Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4241/22.1T8ALM-A.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
OFENSA DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
FACTO EXTINTIVO
FACTO MODIFICATIVO
FACTOS SUPERVENIENTES
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Sob pena de violação de caso julgado formado pela sentença que condenou o R. a entregar ao Autor determinado prédio, e em observância do princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573.º do CPC) e do princípio da preclusão, na execução de tal sentença, ao executado embargante só é permitido alegar factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que os mesmos sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo declarativo e se prove por documento (art. 729.º, al. g), do CPC), sendo este um ónus do embargante que vale para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para as excepções peremptórias.

II. Assim, invocada na oposição à execução fundada em sentença a inexistência ou insubsistência da obrigação exequenda, tem esta invocação de se fundar e restringir a factos não precludidos pelo caso julgado, ou seja, a factos modificativos ou extintivos da obrigação ocorridos posteriormente encerramento da discussão no processo de declaração, já que, tratando-se de factos anteriores àquele encerramento, mesmo quando o executado deles não tinha conhecimento ou não dispunha do documento necessário para os provar, não pode servir-se deles para fundar a sua oposição à execução.

Decisão Texto Integral:

AA e BB deduziram embargos de executado à execução que lhes fora movida por CC, pedindo que a execução seja declarada extinta.

Foi proferido saneador/sentença que indeferiu os embargos de executado por não se verificar a previsão do art. 729º/1/g do CPC (usura ou simulação dos contratos) e, por não se reconduzir a algum dos fundamentos admissíveis previstos no art. 729º/1 do CPC (impugnação e derrogação de processo declarativo equitativo ou não discriminatório).

Inconformados, os embargantes executados vieram apelar para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo as suas alegações nos termos seguintes:

A- O objeto do presente recurso incide sobre a averiguação dos fundamentos dos embargos de executado, na medida do seu enquadramento nas diversas alíneas do art. 729º do CPC, bem como sobre matéria de facto e de Direito que a instância devia ter conhecido e não conheceu, em virtude do indeferimento dos embargos por invocada inadmissibilidade dos mesmos, podendo mesmo verificar-se uma nulidade da sentença, quando à omissão de pronúncia sobre a inexigibilidade da obrigação invocada nos embargos.

B- Quanto à falta de citação/intervenção do Recorrente AA no processo declarativo, não deve, no entender dos Recorrentes, considerar-se relevante para afastar a previsão do art. 729º d) do CPC e dessa forma obstar ao deferimento dos embargos, considerar-se relevante como intervenção a entrega do requerimento em que se demonstrou ter sido requerido o apoio judiciário.

C- Na realidade, não pode continuar a ignorar-se, independentemente do juízo que se possa fazer da conduta da Recorrente BB que, ao longo de todo o processo declarativo, o Recorrente AA não recebeu as respetivas notificações, incluindo a da decisão do processo de apoio judiciário que o impediu de recorrer, por motivos que não lhe podem ser imputáveis, mas que se devem, sobretudo, à sua doença e ao facto de a mulher o tentar proteger, acreditando conseguir resolver o processo sozinha.

D- Assim, a primeira (e única) verdadeira intervenção processual que o Recorrente AA poderia ter tido naquele processo, ainda que a título de revisão da sentença, seria a do recurso, o que não veio a acontecer, por indeferimento do pedido de apoio judiciário, do qual se apercebeu, quando citado para a execução, não tendo recebido a notificação da decisão de indeferimento do apoio judiciário, tal como não tinha recebido a da sentença e não tendo estado presente no julgamento, conforme prova documental junta também a estes autos com os embargos.

E- Se assim não se entender, ficam esvaziados os preceitos do 2 do art. 18º e do 4 do art. 24º da LAJ que determinam, respetivamente, que o requerimento de apoio judiciário seja apresentado antes da primeira intervenção processual que seria o recurso e que o prazo em curso(para o mesmo recurso) se interrompe com a junção aos autos do comprovativo do pedido de proteção jurídica.

F- Razão pela qual se deve julgar verificado o fundamento da al. d) do art. 729º do CPC, em conjugação com a alínea e) ii) do art. 696º do mesmo diploma legal que deve determinar o deferimento e a procedência dos embargos, pelo menos, em relação ao Recorrente AA, o que aproveita à Recorrente mulher, sendo que o primeiro não pode ser penalizado pela preclusão dos seus direitos de defesa, por factos que não lhe são imputáveis.

G- Quanto ao fundamento da alínea e) do art. 729º, tendo os ora Recorrentes alegado

a inexigibilidade da obrigação exequenda, com base na usura e/ou simulação dos contratos em causa nos presentes autos e, não tendo a instância se pronunciado sobre essa inexigibilidade que não tem de ser anterior ou posterior ao processo declarativo, verifica-se uma verdadeira nulidade, por não ter aquele Tribunal conhecido factos que devia apreciar.

H- Mas, mesmo que assim não se entenda, deverá o Tribunal de recurso pronunciar-se sobre essa inexigibilidade da obrigação da entrega do imóvel, enquanto fundamento dos embargos que, indevidamente foram indeferidos.

I- A natureza usurária dos contratos em causa pode elucidar-se da seguinte forma:

O Recorrido explorou uma situação de necessidade e, até podemos dizer, de alguma inexperiência e ligeireza dos Recorrentes, mais concretamente, no que se refere à inexperiência e ligeireza, da Recorrente BB que, agiu sempre em representação do marido, sem querer, pela sua condição de saúde, dar-lhe conhecimento dos precisos termos das negociações com o Recorrido, bem como até do seu estado mental em virtude da doença do marido e do receio da mulher em que este se apercebesse de toda a situação criada e assim obteve dos Recorrentes, um benefício flagrantemente injustificado, num valor nunca inferior a 70 303,91 €, se considerarmos a diferença entre o valor patrimonial do imóvel na data da escritura 125 303,91 - e o valor de 55 000 €, declarado na escritura de compra e venda e não recebido na totalidade, podendo o valor efetivamente recebido, a título de empréstimo pelos Recorrentes ter sido demonstrado por informação e documentação bancária requerida pelos mesmos em sede de embargos e, sendo certo que, o valor do benefício obtido pelo Recorrido sempre resulta dos docs. 18 a 20 juntos com os embargos.

J- A usura, quer dos negócios celebrados, quer dos negócios pretendidos pela Recorrente BB e pelo Recorrido conduz à respetiva anulabilidade, nos termos do art. 282º Nº1 CC e, por consequência, a obrigação de os Recorrentes entregarem o imóvel deve ser considerada inexigível e, deferindo-se e julgando-se os embargos procedentes e, revogando-se a sentença recorrida em conformidade.

K- Caso não se entenda que o contrato de arrendamento com opção de compra e o precedente contrato de compra e venda do imóvel são anuláveis por usurários, assim como o mútuo oneroso que foi aquele que as partes pretenderam o que não se concede -, sempre se pode, à cautela, sustentar que os mesmos contratos de arrendamento com opção de compra e de compra e venda são nulos por simulação.

L- Na realidade, embora a Recorrente BB, pessoalmente e, em representação do marido, não tivesse qualquer intenção de enganar terceiros, existe uma divergência entre as suas declarações negociais, quer no contrato de compra e venda, quer no contrato de arrendamento com opção de compra e a sua vontade real que era obter um empréstimo.

M- Pelo que os contratos de compra e venda do imóvel e o contrato de arrendamento com opção de compra são simulados, nos termos do Nº1 do art. 240º do CC e como tal, são nulos, nos termos do Nº2 da mesma disposição legal.

N- Uma vez que, sob os contratos de compra e venda do imóvel dos autos e de arrendamento com opção de compra do mesmo e, independentemente da vontade de enganar terceiros ser apenas do Recorrido os Recorrentes sofreram um prejuízo e não qualquer ganho -, existe um outro que, as partes verdadeiramente , quiseram celebrar que foi um mútuo oneroso, é aplicado a este último, o regime que lhe seria aplicado sem dissimulação, nos termos do art. 241º Nº1 CC.

O- O que significa que, por definição, tendo o Recorrido emprestado dinheiro aos Recorrentes, o que estes se obrigaram (independentemente da forma de intervenção do Recorrente AA) foi a restituir esse dinheiro com juros à taxa legal, ou dentro dos limites da Lei arts. 1142º e 1146º do CC.

P- Nunca podendo, pois, o Recorrido exigir-lhes a desocupação e a eventual entrega de um imóvel cuja venda e arrendamento são nulos e que nunca foi hipotecado.

Q- A superveniência da usura e/ou simulação em relação ao Recorrente AA são evidentes, não pela sua falta de intervenção direta nos contratos cuja usura e/ou simulação se convoca, como também pela sua falta de intervenção no processo declarativo, no qual foi julgado à revelia e se viu impedido de recorrer, se tendo apercebido desse facto, aquando da sua citação para a ação executiva e não se tendo demonstrado, sequer que teve a menor possibilidade de avaliar e compreender o alcance da sentença do processo declarativo, da qual não foi notificado, além de não ter estado presente no julgamento.

R- Dando-se, quanto ao mais, por integralmente reproduzido tudo quanto se alegou e concluiu quanto à sua falta de citação/intervenção no processo declarativo.

S- E, nesta conformidade, deve ser julgada procedente a exceção da alínea e) do art. 729º do CPC, deferindo-se e julgando-se procedentes os embargos em relação ao Recorrente AA, com aproveitamento para a Recorrente BB, revogando-se, para tanto, a sentença ora recorrida.

T- Não existe qualquer preclusão dos meios de defesa invocados pelos Recorrentes em sede de embargos, podendo a sua defesa ser enquadrada nas exceções do Nº2 do art. 573º do CPC.

U- A não preclusão é, desde logo, mais óbvia em relação ao Recorrente AA porque, não tendo intervindo no processo declarativo, não houve contestação e logo, nunca poderia concentrar os seus meios de defesa, uma vez que foi apresentada contestação pela mulher, única representada naqueles autos de patrocínio forense obrigatório e no interesse de quem foi subscrita a contestação.

V- Não podendo, pois, o Recorrente AA ser penalizado por não ter apresentado meios de defesa específicos numa contestação que não se pode presumir apresentada em seu interesse, conforme tem entendido alguma jurisprudência que se pode aplicar, ainda que por analogia ao caso vertente, mais concretamente, Ac. RG de 08.03.2018, processo Nº1348/17.0T8BRG-A-G1 in dgsi.net e em obediência ao princípio da garantia da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20º da CRP.

W- quanto à Recorrente BB, também não existe preclusão dos meios de defesa atinentes os factos atinentes à natureza simulada dos negócios em causa, tendo os mesmos sido alegados, embora sem essa qualificação, na contestação, sendo certo que não qualquer preclusão quanto à qualificação jurídica, em obediência ao princípio segundo o qual jura nouit curia, consagrado no Nº3 do art. do CPC e conforme tem entendido alguma jurisprudência, como a que consta do Ac. STJ de 18.09.2018, processo Nº21852/15.4T8PRT.S1, publicado em www.dgsi.pt.

X- Mesmo em relação aos dois Recorrentes, verifica-se ainda uma exceção ao princípio da concentração nos meios de defesa na contestação e que afasta a preclusão: o abuso do direito, conforme tem entendido alguma jurisprudência, como é o caso da constante do Ac. STJ de 12.07.2018, proc. Nº2069/14 in dgsi.net, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso.

Y- O abuso do direito na reclamação da entrega do imóvel, por se mostrarem excedidos os limites da boa fé, dos bons costumes e do fim económico e social do direito de propriedade, por ter, aparentemente, comprado um imóvel, cujo valor supostamente pago foi menos de metade do valor patrimonial (e muito inferior ao do mercado) que depois, aparentemente pretendeu revender aos arrendatários, por um preço que continuou a ser muito inferior, não só, ao valor patrimonial do imóvel, como ao valor do mercado, independentemente de a intenção do Recorrido ser enganar os Recorrentes, sacrificando o seu património, ou a Autoridade Tributária, ocultando a sua real atividade, negócios, transações, rendimentos e sonegando impostos devidos.

Z- Em último caso, valem também em relação ao abuso do direito as considerações feitas em matéria de qualificação jurídica.

AA- A questão da inconstitucionalidade, embora não prevista expressamente como um fundamento de oposição à execução nas alíneas do art. 729º do CPC, pode e deve ser alegada em qualquer fase processual e em qualquer instância, não havendo sequer qualquer preclusão deste meio de defesa se não alegado na contestação, conforme tem entendido o próprio Tribunal Constitucional, como se pode exemplificar pela jurisprudência do Ac. Tc. de 01.06.1988 in BMJ 378º - 758 sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado nos arts. 20º e 268º 4 da CRP.

BB- Antes de mais, no entender dos Recorrentes, é inconstitucional o 1 do art. 573º CPC se interpretado no sentido de a preclusão dos meios de defesa não apresentados na contestação poder abranger casos em que não foi apresentada contestação e em que os Réus não tiveram qualquer intervenção.

CC- Relembre-se que o Recorrente AA, por não ter sido citado no processo declarativo e não tendo recebido quaisquer notificações nesse processo, por razões que não lhe são imputáveis, não apresentou contestação e logo, não lhe pode ser exigida a concentração dos meios de defesa na contestação, por desconhecer, na altura, a existência do processo declarativo.

DD- Caso assim não se entenda, interpreta-se o 1 do art. 573º em violação do art. 20º da CRP, nos seus Nºs 1, 2 e 4, bem como o art. 13º do mesmo diploma legal, uma vez que, por um lado, impede-se o acesso do Recorrente ao Direito e aos Tribunais em função da sua condição económica e, por outro lado, veda-se-lhe o acesso a um processo justo e equitativo, por quando citado para o processo executivo se ter apercebido dos meios de defesa que podia apresentar e após a constituição de Mandatário a que se viu obrigado, sem que tivesse podido, atempadamente impugnar a decisão de indeferimento do apoio judiciário que, nunca recebeu, por razões que não lhe são imputáveis.

EE- Por seu turno, o art. 696º e), em conjugação com o art. 729º d) do CPC também viola os supracitados preceitos constitucionais se interpretado no sentido de que intervenção processual relevante no processo declarativo pela mera junção aos autos do comprovativo do requerimento de proteção jurídica, para afastar o fundamento da não intervenção nesse processo em para motivar os embargos de executado.

FF- Considerando que, além de, o Recorrente AA nem sequer ter recebido, por motivos que não lhe são imputáveis a decisão de indeferimento do seu pedido de apoio judiciário e, de não ter impugnado essa decisão, também não recorreu da sentença do processo declarativo, nem mesmo a título de revisão.

GG- Quanto à alínea g) do art. 729º do CPC, o mesmo também viola as garantias de acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a um processo justo e equitativo, sem ser discriminado, designadamente, por razões económicas, consagrados nos arts. 13º e 20º Nºs1, 2 e 4 da CRP, se interpretado no sentido de que não superveniência dos factos quando alguém neste caso, o Recorrente AA junta um requerimento de proteção jurídica a um processo declarativo.

HH- De igual modo, todas as normas jurídicas do CPC mencionadas nas conclusões AA e seguintes, na supracitada interpretação violam os direitos a um processo justo e equitativo e à não discriminação, nomeadamente, em função da condição económica consagrados também nos arts. e 14º da Convenção Para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, mais conhecida por Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH, pelo que deve ser afastada a sua aplicação nessa interpretação, por violar a Constituição e normas da CEDH a que o Estado português se vinculou.

II- Sem poder ignorar que, al como foi melhor alegado e demonstrado documentalmente em incidente próprio, o imóvel cuja entrega é pedida nos autos pelo Recorrido, constitui a casa de morada de família dos Recorrentes e do seu filho DD, porquanto, é nesse imóvel que residem, tomam as suas refeições, dormem, recebem os seus familiares e amigos e recebem a sua correspondência.

JJ- Além de que, por serem doentes oncológicos, os Recorrentes são assistidos no Hospital ... que é o da área da sua residência, onde, inclusivamente, a Recorrente BB se submeteu, recentemente, como demonstrado nos autos a cirurgia e a hospitalização domiciliária e vão ambos ter de se submeter a tratamentos de quimioterapia e, eventualmente, precisar de cuidados continuados do Hospital.

KK- Não restam, pois, dúvidas de que o imóvel cuja entrega se exige aos Requerentes, é a casa de morada de família dos Recorrentes, enquanto centro da vida familiar, também por ser aquela que lhes permite tratarem-se no Hospital onde são assistidos, no caso do Recorrente AA,

13 anos e no caso da Recorrente BB, sobretudo, desde o diagnóstico da sua doença, sendo o Hospital onde se encontram os respetivos processos clínicos, com todos os seus registos.

LL- Se forem obrigados a entregar o imóvel onde residem, sobretudo, em consequência da violação de um processo justo e equitativo e do princípio da não discriminação, os Recorrentes perderão, assim, o centro de toda a sua vida familiar e comprometerão seriamente a sua assistência médica, pela escassez de recursos na generalidade dos Hospitais mais afastados dos grandes centros urbanos e, de um modo geral, se forem obrigados a ser assistidos por médicos que não conhecem os seus processos clínicos e não os acompanham desde o início.

MM- Por outro lado, se saírem da casa de morada de família, num momento em que estão mais fragilizados, fisicamente e que poderão precisar de apoio familiar ou a nível de cuidados domiciliários a nível da saúde, a mesma saúde poderá ficar gravemente comprometida.

NN- Sendo mais provável também poderem deixar de receber os seus amigos e outras visitas em geral, o que compromete em geral o seu bem-estar físico e mental.

OO- A entrega da casa de morada de família põe em causa os direitos à habitação dos requerentes, como também o seu direito à vida familiar e respetiva proteção, bem como o seu direito à saúde, além de comprometer a sua integridade física e até mesmo a sua vida, se não se conseguirem tratar.

PP- Os direitos indicados no ponto anterior das presentes conclusões têm todos assento constitucional, mais concretamente, nos arts. 24º, 25º, 64º, 65º e 67º da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos eles corolários da dignidade da pessoa humana que está prevista no art. desta Lei Fundamental.

QQ- E, têm também assento em convenções internacionais como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mais concretamente, no seu art. 2º, no que respeita ao direito à vida e viola também as garantias previstas na mesma Convenção de um processo justo e equitativo (artº 6º) e a proibição de discriminação, designadamente, por razões económicas (art. 14º).

RR- Face a todo o exposto, se não for assegurado aos Recorrentes um processo justo e equitativo, com todas as garantias e, em consequência disso, forem obrigados a entregara sua casa de morada de família, o Estado português, através dos Tribunais, incorre também na violação de todas as supracitadas disposições convencionais a que se obrigou, o que deve ser evitado.

O exequente recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação dos executados/embargantes.

Foi proferido Acórdão que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

REVISTA

Novamente inconformados, vieram os executados embargantes apresentar o presente recurso de revista, assim concluindo as suas alegações:

a) O presente recurso tem como objecto, primordialmente, a revista normal, relativamente às questões da verificação da falta de intervenção do recorrente AA no processo declarativo como fundamento dos embargos, à questão da inexigibilidade da obrigação, apenas conhecida em 2ª instância, ao não conhecimento da usura e da simulação que podem neste caso ser alegados em sede de embargos por não haver intervenção do recorrente AA na acção declarativa e à não preclusão dos meios de defesa não usados na contestação daquela acção, a par das questões da inconstitucionalidade e violação da CEDH.

b) Isto por se entender que, relativamente a esta matéria, ou não há coincidência das decisões da 1ª e 2ª instâncias no seu todo com fundamentação não essencialmente coincidente e não há verdadeira dupla conforme, por haver matéria de direito (e de facto) que não foi conhecida pelas instâncias e, nessa medida, se encontrarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade do art. 671º nº1 e 3 do CPC.

c) Subsidiariamente, caso se entenda que existe dupla conforme – o que não se concede, o presente recurso tem por objecto a revista excepcional, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº1 do art. 672º CPC.

d) No que concerne à revista normal, antes de mais, relativamente à falta de intervenção e citação ou desconhecimento da citação por parte do recorrente AA na acção declarativa, o Tribunal decidiu – e bem – que não houve essa intervenção pela mera junção àqueles autos do requerimento de apoio judiciário.

e) No entanto, tal já não se pode dizer, no entender dos recorrentes, relativamente ao facto de o Tribunal recorrido ter decidido no sentido de que não foi alegada a falta, a nulidade da citação do recorrente AA, ou o desconhecimento dessa citação por facto que não lhe é imputável, julgando o Tribunal da Relação de Lisboa, nessa medida irrelevante a falta de intervenção deste recorrente no processo declarativo como fundamento de embargos, por, em seu entender, não se ter feito a referida alegação.

f) Isto porque, a alegação da falta de citação e /ou desconhecimento dessa citação pelo recorrente AA por factos que não lhe são imputáveis resulta desde logo das conclusões B a F e Q a R do recurso de apelação, a par do desconhecimento das sucessivas notificações ao longo do processo declarativo, por factos que também não são imputáveis ao mesmo recorrente.

g) A falta de citação e sucessivas notificações do recorrente AA, bem como o respectivo desconhecimento por factos que não lhe são imputáveis resulta ainda das alegações nos pontos 21) e 29) a 31), ainda que o Tribunal recorrido só reconheça que foi alegado o teor da 1ª parte do ponto 29).

h) E, assim sendo, tendo sido alegada a falta de citação e sucessivas notificações do recorrente AA no processo declarativo ou a sua falta de conhecimento da citação por factos que não lhe são imputáveis e tendo o Tribunal recorrido decidido – mais uma vez se diga, e bem – no sentido de o recorrente em causa não ter tido qualquer intervenção no processo declarativo, tem de proceder a oposição à execução com esse fundamento, previsto nas disposições conjugadas dos arts. 696º e) i) e ii) e 729º d) do CPC, revogando-se a decisão ora recorrida nesse sentido que viola as disposições em causa.

i) Por outro lado, deve ser conhecida a questão da natureza usurária e/ou simulada dos contratos em causa nos presentes autos, o que não aconteceu em nenhuma das instâncias, trata-se de matéria de direito que ambas deviam conhecer, e que, por essa razão, devem agora ser conhecidas, ainda que a sua apreciação esteja dependente do conhecimento de matéria de facto e que, por essa razão, os autos tenham de baixar novamente à competente instância.

j) Pode elucidar-se da seguinte forma natureza usurária e/ou simulada dos contratos em causa:

k) O recorrido explorou uma situação de necessidade e, até podemos dizer, de alguma inexperiência e ligeireza dos recorrentes, mais concretamente, no que se refere à inexperiência e ligeireza, da recorrente BB que, agiu sempre em representação do marido, sem querer, pela sua condição de saúde, dar-lhe conhecimento dos precisos termos das negociações com o recorrido, bem como até do seu estado mental – em virtude da doença do marido e do receio da mulher em que este se apercebesse de toda a situação criada e assim, o recorrido obteve dos recorrentes, um benefício flagrantemente injustificado, num valor nunca inferior a 70.303,91 €, se considerarmos a diferença entre o valor patrimonial do imóvel na data da escritura – 125.303,91 € - e o valor de 55.000 €, declarado na escritura de compra e venda e não recebido na totalidade pelos recorrentes, podendo o valor efectivamente recebido, a título de empréstimo pelos recorrentes ter sido demonstrado por informação e documentação bancária requerida pelos mesmos em sede de embargos – e, sendo certo que, o valor do benefício obtido pelo recorrido sempre resulta dos docs. 18 a 20 juntos com os embargos.

l) A usura, quer dos negócios celebrados, quer dos negócios pretendidos pela recorrente BB e pelo recorrido conduz à respectiva anulabilidade, nos termos do art. 282º Nº1 CC e, por consequência, a obrigação de os recorrentes entregarem o imóvel deve ser considerada inexigível, ainda que não no sentido constante da douta decisão recorrida e, deferindo-se e julgando-se os embargos procedentes e, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, porque, o recorrente AA, como foi reconhecido na mesma decisão, não interveio na acção declarativa e, se tal é fundamento autónomo de embargos, deve retirar-se daí as respectivas consequências, permitindo a este recorrente alegar nos embargos tudo o que não pôde alegar na acção declarativa.

m) Caso não se entenda que o contrato de arrendamento com opção de compra e o precedente contrato de compra e venda do imóvel são anuláveis por usurários, assim como o mútuo oneroso que foi aquele que as partes pretenderam – o que não se concede -, sempre se pode, à cautela, sustentar que os mesmos contratos de arrendamento com opção de compra e de compra e venda são nulos por simulação.

n) Na realidade, embora a recorrente BB, pessoalmente e, em representação do marido, não tivesse qualquer intenção de enganar terceiros, existe uma divergência entre as suas declarações negociais, quer no contrato de compra e venda, quer no contrato de arrendamento com opção de compra e a sua vontade real que era obter um empréstimo.

o) Pelo que os contratos de compra e venda do imóvel e o contrato de arrendamento com opção de compra são simulados, nos termos do Nº1 do art. 240º do CC e como tal, são nulos, nos termos do Nº2 da mesma disposição legal.

p) Uma vez que, sob os contratos de compra e venda do imóvel dos autos e de arrendamento com opção de compra do mesmo e, independentemente da vontade de enganar terceiros ser apenas do recorrido – os recorrentes sofreram um prejuízo e não qualquer ganho -, existe um outro que, as partes verdadeiramente, quiseram celebrar que foi um mútuo oneroso, é aplicado a este último, o regime que lhe seria aplicado sem dissimulação, nos termos do art. 241º Nº1 CC.

q) O que significa que, por definição, tendo o recorrido emprestado dinheiro à recorrente BB, o que esta se obrigou foi a restituir esse dinheiro com juros à taxa legal, ou dentro dos limites da Lei – arts. 1142º e 1146º do CC.

r) Nunca podendo, pois, o recorrido exigir aos recorrentes a desocupação e a eventual entrega de um imóvel cuja venda e arrendamento o nulos e que nunca foi hipotecado.

s) Quanto à não preclusão dos factos alegados em defesa dos recorrentes em consequência da reconhecida não intervenção do recorrente AA na acção declarativa e à não identidade de causas de pedir, tinham alegado os recorrentes em sede de apelação que não havia preclusão dos seus meios de defesa usados nos embargos, enquadrando-se o presente caso numa excepção ao princípio da concentração dos meios de defesa na contestação, previsto no art. 573º Nº1 do CPC.

t) Nessa conformidade, ainda que não se concedesse razão aos ora recorrentes pelos fundamentos que então aduziram -o que não se concede-, reconhecendo o próprio Tribunal recorrido que não houve intervenção do recorrente AA no processo declarativo e, tendo-se demonstrado também nas presentes alegações que o mesmo já tinha alegado que não tinha sido citado e/ou que não tinha tido conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável– ocultação da mulher em virtude da sua doença – trata-se de um fundamento autónomo de embargos de executado, nos termos dos supracitados arts. 729º d) e 696º e) ii) do CPC e, como tal, a Lei permite invocá-lo, por razões lógicas e cronológicas, depois da contestação, mais concretamente, em embargos de executado, o que veio a fazer.

u) Pelo que, se outras razões não houvesse - o que não se concede -, só por esse facto, trata-se de um dos casos de excepção, nos termos do Nº 2 do art. 573º do CPC e, nessa medida, não pode haver preclusão dos meios de defesa apresentados nos embargos, por não terem sido concentrados na contestação que não houve, por falta de citação ou desconhecimento da mesma, por razões não imputáveis ao recorrente AA.

v) Acresce que, a contestação, quando apresentada, tem de ser feita no interesse do réu, o que, flagrantemente, neste caso concreto, não aconteceu, tendo sido a contestação apresentada apenas pela ora recorrente BB, porque o recorrente AA nunca foi citado ou não tomou conhecimento da citação na acção declarativa por facto que não lhe é imputável.

w) E, por consequência, não pode o recorrente AA ser penalizado pela suposta falta de concentração de todos os meios de defesa na contestação da mulher que não subscreveu nem foi subscrita em sua representação.

x) Sendo de salientar que, tratando-se a acção declarativa que precedeu a presente acção executiva de uma acção de patrocínio obrigatório por advogado, nos termos do art. 40º do CPC, esse patrocínio só foi assegurado para a recorrente BB.

y) Neste mesmo sentido tem decidido alguma jurisprudência, cuja doutrina pode ser aplicada até mesmo por analogia, ao caso vertente, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º da CRP, designadamente, o Ac. RG de 08.03.2018, processo Nº1348/17.0T8BRG-A.G1 in dsgs.net, sentido esse que é contrário àquele em que o Tribunal a quo decidiu e com o qual não se concorda.

z) Assim sendo, é irrelevante apreciar se os factos invocados pelo recorrente AA em sede de embargos são anteriores ou posteriores ao encerramento da discussão da causa em 1ª instância na acção declarativa, porquanto, a sua não intervenção naquela acção, não tendo tomado conhecimento da respectiva citação por factos que não lhe são imputáveis, é um fundamento autónomo de embargos do qual pode lançar mão, justamente, por não ter tido intervenção na acção declarativa, sob pena também de se esvaziar completamente o sentido das disposições conjugadas dos arts. 729º d) e 696º e) ii) do CPC que, não teriam qualquer razão de existir em matéria de oposição à execução, interpretando-as e aplicando-as erradamente, como sucedeu na decisão ora recorrida.

aa) Por outro lado, mesmo em relação à contestação da recorrente BB com reconvenção que, foi julgada improcedente, também não há propriamente preclusão quanto à questão da natureza simulada dos contratos, ainda que assim os não tenha qualificado, porque, em bom rigor, a simulação foi alegada, tendo o Tribunal de 1ª instância enquadrado esta matéria no âmbito do pacto fiduciário.

bb) Não havendo assim identidade entre as causas de pedir na reconvenção e nos embargos, não há preclusão, nem se põe em causa o caso julgado.

cc) Assim, devem também, em resultado da não preclusão dos meios de defesa não apresentados na contestação, proceder os embargos, revogando-se também a decisão recorrida nesta matéria.

dd) A norma do art. 573º Nº1 do CPC interpretada no sentido de que há preclusão dos meios de defesa não usados na contestação, quando não há intervenção no processo declarativo, no qual o recorrente AA não foi citado ou desconhecia a citação por factos que não lhe são imputáveis – doença - viola os seus direitos a um processo justo e equitativo e à não discriminação, nomeadamente, em função da condição económica consagrados nos arts. 13º e 20º da CRP, nomeadamente, por não lhe ser assegurado o contraditório nunca antes exercido, por factos que não lhe são imputáveis e por nunca ter tido acesso, também por razões que não lhe são imputáveis, à decisão sobre o seu pedido de apoio judiciário, sem o qual não conseguiu litigar na acção declarativa e também nos arts. 6º e 14º da Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, mais conhecida por Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), pelo que deve serafastadaa sua aplicação nessa interpretação, por violar a Constituição e normas da CEDH a que o Estado português se vinculou.

ee) Sem poder ignorar que, tal como foi melhor alegado, demonstrado documentalmente e decidido em incidente próprio, o imóvel cuja entrega é pedida nos autos pelo recorrido, constitui a casa de morada de família dos recorrentes e do seu filho DD, porquanto, é nesse imóvel que residem, tomam as suas refeições, dormem, recebem os seus familiares e amigos e recebem a sua correspondência.

ff) Além de que, por serem doentes oncológicos, os recorrentes são assistidos no Hospital ... que é o da área da sua residência, onde, inclusivamente, a recorrente BB se submeteu, recentemente, como demonstrado nos autos a cirurgia e a hospitalização domiciliária e vão ambos ter de se submeter a tratamentos de quimioterapia e, eventualmente, precisar de cuidados continuados do Hospital.

gg) Não restam, pois, dúvidas de que o imóvel cuja entrega se exige aos requerentes, é a casa de morada de família dos mesmos, enquanto centro da vida familiar, também por ser aquela que lhes permite tratarem-se no Hospital onde são assistidos, no caso do recorrente AA, há 13 anos e no caso da recorrente BB, sobretudo, desde o diagnóstico da sua doença, sendo o Hospital onde se encontram os respectivos processos clínicos, com todos os seus registos.

hh) Se forem obrigados a entregar o imóvel onde residem, sobretudo, em consequência da violação de um processo justo e equitativo e do princípio da não discriminação, os recorrentes perderão, assim, o centro de toda a sua vida familiar e comprometerão seriamente a sua assistência médica, pela escassez de recursos na generalidade dos Hospitais mais afastados dos grandes centros urbanos e, de um modo geral, se forem obrigados a ser assistidos por médicos que não conhecem os seus processos clínicos e não os acompanham desde o início.

ii) Por outro lado, se saírem da casa de morada de família, num momento em que estão mais fragilizados, fisicamente e que poderão precisar de apoio familiar ou a nível de cuidados domiciliários a nível da saúde, a mesma saúde poderá ficar gravemente comprometida.

jj) Sendo mais provável também poderem deixar de receber os seus amigos e outras visitas em geral, o que compromete em geral o seu bem-estar físico e mental.

kk) A entrega da casa de morada de família põe assim também em causa os direitos à habitação dos recorrentes, como também o seu direito à vida familiar e respectiva protecção, bem como o seu direito à saúde, além de comprometer a sua integridade física e até mesmo a sua vida, se não se conseguirem tratar.

ll) Os direitos indicados no ponto anterior das presentes conclusões têm todos assento constitucional, mais concretamente, nos arts. 24º, 25º, 64º, 65º e 67º da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos eles corolários da dignidade da pessoa humana que está prevista no art. 1º desta Lei Fundamental.

mm) E, têm também assento em convenções internacionais como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mais concretamente, no seu art. 2º, no que respeita ao direito à vida e viola também as garantias previstas na mesma Convenção de um processo justo e equitativo (artº 6º) e a proibição de discriminação, designadamente, por razões económicas (art. 14º).

nn) Face a todo o exposto, se não for assegurado aos recorrentes um processo justo e equitativo, com todas as garantias e, em consequência disso, forem obrigados a entregara sua casa de morada de família, o Estado português, através dos Tribunais, incorre também na violação de todas as supracitadas disposições convencionais a que se obrigou, o que deve ser evitado.

oo) Caso o Tribunal de recurso entenda como verificada a dupla conforme, deve ser, subsidiariamente admitida revista excepcional, ao abrigo do disposto no art. 672º Nº1 a) e b) CPC.

pp) Relativamente à verificação do requisito aposto na alínea a) do n,o 1 do artigo 672.°, é manifesto que no presente recurso estão em causa questões de manifesta complexidade, de difícil resolução e para cuja subsunção jurídica se impõe um detalhado exercício de exegese e interpretação (cfr. Acórdãos proferidos pelo STJ no âmbito dos processos n. 413/08.0TYVNG.P1.S1; n.o 1949/08.8TBGMR.G1.S1; n. 919/08.0TBSTR.E1.S1).

qq) O objecto do presente recurso de revista excepcional releva, como tal, para um futuro consenso em futuras decisões judiciais, nele sendo discutidas questões debatidas na doutrina e na jurisprudência — susceptíveis de provocar divergências por força do seu teor — e cuja apreciação implicará, necessariamente, uma melhor aplicação do Direito.

rr) Neste sentido, a questão fundamental que aqui se discute é a de saber se pode proceder a excepção de autoridade de caso julgado relativamente a uma acção (a que foi decidida nos presentes autos) quando aquela sobre a qual se formou a referida excepção – acção declarativa - tinha uma causa de pedir e pedidos distintos.

ss) Ora, a figura da autoridade do caso julgado, é, sem necessidade de extensas referências ou indicações, uma das questões mais relevantes no Ordenamento Jurídico Português, pois, além do assento na lei processual (vide artigos 619.0 e seguintes do CPC), a figura da autoridade do caso julgado é também protegida por preceitos constitucionais (vide artigos 205.° relativo a obrigatoriedade de decisões dos Tribunais e n.o 3 do artigo 282.o da Constituição da República Portuguesa) e vastamente estudada pela jurisprudência (vejam- se, a título de exemplo os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.° 219/14.7TVPRT-C.P1.S1; n.° 3831/05.1TBSTS.P1.S1 e n.° 7770/07.3TBVFR.PJ.S1.) e pela doutrina, nomeadamente, pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa.

tt) Relativamente à verificação do requisito aposto na alínea b)do no 1doartigo672.o (que "Estejam em causa interesses de particular relevância social.’), a questão em estudo no presente recurso é de manifesto interesse social (cfr. Acórdãos proferidos pelo STJ no âmbito dos processos n° 725/08.2TVLSB.L1.S1; n.° 3401/08.2TBCASC.L1.S1› 384/08.2TBOER.L1.S1n.º111/09.7TBMRA.E1.S1), pois estamos perante uma situação em que na sequência de uma decisão no âmbito de uma acção – a declarativa -, se viu prejudicada a decisão em outra acção (a que corre nos presentes autos), não obstante o pedido e causa de pedir ser distinto entre as acções.

uu) As instâncias julgadoras, ao entenderem que no caso sub judice não (declarativa) há lugar a julgamento por a questão já ter sido decidida em outra acção —asseverando aqui os recorrentes, desde já, não perfilhar este entendimento —a 1.a instância e o Tribunal da Relação (/} impediram os mesmos recorrentes de verem o seu pedido julgado;(ii) impediram os recorrentes de fazer valer os seus direitos, mormente o seu direito patrimonial – à casa de morada de família.

vv) Ora, no caso que aqui se traz à colação, a decisão jurídica de existência de verificação da excepção de autoridade de caso julgado em relação à acção declarativa e que se pretende proteger por via da preclusão dos respectivos meios de defesa aí não usados é diametralmente oposta ao direito dos recorrentes em ver os seus pedidos julgados e, por conseguinte, o seu direito a manter o seu património – casa de morada de família – satisfeito, entendendo que aquela excepção de caso julgado não se verifica nos presentes autos.

ww) A negação de justiça que os recorrentes pedem — já por duas vezes (nas anteriores instâncias)! — que seja feita provoca-lhes, como seria desde logo de prever, profundos sentimentos de inquietação que lhe minama tranquilidade (e que, diga-se, minariam a tranquilidade deuma generalidade de pessoas).

xx) Assim, de harmonia com as razões supra descritas, uma vez mais para o caso de inadmissibilidade da revista "normal”, sempre seria admissível o presente recurso de revista excepcional por se encontrar verificado também o p r e s s u p o s t o da alínea b) do n.° 1 do artigo 672.° do CPC.

yy) E, nessa medida, deve a decisão recorrida ser revogada de forma a não se considerar verificada a excepção de autoridade de caso julgado e de os recorrentes não serem obrigados a entregar um imóvel que constitui a sua casa de morada de família, conformesedemonstrouemincidentepróprionoprocessoexecutivoepelasdemais razões já aduzidas no presente recurso.

O embargado recorrido contra-alegou, assim concluindo:

- Vieram os Recorrentes apresentar, recurso do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação na qual este considerou o mesmo improcedente.

B) -Quanto à alegada falta de intervenção do R. AA no processo declarativo, a mesma carece de fundamento.

- Na verdade o R. AA foi citado editalmente para o processo declarativo em 18/09/2018;

- Foi posteriormente citado na pessoa do seu filho DD em 15/11/2019.

- Citações estas perfeitamente regulares art. 225 e 228 do C.P.C.

- Mas mesmo que tal não fosse entendido, consta dos autos um mail datado de 19 de Outubro de 2021, dirigido ao Tribunal pelo referido AA onde este refere “Tendo tomado conhecimento da sentença no processo nº 2881/18.0..., venho junto deste Tribunal, informar que pedi apoio jurídico junto da Segurança Social para recorrer da Sentença por não estar de acordo.”

Dúvidas não restam que o Recorrente não só interveio após a sentença como poderia ter intervindo antes pois foi citado para tal.

- Quanto à pretensa natureza usurária do contrato a mesma carece igualmente de fundamento.

- Na verdade o negócio foi celebrado após acordo quanto aos valores em causa atento o período em que a economia portuguesa estava sujeita a uma intervenção da “Troika” para evitar a bancarrota.

- De qualquer forma se os Recorrentes. entendiam que tinham sido ludibriados tiveram muitas hipóteses de requerer a sua anulação, mas não só não o requereram como em 2015 ainda assinaram um Contrato de arrendamento ou seja dois anos após a celebração do negócio.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e manter-se a sentença recorrida.

Cumpre apreciar:

Antes do enfoque das questões a decidir haverá que ponderar sobre a admissibilidade da presente revista:

No âmbito de oposição à execução, apensa a acção executiva, em sede de despacho saneador, datado de 28-11-2022, foi proferida sentença, que julgou improcedentes as excepções invocadas e indeferiu os embargos de executado.

O Tribunal da Relação de Lisboa, em 20-04-2023, na sequência de apelação dos embargantes, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

Os embargantes executados apresentaram, nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 671.º, n.ºs 1 e 3, 672.º, n.º 1, al. a) e b), 674.º, al. b) todos do CPC, recurso de revista e, subsidiariamente, de revista excepcional.

O embargado/exequente CC apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção do acórdão recorrido

Vejamos:

Estamos perante um procedimento de oposição à execução, pelo que, por força do disposto no art. 854.º do CPC, não há obstáculo à admissibilidade da revista.

Todavia, impõe-se, antes de mais, aferir se existe ou não dupla conformidade decisória nas instâncias, nos termos do art. 671º nº 3 do CPC, uma vez que os embargantes/executados apelaram da sentença e o Tribunal da Relação confirmou a sentença de 1.ª grau.

Os recorrentes invocam que inexiste dupla conforme porquanto não há coincidência das decisões da 1ª e 2ª instâncias no seu todo com fundamentação não essencialmente coincidente e não há verdadeira dupla conforme, por haver matéria de direito (e de facto) que não foi conhecida pelas instâncias e, nessa medida, se encontrarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade do art. 671º nº1 e 3 do CPC.

Mais acrescentam na primeira conclusão, que o recurso tem como objecto, primordialmente, a revista normal, relativamente às questões da verificação da falta de intervenção do recorrente AA no processo declarativo como fundamento dos embargos, à questão da inexigibilidade da obrigação, apenas conhecida em 2ª instância, ao não conhecimento da usura e da simulação que podem neste caso ser alegados em sede de embargos por não haver intervenção do recorrente AA na acção declarativa e à não preclusão dos meios de defesa não usados na contestação daquela acção, a par das questões da inconstitucionalidade e violação da CEDH.

Para o que ora releva, o despacho saneador sentença analisa as seguintes questões:

- da falta de citação do executado na acção declarativa, cfr. al. d) do art. 729.º do CPC, na qual conclui que o executado interveio na acção declarativa através da junção de email com requerimento de apoio judiciário para interposição de recurso, após a prolação da sentença, o qual é processualmente relevante;

- da anulabilidade por usura do contrato-promessa de compra e venda, do contrato de compra e venda, do contrato de arrendamento e do contrato de mútuo celebrados, ou, subsidiariamente, a nulidade do contrato de arrendamento com opção de compra, na qual conclui que os fundamentos invocados são anteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, os quais eram do conhecimento dos embargantes, pelo que deveriam ter sido excepcionados na contestação e não, agora, na oposição à execução, cfr. al. g) do art. 729.º do CPC;

- os demais fundamentos invocados pelos embargantes, a impugnação da “existência de qualquer obrigação dos embargantes em desocupar o prédio” e da “violação do processo (declarativo) equitativo e da não discriminação”, substanciada esta num conjunto de putativas irregularidades processuais ocorridas no processo declarativo, considerou não constituírem fundamentos de embargos à execução fundados em sentença, previstos no art. 729.º do CPC.

Por seu lado, o acórdão recorrido analisou as questões que se seguem do seguinte modo:

- da falta de citação do executado na acção declarativa, cfr. al. d) do art. 729.º do CPC, no qual se considerou que a junção aos autos do pedido de apoio judiciário por banda do réu, após a sentença, não configura a prática de qualquer acto judicial. Porém, esta falta de intervenção apenas seria relevante se ocorresse falta ou nulidade da citação do réu, o que não se verifica, pois nem sequer foi por ele alegado;

- da inexigibilidade da obrigação entrega do imóvel, cfr. al. e) do art. 729.º do CPC1, no qual se considerou que a sentença que serve de fundamento à execução ao condenar os executados na entrega do imóvel não está dependente de qualquer condição e está devidamente definida quanto ao seu objecto, pelo que inexiste fundamento para a inexigibilidade da obrigação, sendo questão diversa o fundamento dos contratos usurários;

- da anulabilidade por usura do contrato-promessa de compra e venda, do contrato de compra e venda, do contrato de arrendamento e do contrato de mútuo celebrados, ou, subsidiariamente, a nulidade do contrato de arrendamento com opção de compra, aqui considerou-se que os factos apesar de serem anteriores ao encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, são factos que o embargantes apenas tiveram conhecimento em momento posterior, pelo que deveriam ter lançado mão do recurso extraordinário de revisão, e não dos embargos à execução. Entendeu ser improcedente o fundamento invocado ao abrigo da al. g) do art. 729.º do CPC, uma vez que os factos extintivos ou modificativos da obrigação não são posteriores ao encerramento da discussão em 1.ª instância;

- da preclusão dos meios de defesa e abuso do direito, os quais não se verificam pois, em primeiro lugar, não foram invocados factos modificativos ou extintivos da obrigação posteriores ao encerramento da audiência final e tendo sido pedido o cumprimento da entrega do imóvel, tal qual estipulado na sentença, inexiste qualquer abuso do direito;

- da interpretação inconstitucional do art. 573.º, n.º 1, do CPC quando interpretado no sentido de a preclusão dos meios de defesa não apresentados na contestação poder abranger casos em que não foi apresentada contestação e em que os réus não tiveram qualquer intervenção;

- da interpretação inconstitucional do art. 696.º, al. e), do CPC, em conjugação com o art. 729.º, al. d), do CPC, viola os preceitos constitucionais se interpretado no sentido de que há intervenção processual relevante no processo declarativo pela mera junção aos autos do comprovativo do requerimento de proteção jurídica;

- da interpretação inconstitucional da al. g) do art. 729.º do CPC, violadora das garantias de acesso ao direito e aos tribunais, bem como a um processo justo e equitativo, ao discriminar, designadamente, por razões económicas, consagrados nos arts. 13.º e 20.º n.ºs 1, 2 e 4 da CRP, se interpretado no sentido de que não há superveniência dos factos quando alguém junta um requerimento de proteção jurídica a um processo declarativo;

- da interpretação inconstitucional das normas jurídicas do CPC referidas no ponto IV das alegações da apelação, na supracitada interpretação violam os direitos a um processo justo e equitativo e à não discriminação, nomeadamente, em função da condição económica consagrados também nos arts. 6.º e 14.º CEDH.

Ora, da análise das questões jurídicas que foram apreciadas em ambos os arestos, do preenchimento dos pressupostos dos fundamentos de oposição à execução baseados em sentença, previstos nos als. d) e g) do art. 729.º do CPC, as decisões divergiram na fundamentação, pois apesar de chegaram à mesma conclusão, a improcedência desses fundamentos de oposição, a argumentação usada para os alcançar é diametralmente oposta.

Efectivamente, A Relação apresenta um novo argumentário para questões que não foram abordadas na sentença. Esta nova argumentação surge em face das alegações de apelação.

Assim, e uma vez que esta nova fundamentação do acórdão recorrido é uma novidade e não pode ser considerado um mero desenvolvimento da fundamentação do saneador sentença, entendemos que se mostra desconfigurada a dupla conforme e como tal o recurso de revista é admissível nos termos dos arts. 671.º, n.º 1, e 854.º do CPC.

Neste sentido, cfr. o Ac. do STJ de 11-03-2021, Revista n.º 1299/17.9T8LRA.C1.S1, segundo o qual, I - Tendo o tribunal da Relação, no âmbito do recurso de apelação e ao abrigo do disposto no art. 665.º, n.º 1, do CPC, conhecido de questões novas que não foram objeto de apreciação pelo tribunal de 1.ª instância, esta decisão escapa à figura da dupla conforme, dela sendo admissível recurso de revista, nos termos gerais, em conformidade com o disposto no art. 671.º, n.º 1, do mesmo código. (…).

Mais se adiante que, in casu, não se mostra possível fazer a distinção de qualquer segmento decisório, sendo a decisão una.

Assim, em face do valor fixado à causa, € 171 540,00 (cento e setenta e um mil quinhentos e quarenta euros), o valor da sucumbência (superior a € 15 000,00), a legitimidade dos recorrentes e o teor do acórdão recorrido, o presente recurso de revista é admissível, nos termos dos arts. 854.º (procedimento de oposição à execução), 671º n.º 1, e 674º nº 1 al. a) do CPC.

Cumpre, pois, decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

Em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes/embargantes, as questões a decidir são as seguintes:

- da falta de citação do executado na acção declarativa, cfr. al. d) do art. 729.º do CPC;

- da anulabilidade por usura do contrato-promessa de compra e venda, do contrato de compra e venda, do contrato de arrendamento e do contrato de mútuo celebrados, ou, subsidiariamente, a nulidade do contrato de arrendamento com opção de compra, cfr. als. e) e g) do art. 729.º do CPC;

- da preclusão dos meios de defesa;

- da interpretação inconstitucional dos arts. 573.º, n.º 1, e do art. 729.º, al. g), do CPC.

Antes do mais, vamos aqui renovar a factualidade que resultou apurada das instâncias:

I. CC intentou ação declarativa contra AA e, BB pedindo que seja declarado dono e legitimo proprietário da fração que os réus ocupam e, estes condenados a restituí-la livre de pessoas e bens.

II. Tendo sido devolvida a carta para citação do réu, foi tentada a citação por contacto pessoal do agente de execução.

III. Em 15-11-2019, o réu, AA foi citado na pessoa do seu filho, DD.

IV. Em 19-10-2021, deu entrada um email, subscrito a final por AA, no qual refere que “Tendo tomado conhecimento da sentença no processo n.º 2881/18.0..., venho junto deste tribunal, informar que pedi apoio jurídico junto da Segurança Social, para recorrer da sentença por não estar de acordo, ficando a aguardar a nomeação de advogado”.

V. Por despacho de 28-10-2021, o réu, AA foi notificado para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos documento comprovativo da data de entrega do pedido de apoio judiciário junto do ISS.

VI. Em 05-11-2021, deu entrada um email, subscrito a final por AA, no qual refere, além do mais, que “solicito a melhor atenção para o facto de ter existido erro no envio do mail datado de 16/10/2021, devido a endereço de mail errado. De imediato contactei a Segurança Social via e-mail …, depois de ter detetado esse erro. Face ao exposto, solicito a V. Exas que relevem este erro e considerem como aceite este meu pedido referente ao processo n.º 2681/18.0... – Juiz 2”.

VII. Em 03-01-2022, foi proferido despacho que entendeu que “o pedido de apoio judiciário apenas deu entrada no ISS quando já havia decorrido o prazo de recurso (seja ele de 30 ou de 40 dias a contar da data de notificação da sentença). Face ao exposto e sem prejuízo da decisão que vier a ser proferida pelo ISS quanto ao pedido formulado pelo Réu, o decurso do prazo de recurso terminou antes do dia 03 de Novembro de 2021”.

Apreciemos cada um dos pontos acima identificados:

Da falta de citação do executado na acção declarativa, cfr. al. d) do art. 729.º do CPC.

Nos presentes autos, é apresentado como título executivo uma sentença condenatória, nos termos do art. 703.º, n.º 1, al. a), do CPC.

Este título executivo surge após a prática de uma série actos processuais, marcados pelo princípio do contraditório e, conforme afirma Lebre de Freitas (In A Acção Executiva, página 154), mostra-se revestido da força de caso julgado, nos termos da lei civil. Em virtude desta característica que é a força de caso julgado, a possível discussão que ocorre na fase executiva mostra-se limitada aos fundamentos que não poderiam ter ocorrido na fase declarativa, cfr. art. 729.º do CPC.

Invocam, em primeiro lugar, os recorrentes que deve proceder a sua pretensão de procedência dos embargos com fundamento na al. d) do art. 729.º do CPC, pois, ao contrário do percepcionado no acórdão recorrido, foi pelos recorrentes alegada a falta de citação ou a sua falta de conhecimento da citação por factos que não lhe são imputáveis, o que aliado com o facto de o tribunal recorrido ter entendido que o recorrente não teve qualquer intervenção no processo declarativo, é bastante para ser revista a decisão transitada em julgado, cfr. art. 696.º, al. e), do CPC.

O acórdão recorrido, nesta matéria, considerou que o réu não interveio na acção declarativa, mas tal não se mostra relevante, pois não ocorreu falta de citação, nem a sua citação foi nula. A alegação de que nunca viu qualquer edital afixado, nem avisos para levantar correspondência nos CTT, não é suficiente para verificar alguma das situações tipificadas no art. 696.º al. e) do CPC.

Por força do disposto no art. 219.º, n.º 1, do CPC, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.

Com o acto da citação visa-se assegura-se o direito ao contraditório, pois é através da citação que o visado no processo judicial toma conhecimento do processo e pode apresentar a sua defesa, cfr. art. 3.º, n.º 1, do CPC.

O acto da citação mostra-se inquinado quando ocorre a sua falta, cfr. arts. 188.º e ss. do CPC, ou quando o acto seja nulo, cfr. art. 191.º do CPC.

No caso, de acordo com os factos provados, o executado foi citado na acção declarativa por carta posta, através de outra pessoa.

Por força do disposto no art. 228.º do CPC, trata-se de um modo de citação pessoal, porquanto o acto ocorreu através da entrega da carta de citação, após assinatura do aviso de recepção, a terceira pessoa, que declarou encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

Aquilo que o recorrente alega nos pontos 21 e 29 a 30 do recurso de apelação e que na revista reproduz é o seguinte:

“21) O Recorrente AA nunca viu qualquer edital afixado, nem avisos para levantar correspondência nos CTT, desconhecendo, por facto que não lhe pode ser imputado, o que impediu a sua citação/notificação ao longo de todo o processo declarativo (…)

29) O que equivale a dizer que, conforme resulta do exposto e da documentação junta aos autos com os embargos, todo o processo declarativo, até à sentença, decorreu à revelia do ora embargante AA, sem que este tenha tido conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável, nos termos do ponto ii) da alínea e) do art. 696º do CPC.

30) Tendo antes, comprovadamente, a Recorrente BB tentado protegê-lo, face às preocupações inevitáveis resultantes do processo, atendendo à sua situação de saúde que, melhor se demonstra pelos relatórios médicos juntos com os embargos e acreditando sempre a Recorrente BB que ia conseguir resolver tudo sem a sua intervenção e assumindo mesmo, todas as comunicações como Tribunal e a Segurança Social.

31) O que não pode ser ignorado e, por consequência, não pode, em último caso, o Recorrente AA ser prejudicado pela conduta da Recorrente BB, com a preclusão do seu direito a se defender por factos que não lhe são de todo imputáveis e que não esteve em condições de sequer tomar conhecimento, em tempo útil, muito menos, de evitar».

Ora, aquilo que o recorrente alega é irrelevante em face do que já se mostra provado nos autos. Na verdade, ficou provado que a carta de citação foi entregue a DD, filho do recorrente, pelo ainda que se provasse aquilo que o recorrente alega, em nada alteraria a citação válida que ocorreu nos autos. Não era à recorrente que incumbia dar conhecimento ao recorrente da citação, mas sim à pessoa que recebeu a carta de citação, DD, pelo que os factos invocados não são hábeis a debelar aqueles que resultam dos autos.

Conforme refere José Lebre de Freitas (in CPC Anotado, Vol. 3.º, Arts. 627.º a 877.º, Almedina, 3.ª Edição, Março 2022, p. 459), O desconhecimento, pelo réu, do ato da citação não pode surgir quando a citação é pessoal e, quando é quase-pessoal, constitui falta de citação quando não lhe seja imputável. No caso, porém, de citação edital devidamente usada, o réu que dela não tomasse conhecimento sem que tal lhe fosse imputável só tinha ao seu alcance, durante a ação, o meio do justo impedimento. A alteração introduzida n a alínea d) do artigo sob anotação pela Lei 117/2019, conjugada com a nova redação do art. 696-e, veio colmatar esta grave ofensa do direito de defesa; transitada em julgado a sentença que condene, à revelia, o réu citado editalmente, este passou, na subsequente execução, a poder invocar o desconhecimento desculpável do ato, mantido durante toda a pendência da instância declarativa.

Ora, de acordo com a factualidade avançada como provada, não estamos perante uma situação de citação edital, mas sim de citação pessoal do réu, pelo que o argumentário apresentado não pode prevalecer.

Não se mostra, assim, preenchida qualquer ponto da al. e) do art. 696.º do CPC, pelo que, tal qual decidido no acórdão recorrido não está preenchido o fundamento de embargo previsto na al. d) do art. 729.º do CPC.

Da anulabilidade por usura do contrato-promessa de compra e venda, do contrato de compra e venda, do contrato de arrendamento e do contrato de mútuo celebrados, ou, subsidiariamente, a nulidade do contrato de arrendamento com opção de compra, cfr. al. e) e g) do art. 729.º do CPC.

Mais alegam os recorrentes que, nas instâncias não foi apreciada a questão supra referida, a qual deve ser apreciada, porquanto o recorrente AA, tal qual decidido no acórdão recorrido não interveio na acção declarativa, o que sendo fundamento autónomo de embargos, permitindo-se ao recorrente alegar tudo o que não pôde alegar na acção declarativa.

O recorrente labora a sua defesa num argumento redondo, pois parte do princípio que é procedente o fundamento de embargos previsto na al. d) do art. 729.º do CPC, o que foi considerado improcedente quer nas instâncias, quer neste STJ, conforme já referido. Para que seja apreciado o fundamento material dos factos não apreciados na acção declarativa necessário será necessário que estejam preenchidos os pressupostos formais para o conhecimento dos mesmos e que constam do art. 729.º do CPC.

Relativamente a este fundamento, o acórdão recorrido considerou o seguinte.

Por um lado, entendeu que a obrigação em que os recorrentes foram condenados por sentença é exigível, pois está perfeitamente determinada em relação ao seu objecto, sendo que não dependente de que qualquer condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro – al. d) do art. 729.º do CPC.

Por outro lado, o acórdão recorrido entendeu que tendo os factos respeitantes à eventual anulabilidade ou nulidade do contrato ocorrido antes do encerramento da discussão no processo de declaração, mesmo que o recorrente apenas deles tenha tido conhecimento em momento posterior, deveria de recorrer ao recurso extraordinário de revisão e não aos embargos à execução.

Concluindo, os factos modificativos ou extintivos da obrigação só podem ser invocados em sede de oposição à execução desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.

Deste modo, mostra-se irrelevante que o apelante só tenha tido conhecimento dos factos ocorridos antes do encerramento da discussão da causa em 1ª instância, em data posterior a esta, porquanto, neste caso, teria que recorrer ao recurso extraordinário de revisão e não aos embargos à execução.

Analisando cada um dos fundamentos, temos que a certeza, a exigibilidade e a liquidez são pressupostos processuais da obrigação exequenda que quando não são, desde logo, alcançáveis na decisão judicial, podem ser determinados e esclarecidos através de meios declarativos próprios, nos termos dos arts. 713.º e ss. do CPC.

Em concreto, a exigibilidade prende-se com situações em que a obrigação constante da decisão judicial está dependente de alguma condição suspensiva ou da prestação por terceiro ou pelo credor.

No caso, verificamos que decorre da sentença dada à execução, que os recorrentes foram condenados a entregarem ao apelado a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente ao segundo andar esquerdo, do prédio sito na Rua da ..., no lugar, freguesia e concelho de ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 744, inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo 2190, com licença de utilização nº 523 emitida em 23/07/2002 pela Câmara Municipal de ..., livre de pessoas e bens.

Ora, a obrigação a que os recorrentes foram condenados é perfeitamente exigível, pois não está dependente de qualquer condição suspensiva nem da prestação de terceiro ou do credor, pelo que também aqui improcedem os argumentos dos recorrentes.

No que à tempestividade dos factos extintivos invocados concerne, atentemos no disposto na al. g) do art. 729.º do CPC, de acordo com a qual a oposição à execução pode ter como fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

Os fundamentos de embargos previstos no art. 729.º do CPC são taxativos e, em concreto, a al. g) opera caso se mostrem preenchidos os dois requisitos aí indiciados:

- o facto tem de ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração;

- e o facto que se pretende provar tem que ser provado através documento, sem prejuízo dos casos de prescrição, que podem provar-se por qualquer meio.

O acórdão do STJ de 31-03-2022, Revista n.º 9380/18.0T8LSB-A.L1.S1, explica que I - Fundando-se a execução em sentença, o executado pode defender-se por embargos com a invocação de um facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (art. 729.º, al. g), do CPC). II - A exigência de que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração justifica-se pelo respeito pela força do caso julgado que se formou sobre a sentença exequenda, e decorre do princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573.º do CPC), ónus que vale para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para as excepções peremptórias. III - Se a excepção peremptória deduzida contra execução podia ter sido invocada na acção declarativa, por já então se verificarem os respectivos pressupostos e não o foi, não pode ser invocada em sede de embargos, por efeito do princípio da preclusão.

No mesmo sentido, pois é esta a posição unânime do Supremo, citamos o Ac. do STJ de 17-02-2022, Revista n.º 1678/20.4T8SRE-A.C1.S1, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, (…) IV - Sendo o título executivo uma sentença que conheceu do mérito da causa, condenando a requerida no pedido, o respeito pelo caso julgado material implica que, se o executado pretender sustentar a extinção ou a modificação da obrigação exequenda, só possa defender-se invocando factos extintivos ou modificativos posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração que se provem por documento. V - Por referência ao momento do enceramento da discussão, a sentença prova plenamente a constituição dos créditos, em cujo cumprimento condenou. VI - Baseando-se a execução numa sentença condenatória imediatamente proferida após a desconsideração da oposição apresentada na injunção, a referência temporal que releva é a emissão da sentença; de acordo como disposto na al. g) do art. 729.º do CPC, só poderão ser invocados em embargos de executado factos modificativos ou extintivos do crédito reconhecido pela sentença que forem posteriores à sentença e se provem por documento. VII - O que releva é a data dos factos extintivos da obrigação exequenda, não a da emissão do documento que se junta para os provar.

No caso, os factos que os recorrentes alegam para sustentar a usura não se reportam à prescrição, mas sim a factos que poderão determinar a anulabilidade ou nulidade dos negócios celebrados, ou por usura ou por simulação. Aqui, para além de serem factos que não são susceptíveis de serem provados por documentos, mas sim por prova documental, são factos que se reportam à data da celebração dos referidos contratos, pelo que poderiam ter sido excepcionados na contestação por ambos os recorrentes.

Tal como decidido no acórdão recorrido, a circunstância de serem factos, que o recorrente apenas terá tido conhecimento após o decurso da acção declarativa, é irrelevante, pois necessário seria, para fazer funcionar a defesa prevista na al. g) do art. 729.º do CPC, que fossem factos posteriores ao encerramento da discussão da causa, em termos objectivos.

Também, relativamente ao conhecimento superveniente, já o STJ se pronunciou no Ac. de 25-11-2008, Revista n.º 08A1997, I - A inexistência ou insubsistência da obrigação exequenda, em matéria de oposição à execução fundada em sentença ou equiparadas, restringe-se aos factos não precludidos pelo caso julgado, isto é, aos factos modificativos ou extintivos da obrigação, desde que posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração. II - Os factos anteriores, mesmo quando o executado deles não tinha conhecimento ou não dispunha do documento necessário para os provar, não podem servir de fundamento de oposição à execução. III - Por isso, a inoponibilidade da compensação, por crédito anterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, resulta das regras do caso julgado, em virtude de, não tendo essa excepção sido deduzida na acção, tal implicar que o contradireito do executado se tenha de haver sempre como extinto, pelo menos, até à medida do crédito do exequente.

Ainda que tal possa ser admitido, ou seja, ainda possa ser ponderada a apreciação de fundamentos extintivos ou modificativos da obrigação, com conhecimento superveniente do réu executado, RUI PINTO (In Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Agosto de 2013, pp. 411 e ss.) apenas o admite através do recurso extraordinário de revisão, sendo tal uma opção do legislador.

Já MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA admite a possibilidade de apreciação deste fundamento subjectivo também na oposição por embargos, no âmbito da execução.

Afigura-se-nos, pois, em face da jurisprudência citada, e dos argumentos de preclusão e do caso julgado, como via acertada de decisão a inadmissibilidade do conhecimento superveniente dos factos na oposição à execução, quando tais factos eram do conhecimento do embargante à data em que lhe fora concedida a possibilidade de os contestar na acção declarativa, sendo tal apenas admissível no recurso de revisão, conforme decidido no acórdão recorrido, pelo que também nesta parte, deverá o recurso improceder.

Da preclusão dos meios de defesa

Quanto a esta parte, e mais uma vez, diremos, de forma algo redundante, pois trata-se de argumento já abordado, invocam os recorrentes que estamos perante uma excepção ao princípio da concentração dos meios de defesa, previsto no art. 573.º, n.º 1, do CPC, em face da reconhecida não intervenção do recorrente AA na acção declarativa e à não identidade de causas de pedir, pelo que não se mostra precludido do direito de defesa dos recorrentes. Mais alega que o recorrente AA nunca foi citado ou não tomou conhecimento da citação na acção declarativa por facto que não lhe é imputável. w) E, por consequência, não pode o recorrente AA ser penalizado pela suposta falta de concentração de todos os meios de defesa na contestação da mulher que não subscreveu nem foi subscrita em sua representação.

Em anotação ao art. 729.º do CPC, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA (In Código de Processo civil Anotado, Vol. II, 2020 Reimpressão, Almedina, pp. 85), escrevem que tratando-se de excepções que pudessem ser invocadas na acção declarativa, fica precludido o direito de servirem de base a embargos de executado (art. 573º, nº 1).

Também José Lebre de Freitas (In A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, pp. 202), assume concordância com esta premissa, sustentando que “A excepção em sentido próprio não pode ser feita valer na oposição quando se baseia em pressupostos já verificados à data do encerramento da discussão”.

Chamamos novamente à colação do Ac. do STJ de 31-03-2022, Revista n.º 9380/18.0T8LSB-A.L1.S1, que, a propósito do princípio da concentração da defesa e da preclusão, nos ensina o seguinte: O princípio da concentração da defesa na contestação consta do art. 573º do CPC, que estatui: “1. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado; 2. Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou que se deva conhecer oficiosamente.

Em comentário ao art. 489º do anterior CPC, que corresponde ao art. 573º do NCPC, escreve Miguel Teixeira de Sousa, in Cadernos de Direito Privado, 41º, 26 e ss: “Este ónus de concentração vale, indiscutivelmente, para todos os fundamentos de defesa, nomeadamente para todas as excepções peremptórias que o demandado queira opor à pretensão do demandante.

O art. 489º, nº 1, do CPC, impõe a concentração da defesa na contestação, pelo que qualquer excepção não invocada – como por exemplo a invalidade do negócio jurídico ou o pagamento da dívida – se considera definitivamente precludida.”

O mesmo Ilustre Jurista escreve em Acção executiva singular, pag. 164: “Com o trânsito em julgado dá-se a preclusão dos factos que, podendo sê-lo, não foram invocados na contestação e que, apesar de supervenientes, não foram alegados nem conhecidos.”

No mesmo sentido, esclarece Rui Pinto (in “A acção executiva”, 2019, pag. 393), dizendo que “Não podem ser opostos factos que, quanto à existência e conteúdo da obrigação exequenda, foram alegados e já julgados na sentença condenatória que serve de título executivo ou que, embora pudessem ter sido alegados, não o foram, pelo que a sua apresentação foi precludida pelo caso julgado. Recorde-se que a alegação dos factos pelas partes está sujeita ao princípio da concentração temporal da defesa na contestação (art. 573º, nº 1) ou, sendo os factos supervenientes a esse momento, até ao encerramento da discussão (art. 588º, nº 1 do CPC).

Por outras palavras, sob pena de violação de caso julgado formado pela sentença que condenou o R. a entregar ao Autor determinado prédio, e em observância do princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573.º do CPC) e do princípio da preclusão, na execução de tal sentença, ao executado embargante só é permitido alegar factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que os mesmos sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo declarativo e se prove por documento (art. 729.º, al. g), do CPC), sendo este um ónus do embargante que vale para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para as excepções peremptórias.

Assim, invocada na oposição à execução fundada em sentença a inexistência ou insubsistência da obrigação exequenda, tem esta invocação de se fundar e restringir a factos não precludidos pelo caso julgado, ou seja, a factos modificativos ou extintivos da obrigação ocorridos posteriormente encerramento da discussão no processo de declaração, já que, tratando-se de factos anteriores àquele encerramento, mesmo quando o executado deles não tinha conhecimento ou não dispunha do documento necessário para os provar, não pode servir-se deles para fundar a sua oposição à execução.

Portanto, a oposição à execução de sentença, não admite a alegação, nova ou repetida de factos velhos. A justificação, dada por Alberto dos Reis, é “obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa”, em suma a oposição à execução não constitui uma renovação da instância declarativa.

Também a jurisprudência citada pelos recorrentes, a propósito da tutela jurisdicional efectiva, apontada no proc. n.º 1348/17.0T8BRG-A.G12, do Tribunal da Relação de Guimarães, não tem aplicação nos presentes autos, porquanto o recorrente, de acordo com os factos provados, foi citado pessoalmente no processo declarativo, mas manteve-se em revelia.

Conclui-se, assim, que estando os réus citados para a acção declarativa, mostra-se precludido o direito de defesa dos recorrentes fundado em factos que já existiam à data do encerramento da discussão no processo declarativo e que, aí, não foram deduzidos.

Da interpretação inconstitucional dos arts. 573.º, n.º 1, e 729.º, al. g), do CPC

Importa mais uma vez realçar que o recorrente/réu no processo declarativo foi citado pessoalmente e manteve-se à revelia.

Mostram-se, assim, precludidos, nos termos do art. 573.º, n.º 1, do CPC, os meios de defesa do réu, podiam e deveriam ter sido apresentados na contestação. Ao ora recorrente/réu no processo declarativo não lhe foi negada a possibilidade de apresentar a defesa que lhe aprouvesse, se não o fez, sibi imputat.

Ora, tendo sido possível apresentar defesa no processo declarativo e se não o fez, não pode vir agora, em sede de embargos de executado, no âmbito de execução cujo título executivo é uma sentença judicial, apresentar meios de defesa excepcionatórios que já se verificavam à data do encerramento da discussão no processo declarativo. Os factos que os recorrentes alegam para justificar a apresentação de defesa através de excepção modificativa ou extintiva do direito titulado na sentença não encontram respaldo nos autos, em face dos factos provados no acórdão recorrido, pois o réu foi pessoalmente citado no processo declarativo e não, conforme afirma ter sido citado editalmente. Tendo sido citado, o réu poderia ter exercido o contraditório, tal qual qualquer réu.

Inexiste qualquer violação do disposto nos arts. 13.º e 20.º da CRP, porquanto foi assegurado aos réus, quer no processo declarativo, quer no processo executivo, através da possibilidade de dedução embargos do executado o acesso a um processo justo e equitativo, sendo certo que as limitações que resultam do disposto no art. 573.º do CPC servem para assegurar a força do caso julgado e o princípio da concentração da defesa na contestação, enquanto corolários do direito processual civil português.

Igualmente, a impossibilidade de apresentar a defesa proveniente da limitação legal prevista no art. 729.º, al. g), do CPC, isto é a presentação de defesa com cariz de excepcção de factos que sejam supervenientes e susceptível de prova através de documento, não constituem uma violação do direito de acesso ao tribunal e a uma decisão justa.

Na verdade, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva apenas assegura o direito das partes de verem as suas pretensões apreciadas por um tribunal, e de a estas corresponder uma acção adequada. As normas processuais civis que regulam a forma de actuação das partes e limitam esta forma de actuação, designadamente o princípio da preclusão e a limitação dos meios de defesa nos embargos de executado, quando o título executivo apresentado é uma sentença judicial, mostram-se conformes a CRP, e não constituem qualquer violação dos direitos do recorrente AA, que teve a oportunidade processual para actuar e não o fez.

Mais alega que não pôde litigar, porque não obteve uma decisão no âmbito do apoio judiciário, o que são factos que não encontram respaldo nos autos, pelo que não pode o tribunal pronunciar-se obre eles.

A apreciação da possibilidade de entrega do imóvel e consequente perda do núcleo de vivência, como seja a frequência de consultas no Hospital de ..., por serem doentes oncológicos é matéria que não releva para as questões jurídicas que estão em apreciação e foram já enunciadas e decididas.

Mais, a interpretação efectuada pelo acórdão recorrido, e à qual aderimos in totum, relativamente à conformidade do acórdão recorrido com as normas da CEDH, não merece qualquer censura, pois foram plenamente assegurados os princípios do contraditório e igualdade quer no processo declarativo quer no processo executivo.

Em face de tudo o exposto, somos de concluir que o acórdão recorrido merece inteira confirmação, improcedendo a revista.

DECISÃO

Acordam os juízes que integram a 7ª Secção Cível deste supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1a Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes

2º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Lino Ribeiro

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1. O acórdão recorrido considerou inexistir nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por entender que se trata de argumento da questão mais lata que é a anulabilidade por usura do contrato-promessa de compra e venda, do contrato de compra e venda, do contrato de arrendamento e do contrato de mútuo celebrados, ou, subsidiariamente, a nulidade do contrato de arrendamento com opção de compra e que a sentença analisou apenas à luz da al. g) do art. 729.º do CPC.

2. I) - A aplicação do princípio da concentração da defesa na contestação e do princípio da preclusão, como corolário daquele, consagrados no artº. 573º do NCPC, pressupõe que a contestação tenha sido apresentada por conta e no interesse da Ré. II) - A contestação apresentada por mera cautela pelo patrono oficioso da Ré, tão só para evitar uma condenação de preceito, sem que aquele tivesse falado com a parte patrocinada, não teve em conta o interesse da Ré e está a prejudicar o seu direito de defesa. III) - Tal contestação pode ser dada sem efeito e pode ser admitida a contestação/reconvenção apresentada posteriormente pelo mandatário entretanto constituído pela Ré, dentro do prazo estabelecido para o efeito, por a mesma corresponder à sua efectiva vontade e salvaguardar o seu direito de defesa, caso tal seja por ela requerido. IV) - Caso assim não se entendesse e se impusesse a primeira contestação, estar-se-ia a consagrar um direito de defesa meramente formal, em denegação do direito à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado (cfr. artº. 20 da CRP).