterior, com o seguinte teor (cf. informação a fls, 82 a 86 dos autos):
Defiro
Face ao exposto e legislação fiscal vigente, relativa à concessão de rb's IVA a SP. não residentes no EM. de reembolso para garantir o principio da neutralidade e equidade fiscal que orienta o sistema comum do IVA e, em conformidade com a jurisprudência comunitária (TJUE) deve ser solicitado à DSC a emissão das respectivas liquidações, para efeito de regularização dos montantes indevidamente concedidos aos sujeitos passivos registados na Grã-Bretanha, constantes da presente informação.
9. Em 23 de janeiro de 2012 foi emitida a liquidação adicional de IVA n° 12006502M "feita pelos serviços nos termos do art87° do Código do IVA" no montante de EUR 2.881.636,99, com referência ao período de julho de 2005 e data limite de pagamento em 2012/03/31 (cf. documento de cobrança a fls. 70 dos autos).
10. Em 23 de janeiro de 2012 foi emitida a liquidação de juros compensatórios n°1 2006484M, no montante de EUR 517.312,90 com referência ao período de julho de 2005 e data limite de pagamento em 2012/03/31 (cf. documento de cobrança a fls. 76 dos autos).
11. Através do ofício n°1475 datado de 2012/02/02, foi remetida a notificação para o pagamento voluntário do IVA no montante de EUR 2.881.636,99, sob o número de registo RM 6022 7360 4 PT acompanhado de aviso de recepção que foi devolvido com a indicação "Gone away" (mudou-se) (cf. fls. 66 e 67 dos autos).
12. Através do ofício n°2665 datado de 2012/03/06, foi remetida notificação com a indicação notificação - n. ° 5 ART 39.° CPPT' para o pagamento voluntário do IVA no montante de € 2.881.636,99 sob o número de registo RM 6022 6066 2 PT acompanhado de aviso de recepção que foi devolvido com a indicação "Gone away" (mudou-se) (cf. fls. 64 e 65 dos autos).
13. Através do ofício n°1477 datado de 2012/02/02, foi remetida notificação para o pagamento dos juros compensatórios no montante de EUR 517.312,90 sob o número de registo RM 6022 7359 5 PT e acompanhado de aviso de recepção que foi devolvido com a indicação "Gone away" (mudou-se) (cf. fls. 74 e 75 dos autos).
14. Através do ofício n°2705 datado de 2012/03/06, foi remetida notificação com a indicação "2ª notificação — n°5 ART 39° CPPT para o pagamento dos juros compensatórios no montante de EUR 517.312,90, sob número de registo RM 6022 6071 6 PT, acompanhado de aviso de recepção que foi devolvido com a indicação "Gone away" (mudou-se) (cf. fls. 72 e 73 dos autos).
15. A PI da presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 3 em 7 de junho de 2013 para onde foi remetida em 5 de junho de 2013 através de correio postal registado (cf. carimbo aposto a fls. 4 e vinheta de registo postal aposta no sobrescrito de remessa, a fls. 32, e ambas dos autos).
NN) Considerou o acórdão referido:
«(...) Assim, face ao disposto nos n°s 1 e 4 do artigo 45 ° da Lei Geral Tributária (LGT), estando em causa IVA e juros compensatórios referentes ao período de julho de 2005, e iniciando-se a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação em 01.01.2006, conclui-se que quaisquer liquidações deveriam ter sido emitidas e notificadas à Recorrida em data anterior a 01.01.2010, o que não sucedeu, pois que o termo do prazo para pagamento voluntário daquelas liquidações vem referido a 31.03.2012. Aliás, para notificação das mesmas efetuadas em 23.1.2012, foram expedidas cartas registadas com A/R, em 2.2.2012 e 6.3.2012 que foram devolvidas com a indicação "Gone away" (mudou-se) (cfr. n°s 11 a 14 do probatório), donde não haver prova de que as liquidações foram notificadas, sendo que com a indicação de mudou-se nas primeiras cartas enviadas não se verifica o pressuposto da 1 parte do n°5 do art 39 do CPPT para que sejam enviadas novas cartas registadas com AR para notificação. Não se verifica, com as cartas para notificação devolvidas com aquela indicação qualquer presunção de notificação das liquidações, pelo que a conclusão a extrair é de que as liquidações não foram notificadas, como, aliás, se entendeu na decisão recorrida.
A falta de notificação da liquidação do tributo no prazo da caducidade, sendo mesmo que a oponente nunca foi notificada das liquidações antes da instauração da execução, constitui fundamento de oposição à execução com previsão na al. e) do n°1 do art.204 do CPPT determinante de extinção da execução em relação à oponente, ora recorrida.
Improcedem, pois, todas as conclusões da recorrente, sendo de manter a decisão que julgou procedente a oposição.
(...)
IV — Termos em que acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida. (...)»NN) A Impugnante foi notificada do Ofício n°559, de 14.01.2016, do serviço de finanças de Lisboa-3, através do qual se informa que o processo de execução fiscal n°3085201201148311, instaurado para cobrança dos actos tributários sub judice, se encontra"(..) extinto por anulação em impugnação desde 13-07-2015". (Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada e reafirmado pelo ofício de fls. 170 a 172).»

*
Consta ainda da mesma sentença que «a convicção do tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e referidos a propósito de cada alínea do probatório, sendo que não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, que importe registar como não provados.»
*

III – 2. Da apreciação do recursoPor se considerar relevantes na apreciação da situação em apreciação e por resultarem documentalmente provados nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

OO) Em 19/06/2013 a impugnante prestou garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 3085201201148311 – cf. sitaf pág 2 do processo 2273/13.0BELRS;

PP) Por despacho de 09/10/2013, após prestação de esclarecimentos pela impugnante foi aceite a garantia prestada e determinada a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3085201201148311 – cf. sitaf pág 2 do processo n.º 2273/13.0BELRS.


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Estabilizada a decisão sobre a matéria de facto, vejamos o recurso que nos vem dirigido.

O Representante da Fazenda Pública recorre da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que havia sido deduzida contra o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação adicional de IVA, referente ao mês de Julho de 2005, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 3.398.949,89, por caducidade do direito à liquidação, restringindo o objecto do recurso à condenação ao pagamento de indemnização pela prestação de garantia com vista à suspensão do PEF.

A recorrente alega que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto no artigo 53.º da LGT, porquanto considera que não tendo o tribunal a quo emitido pronúncia relativamente à eventual ilegalidade das liquidações ou se nas mesmas houve erro imputável aos serviços, não podia ter decido como decidiu, pelo direito da Impugnante a ser ressarcida pela prestação de garantia com o intuito de suspender o processo de execução fiscal, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 53°, n°1 e 2 da LGT, por inexistência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo em causa.

A recorrida pugna pela manutenção do julgado.

Vejamos, antes de mais, qual o enquadramento legal da questão que nos vem colocada.

Dispõe o artigo 53.º nºs 1 a 3 da LGT, sob a epígrafe de «Garantia em caso de prestação indevida» o seguinte:

«1- O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2- O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3-A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

(…)»

Por seu turno, preceitua o artigo 171.º do CPPT, cujo epígrafe é «Indemnização em caso de garantia indevida»:

«1-A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2-A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.»Da conjugação das citadas normas podemos concluir que os pressupostos constitutivos do direito a indemnização por garantia indevida são os seguintes:

i) a prestação de garantia;

ii) ter o sujeito passivo suportado custos com a prestação ou a manutenção da garantia e;

iii) ter-se apurado ser indevido o imposto liquidado que está na origem da dívida garantida, por ter sido anulada total ou parcialmente tal liquidação por de erro imputável à própria AT, constituindo-se o direito a indemnização desde a data da prestação da garantia;

iv) terem decorrido três anos sobre a data da prestação da garantia caso em que direito à indemnização se constitui independentemente do desfecho da acção depois de decorridos os aludidos três anos.

No caso dos autos a única questão controvertida constitui a questão de saber se se verifica o pressuposto indicado em iii). Mais precisamente, a recorrente considera que na situação subjacente aos autos não existe erro imputável à AT que fundamente a atribuição de indemnização pela prestação de garantia.

No Acórdão de 21/01/2015 do Pleno da Secção do Contencioso Tributário o STA proferido no processo n.º 0632/14 decidiu que «se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (cfr. artº. 53, nº. 2, da L.G.T.). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação for anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (cfr. artº. 53, nº. 1, da L.G.T.)»

Esta jurisprudência vem sendo reafirmada, de modo unanime pelo STA, citando-se o Acórdão proferido pelo Pleno de 4/11/2020 no processo n.º 37/19.6BALSB:

«(…) no acórdão de 30 de setembro de 2020 (2009/18.9BALSB), sem dissidência, estando em causa, igualmente, uma decisão do CAAD, voltou a ser (re)afirmado: « (…).

Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.

Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.

Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.

Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.

É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.

(…). » (sublinhados e destacados nossos).

Sobre o conceito de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, refere Lopes de Sousa «na verdade, a razão que justifica a atribuição do direito a indemnização é a existência de um prejuízo para o particular provocado por uma actuação ilegal da administração tributária, ao efectuar erradamente uma liquidação (…)» (CPPT anotado, Vol. III, 6.ª Edição 2011, Áreas Editora, p. 238 anotação 3).

O conceito de erro imputável aos serviços, para efeitos ressarcitórios, tem tido maior desenvolvimento da jurisprudência no âmbito da aplicação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mais precisamente no que se refere aos pressupostos da atribuição de juros indemnizatórios com o sentido coincidente com o erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, imputável à Administração Tributária.

O conceito de erro imputável aos serviços, para os efeitos do disposto na norma aqui em causa – o n.º 1 do artigo 53.º da LGT, tem o mesmo alcance. Isto é, integra as situações em que está em causa o erro vício, que implica um juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente. Não abrangendo as situações em que a anulação do acto tributário decorre de ilegalidade orgânico-formal, em que não são apreciados os pressupostos de facto e de direito da legalidade do acto, como sucede no caso da caducidade do direito à liquidação, em que o que está em causa é a declaração dos efeitos do decurso do tempo no exercício de um direito, na situação dos autos, do direito a reaver um reembolso considerado indevidamente deferido através de uma liquidar adicional.

Neste sentido já decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, em Acórdão datado de 11/11/2021 relatado pela, aqui 1ª Adjunta no processo n.º 1353/04.9BELSB cuja fundamentação aqui acolhemos:

«Como é consabido, o conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, quer para efeitos do artigo 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária”, não se verificando, assim, tal erro quando o ato seja anulado por um vício formal, incompetência ou caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal atinente ao efeito.

In casu, conforme resulta expresso do probatório (…) o ato de liquidação foi anulado com base em caducidade do direito à liquidação, em virtude de a sua notificação ter sido efetivada depois de ultrapassado o prazo do respetivo direito.Logo, a procedência do aludido vício não preenche o aludido conceito de erro imputável aos serviços.

Explicitemos, então, com o devido pormenor.

A Jurisprudência já por diversas vezes foi chamada a pronunciar-se sobre a aludida questão-sendo a mesma unânime e pacífica- convocando-se, designadamente, o Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 01610/13, datado de 12 de fevereiro de 2015, no qual se doutrina:

“[A] declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT Vejamos:

No caso (…) a situação (…) é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo. (…)

Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação. (…)” (destaques e sublinhados nossos).

De convocar, outrossim, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA12, prolatado no âmbito do processo nº 063214, de 21 de janeiro de 2015 (…)

Também este Tribunal já decidiu em situação similar à dos autos, no processo nº 3009/04, datado de 22 de outubro de 2020, convocando-se, para o efeito, excerto do seu sumário na parte que para os autos releva:

“O conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do art.º 43.º, n.º 1, quer para efeitos do art.º 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária”, não se verificando, designadamente, quando o ato de liquidação for anulado em consequência da procedência de vício de forma ou com base em caducidade do direito à liquidação, em virtude de a sua notificação ter sido efetivada depois de ultrapassado o prazo do respetivo direito.” (destaques e sublinhados nossos).»

Impõe-se, assim concluir, que o vício que determinou a anulação do acto de liquidação não se subsume, nem integra o conceito de erro imputável aos serviços, pelo que, não se verifica o pressuposto necessário à procedência do pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, mostrando-se procedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública.

É de sublinhar ainda que não colhe a distinção que a Recorrente realiza entre falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade e a própria emissão do acto já depois do prazo de caducidade, porquanto ambos constituem vícios formais que não integram o conceito de ilegalidade material e assim sendo, impõe-se-lhes a aplicação do mesmo regime.

Neste mesmo sentido se decidiu no já citado Acórdão do Pleno do STA 37/19.6BALSB, de 04.11.2020 no âmbito da apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: «Efetivamente, há identidade da questão fundamental de direito, incluindo ao nível, da parte relevante, das situações fácticas, versadas no acórdão (arbitral) recorrido e no aresto fundamento; de forma unívoca, tratou-se de decidir, em casos de anulação de atos tributários de liquidação (de IVA e IRS, respetivamente), fundada em caducidade do direito de liquidar, por a notificação, do ato em causa, não ter sido concretizada dentro do prazo da caducidade (A única dissemelhança reside em diversas exigências/vicissitudes ocorridas e ultrapassadas na concretização da notificação dos atos de liquidação; na decisão recorrida, trata-se da notificação do relatório de uma inspeção tributária, que, por “deficiências a vários níveis” acabou por “irremediavelmente, comprometida, no aresto fundamento, o contribuinte (sujeito passivo de IRS) não foi notificado, dentro do prazo da caducidade, uma vez que não foram cumpridos os requisitos da notificação por “hora certa”.), se há ou não lugar à condenação, da AT/entidade liquidadora, no pagamento de juros indemnizatórios, quando tenha ocorrido o pagamento da quantia impugnada, por parte do sujeito passivo/contribuinte.»

Por fim, importa apreciar da questão invocada nas conclusões 22ª e sgs, de saber se a interpretação do artigo 53.°, n.° 2, da LGT, no sentido de que o conceito de erro imputável aos serviços não abrange qualquer tipo de ilegalidade, mas apenas os erros sobre os pressupostos de facto e de direito na liquidação do tributo, quando esteja em causa a prestação de garantia incorre em inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 22.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Alega a Recorrente que o pagamento dos juros indemnizatórios, no caso da indemnização pela prestação de garantia indevida há um inequívoco prejuízo para o contribuinte não admitido pelas normas fiscais - qual seja, a ocorrência de danos concretos com a prestação de uma garantia - que não pode deixar de ser ressarcido.

E assim é. A interpretação que se propugna sobre os efeitos da apreciação dos actos tributários com base em vícios orgânico-formais na determinação de juros indemnizatórios, não viola o artigo 22.º da CRP.

A aplicabilidade da jurisprudência supra citada, no sentido de limitar o pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento de dívida tributária indevida, quando estejam em causa vícios de natureza orgânico-formais, é inteiramente transponível para o caso dos autos, não deixando de ter aplicação no caso concreto da prestação de garantia por não colocar em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que não está vedado o direito a indemnização com vista à reparação de danos por outra via.

Com efeito, como salienta Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, volume I, anotação 5 a) ao artigo 61.º, pág. 532/533, quando não esteja em causa a antijuricidade material da exigência da prestação tributária, tal «não significa que, na sequência de uma anulação derivada de vício procedimental ou de forma ou incompetência, o contribuinte que se sinta lesado nos seus direitos patrimoniais, esteja legalmente impedido de exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, que lhe é assegurado não só pela Constituição, nos termos do seu art. 22.°, como pela lei ordinária, designadamente no RRCEE, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, e, anteriormente, DL n.° 48051, de 21-11-67, diplomas estes em que se faz equivaler ilegalidade a ilicitude (arts. 9.° e 6.° destes diplomas, respectivamente).»

No mesmo sentido pode ver-se o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0245/13 datado de 22/05/2013 «não significa isto que a Recorrida, se entender estar lesada nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533.).»

Também o Tribunal Constitucional sufragou tal interpretação no acórdão n.º 83/14 proferido pelo no processo n.º 203/13 no sentido de não julgar inconstitucional a interpretação da norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal.

Tendo em consideração que o contribuinte pode pedir a indemnização a que se julgue com direito, nos termos do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, o direito à tutela jurisdicional consagrado no artigo 22.º da CRP está assegurado através de meio processual próprio.

Assim se conclui, que não existe qualquer negação da tutela porquanto sempre pode utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos danos que considere devidos.

E assim sendo, a sentença que assim não julgou, não se pode manter, impondo-se a sua revogação com a consequente procedência da acção de impugnação.*

No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à procedência do recurso, a condenação em custas recai sobre a recorrida, sendo as custas em 1ª instância devidas por ambas as partes na proporção do decaimento que se fixa em 50%.


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Quanto ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, atento o valor da causa que excede € 3.398.949,89, mantém-se nesta instância a ponderação e decisão efectuada na sentença, deferindo-se o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

IV – CONCLUSÕES

I - A indemnização prevista no artigo 53.º nº 2 da LGT, não prescinde da verificação, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, da existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

II – A reparação poderá ser pedida em processo próprio, pela demonstração da existência do direito a indemnização, nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção Comum do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional revogar a sentença e julgar improcedente a impugnação na parte recorrida.

Custas pelas partes na proporção de 50%, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Patrícia Manuel Pires – 1ª Adjunta

Luísa Soares – 2ª Adjunta