Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
216/19.6PANZR.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71.º, n.º 1, um critério especial estabelecido no art. 77.º, n.º 1, 2ª. parte, ambos do CP.
II - As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos.
III - Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única. A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade, emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado.
IV - A interiorização das condutas ilícitas e consequentes penas parcelares que lhe foram aplicadas traduzidas na vontade clara de alteração do comportamento antissocial violador de bens jurídico criminais, assente em factos que o demonstrem, relevam assim, particularmente, no apuramento das exigências de prevenção no momento de determinar a pena única.
V - Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 216/19.6PANZR.C1.S1

Recurso Penal

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Central Criminal ... - Juiz ... , sob acusação do Ministério Público, em processo comum coletivo, foi o arguido AA, devidamente identificado nos autos, submetido a julgamento - no decurso do qual foi dado cumprimento ao disposto no art.358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P. - e, no seu final, os juízes que constituem o Tribunal Coletivo, por acórdão de 24 de janeiro de 2023, decidiram (transcrição):

i) Julgar a acusação parcialmente improcedente e não provada e, consequentemente, absolvem o arguido AA da prática, como reincidente, dos seguintes crimes:

- do crime de dano, na forma consumada, previsto e punido no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, tendo por ofendido BB;

- do crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pela disposição conjugada dos artigos 202.º, al. c), 204.º, n.º 2, al. f) e n.º 4, e 210.º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pessoa de BB;

- dos três crimes de roubo, na forma consumada, previsto e punido pela disposição conjugada dos artigos 202.º, al. c), 204.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, e 210.º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pessoa de CC;

- do crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pela disposição conjugada dos artigos 22.º, 23.º, 202.º, al. c), 204.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, e 210.º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pessoa de DD.

ii) Julgar a acusação parcialmente improcedente e não provada e, consequentemente, absolvem o arguido AA da prática, como reincidente, do crime de roubo agravado na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 204.º, n.º 1, al. d) e 210.º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pessoa de EE.

Sem embargo, operando a respectiva convolação:

iii) Julgar a acusação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido AA pela prática, como reincidente, em autoria material, de um crime de roubo simples na forma consumada, na pessoa de EE, p. e p. nos artºs 75º, 76º e 210º nº 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.

iv) Julgar a acusação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido AA pela prática, como reincidente, em autoria material, e concurso efectivo de quatro crimes de roubo “simples” na forma consumada, p. e p. nos artºs 210° nº 1 , 75 e 76º nº 1, todos do Código Penal [de que são ofendidos FF, GG, HH e II], na pena de dois anos de prisão por cada um desses crimes.

v) Operando o respectivo cúmulo jurídico de penas aplicadas em iii) e iv), condenam o arguido AA na PENA ÚNICA de cinco anos e seis meses de prisão.”.

2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para o Tribunal da Relação de Coimbra, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):

“1 - O arguido foi condenado pelo crime de roubo simples na forma consumada, na pessoa de EE, na pena de dois anos de prisão, previsto e punido nos artigos 75º, 76º e 210º nº 1 do Código Penal;

2 - Foi condenado pela prática, como reincidente, em autoria material e concurso efectivo de quatro crimes de roubo “simples” na forma consumada, nas pessoas de FF, GG, HH e II, na pena de dois anos de prisão para cada um dos crimes, previsto e punido nos artigos 210º nº 1, 75º e 76º nº 1 todos do Código Penal;

3 - E operando o respectivo cúmulo jurídico das penas acima aplicadas, decidiu o Tribunal a quo condenar o arguido AA, na Pena única de Cinco Anos e Seis Meses de Prisão.

4 - A discordância do arguido coloca-se na ponderação efectuada na medida da pena a aplicar e a pena efectivamente aplicada.

5 - O Tribunal a quo fundamentou a condenação do arguido na pena de cinco anos e seis meses de prisão com base na reincidência do arguido, uma vez que já esteve preso pelo crime de roubo simples na forma tentada e na forma consumada, e que o arguido não se inibiu de renovar o se propósito de delinquir, no mesmo tipo crime, motivado novamente pela necessidade de obter proventos para a aquisição de estupefacientes para seu consumo, atenta a condição.

6 - O Tribunal a quo determinou que por efeito da agravação como reincidente, nos termos do disposto no artigo 75º, 76º e 210º nº 1 do Código Penal, cada um dos crimes de roubo simples na forma consumada praticados pelo arguido é punível com pena de prisão de um ano e quatro meses até oito anos.

7 - O arguido é jovem, tem 30 anos, tem uma baixa escolaridade, é pobre, arrumador de carros e toxicodependente mas em Tratamento da Metadona, e apesar de já ter sido condenado nunca lhe foi dada a oportunidade de tentar melhorar a sua vida determinando o Tribunal a sua reinserção social, uma vez que sozinho não tem conseguido pois necessita de acompanhamento técnico, neste caso do Instituto de Reinserção Social. Esse apoio técnico é importante para melhorar as suas competências quer a nível intelectual quer a nível profissional para obter melhores resultados no mercado de trabalho pois já esteve inserido em formação profissional na C... e na F..., mas não concluiu os cursos.

8 - O arguido não conseguiu concluir os cursos por falta de acompanhamento de técnicos, pois é toxicodependente, e é necessário neste tipo de dependência um acompanhamento mais rigoroso a fim do arguido conseguir cumprir as etapas necessárias para concluir com sucesso, quer sejam cursos, quer sejam trabalhos quer sejam tratamentos à toxicodependência.

9 - Conforme verificamos no disposto no artigo 40º do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e no artigo 70º do Código Penal, a Lei permite que o Tribunal dê preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

10 - Parece-nos, e salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo não ponderou devidamente o determinado no artigo 40º e 70º ambos do Código Penal, pois se tivesse aplicado ao arguido uma pena de prisão inferior a cinco anos poderia ter aplicado o disposto no artigo 50º do Código Penal, com a aplicação conjunta de deveres e regras de conduta impostas cumulativamente.

11 - O Tribunal a quo deveria ter ponderado que o arguido apesar dos crimes que cometeu e ter obviamente de ser condenado, poderia ter optado pela decisão da suspensão de execução da pena de prisão, impondo regras com o devido acompanhamento técnico, de modo a consciencializar o arguido das regras de conduta na sociedade e na melhoria da sua autoestima e capacitação pessoal e profissional.

12 - Existe uma clara contradição na aplicação do artigo 40º do Código Penal, na medida em que o Legislador determinou que a reintegração do agente na sociedade fosse determinante nas decisões do Tribunais, mas os que têm menos indicadores de possibilidade de reinserção, são os que vêm as suas penas mais agravadas e que terão menos possibilidades de ver a sua pena suspensa.

13 - Os que sofrem as penas efectivas são os indivíduos já com fragilidades a nível da sua inserção social e verão essas fragilidades aumentadas no retorno à liberdade. Desta forma, não se está a contribuir para a reintegração do agente na sociedade e a prisão parece cumprir mais uma finalidade de prevenção especial negativa de afastamento do arguido da sociedade.

14 - Cremos que no Douto Acórdão não se fez correcto uso do disposto nos artigos 40º e 70º todos do Código Penal.

15 - Entende, assim, o arguido, caso V.Exas. mantenham a condenação, ser merecedor da atenuação especial prevista no art.72º, n. 1, do Código Penal, e ser condenado em pena de prisão não superior a 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal, com a aplicação cumulativamente de deveres e regras de conduta pelo mesmo período.

16 - Caso V.Exas assim não entendam, deve a condenação ser reduzida para uma pena não superior a quatro anos e seis meses de prisão.

Assim, revogando a douta decisão, nos termos acima referidos, farão, como sempre, Elevada Justiça.

3. O Ministério Público junto do Juízo Central Criminal ... respondeu ao recurso interposto pelo arguido, concluindo a sua resposta (transcrição):

“1. A pena única de cinco anos e seis meses de prisão aplicada ao recorrente respeita os critérios legais para a sua determinação, sendo adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto exige.

2. Não são apenas as finalidades de prevenção especial que norteiam a escolha e a medida da pena;

3. O Tribunal a quo valorou correctamente todas as circunstâncias previstas no artigo 71.º, do Código Penal.

4. No caso       em apreço       - ausência de integração escolar, laboral e social - tendo já o arguido sido condenado em duas penas de prisão efectiva pela prática de crimes de idêntica natureza, não poderia o Tribunal a quo condenar o arguido numa pena de prisão igual ou inferior a cinco anos e suspender a execução desta.

5.  A pena de prisão aplicada ao recorrente pelo Tribunal a quo, porque inclusivamente fixada abaixo do meio da moldura do concurso, revela-se adequada e proporcional, devendo ser mantida na totalidade.

Por tudo o exposto entendemos dever improceder, na totalidade, o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se na íntegra o douto acórdão, assim farão V. Ex.as a costumada Justiça!”

4. Por despacho de 27 de fevereiro de 2023, a Ex.ma Juíza admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 427.º “a contrario” e 432º nº 1 al. c), todos do Código de Processo Penal, considerando para o efeito que é interposto de acórdão final condenatório.

Tendo o recurso sido remetido para o Tribunal da Relação de Coimbra, o Ex.mo Juiz Desembargador, por despacho de 15 de maio de 2023, determinou que o processo fosse remetido de imediato para o Supremo Tribunal de Justiça, tal como consta do despacho que admitiu o recurso e por ser esse Tribunal competente, dando-se conhecimento do facto ao arguido.

Por requerimento de 17 de maio de 2023, veio o arguido reconhecer que só por lapso indicou o Tribunal da Relação para efeitos de recurso.

5. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça e que deverá ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida. 

6. Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu.

7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentação

8. Com relevo para a decisão do recurso consigna-se no acórdão recorrido (transcrição):

Factos provados:

Inquérito 221/19.... (Apenso A)


a.1) No dia 24 de Setembro de 2019, cerca das 19h00m, na Rua ..., ..., em frente ao supermercado S..., o arguido AA abeirou-se do ofendido FF, que aí caminhava, e exigiu-lhe que lhe desse o dinheiro.
a.2) O FF recusou-se a entregar ao arguido o dinheiro e seguiu a pé para a Rua ....
 a.3) Já nessa rua, o arguido aproximou-se novamente do FF e, empunhando uma navalha de características não concretamente apuradas na sua direcção, agarrou-o pelo pescoço e disse-lhe: “dá-me o dinheiro”.

a.4) O FF debateu-se, logrando soltar-se do arguido.

a.5) Nisto, o arguido, com a referida navalha, desferiu um golpe no braço direito do FF, com o que lhe provocou um pequeno corte no local atingido.
a.6) Atemorizado, o FF entregou de imediato ao arguido a quantia de €5,00 (cinco euros) em numerário.

a.7) Após, o arguido abandonou o local, levando consigo a indicada quantia.
a.8) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, pelos meios descritos, apoderar-se do dinheiro do FF, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do mesmo, causando-lhe prejuízo patrimonial.

a.9) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.    

Inquérito n.º 236/19.... (Apenso B)
a.10) No dia 6 de Outubro de 2019, cerca das 22h00m, na Rua ..., ..., ..., o arguido AA abeirou-se do ofendido GG , e disse-lhe para o mesmo lhe entregar o que tinha nos bolsos, o que o GG recusou.
a.11) Em face disso, o arguido puxou a roupa do JJ, rasgando-a, e retirou de um dos bolsos deste a quantia de € 15 euros em numerário.

a.12) Após, o arguido fugiu do local, levando consigo a referida quantia.
a.13) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, pelo meio descrito, se apoderar do dinheiro do ofendido GG, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do ofendido, causando-lhe prejuízo patrimonial.

a.14) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.   

Inquérito n.º 273/19.... (Apenso D)
a.15) No dia 17 de Novembro de 2019, cerca das 15h00m, na Rua ..., ..., junto às Piscinas Municipais ..., o arguido AA abeirou-se do ofendido HH (inabilitado por anomalia psíquica) e exigiu, em tom sério, que lhe entregasse tudo o que levava nos bolsos.

a.16) Atemorizado, o HH entregou ao arguido um telemóvel da marca e modelo Iphone 6S, com o IMEI ...17, de valor não apurado, que levava nos bolsos e de sua pertença.

a.17) De seguida, o arguido abandonou o local, levando consigo o referido telemóvel.

a.18) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, pelos meios descritos, se apoderar do telemóvel do ofendido HH, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do ofendido, causando-lhe prejuízo patrimonial.

a.19) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Inquérito n.º 282/19.... (Apenso E)

a.20) No dia 29 de Novembro de 2019, cerca das 16h35m, na Rua ..., ..., o arguido AA aproximou-se do ofendido EE, o qual levava à cintura uma bolsa de cor cinzenta, padrão tropa, que continha no seu interior a quantia de €180,00 (cento e oitenta euros) em numerário, bem como o passaporte e três cartões bancários do ofendido.

a.21) De imediato, o arguido desferiu um murro na face, do lado direito, do ofendido EE, em consequência do que este caiu ao chão.

a.22) Após, o arguido puxou com força a mencionada carteira do ofendido, retirando-lha, e pôs-se em fuga, levando-a consigo.

a.23) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido o ofendido sofreu escoriações na face, do lado direito, nos dedos da mão direita e no cotovelo direito.

a.24) O passaporte e cartões bancários do ofendido foram recuperados.

a.25) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, pelos meios descritos, se apoderar da carteira e respectivo recheio do ofendido EE, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do ofendido, causando-lhe prejuízo patrimonial.

a.26) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Inquérito n.º 56/20.... (Apenso F)

a.27) No dia 3 de Março de 2020, cerca das 20h00m, na Praça ..., na ..., junto à “Caixa Geral de Depósitos”, o arguido AA, abeirou-se do ofendido II, que aí caminhava com uma nota de €20,00 (vinte euros) na mão, e, num movimento rápido e brusco, agarrou a nota do ofendido e, puxando-a para si, arrancou-lha da mão, após o que fugiu do local, levando a nota consigo.

a.28) A quantia indicada foi recuperada.

a.29) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, pelo modo descrito, se apoderar do dinheiro do ofendido II, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do ofendido, causando-lhe prejuízo patrimonial.

a.30) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

a.31) No Processo Comum Colectivo n.º 348/13...., do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão cumulatório datado de 12 de Julho de 2017, transitado em julgado nessa mesma data, o arguido foi condenado na pena única de dois anos e seis meses de prisão, na qual foram englobadas as penas aplicadas no Processo Comum Colectivo n.º 837/13...., do Juízo Central Criminal ... – Juiz ... e no indicado processo n.º 348/13...., que foram as seguintes:

a) no Processo Comum Colectivo n.º 837/13...., por acórdão proferido em 6 de Outubro de 2015, transitado em julgado em 5 de Novembro de 2015, na pena única de dois anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, cometido em 14 de Novembro de 2013 (pena parcelar de um ano e seis meses de prisão), e de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 1, al. f), do Código Penal (pena parcelar de um ano e seis meses de prisão), cometido em 4 de Novembro de 2013;

b) no Processo Comum Colectivo n.º 348/13...., por acórdão proferido em 9 de Janeiro de 2017, transitado em julgado em 8 de Fevereiro de 2017, na pena de um ano e seis meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, cometido em 11 de Novembro de 2013.

a.32) No Processo Comum Colectivo n.º 307/15...., do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão proferido em 11 de Abril de 2019, transitado em julgado em 21 de Janeiro de 2020, o arguido foi condenado na pena única de dois anos e três meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, agravado pela reincidência, cometido em 13 de Novembro de 2015 (pena parcelar de dois anos de prisão) e de um crime de roubo na forma tentada, agravado pela reincidência, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1, 22 e 23.º, do Código Penal, cometido em 15 de Novembro de 2015 (pena parcelar de nove meses de prisão).

a.33) O arguido esteve preso ininterruptamente desde 15 de Janeiro de 2016 até 15 de Julho de 2018, e desde 6 de Março de 2020 até 21 de Abril de 2021, data em que foi libertado por aplicação do perdão previsto no artº 2º nº 2 da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

a.34) O arguido frequentou o 1.º Ciclo do Ensino Básico até cerca dos 16 anos de idade, sem motivação, interesse e com grande absentismo, tendo apenas concluído o 4.º ano de escolaridade.

a.35) Posteriormente foi inserido em formação profissional na C... e na F..., tendo desistido de ambos os cursos que frequentou, por absentismo e falta de empenhamento.

a.36) Não exerce actividade profissional, dedicando-se ao arrumo de carros e convívio com grupos de pares.

a.37) Iniciou precocemente contactos com substâncias estupefacientes, com condicionamento da sua maturidade, socialização e sentido de responsabilidade, cujos hábitos de consumo mantinha à data dos factos.

a.38) O arguido é portador de um baixo nível de maturidade, responsabilidade pessoal e social, visando a satisfação imediata dos seus interesses e necessidades pessoais, sem prever as consequências dos seus atos.

a.39) O arguido revela ausência de hábitos de trabalho, instabilidade pessoal, comportamentos desviantes e incapacidade em cumprir as regras, normas e valores sociais vigentes.

a.40) As condenações sofridas e o período de tempo que permaneceu preso, não constituíram para o arguido suficiente advertência para que não voltasse a praticar os factos supra descritos em a.1) a a.30).

Mais se provou:

a.41) O arguido AA é o 7º elemento de uma fratria de 9, sendo oriundo de uma família numerosa, de etnia cigana por parte paterna, de baixo estatuto socioeconómico, tendo vivenciado desde sempre dificuldades económicas. Esta família manteve durante vários anos um estilo de vida itinerante, e há aproximadamente 27 anos, fixou-se na localidade da ....

a.42) O percurso escolar do arguido foi marcado pelo desinvestimento e baixo rendimento escolar, encontrando-se habilitado com o 4º ano de escolaridade. Posteriormente foi inserido em formação profissional na C... e na F... na ..., registando absentismo e falta de empenhamento, acabando por abandonar a frequência dos cursos.

a.43) No plano afetivo, o arguido viveu em união de facto com uma companheira durante cerca de 7 anos, vindo a ocorrer a separação, por desentendimentos entre o casal. Deste relacionamento nasceu um filho, atualmente com 12 anos de idade, que reside com a mãe e a avó materna.

a.44) AA integra o agregado familiar constituído pelo pai, de 65 anos de idade, desempregado, pela mãe, de 64 anos, reformada por invalidez, um irmão de 44 anos, assistente operacional, um irmão de 43 anos, desempregado, e dois sobrinhos de 14 e 15 anos, estudantes. Os familiares são considerados no meio de residência pessoas com fracos hábitos laborais, havendo alguns elementos do agregado, com problemas com o sistema de justiça.

a.45) Residem num apartamento arrendado, situado no bairro social da ..., numa zona associada a problemáticas sociais, designadamente à toxicodependência e à marginalidade. A habitação, de tipologia 3, possui as infraestruturas básicas necessárias ao uso quotidiano, reunindo as mínimas condições de habitabilidade.

a.46) Ao nível profissional, o arguido realiza esporadicamente alguns “biscates” no setor da construção civil, dedicando-se, principalmente nos meses de verão, ao arrumo de carros em parques de estacionamento e ao convívio com o grupo de pares.

a.47) O agregado familiar que de AA integra possui atualmente como rendimentos fixos mensais apenas os provenientes de uma prestação social por incapacidade relativa à mãe, os da atividade do irmão, no valor correspondente ao salário mínimo nacional, e os abonos de família dos menores que integram o agregado.

a.48) O arguido iniciou precocemente o consumo de produtos estupefacientes. Em 10/12/2013 foi internado na Comunidade Terapêutica ..., em ..., tendo abandonado o tratamento, em julho de 2014, reintegrando o agregado dos pais. Posteriormente recaiu no consumo de produtos estupefacientes.

a.49) À data atual o arguido está inserido no programa de tratamento de substituição opiácea, com a toma diária de Metadona, na Equipa Terapêutica do CRI-Centro de Respostas Integradas da ....

a.50) Nos últimos tempos não há indícios do consumo de drogas duras pelo arguido AA, o qual consumirá ainda, de modo irregular, canabinóides.

a.51) Na localidade de residência, o arguido tem uma imagem negativa na comunidade, sendo conotado com problemas de toxicodependência e com a prática de furtos e roubos, sendo a sua presença associada a sentimentos de alguma insegurança, relacionada com as tendências deste para práticas antissociais que visam a satisfação imediata dos seus interesses e necessidades pessoais.

a.52) Para além das supra descritas, do CRC actualizado do arguido AA constam averbadas as seguintes condenações:

- Proc. 49/12...., por sentença transitada em julgado em 11/03/2013, pena 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática do crime de furto qualificado na forma tentada, cometido em 06/03/2012; pena declarada extinta em 15/05/2014.

- Proc. 57/12...., por sentença transitada em julgado em 21/06/2013, pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5, pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. no artº 204 nº 1 al. f) do CP, cometido em 12/03/2012; pena substituída por 250 horas de trabalho a favor da comunidade, e declarada extinta pelo cumprimento em 24/03/2015.

- Proc. n.º 837/13...., por acórdão transitado em julgado em 05/11/2015, pena única de 2 anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de roubo cometido em 14/11/2013 ( pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão) e de um crime de furto qualificado ( pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão), cometido em 04/11/2013.

Mais se provou, ainda:

a.53) Em 2019 CC, nascido em .../.../1935, e DD, nascida em .../.../1939, residiam na Rua ..., ....”

9. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412.º, n.º1 do Código de Processo Penal). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.[1]

Como refere Germano Marques da Silva, “As conclusões resumem a motivação, e por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto de motivação.”[2]

Face às conclusões da motivação do recorrente as questões a decidir são as seguintes:

- Se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º e 70.º do Código Penal ao haver-lhe aplicado uma pena superior a 4 anos e 6 meses prisão; e

- Se esta pena de prisão deverá ser-lhe suspensa na execução, nos termos do art.50.º do Código Penal, pelo mesmo período não superior a 4 anos e 6 meses, com sujeição a deveres e regras de conduta.

    

10. Apreciando.

Previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõem uma breve nota, respeitante à competência do S.T.J. para o conhecimento do recurso, na medida em que o arguido dirigiu o recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa.
O art.432.º do Código de Processo Penal, que estabelece taxativamente os casos em que tem lugar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dispõe atualmente e com interesse para esta questão, designadamente:
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
 (…)
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;».
(…)
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º.».

O n.º 2 do artigo 432.º do CPP, evidencia claramente a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

O acórdão do S.T.J. de uniformização de jurisprudência n.º 5/2007, decidiu, ainda, a este propósito, que «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas[3].

No caso em apreciação, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando o recurso apenas o reexame de matéria de direito – medida da pena e suspensão na execução da prisão - , cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso.

Conclui-se assim que, neste caso, o recurso interposto pelo arguido é direto, per saltum, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o competente para o conhecer.

11. Da determinação da medida da pena

O arguido AA insurge-se contra a medida da pena de 5 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada, sustentando que “não se fez correto uso do disposto nos artigos 40.º e 70.º todos do Código Penal” e, “entende que, caso V.Exas. mantenham a condenação, ser merecedor da atenuação especial prevista no art.72.º, n.º1 do Código Penal e ser condenado em pena não superior a 4 anos e 6 meses de prisão, (…)” (conclusões 14 e 15 da motivação do recurso).    

Alega para o efeito, no essencial, que o legislador determinou no  art.40º do Código Penal, que a reintegração do agente na sociedade fosse determinante nas decisões do Tribunais e, no art.70.º do mesmo Código, que estes devem dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O arguido tem 30 anos, baixa escolaridade, é pobre, arrumador de carros e toxicodependente, mas em tratamento da Metadona e apesar de já ter sido condenado nunca lhe foi dada a oportunidade de tentar melhorar a sua vida, determinando o Tribunal a sua reinserção social, uma vez que sozinho não tem conseguido pois necessita de acompanhamento técnico, neste caso do Instituto de Reinserção Social.

A pena aplicada não contribui para a sua reintegração na sociedade, parecendo cumprir mais uma finalidade de prevenção especial negativa de afastamento do arguido da sociedade.

Vejamos.

É pacífico que na abordagem da pena a aplicar deve o Tribunal atender, como regra, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal (art.70.º do C.P.); de seguida, importará determinar a concreta medida da pena por que se optou (art.71.º do C.P.); e, por fim, determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

O art.70.º do Código Penal, dispõe, como critério de orientação geral para a escolha da pena, que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

Já a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele (art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal).

Culpa e prevenção são os dois vetores através dos quais é determinada a medida da pena.

De acordo com o art.40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

Como observa Figueiredo Dias, o facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “…isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[4]

A culpa é, pois, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso.[5]

O juízo de censura, ou desaprovação, é suscetível de se revelar maior ou menor, dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta.

A proteção dos bens jurídico-penais implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

As necessidades da prevenção geral ou de integração, radicam no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

Uma tal finalidade identifica-se com o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

É ela que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade é o ponto de chegada da pena. Está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

A medida da “necessidade de socialização do agente” é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial, mas se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência”, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo da “moldura de prevenção” ou mesmo que com ele coincida (“defesa do ordenamento jurídico”).[6]

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.[7]

Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos.[8]

Quando o legislador dispõe sobre a moldura penal para um certo tipo de crime, prevê as diversas modalidades e graus de realização do facto, desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis, de modo que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção.

Em hipóteses especiais, quando existem circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição, relativamente ao complexo “normal” dos factos visados pela moldura penal, o legislador procedeu à substituição dessa moldura penal por outra menos severa.

Para além de outros casos, expressamente previstos na lei de atenuação especial da pena, o legislador, consagrou, na parte geral do Código Penal, no seu art.72.º, uma cláusula geral de atenuação especial da pena.

Nos termos do artigo 72º, nº 1 do Código Penal «O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

A atenuação especial da pena funda-se, pois, na diminuição, por forma acentuada, da ilicitude, da culpa e da necessidade da pena.

A jurisprudência tem sido exigente na aplicação do art.72.º do Código Penal, limitando a atenuação especial da pena a casos extraordinários ou excecionais de acentuada diminuição da ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

A acentuada diminuição significa que a imagem global do facto se apresenta com uma gravidade tão específica ou diminuída em relação aos casos para os quais está prevista a fórmula de punição, que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tais hipóteses quando estatuiu os limites normais da moldura do tipo respetivo.

Só pode ser decretada (mas se puder deve sê-lo) quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, quer pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena, vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas.[9]

Acerca do pressuposto material da atenuação da pena, escreve Figueiredo Dias que “a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.

Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os « casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.”.[10]

Retomando o caso concreto.

O arguido não questiona a qualificação jurídica dos factos, nem o número de crimes pelos quais foi condenado.

Também em lado algum das conclusões da motivação contesta, pelo menos expressamente, as penas de 2 anos de prisão em que foi condenado por cada um dos cinco crimes de roubo simples, na forma consumada, agravada pela reincidência.

Temos como medianamente claro que o recorrente invoca o disposto nos artigos, 40.º, 70.º e 72.º do Código Penal, visando a aplicação de uma pena de prisão única inferior a 5 anos, para poder beneficiar da suspensão da sua execução.

De todo o modo, para o caso de o recorrente ter questionado implicitamente as penas de prisão concretas, deixamos aqui expresso, que não se vislumbra do acórdão recorrido que o Tribunal a quo tenha aplicado erroneamente os princípios gerais de escolha e determinação da pena, ao aplicar-lhe uma pena de 2 anos de prisão por cada um dos cinco crimes de roubo simples, na forma consumada, agravada pela reincidência, quando a moldura penal de cada um deles vai de 1 ano e 4 meses de prisão até 8 anos de prisão.

Efetivamente, retira-se da fundamentação do acórdão, no que respeita aos fatores relativos à execução dos factos, que o grau de ilicitude dos factos é elevado; o modo de execução dos crimes passou pelo emprego de diversos meios, como a utilização de navalha, agressões corporais e ameaça; o dolo foi direto; e a gravidade das consequências das várias condutas do arguido foi moderada.

No que respeita aos fatores relativos à conduta anterior, são de realçar, como circunstância particularmente agravante, o longo passado criminal do arguido, designadamente pela prática de crimes de roubo e de furto qualificado; já quanto aos fatores posteriores aos factos, não se vislumbram circunstâncias atenuantes como a confissão, o arrependimento e a reparação dos danos causados.  

Nos fatores relativos à sua personalidade, anotamos que tinha 27/28 anos à data dos factos; iniciou o consumo de produtos estupefacientes precocemente e chegou a fazer um tratamento em regime de internamento entre 10-12-2013 e julho de 2014, data em que o abandonou, mantendo atualmente consumo irregular de canabinóides em simultâneo com  tratamento de substituição opiácea por Metadona;  não tem hábitos de trabalho, nem estabilidade pessoal e familiar; demonstra incapacidade de cumprir regras e valores sociais, agindo em face da satisfação imediata dos seus interesses, sem interiorizar as consequências dos seus atos; tem uma imagem negativa na localidade de residência.  

Como bem refere o acórdão recorrido, a culpa manifestada pelo arguido nos seus atos é elevada, e as exigências de prevenção geral, bem como as de prevenção especial, são prementes, não obstante a adesão do mesmo ao programa de Metadona.

Fundando-se a atenuação especial da pena na diminuição, por forma acentuada, da ilicitude, da culpa e da necessidade da pena, é manifesto, face ao exposto, que nenhum destes pressupostos se verifica no caso.

A invocação pelo recorrente do instituto da atenuação especial da pena, não tem qualquer razão de ser, como não teria a redução da pena de 2 anos de prisão fixada por cada um dos cinco crimes de roubo, face às molduras penais previstas no tipos penais, porquanto não seria adequada à sua culpa, nem proporcional à sua perigosidade, e poria em causa as necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes.

Posto isto, importa decidir se a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada ao ora recorrente, deve ser reduzida para medida não superior a 5 anos.

Nas situações em que o agente praticou vários crimes, o concurso efetivo de crimes impõe que se tenham em consideração as regras da punição do concurso, estabelecidas no art.77.º Código Penal:

«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.  2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».

Esta norma do Código Penal perfilha o «sistema da pena conjunta», na medida em a punição do concurso de crimes supõe a discriminação das penas concretas que o integram, pois como ensina Figueiredo Dias a “Pena conjunta existirá sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas ou convertidas, segundo um «princípio de combinação» legal, na moldura penal ou na pena do concurso.”.

A doutrina, como a jurisprudência, vem entendendo que o modelo de punição do concurso de crimes consagrado no art.77.º do Código Penal, sendo um sistema de pena conjunta, não é construído, porém, de acordo com o princípio de absorção puro, nem com o princípio da exasperação ou agravação, mas sim de acordo com um sistema misto, que vem sendo chamado de sistema do cúmulo jurídico.[11]

No cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente. O agente é sancionado, não apenas pelos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas especialmente pelo conjunto dos factos, enquanto reveladores da gravidade da ilicitude global da conduta do agente e da sua personalidade.

A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.71º.º, n.º1, um critério especial estabelecido no art.77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.[12]

Os parâmetros indicados no art.71.º do Código Penal, servem apenas de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.[13]

Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos seguindo, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”

No mesmo sentido refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, que com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[14]

As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos.

Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única. A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade, emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado.

A interiorização das condutas ilícitas e consequentes penas parcelares que lhe foram aplicadas traduzidas na vontade clara de alteração do comportamento antissocial violador de bens jurídico criminais, assente em factos que o demonstrem, relevam assim, particularmente, no apuramento das exigências de prevenção no momento de determinar a pena única. 

Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente.

Com estes critérios retomemos o caso concreto.

A) Observando o ilícito global, que emerge da análise unificada dos factos, não se pode deixar de qualificar o mesmo como de elevada gravidade.

São cinco, os crimes de roubo em concurso. Sendo os roubos crimes complexos, violou o arguido, com as suas condutas, bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais de 5 vítimas. A distância temporal entre todos os crimes foi de alguns meses (setembro de 2019 a março de 2020).

A culpa global do arguido, que se retira da intensa e prolongada vontade de praticar os factos em concurso, é acentuada.

B) Quanto à personalidade unitária do recorrente, resulta do conjunto dos factos em concurso, que apresenta um percurso de vida marcadamente desviante, reconduzindo-se os factos em causa já a uma tendência, pois o arguido procura através da prática de crimes de roubo e de outros crimes contra o património, prover às suas necessidades pessoais. Do seu passado crime retira-se que tem fraca sensibilidade e suscetibilidade de ser influenciado pelas penas criminais. Apresenta uma evidente falta sentido de responsabilidade, que se retira, além do mais, do desinteresse escolar, do abandono das formações profissionais, do não exercício regular de profissão, bem como do abandono de tratamento que realizava, em internamento, na Comunidade Terapêutica ....

Pese embora o tratamento de substituição opiácea através de Metadona que está a fazer, são elevados os fatores de risco de voltar a reincidir neste tipo de crimes contra o património e as pessoas.

Neste contexto, em que o limite mínimo da moldura abstrata do concurso é de anos 2 de prisão e o limite máximo é 10 anos de prisão, o Supremo Tribunal de Justiça entende que a pena conjunta fixada ao arguido em 5 anos e 6 meses de prisão, é uma pena justa e adequada às finalidades de prevenção e proporcional á culpa e à personalidade do arguido/recorrente.

O que certamente não aconteceria com uma pena única não superior a 5 anos de prisão, nomeadamente, uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pretendida pelo ora recorrente.

12. Da suspensão da execução da pena.

Nos termos do art.50.º, n.º1 do Código Penal, a substituição da pena de prisão por pena não detentiva está sujeita a dois pressupostos:

- um pressuposto formal, que consiste  na medida concreta da pena aplicada ao arguido não ser superior a 5 anos, e

- um pressuposto material, traduzido na existência dum prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida ( inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

Se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, Tribunal, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres (art.51.º do C.P.) ou à observância de regras de conduta (art.52.º do C.P.), ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, que assenta num plano de reinserção social do condenado (art.53.º do C.P.).
No caso concreto, pressuposto da suspensão da pena de prisão, sujeita a deveres, pretendida pelo recorrente/arguido AA, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Código Penal, é a redução da pena única de prisão que lhe foi aplicada em 1.ª instância, para medida não superior a 5 anos – propondo uma pena concreta de 4 anos e 6 meses de prisão.
Tendo em conta que se manteve a pena aplicada pela 1.ª instância, superior a 5 anos de prisão - mais concretamente 5 anos e 6 meses -, não se mostra verificado o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão.

Por falta de verificação deste primeiro pressuposto, fica prejudicada a necessidade de apuramento de existência do pressuposto material desta pena de substituição não detentiva – que, aliás, manifestamente não se verificava face às descritas circunstâncias a levar em conta no juízo de prognose relativamente ao comportamento do arguido.

Em conclusão, tendo sido mantida a pena conjunta fixada em cúmulo jurídico em 5 anos e 6 meses de prisão, improcede também esta questão e, consequentemente, o recurso.

III- Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, manter o acórdão recorrido. 
Custas pelo recorrente (art.513.º, n.º 1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.
 

(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

                                                                              

*

Lisboa, 22 de junho de 2023

                                                                     

Orlando Gonçalves (Relator)

José Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro Adjunto)

Agostinho Torres (Juiz Conselheiro Adjunto)

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[1] Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 (BMJ n.º 458º, pág. 98) e de 24-3-1999 (CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.)
[2]Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Universidade Católica Portuguesa, vol. 3, 2018, págs. 335/336.

[3] In DR., Série I de 2017-06-23.  

[4] Cf. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[5] Cf. Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993 Vol. I, pág. 316.
[6] Cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 82. 
[7]  Cf. Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes.
[8]  Cf. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, Lições 2010-2011, págs. 32 e 33.   
[9] Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 25 de maio de 2005 ( proc. n.º 05P1566), de 12 de Julho de 2006 ( proc. n.º 06P796) e de 25 de Outubro de 2006 ( proc. n.º 06P1286), in www.dgsi.pt/jstj.
[10]  Cf. “Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, noticias editorial, páginas 306 e 307.  
[11] Cf. Figueiredo Dias, obra cit. págs. 282 a 284 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 283 e acórdão do S.T.J. de 3 de outubro de 2012 (proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1), in www.dgsi.pt.

[12]  Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2. 

[13] Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292.

[14]  Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.