Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1197/05.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
MÉTODOS INDIRECTOS;
JUROS COMPENSATÓRIOS;
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I – Nos termos do preceituado no artigo 74.º, n.º3 da LGT, em caso se determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

R..., CONSTRUÇÃO CIVIL LDA, veio deduzir impugnação judicial na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 09 de Julho de 2012, julgou parcialmente procedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a R..., CONSTRUÇÃO CIVIL LDA e a Fazenda Pública vieram interpor recurso da mesma.

A R..., CONSTRUÇÃO CIVIL LDA veio oferecer as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1) As obrigações tributárias encontram-se prescritas, dado que entre o dia 01/01/1999 (data da entrada em vigor da LGT) e o dia da apresentação da reclamação graciosa (15/04/2003) decorreram 4 anos, 3 meses e 14 dias e após o dia 15/04/2003, o processo esteve parado por mais de um ano por facto não imputável à Impugnante, pelo que o recomeço da contagem do prazo prescricional tem início em 16/04/2004.

2) Desde o dia 16/04/2004 o prazo prescricional decorreu sem paragens ou interrupções até à data da decisão que se impugna, dado que a impugnação judicial apresentada em 02/12/2005 não produziu um novo efeito interruptivo, pois “nenhum facto posterior ao que faz cessar o efeito interruptivo tem relevância no cômputo do prazo prescricional, designadamente no que concerne a uma nova interrupção.”, conforme se alcança do Ac. do STA, de 17/01/2007, proc. n.º 01129/06.

3) É ilegal o entendimento que o prazo de prescrição se suspendeu desde 11/10/2006, por força da dispensa da prestação de garantia e consequente suspensão do processo de execução fiscal, dado que o art. 49º n.º 3 da LGT, na redação “in casu” aplicável, não permite tal interpretação e decisão, pois a dispensa de prestação de garantia não tem a virtude de suspender o prazo de prescrição.

4) Desde o início da contagem do prazo de prescrição (01/01/1998 e 01/01/1999) até 09/07/2012 (data da sentença em primeira instância) decorreram, respetivamente 11 (onze) e 12 (doze) anos, 6 (seis) meses e 8 (oito) dias, estando consequentemente prescritas as duas obrigações tributárias impugnadas.

5) É ilegal o sentenciamento feito de que está legitimado o uso dos métodos indiretos, quando a Impugnante demonstrou quer em sede de Impugnação Judicial, quer ainda junto da Administração Fiscal na fase da inspeção e ainda na comissão de revisão da matéria tributável, que no ano de 1997 não estavam em falta 148 faturas, ou seja, as com a numeração de 352 até 354; de 356 até 364, de 367 até 377; de 379 até 500 e com os n.ºs 533, 591 e 603.

6) As faturas com os n.ºs 351 a 400 e do n.º 401 ao 450 foram juntas na petição inicial de impugnação judicial sob os Doc.s 12 e 13, bem como anteriormente exibidas pelo Perito da Contribuinte na comissão de revisão da matéria tributável.

7) O livro com as faturas n.ºs 401 a 450 está totalmente em branco, ou seja, nenhuma delas foi emitida pela Impugnante, pelo que é inaceitável que a estas seja indiciariamente imputado “de per si” o valor médio de fatura de €: 6.944,23.

8) Também pelo Perito da Impugnante na comissão de revisão foram exibidas e juntas as faturas n.ºs 451 a 454; 456 e 457; 459 e 460; 464 a 466; 471 e 472; 474 a 478; 480 a 489; 491 a 494 e 497 e 499, as quais foram emitidas no ano de 1995 a favor da sociedade H..., SA, com o NIPC 5..., pelo que a sua contabilização como sendo faturas em falta no ano de 1997 e sob uma quantificação que é desconforme com os valores que as mesmas representam, consubstancia evidente e manifesto erro no apuramento da matéria coletável e grave violação do princípio fundamental da Especialização dos Exercícios.

9) A junção das identificadas faturas tem de abalar a quantificação oficiosa da matéria tributável, já que o total das prestações de serviços considerados como em falta é totalmente desconforme ou desconexa com a realidade factual da Impugnante nestes dois exercícios.

10) Na Comissão de Revisão, pelo Perito do Sujeito Passivo, foram apresentadas (nunca tendo sido impugnadas) as faturas com os n.ºs 868 e 888, as quais foram (estão) anuladas, logo é evidente o erro e o excesso da matéria coletável apurado, porque consideradas em falta e se presume como proveito o valor de cada uma em €: 8.309,75.

11) A Impugnante carreou para o processo, como lhe competia (sem ónus probandi), elementos sérios, idóneos e credíveis que anularam e destruíram “in totum” a contagem quantificadora realizada pela Administração Fiscal, que está eivada de erro ou manifesto excesso na matéria tributável e desconforme com a realidade.

12) A desconsideração dos custos respeitantes à conta 621 – subcontratos, nos anos de 1997 e 1998, quanto às faturas emitidas por F... e P..., no sentido de que são falsas merece censura, patente a evidente contradição entre as declarações emitidas sendo que o primeiro nega ter prestado qualquer atividade relacionada com a construção civil, enquanto que o segundo afirma que exerceu a atividade de pedreiro para o primeiro.

13) Face às declarações de F..., de ter sido alvo de um roubo e que apresentou “queixa à Polícia.”, deveria a Administração Fiscal indagar em concreto esta situação, solicitando do declarante a prova da apresentação da queixa ou de elementos cabais à sua identificação, afim de apurar a verdade e seriedade destas mesmas declarações.

14) Além de que, o sentenciado assenta em prova não produzida e analisada em audiência, quando tal atuação lhe é totalmente vedada e daí a sua ilegalidade, pois a convicção suportada da decisão proferida, há-de fazer-se unicamente com base na prova produzida ou analisada em audiência.

15) O Julgador em primeira instância não exerceu o seu poder/dever de exame, análise e decisão sobre a declaração emitida e assinada por F... a atestar a emissão de variadas faturas a favor da Impugnante.

16) Porque a Impugnante carreou para os autos elementos idóneos suscetíveis de abalar o entendimento de que as faturas emitidas por aqueles dois sujeitos passivos (F... e P...) são falsas, impunha-se ao Tribunal “a quo” decidir que a Impugnante infirmou os elementos indiciários apresentados pela Administração Fiscal e lançou dúvida idóneas sobre a existência dos pressupostos do ato tributário, funcionando sem reservas o art. 100º do C.P.P.T..

17) Devendo assim aplicar-se na presente situação o ensinamento jurisprudencial de que “apurando- se que a impugnante logrou carrear aos presentes autos prova bastante para, pelo menos, infirmar aqueles elementos indiciários e lançar fundada dúvida sobre a existência dos pressupostos do acto tributário impugnado relativamente à verba em causa, terá a mesma de beneficiar o contribuinte.” (Ac. do TCA Sul, processo n.º 02475/08, de 30/06/2009).

II. Do Pedido:

Atento os fundamentos expostos, requer-se doutamente a V. Ex.ªs, que seja “in fine” proferido Acórdão que revogue a Sentença do Tribunal “a quo”, atendendo a que a mesma padece de ilegalidades.

Lavrando Acórdão que dê provimento ao peticionado e consequentemente anule as liquidações sob critica.

Visando sempre a feitura de Justiça.»


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A também recorrente Fazenda Pública apresentou as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a mui Douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por R... Construção Civil Ld.ª, apenas na parte que concerne aos Juros Compensatórios incorporados na liquidação.

lI. A fundamentação da sentença recorrida, assenta em síntese no entendimento de que não serão devidos juros compensatórios sobre a liquidação, por alegado Vicio de Forma por falta de fundamentação, porquanto, terá ficado por explicar por parte da AT a taxa de juro aplicável, bem como o período de tempo considerado.
IlI. A Douta Sentença considerou ainda que a Jurisprudência defende que o acto de liquidação de juros também se encontra sujeito a fundamentação formal, e que não supre a falta de fundamentação o facto do impugnante não ter usado da prerrogativa prevista no artigo 37.º do CPPT, em conformidade com o Acórdão do STA nº 1002/08 de 2009.11.02.
IV. A Impugnante alega falta de fundamentação na liquidação dos juros compensatórios, respectivamente nos montantes de € 198.629,45 e € 15.492,39 falta essa que viola o disposto nos artigos 19.0 ai) b}, 21.º e 82.º todos do Código Processo Tributário, constituindo assim ilegalidade face ao artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário
V. Por sua vez a Douta Sentença acompanha este entendimento, no sentido de considerar não serem devidos juros compensatórios atendendo a que há falta de fundamentação das liquidações.
VI. A fundamentação deve obedecer aos requisitos previstos no art.125º do CPA, ou seja, deve ser clara ou acessível, congruente e suficiente.
VII. No que respeita ao procedimento de liquidação de tributo é do conhecimento comum que o imposto resulta da aplicação de uma taxa ao valor da matéria tributável.
VIII. Estabelece o nº 8 do art.35° da LGT que " os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados".
IX. Ora integrando-se os juros compensatórios na dívida do imposto passam a ser uma das suas componentes.
X. De acordo com o estabelecido no art.77° da LGT os actos tributários estão sujeitos ao dever de fundamentação, sendo que "a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo"
XI. Afirma-se ainda neste dispositivo legal que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária.
XII. Como se afirmou no acórdão do STA de 27.11.1996, recurso nº. 20.775, "só pode haver juros compensatórios se for devido imposto"
XIII. Como se afirma no acórdão do STA de 7-01-2009, recurso nº 871/08 "A exigência de fundamentação dos actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituada no art.120º do CPA) é formulada no art. 268°, nº 3 da CRP, que estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei; e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
XIV. E continua o referido acórdão "Especialmente em matéria de fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o nº 9 do art.35° da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas»
XV. "Assim, é de concluir que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá que ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo" (sublinhado nosso)
XVI. No mesmo sentido veja-se ainda o acórdão do STA de 21-04-2010 no processo 0743/09.
XVII. A nota de liquidação refere o montante dos juros compensatórios, o montante sobre que incidem os juros compensatórios o diploma legal que os determina (art.80° do CIRC). Consta ainda a seguinte informação "Fica notificado para no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção efectuar o pagamento da importância de 688.883,01 euros proveniente da liquidação de IRC do exercício de 1997, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida".
XVIII. Idem, para o exercício de 2008.
XIX. Ora, a impugnante foi notificada do relatório da inspecção, pelo que bastava analisar o conteúdo das liquidações em conjunto com esses elementos para ter a fundamentação dos actos tributários sem ambiguidades ou qualquer obscuridade.
XX. É por demais evidente que a impugnante ficou a saber o porquê da decisão administrativa uma vez que a nota de liquidação menciona que a fundamentação já foi anteriormente remetida e a petição evidencia todos os actos praticados no âmbito do procedimento de inspecção até à notificação da liquidação impugnada.
XXI. Ora, no caso em apreço, os elementos que a impugnante teve ao seu dispor, quer o relatório da inspecção, quer as notificações dos actos tributários, permitiam que a mesma compreendesse a motivação, de facto e de direito, subjacente à actuação da Administração Tributária.
XXII. Assim, tendo em conta a fórmula de cálculo dos juros compensatórios devidos e bem assim os dados constantes da notificação facilmente se apura a taxa de juro. E esta operação não exige especiais conhecimentos ou aptidões, sendo por conseguinte, acessível a um qualquer cidadão médio e, sem margem para grandes dúvidas, relativamente a sujeito passivo que tome a forma de sociedade comercial.
XXlll. Não pode permitir-se que, a coberto do direito à fundamentação se abriguem pretensões que excedem manifestamente o âmbito de cobertura que aquele direito visa assegurar.
XXIV. Por tudo quanto fica exposto, é entendimento da Fazenda Pública que a Douta Sentença ora recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica, devendo concluir­ se pela improcedência do invocado vício de falta de fundamentação, por não estarem as liquidações ora em análise feridas de ilegalidade por violação do direito à fundamentação, previsto no art.77° da LGT.
XXV. Embora sem conceder, os actos tributários têm consagração constitucional e legal, constituindo um importante e estruturante princípio do procedimento tributário;
XXVI. É certo que, em regra, a violação (ou imperfeição) do cumprimento do dever de fundamentação determina a ilegalidade do próprio acto tributário por violação de uma formalidade essencial;
XXVll. Porém, tal nem sempre ocorre, pois que em determinadas situações tal formalidade legal poderá degradar-se em não essencial.
XXVlll. É desde logo, o que sucede nos casos em que inexistindo outros vícios, como acontece nos presentes autos, nos encontramos perante uma actuação vinculada da Administração Tributária, no sentido em que a actuação desta não poderia ser, de modo algum diferente da efectivamente tomada.
XXIX. Em tais casos há lugar à aplicação do princípio do aproveitamento do acto, porquanto, apesar da dita preterição de formalidade não se justifica a anulação do acto, na medida em que a decisão efectiva se revela a única concretamente possível.
XXX. Ora, no caso em apreço sempre se teria que concluir que tal formalidade se degradou em não essencial, donde resultará que da sua omissão ou cumprimento defeituoso não resulta a ilegalidade de tais actos.
XXXI. Para que tal deterioração da formalidade ocorra necessário se torna que a decisão da Administração Tributária não pudesse ser outra.
XXXll. Seja, como se referiu no acórdão do STA de 25.06.2008, por estarmos perante "uma actividade absolutamente vinculada, seja por resultar de mera operação aritmética".
XXXlll. Ora, no caso em apreço, é manifesto que não só estamos perante uma actuação absolutamente vinculada da Administração Tributária, mas também está aqui em causa uma mera operação aritmética.
XXXIV. Assim sendo, tem que se concluir que outra não poderia ser a decisão da Administração Tributária, razão pela qual se deve firmar que a referida formalidade legal se degradou em não essencial, e consequentemente, que a sua violação não determina, por força do referido princípio do aproveitamento, a anulação dos actos tributários.
XXXV. Destarte, a actuação da AT foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos actos tributários, sendo que estes por serem legais, deverão manter­ se na ordem jurídica.
Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença recorrida, na parte que concerne aos juros compensatórios, como é de Direito e Justiça.»

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante encontra-se enquadrada no CAE 45211 – construção de edifícios.

B) A Impugnante encontra-se abrangida pelo regime geral de tributação para efeitos de IRC.

C) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 65718, foi levada a efeito uma acção de fiscalização à Impugnante reportada aos exercícios de 1996 e 1997.

D) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al. C) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do qual consta designadamente o seguinte:


«Imagem no original»



F) No dia 26.07.2001, a Impugnante dirigiu ao Director da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiciários. (Doc. fls. 64/73 do processo administrativo tributário apenso)

G) No dia 15.10.2001, reuniu-se a Comissão de Revisão, tendo em consequência sido elaborada a Acta n.º 55/02, a qual denota que os intervenientes não chegaram a acordo. (Doc. fls. 74/81 do processo administrativo tributário apenso)

H) No dia 22.11.2002, foi proferida a decisão a que se refere o art. 92.°, n.° 6 da LGT, com o seguinte teor:


«Imagem no original»

«Imagem no original»



I) No dia 28.11.2002, com base nas correcções efectuadas a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 8..., relativa ao exercício de 1997, no montante de € 688.883.01, correspondendo € 198.629,45 a juros compensatórios. ( Doc. n.º 4 junto à p.i.)

J) No dia 28.11.2002, com base nas correcções efectuadas a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 83…, relativa ao exercício de 1998, no montante de € 84.175.63, correspondendo € 15.492,39 a juros compensatórios. ( Doc.n.º5 junto à p.i.)

L) No dia 15.04.2003, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998. (Doc. fls. 2/5 do processo de reclamação graciosa apenso)

M) No dia 06.06.2003, o Serviço de Finanças de Sintra – 3 instaurou contra o Impugnante o processo de execução fiscal n.º 35... para, cobrança coerciva da quantia de € 774.913,91, reportada ás quantias apostas nas liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1997 e 1998. (Doc. fls. 1/4 do processo de execução fiscal em apenso)

N) No dia 18.06.2003, a Impugnante foi citada no âmbito do processo de execução a que alude a al. M) do probatório. ( Doc. fls. 5 do processo de execução fiscal em apenso)

O) No dia 15.07.2003, foi apreciada a reclamação graciosa a que alude a al. L) do probatório, e consequentemente elaborado o projecto de decisão final. (Doc. fls. 153/159 do processo de reclamação graciosa apenso)

P) Por oficio n.º 46568, datado de 21.07.2005, foi a Impugnante notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão a que alude a al. O) do probatório. (Doc. fls. 165/166 do processo de reclamação graciosa apenso)

Q) No dia 25.10.2005, por decisão proferida pelo Director de Finanças Adjunto foi a reclamação graciosa a que alude a al. L) do probatório indeferida. (Doc. fls. 167/169 do processo de reclamação graciosa apenso)

R) Mediante oficio n.º 75001, datado de 14.11.2005, foi a Impugnante notificada do despacho de indeferimento a que alude a al.Q) do probatório. (Doc. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso)

T) No dia 02.12.2005, entrou em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

U) Na sequência do pedido de dispensa da prestação de garantia apresentado pelo Impugnante em 03.10.2006, no âmbito do processo de execução a que se refere a al. N) do probatório, o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra – 3, em 11.10.2006, proferiu o seguinte despacho:

“ Face ao requerido e ao informado e tendo em atenção o disposto no artigo 52º n.º4 da Lei Geral Tributária, dispenso a executada da prestação de garantia, suspendendo-se a execução nos termos do art. 169º do CPPT.” ( Doc. fls. 28 do processo de execução fiscal apenso)

V) A impugnação judicial esteve parada, por facto não imputável à Impugnante entre 01.02.2007 (data em que os autos foram conclusos) e 03.04.2009 (data em que foi proferido despacho de fls. 172). ( Cfr. fls.171/172 dos autos)

X) Consta dos autos a fls. 44, um documento titulado” DECLARAÇÃO” com data de 10.05.2002, no qual se mostra aposta uma assinatura não reconhecida presencialmente cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Z) Consta dos autos um livro de facturas/ recibos numeradas de 351 a 400, sendo que somente se encontram preenchidas as facturas correspondendo aos n.ºs 351, 355, 366 e 378.

AA) A Impugnante aceita que o retardamento da liquidação ocorrido entre 3 de outubro a 7 de Novembro se deve a si. ( Cfr. artigo 120º da petição inicial)

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. O depoimento da testemunha, C... (Técnico Oficial de Contas) revelou-se, vago e conclusivo, incapaz assim, de levar á matéria assente outro ou outros factos para alem daqueles que constam do probatório.

FACTOS NÃO PROVADOS.

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ambas as partes interpuseram recurso jurisdicional.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente R..., verificamos que vem invocado erro de julgamento quanto à verificação da prescrição, bem como relativamente ao uso de métodos indirectos e quantificação da matéria tributável.

No que respeita ao recurso interposto pela AT, discorda a recorrente do entendimento seguido pela sentença no que diz respeito à fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios, o que se traduz em erro de julgamento.

Comecemos pelo recurso interposto pela Impugnante.

Da prescrição

A Recorrente não concorda com o entendimento da sentença recorrida que considerou não se encontrarem prescritas as obrigações tributárias impugnadas nos autos.

Para tanto, considera ilegal a conclusão de que o prazo de prescrição se encontra suspenso desde o momento em que foi determinada a dispensa de prestação de garantia e consequente suspensão do processo de execução fiscal.

No que diz respeito à questão da prescrição, a sentença recorrida considerou que não se verificava, tendo alinhado a seguinte argumentação:

“(…)O imposto impugnado IRC relativo a 1997, o prazo de prescrição aplicável é o de oito anos previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil (aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro – de aprovação da LGT), contado desde 1 de Janeiro de 1999, pois que a esta data, correspondente à da entrada em vigor da LGT, faltavam ainda nove anos para o prazo se completar segundo a lei antiga (artigo 34.º números 1 e 2 do Código de Processo Tributário - CPT, nos termos do qual o prazo de prescrição era de dez anos, contados do início do ano civil seguinte ao da verificação do facto tributário).

Este prazo, se tivesse corrido ininterruptamente, ter-se-ia consumado no dia 1 de Janeiro de 2007 (oito anos após o seu início), mas tal não sucedeu por força da ocorrência de causas de interrupção e suspensão da prescrição, relevando, em concreto, para efeitos da contagem do prazo, as previstas na lei vigente ao tempo da sua ocorrência, por força do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 101/102).

Nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 49.º da LGT (na redacção vigente à data dos factos e anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), a interposição de reclamação interrompia a prescrição, cessando, contudo, aquele efeito se o processo estivesse parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se, deste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

No caso em apreço, a Impugnante deduziu reclamação graciosa em 15.04.2003. ( Cfr. al.L) do probatório)

Assim, contado o prazo de prescrição do seu termo inicial (31 de Dezembro de 1999) até à data da autuação da reclamação (15.04.2003), decorreram 5 anos, 3 meses e 14 dias. O efeito interruptivo da prescrição, determinado pela paragem do procedimento de reclamação por mais de um ano (Cfr. alíneas L) e P) do probatório), cessou, pois, em 15.04.2004 (ou seja, um ano após a sua instauração), retomando-se o decurso do prazo no dia seguinte, ou seja, em 16.04.2004.

Menos de um ano do recomeço da contagem a Impugnante deduziu impugnação judicial (02.12.2005), assim, como em 03.10.2006, requereu no âmbito do processo de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia, o que viria a ser deferido mediante despacho datado de 11.10.2006, da autoria do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra – 3. (Cfr. al. U) do probatório)

Temos, assim, que ficando suspensa a execução, desde 11.10.2006 ficou também suspenso o prazo de prescrição (artigo 49º, nº 3 da LGT). Com efeito, a paragem do processo de execução por motivo da suspensão requerida pela Impugnante é-lhe imputável, pois a sua actuação coloca o órgão de execução fiscal, enquanto credor da dívida exequenda, numa situação de a não poder cobrar, nos termos do disposto nos artigos 49º, nº 3 da LGT (redacção inicial) e 169º do CPPT - cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pág. 68.

Sendo, irrelevante para o cálculo da prescrição a paragem do processo de impugnação referida na al.V) do probatório, uma vez que já decorria a suspensão do prazo de prescrição, nos termos de que se deu nota.

Pelo que, é manifesto, não se encontram prescritas as obrigações tributárias.(…)”

Afirma a Recorrente que é ilegal o entendimento que o prazo de prescrição se suspendeu desde 11/10/2006, por força da dispensa de prestação de garantia e consequente suspensão do processo de execução fiscal, dado que o artigo 49º nº3 da LGT, na redacção aplicável, não permite tal interpretação e decisão, pois a dispensa da prestação de garantia não tem a virtude de suspender o prazo de prescrição.

Vejamos.

Como se sabe, a prescrição é o instituto jurídico pelo qual se extingue o direito do credor de poder exigir o cumprimento da respectiva obrigação.

A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte ao facto tributário, sendo irrelevante o momento em que se efectiva a liquidação do tributo.

Como supra vimos, a sentença recorrida, pela interpretação conjunta do nº3 do artigo 49º da LGT (redacção inicial) e o artigo 169º do CPPT, entendeu que a paragem do processo de execução por motivo da suspensão requerida pela Impugnante [lhe era] imputável, pois a sua actuação coloca o órgão de execução fiscal, enquanto credor da dívida exequenda, numa situação de a não poder cobrar, nos termos do disposto nos artigos 49º, nº 3 da LGT (redacção inicial) e 169º do CPPT.

Como resulta do probatório, e se explicou na sentença recorrida, o processo de execução fiscal ficou suspenso, por força da dispensa de prestação de garantia solicitada pela Recorrente, desde 11.10.2006. Ora, tal suspensão do processo de execução fiscal acarretou a impossibilidade de cobrar os créditos tributários pela Exequente Fazenda Pública.

A suspensão do prazo de prescrição, em consequência da suspensão da execução fiscal em resultado da autorização de dispensa de garantia na pendência de impugnação judicial, tem como efeito que este não comece a correr enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT (na redacção anterior à dada pela Lei 100/99) e 318.º a 320.º do CC.

Os actos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, não se prevendo a cessação do efeito suspensivo sem que cesse o facto que o determinou, pelo que a paragem do processo de reclamação graciosa ou de impugnação por mais de um ano não imputável ao contribuinte não faz cessar nem o efeito interruptivo da prescrição, nem o efeito suspensivo.

Em anotação ao nº3 do artigo 49º da LGT (redacção inicial), António Lima Guerreiro, in LGT – Anotada, Rei dos Livors, página 231, refere que ( o nº3) tem carácter interpretativo, se se entender que é requisito da contagem do prazo de prescrição a exigibilidade da dívida, que se suspende nas circunstâncias desenhadas por essa norma. Em caso de impedimento legal à exigibilidade da dívida, não pode, na verdade, contar-se o prazo de prescrição.

Como se esclarece no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 21.01.2015, recurso 660/14, «da norma contida no nº 3 do art. 49º da LGT, conjugada com a norma legal que define o regime da suspensão da execução fiscal (art. 169º do CPPT), resulta, de forma clara e evidente, que o efeito suspensivo da execução fiscal não é consequência directa e imediata da instauração da reclamação, impugnação ou recurso, nem é consequência directa e imediata da prestação de garantia; o que determina o efeito suspensivo da execução – e, por consequência, o efeito suspensivo da prescrição – é a instauração de reclamação, impugnação ou recurso, quando acompanhada ou seguida da constituição ou prestação de garantia idónea, da autorização da sua dispensa, ou da penhora de bens que garantam o pagamento integral da quantia exequenda e do acrescido.
Assim sendo, penhorados bens suficientes para garantir a totalidade da obrigação tributária em cobrança coerciva e do acrescido, o processo executivo fica inevitavelmente suspenso até à decisão do pleito que tenha por objecto a discussão da legalidade dessa obrigação (no caso, até à decisão das respectivas impugnações judiciais), pois a cessação do efeito suspensivo não pode ocorrer sem que cesse o facto que o determinou.
E é durante esse período de
paragem forçada do processo, ou melhor, de suspensão legal da execução, que o prazo de prescrição fica suspenso )

Considerando que, dada a pendência da presente impugnação, o processo de execução fiscal se mantém suspenso, nos termos do n.º 3, do artigo 49.º da LGT e 169.º do CPPT, o que significa que a eventual paragem do processo por mais de um ano não determina a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, para efeitos do n.º 2, do artigo 49.º da LGT (revogado).

Efectivamente, o processo de execução fiscal encontra-se suspenso por dispensa de prestação de garantia, acompanhada de dedução de impugnação judicial, o que determina a suspensão do prazo de prescrição (cfr. n.º 3, do artigo 49.º, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro) até à decisão do pleito que tenha por objecto a discussão da legalidade da liquidação.

Face ao exposto, a sentença recorrida não nos merece qualquer censura, improcedendo este segmento do recurso.


*

Do recurso a métodos indirectos

A Recorrente não se conforma com o entendimento da sentença de que estava legitimado o recurso a métodos indirectos, uma vez que considera que demonstrou que no ano de 1997 não estavam em falta 148 facturas.

Refere que o sentenciado assenta em prova não produzida e analisada em audiência, quando tal atuação lhe é totalmente vedada e daí a sua ilegalidade, pois a convicção suportada da decisão proferida, há-de fazer-se unicamente com base na prova produzida ou analisada em audiência.

E que o Julgador em primeira instância não exerceu o seu poder/dever de exame, análise e decisão sobre a declaração emitida e assinada por F... a atestar a emissão de variadas faturas a favor da Impugnante.

Conclui que, porque a Impugnante carreou para os autos elementos idóneos suscetíveis de abalar o entendimento de que as faturas emitidas por aqueles dois sujeitos passivos (F... e P...) são falsas, impunha-se ao Tribunal “a quo” decidir que a Impugnante infirmou os elementos indiciários apresentados pela Administração Fiscal e lançou dúvida idóneas sobre a existência dos pressupostos do ato tributário, funcionando sem reservas o art. 100º do C.P.P.T.

Em causa nos presentes autos estão as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998.

A AT, no decurso de acção inspectiva entendeu estarem reunidos os requisitos legais para o recurso à aplicação de métodos indirectos para determinação do lucro tributável nos termos do CIRC, como se constata do teor do RIT constante da alínea d) do probatório, nos seguintes termos:


«Imagem no original»

Por seu turno, refere a sentença recorrida que a decisão do Presidente da Comissão de Revisão, e a que corresponde a alínea h) do probatório, apontou as seguintes anomalias à escrita da Recorrente:

“- O sujeito passivo cessou a actividade em 30/12/1992, mas continuou a exercê-la conforme se pode verificar através da facturação por ele emitida nos exercícios de 1996, 1997 e 1998;

- Contabilização de custos no exercício de 1997 e de 1998, os quais apresentam fortes indícios de serem falsos, nomeadamente ao nível dos sub -contratos;

- Não foram apresentadas as facturas com a numeração desde 344 até 500 (exercício de 1997), e as facturas com os nºs 868 e 888 (exercício de 1998);

- O sujeito passivo em 1997 e em 1998 não contabilizou a totalidade dos proveitos;

- No exercício de 1998 foram detectadas facturas com a mesma numeração mas com valores diferentes;

- O sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 5.° do Decreto Lei n.º 198/90, de 19/06, conjugado com o Decreto Lei n.o 45/89, de 11/02, porque utilizou facturas cujo conteúdo foi processado por mecanismos de saída de computador que não provêm integralmente de programas de facturação, mas sim de programas de processamento de texto;

- O sujeito passivo não comunicou a utilização de facturação computorizada à Direcção de Finanças de Lisboa.

Concluiu a sentença estar legitimado o recurso á aplicação dos métodos indirectos, em virtude da impossibilidade de apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa, e não restava outro caminho à Administração Fiscal senão lançar mão de tais métodos indiciários, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua actividade nos exercícios de 1997 e 1998.”

Não se conforma a Recorrente com o assim decidido, afirmando que foram carreados para os autos várias provas, não impugnadas, e que inquinam a quantificação. Entende que a junção dos livros de facturas aos autos tem que abalar a quantificação da matéria tributável, já que o total das prestações de serviços considerados como em falta não se fixa no valor apurado em sede de inspecção tributária.

Dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT, «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

Como se disse no Acórdão do STA de 18/11/2010, proferido no âmbito do processo nº 144/02, “(…) Sobre esta matéria, vem-se entendendo de modo uniforme que, estando em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela administração tributárias, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:

- Porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simulada;
- Feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: “in dubio contra Fisco”) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável – seguimos o
acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 01834/04 Viseu. Neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 17 Abr. 2002, Processo 26635 e acórdão STA 7 Mai. 2003 (Pleno), Processo 1026/02, acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 2887/04 Viseu, www.dgsi.pt.
Isto dito, importará analisar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante não subjazem as prestações dos serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Deve ter-se presente que não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação.

Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.
Os indícios são definidos por
João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311.(…)”

In casu, como vimos, a utilização dos métodos indirectos fundamentou-se nas irregularidades detectadas na organização contabilística e no tratamento de algumas situações ao nível contabilístico/fiscal, elencadas no RIT, nomeadamente:

· Lançamento de custos com fortes indícios de serem falsos;

· Falta de apresentação das facturas com a numeração desde 344 até 500;

· Falta de contabilização de todos os proveitos obtidos;

· Terem sido detectadas facturas com a mesma numeração sequencial, mas com valores diferentes;

· Utilização pelo sujeito passivo de facturas processadas em programas de processamento de texto, sem que a sua utilização fosse previamente comunicada à AT;

· Não terem sido localizadas as facturas com os nºs 868 e 888, referentes ao exercício de 1998.

Concluiu-se, no RIT, que em face dos elementos expostos recorre-se à aplicação de métodos indirectos para determinação do lucro tributável nos termos do CIRC:

- artigo 51º, nº1, alíneas a), b) e d), nº3 e nº4 actual artigo 52º, nº1 e noº2 do CIRC, conjugado com o artigo 88º alíneas b) e c) da LGT para o exercício de 1997;

- artigo 51º, nº1, alínea d), do CIRC actual artigo 52º, conjugado com o artigo 88º, alínea c) para o exercício de 1998;

Uma vez que não é possível determinar o lucro tributável nos termos do artigo 17º do CIRC, isto é uma quantificação exacta da matéria colectável com base nos elementos constantes da contabilidade.

A sentença recorrida entendeu estar legitimada a utilização dos métodos indirectos, decorrente das diversas anomalias detectadas pela AT e melhor elencadas no RIT, nos seguintes termos:

Perante tais anomalias, considera-se legitimado o recurso á aplicação dos métodos indirectos, em virtude da impossibilidade de apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa, e não restava outro caminho à Administração Fiscal senão lançar mão de tais métodos indiciários, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua actividade nos exercícios de 1997 e 1998.

Não obstante a Recorrente afirmar ser ilegal a utilização dos métodos indirectos, e que não pode aceitar a conclusão da sentença uma vez que apresentou provas que inquinam a quantificação efectuada, certo é que a sua argumentação se centra na quantificação (errada) da matéria tributável.

Recorde-se que a fundamentação do RIT, no que à utilização dos métodos indirectos diz respeito, assentou, não só na alegada omissão de facturas, como também na falta de contabilização de proveitos e na utilização de programas de processamento de texto na emissão de facturas, sem a comunicação da situação à AT,

Ora, o ataque que vem a Recorrente fazer à sentença recorrida não convence este tribunal quanto à não verificação do elenco de anomalias apresentado no RIT, e que foi considerado suficiente para a opção pela quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, já que nada vem dito quanto ao método de emissão de facturas (processamento de texto), nem quanto à circunstância de terem sido detectadas facturas com a mesma numeração sequencial, mas com valores diferentes.

Não o tendo feito, ou seja, não logrando fundamentar, em todos os aspectos relevantes, o seu ataque ao segmento da sentença que versa sobre a legitimação da utilização dos métodos indirectos, está votado ao insucesso este segmento do recurso.

Da quantificação da matéria tributável

Relativamente à quantificação da matéria tributável entendeu a sentença recorrida que a Recorrente não conseguiu provar que a quantificação a que a AT chegou não era correcta ou compatível com a realidade.

A Recorrente não se conforma com o decidido, por ter carreado para os autos várias provas que inquinam a quantificação efectuada.

Assim, começa por afirmar que é falso o que consta da alínea d) da matéria de facto provada pela sentença, concretamente a afirmação de que as facturas com a numeração de 352 até 354; de 356 até 364, de 367 até 377, de 379 até 500. Estão também em falta as facturas com os nºs 533, 591 e 603. Não foram exibidas 148 facturas.

Não tem razão. O facto dado como provado na alínea d) do probatório é o de que, na sequência de acção de fiscalização, foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária (RIT), e que do mesmo consta, ipsis verbis, o que foi transcrito para a referida alínea. Nada mais. Assim sendo, para concluir pela falsidade do facto constante da alínea d) teria a Recorrente que alegar e provar que não tinha sido elaborado RIT naquelas circunstâncias, ou que o seu conteúdo não correspondia ao que ali constava, o que, como vimos, não aconteceu, pelo que improcede a invocada falsidade do facto constante da alínea d) do probatório.

Prossegue a Recorrente na sua alegação referindo que foram juntos em sede de pedido de revisão dois livros de facturas, o que implica a alteração da matéria tributável quantificada, já que o total das prestações de serviços considerados como em falta difere do valor apurado em sede de inspecção tributária.

Por outro lado, vem invocar terem sido juntas ou exibidas diversas facturas pelo perito da Recorrente, na Comissão de Revisão, o que vem abalar a quantificação oficiosa da matéria tributável, já que o total das prestações de serviços considerados como em falta é desconforme com a realidade factual.

Conclui que carreou para o processo elementos sérios e credíveis capazes de arrasar a contagem quantificadora realizada pela AT.

No diz respeito aos dois livros de facturas a sentença recorrida deu como provado o facto constante da alínea z) do probatório:

Consta dos autos um livro de facturas/recibos numeradas de 351 a 400, sendo que somente se encontram preenchidas as facturas correspondendo aos nº 351, 355, 366 e 378.

Os documentos mencionados pela Recorrente não foram considerados credíveis pelo perito da AT, em sede de Comissão de Revisão.

A sentença recorrida, no que diz respeito ao erro na quantificação, considerou o seguinte:

“(…) dispõe, o art. 74.º, n.º3 da LGT que “Em caso se determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.

O que equivale dizer que caberá, então, àquele a quem o método é oposto (no caso, a Impugnante) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

Á luz do que ficou dito, vejamos o caso ajuizado.

Consoante se deixou registado no probatório, e melhor se colhe dos autos, a Administração Fiscal, apurou que a Impugnante emitiu cinco facturas em nome do seu cliente “J... Lda”, no valor total (sem IVA) de € 38,548,32, sem que tais valores estivessem contabilizados como proveitos do exercício de 1997. Notificado no âmbito do procedimento de inspecção para apresentar as facturas com a numeração desde 344 até 638, a Impugnante somente exibiu as facturas n.ºs 501 a 532, 534 a 590, 592 a 602 e 604 a 636 e afirmou em termo de declarações que relativamente às facturas n.ºs 344 a 500, não as apresentou porque estavam arquivadas num armazém que foi totalmente inundado e que não teve hipótese de as recuperar, e que desconhecia o paradeiro das mesmas facturas com a numeração 533, 591 e 603, mas que tencionava procurar.

No caso sub judice, o critério adoptado para a quantificação da matéria tributável teve “como a base o valor total de 117 facturas que constam no extracto de conta corrente- 721 ( anexo 17) e que é de 795.081.77 Euros ( 159.399.583$00), mais o valor das 5 (cinco) facturas emitidas pelo contribuinte que constam no extracto da conta corrente do seu cliente da J... –Proj.Const. SA ( anexo 12), que é de 38.548.32 Euros (7.728.244$00) sem IA, mais o valor das facturas com os n.ºs 713, 733 e 740 (anexos 9, 10 e 11), no valor global sem IVA de 34.399,16 Euros ( 6.896.411$50).

Assim presumimos o seguinte valor médio por cada factura em falta. Foram emitidas 125 facturas.

868 029.24 Euros (174-024.238$50) (valor total das 125 facturas)= 6 944.23 Euros (1 302-194$00)

125 facturas

O valor médio obtido por factura é de 6.944,23 (1.392.19400)

Como no extracto da conta corrente do cliente J... – Proj. Const. S.A., constam as facturas com os n.º 351, 355, 365, 366, 378 (anexo 12), vamos considerar que estão em falta as facturas com os n.ºs 533, 591 e 603. Não foram exibidas 148 facturas.

Deste modo apura-se um valor de prestações de serviços em falta de:

6 944.23 (1.392.194$00) ( valor médio por factura)* 148 (n.ºfacturas em falta)=1 027

746.69 Euros 206.044.712$00)”.

Ora, perante este critério que serviu de base à quantificação e que nos parece aceitável e fundamentado, na medida para além de indicado de forma clara, precisa e suficiente, indica, igualmente, os factos conhecidos de que se partiu e que permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente.

Assim, cabia a Impugnante propor melhor critério para apuramento da matéria tributável, demonstrando, assim, a errónea quantificação efectuada pela Administração Fiscal.

Todavia, a Impugnante limitou-se a contestar o critério utilizado, por entender que conduz a resultados irrealistas, sem contudo apresentar qualquer outro melhor critério para apuramento da matéria tributável, nem logrado provar qualquer erro ou excesso na quantificação;”

A sentença recorrida entendeu que o critério de quantificação utilizado pela AT foi aceitável e fundamentado, e que cabia à Recorrente propor melhor critério para apuramento da matéria tributável, assim demonstrando a errónea quantificação efectuada pela AT, o que não sucedeu, tendo concluído pela manutenção da matéria tributável apurada em sede de inspecção.

Relativamente à alegada junção das facturas com os números 351 a 400 e 401 a 450, efectuada em sede de reunião da Comissão de Revisão, verificamos que a ora Recorrente exibiu e juntou dois livros de facturas com aquela numeração, e que constam dos presentes autos, identificados como documentos 12 e 13, os quais correspondem aos referidos na alínea z) do probatório.

Por outro lado, também não oferece dúvida, que igualmente na reunião da Comissão de Revisão, foram juntas pela recorrente fotocópias das facturas nºs 451 a 499, emitidas em 1995 a favor da H..., SA, como se retira da decisão da Comissão de Revisão a que se refere a alínea h) do probatório.

Pretende a Recorrente que a junção de facturas/recibos (dois livros e outras) que efectuou junto da Comissão de Revisão e com a p.i. seria suficiente para abalar a quantificação da matéria tributável apurada pela AT, com recurso a métodos indirectos.

Vejamos.

Não oferece dúvida que o método de cálculo utilizado pela AT teve como pressuposto a falta de 148 facturas. Por outro lado, não foi posta em causa a junção das facturas por parte da Recorrente, como supra vimos.

Como resulta da decisão da Comissão de Revisão constante da alínea h) do probatório, o Perito da AT não considerou credíveis os elementos documentais juntos pela Recorrente, pelo que, não tendo havido acordo entre os peritos, foram mantidas as correcções efectuadas pela AT.

A sentença recorrida não se pronunciou, em concreto, quanto aos documentos juntos em sede de Comissão de Revisão, limitando-se a sua apreciação à questão da validade do critério de cálculo utilizado pela AT no apuramento da matéria tributável.

Ora, a verdade é que a junção de tais elementos documentais, que não foi posta em causa, tem capacidade para abalar o método de cálculo utilizado pela AT, já que a falta das facturas foi um dos seus pressupostos.

Assim, a sentença recorrida ao limitar-se a considerar que a Recorrente não apresentou um método de cálculo alternativo e ao considerar, genericamente, que não provou a Recorrente qualquer erro ou excesso na quantificação, nada dizendo quanto às implicações da junção das facturas em causa, padece de erro de julgamento.

Vejamos, agora, se a junção de tais documentos tem a virtualidade de abalar a quantificação apurada pela AT.

Recorde-se que a AT, no RIT, concluiu que a Recorrente utilizava diversos sistemas para a emissão de facturas, incluindo o simples processamento de texto em computador, que foram detectadas diversas facturas com o mesmo número sequencial, mas com valores distintos e que a própria Recorrente afirmou não possuir a documentação em falta, por ter sido inutilizada por inundação ocorrida no seu armazém,

Certo é, porém, que nada se provou quanto à dita inundação, sendo, no mínimo, de estranhar que, posteriormente, venham a surgir, afinal, as facturas recuperadas no sinistro sem qualquer dano.

Por outro lado, como resulta da informação elaborada no procedimento de Revisão, e a que se refere a alínea h) do probatório, as razões apontadas pelo perito da AT para não aceitar a valia probatória de tais documento, radicam no seguinte:

Refere o perito da Administração Tributária que o sujeito passivo foi notificado para apresentar as referidas facturas nunca o tendo feito durante a acção inspectiva, vindo agora alegar que as facturas datadas de 1995 encontravam-se contabilizadas como proveitos.

Certo é que o perito da Administração Tributária analisou a Declaração de Rendimentos modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1995, (…) e verificou que na mesma, no campo referente ao total de proveitos, se encontravam apenas registados 999,19 €, valor este que é substancialmente inferior ao total das facturas agora exibidas (136.689,89).

O Perito da Administração Tributária considera no entanto que é muito estranho o facto de nos livros apresentados, todas as facturas se encontrarem em branco excepto aquelas que estavam em falta aquando da realização da acção inspectiva, sendo por este referido que as mesmas não respeitam a numeração sequencial e a ordem cronológica, tendo doas sido emitidas em nome do mesmo cliente.

O Perito da Administração Tributária diz que no que respeita à facturação de 1998 que as facturas e os recibos apresentados se encontravam em branco, não lhe parecendo justificável a existência e a utilização em simultâneo de facturação com processamento de texto, de programa de facturação e de facturação com numeração tipográfica.

O Perito da Administração Tributária considera que os documentos agora juntos ao processo não merecem credibilidade, afirmando estar fundamentado o recurso à avaliação indirecta e reunidos os pressupostos do artigo 52º do CIRC e do artigo 90º da LGT, devendo os valores propostos e apurados no seguimento do procedimento inspectivo ser mantidos.”

As dúvidas apontadas pelo perito da AT são pertinentes e suficientes para abalar a credibilidade dos documentos juntos pela Recorrente em fase posterior ao procedimento inspectivo.

Acresce que não foi requerida a ampliação da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida, pelo que é com a matéria de facto que foi fixada que o recurso tem que ser apreciado.

Ora, a Recorrente para que este tribunal pudesse considerar a valia desses documentos deveria ter dissipado as dúvidas que em torno dos mesmos se colocaram, explicando e demonstrando, nomeadamente, por que razão veio a localizar as facturas, quando tinha afirmado terem sido inutilizados pela ocorrência de uma inundação, os motivos para utilizar diversos métodos de emissão de facturas e o fundamento para não estarem os livros preenchidos de forma cronológica e sequencial.

Nada disto foi feito, sendo que se entende serem pertinentes as dúvidas colocadas pelo perito da AT, não tendo a Recorrente convencido o Tribunal com a sua argumentação.

Assim sendo, entendemos, como a sentença, que a posição defendida pela Recorrente não tem a virtualidade para abalar o decidido, não logrando demonstrar que foi incorrecto o método de cálculo utilizado pela AT.

Das correcções técnicas

Dissente a Recorrente do entendimento da sentença recorrida no que concerne à desconsideração dos custos respeitantes às facturas emitidas por F... e P..., por terem sido qualificadas como falsas.

Afirma que o juiz a quo não exerceu o seu poder/dever de análise e decisão sobre a declaração emitida por F... a atestar a emissão de variadas facturas a favor da Impugnante, e que carreou para os autos elementos suficientes para abalar o entendimento de que as facturas emitidas são falsas, tendo lançado fundada dúvida sobre os pressupostos do acto tributário, funcionando, afirma, sem reservas o artigo 100º do CPPT.

Do probatório resulta que foi dado como provado constar dos autos documento intitulado “declaração”, datado de 10/05/2002, no qual se mostra aposta uma assinatura não reconhecida presencialmente, cujo teor deu por reproduzido (cfr. alínea x)).

A sentença recorrida entendeu estar devidamente alicerçada a conclusão do RIT, no sentido de que as facturas alegadamente emitidas pelos sujeitos supra indicados eram falsas, tendo por base as declarações prestadas pelos mesmos no decurso da inspecção.

Ora, no âmbito do presente recurso não consegue a Recorrente demonstrar o contrário, ou seja, de que as declarações prestadas não fossem verdadeiras, sendo que era à Recorrente que cabia fazer tal prova.

A ausência de prova quanto à materialidade das operações tituladas pelas facturas questionadas tem de ser valorada contra a Recorrente que, como vimos, era a parte onerada com a prova desse facto, levando consequentemente à desconsideração dos custos documentados por essas facturas.

De notar, ainda, que aqui não tem aplicação a norma do art. 100º do CPPT que dispõe que: ”sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, porquanto competindo, no caso, ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar a dúvida sobre a veracidade, ainda que fundada, pois nestes casos o art. 100º não tem aplicação.
Não o tendo feito, está votado ao insucesso este esteio do recurso, pelo que improcede.


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Cabe, agora, conhecer do recurso apresentado pela Fazenda Pública, o qual se restringe à apreciação da questão da fundamentação da liquidação de juros compensatórios.

A sentença recorrida entendeu ser de anular a liquidação de juros compensatórios por falta de fundamentação, uma vez que da mesma não consta a taxa de juro aplicável, nem o período contabilizado.

Discorda a Recorrente, alegando que a Douta Sentença ora recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica, devendo concluir­ se pela improcedência do invocado vício de falta de fundamentação, por não estarem as liquidações ora em análise feridas de ilegalidade por violação do direito à fundamentação, previsto no art.77° da LGT.
Esta questão tem vindo, reiteradamente, a ser decidida pelos tribunais superiores no sentido seguido pela sentença, como nesta se refere.
Ainda assim, veja-se o que se decidiu no Acórdão do STA de 07/03/2019, proferido no âmbito do processo nº 037/16:
“A fundamentação mínima exigível da liquidação de juros compensatórios passa pela menção da quantia sobre a qual os mesmos incidem, do período de tempo considerado, e da taxa ou taxas aplicadas, sendo que essa menção tem de constar do próprio acto de liquidação, atenta a necessidade de a fundamentação ser contemporânea ou contextual e integrada no próprio acto.”
Não vindo posta em causa a factualidade assente, concorda-se com o decidido, improcedendo o recurso interposto pela Fazenda Pública.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negando provimento a ambos os recursos, confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação.

Custas por ambas as partes.

Registe e Notifique.

Lisboa, 30 de Setembro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Benjamim Barbosa)

(Lurdes Toscano)