Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24966/19.8T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇAO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE APELAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEI PROCESSUAL
DUPLA CONFORME
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OBJETO DO RECURSO
OBSCURIDADE
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A decisão de facto é da competência das Instâncias, pese embora não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei.

II. Os poderes da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que não está dispensada do ónus de analisar criticamente a prova produzida, fundamentando a decisão de facto.

III. O facto de a recorrente suscitar a bondade do exercício dos poderes-deveres pela Relação aquando da apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto, faz com que não se reconheça a conformidade das decisões das Instâncias relativamente a esta questão, uma vez que encerra uma questão respeitante à exclusiva atuação da Relação, pelo que não se poderá falar em conformidade ou divergência de decisões.

IV. Só no caso de o recurso ser admissível relativamente a alguma (outra) questão pode e deve a arguição de nulidades ser, acessoriamente, conhecida, uma vez que as nulidades não são fundamento autónomo ou exclusivo do recurso, daí que o conhecimento desta arguição ficou garantido a partir do momento em que se admitiu o recurso relativamente à reponderação da decisão de facto.

V. A nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (alínea d) do n.º 1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil), está diretamente relacionada com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.

VI. Só a falta de apreciação das questões (desde que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras), integra a nulidade do acórdão, mas já não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões, traduzindo-se, assim, num vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

I. S.L.P. – Investimentos Imobiliários, S.A. intentou ação declarativa de condenação contra, AA e M..., S.A., formulando os seguintes pedidos:

Ser declarado nulo o contrato promessa de compra e venda relativo ao prédio rústico, composto por terra e pinhal e cultura, denominado Campo ..., sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1990, e inscrito na matriz predial sob o artigo 933, por falta de assinatura de quem obriga a promitente vendedora, e ordenada a restituição do imóvel à autora, livre de pessoas e bens;

ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá considerar-se válida e eficaz a resolução contratual do mesmo e igualmente ordenada a restituição do imóvel à autora, livre de pessoas e bens;

ou, caso ainda assim também não se entenda, e também de forma subsidiária, deverão ser declaradas nulas as cláusulas que integram o contrato-promessa de compra e venda sub judice, sendo este declarado sem qualquer efeito e, consequentemente, ordenada a restituição do imóvel à autora, livre de pessoas e bens.

2. Regularmente citados, contestaram os Réus, defendendo-se por exceção e por impugnação.

3. A 1ª Instância ao enunciar como questões a decidir: - Nulidade do contrato promessa de compra e venda por falta de assinatura; - Resolução do contrato promessa de compra e venda; - Nulidade das cláusulas do contrato promessa de compra e venda por alegadamente serem manifestamente desproporcionais, abusivas e atentatórias do princípio da boa-fé, proferiu sentença, em cujo dispositivo consignou: “Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e absolvem-se os réus do pedido.”

4. Inconformada, apelou a Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A., tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, em cujo dispositivo foi enunciado: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade:

- julgar improcedente a reapreciação da decisão de facto;

- confirmar a sentença.”

5. Novamente irresignada, a Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A. interpôs revista, aduzindo as seguintes conclusões:

“1.ª O presente recurso visa sobre as seguintes questões:

a) Violação de normas de direito adjetivo no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela 1.ª Instância, nomeadamente as previstas nos art. 640.º e 662.º do Código de Processo Civil

b) Excesso de pronuncia

c) Omissão de pronuncia

2.ª As questões fundamentais a decidir e submetidas à apreciação do Tribunal da Relação do Porto foram as seguintes:

a) o contrato promessa de compra e venda do imóvel e a confissão de dívida constituíram um acordo global acertado pelas partes para que os representantes da recorrente entregassem a custo zero as participações sociais que detinham em várias sociedades com o demandado AA

b) o não cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade M..., S.A. teria por reflexos o incumprimento do contrato promessa de compra e venda

c) o contrato promessa de compra e venda é nulo por falta da assinatura de um dos representantes da sociedade recorrente, que se obriga necessariamente com as assinaturas de ambos os administradores, facto esse do perfeito conhecimento dos demandados eram conhecedores;

d) a recusa da assinatura do contrato promessa de compra e venda pela representante BB por não constar no mesmo como promitente compradora a sociedade demandada, sendo que fora esta quem propôs a compra do terreno;

e) subsidiariamente, a nulidade do contrato promessa, caso o Tribunal considere que este e a confissão de dívida são autónomos e independentes, por conter cláusulas leoninas que só atribuem deveres a uma parte e direitos a outra parte.

3.ª A recorrente impugnou a matéria de facto, na parte dada como não provada e especificamente submeteu à apreciação do Tribunal da Relação do Porto as provas que, no seu entendimento, deveriam permitir ao Tribunal dar como provados, os factos que foram dados como não provados n.ºs 3, 4, 5 e 7.

4.ª Com a modificação de tal matéria, seria permitido ao Tribunal concluir que:

a. Facto não provado 3 – desde logo a BB, transmitiu a sua posição e a razão da sua recusa – o que havia sido combinado era que a M..., S.A. assumia a confissão de dívida, e as condições aí fixadas como contrapartida a tradição para si do imóvel, por 10 anos sem qualquer pagamento, sendo esse o acordo global estabelecido.

b. Facto não provado 4 – o cumprimento do estabelecido na confissão de dívida era condição para a manutenção do contrato promessa o que foi aceite por todos os intervenientes.

c. Facto não provado 5 – o primeiro demandado e a advogada que representava ambos – tinham perfeito conhecimento que a sociedade aqui autora, era representada por duas pessoas obrigando-se com duas assinaturas.

d. Facto não provado 7 – a contrapartida do prazo de 10 anos, era o cumprimento das condições da confissão de dívida, e a desoneração dos legais representantes da autora de todas as obrigações assumidas como avalistas/fiadores das sociedades cujas participações cederam.

5.ª Indicando como provas para análise do Tribunal da Relação do Porto, que, no seu entendimento, deveriam ter permitido passar a provados, os referidos factos não provados:

a) as declarações de parte da representante da recorrente, segundo as quais desde logo indicou que não assinaria o contrato promessa porque não constava como promitente compradora a sociedade demandada, M..., S.A., que foram com quem haviam celebrado a confissão de dívida e que fora quem propôs a compra do terreno;

b) as declarações de parte do legal representante da recorrente, pelas quais decorre que a confissão de dívida e o CPCV eram um acordo global acertado para a saída do CC e da BB (representantes da recorrente) das sociedades que detinham com o AA; e que nunca aceitaria celebrar o CPCV sem a confissão de dívida, pois não faria sentido permitir um uso durante 10 anos, sem qualquer contrapartida, sendo ainda a promitente vendedora quem paga os impostos do imóvel; e ainda a promitente compradora iria receber de rendas durante tal ocupação mais de 150.000€ sem nada pagar à promitente compradora;

c) as declarações do representante legal da sociedade demandada, também ele próprio demandado, pelas quais admite que a sociedade precisava do terreno para a sua atividade mas que estava quase falida e precisava de tempo para conseguir o valor para pagar o preço – não referindo que foi ele pessoalmente quem iria comprar o terreno;

d) o facto provado 12 - pelo qual se seu como provado que a ocupação do terreno pela sociedade demandada só foi permitida enquanto os legais representantes da recorrente eram seus acionistas;

e) o facto provado 13 - pelo qual se deu como provado que a sociedade demandada pretendia adquirir o terreno e como tal propôs a celebração do contrato promessa;

f) o teor dos documentos não impugnados, nomeadamente a confissão de dívida que contém a referência que “as partes” irão celebrar um contrato promessa que terá por objeto um determinado terreno aí identificado;

g) a obrigação assumida na confissão de dívida, da sociedade demandada apresentar os descontos para a Segurança Social dos representantes legais da recorrente até à escritura desse terreno h) o doc. 9 - CPCV - do qual consta que a recorrente se obriga com duas assinaturas - a do CC e da BB - assinado pelo demandado AA;

i) o doc. 10 - cedência de posição contratual em contrato promessa de compra e venda do mesmo terreno, anteriormente celebrado entre sociedades (recorrente e recorrida), que constitui prova plena do teor nele ínsito (art 376.º CC), nomeadamente quanto à necessidade da recorrente se obrigar com duas assinaturas - assinado pelo demandado AA.

6.ª O Tribunal da Relação do Porto faz uma extensa exposição sobre o valor probatório das declarações de parte - de grande valor do ponto de vista do conhecimento jurídico - sem, contudo, analisar as efetivas declarações das partes - representantes da recorrente e demandado -, sem as conjugar com os demais elementos de prova, nomeadamente a prova documental que dá sustentação às declarações de parte, e sem as conjugar com os factos provados 12 e 13 ou com a prova plena do doc. 10.

7.ª Aliás, confunde ainda as situações ao referir que a sociedade recorrente não é a mesma que assinou o CPCV e a cedência de posição contratual – docs. 9 e 10 -, não se apercebendo sequer que o NIPC é o mesmo, e que apenas houve uma transformação de LDA em SA, mantendo-se a mesma personalidade jurídica.

8.ª Nem se apercebeu que inicialmente a sociedade se chamava S..., Lda., e que passou apenas para as iniciais dos administradores – SLP - Soc de Investimentos Imobiliários, S.A.

9.ª O Tribunal da Relação do Porto parte do pressuposto que as sociedades intervenientes nos documentos de Cedência de Posição Contratual e Contrato Promessa de Compra e Venda, são diferentes, quando é uma e única a sociedade que, no primeiro adquire por cedência a posição de promitente compradora, e no outro assume a posição de promitente vendedora.

10.ª Entrando no erro de dizer que, como se trata de duas sociedades diferentes, o demandado não tinha de saber como obrigava a sociedade, trazendo à colação matéria que não foi alegada por nenhuma das partes! Em manifesto excesso de pronúncia, cremos e invocamos!

11.ª Excesso esse que decorre também por ter ignorado a demais prova constante nos autos, nomeadamente a certidão do imóvel e a certidão comercial da sociedade recorrente! - doc. 1 e 2

12.ª O Tribunal da Relação do Porto decidiu exatamente da mesma forma, seguindo quase ipsis verbis a fundamentação da Primeira Instância, tendo ainda decidido quanto a questões de direito levantadas em sede de recurso que, em face à não alteração da prova produzida, ficava precludida a apreciação da questão da nulidade do contrato por falta da assinatura de um representante da recorrente e por nele constarem cláusulas leoninas.

13.ª Não só o Tribunal da Relação do Porto se demitiu de efetuar uma análise crítica das provas que lhe foram submetidas à apreciação, como até decidiu contra as provas produzidas, em excesso de pronúncia, o que expressamente se invoca.

14.ª O Tribunal da Relação do Porto não efetuou um exame das provas, não indicou as razões pelas quais entendia ser de manter a decisão, em face da impugnação da matéria de facto, não analisou as declarações efetivas das partes, não as conjugou com as demais provas documentais, nomeadamente as declarações ínsitas em documento que tem valor probatório pleno.

15.ª Limitou-se a este propósito a tecer considerandos jurisprudenciais e doutrinais, sem se debruçar sobre as concretas provas e factos alegados no recurso interposto.

Conhecimento da forma de obrigar da recorrente

16.ª Cremos que, quer o Tribunal de Primeira Instância quer o Venerando Tribunal da Relação do Porto, consideraram que o demandado é um perfeito incapaz e a sua advogada também! Apesar de constar dos autos que foi no escritório da advogada das partes à data que foram celebrados e assinados os contratos!

17.ª E, não bastando a total falta de pronúncia sobre o valor probatório dos documentos, igualmente como na Sentença, o Acórdão recorrido ignorou completamente o documento 14 junto com a PI (mail da advogada dos réus) pelo qual refere que os documentos já foram assinados e que aguarda pelos representantes da autora para os assinar.

18.ª A conclusão lógica da análise de tal documentação, apenas poderia e deveria ter sido feita no sentido de que o AA e a sua advogada, conheciam que a autora só estaria validamente representada pela assinatura conjunta de CC e BB.

19.ª Por outro lado, atualmente, a consulta do registo comercial é fácil, prática, acessível ao momento, pelo que, mesmo que se tratasse de um terceiro de boa-fé – no nosso entendimento não pode considerar-se o promitente comprador no contrato promessa sub judice como terceiro de boa-fé -, este poderia verificar se quem lhe estava a prometer vender o imóvel, estava devidamente representado.

20.ª E, fazendo nossas as palavras de Soveral Martins, “os terceiros têm a possibilidade e o dever de verificar se quem age como representante da sociedade o é efectivamente (...) Para o fazerem, podem recorrer aos meios previstos na lei para publicidade dos actos sociais. E também para tutelar os terceiros previu-se no artigo 168.° do Código das Sociedades Comerciais, um regime quanto à oponibilidade a esses mesmos terceiros dos actos sociais”

21.ª Já o Ilustre autor Coutinho de Abreu, considera que se, por força das normas ou de cláusulas estatutárias, os poderes de representação têm de ser exercidos conjuntamente por dois ou mais administradores, atua sem poderes o administrador que atuar sozinho, e não dentro dos poderes que a lei lhe confere.

Interdependência dos contratos como acordo global

22.ª No Acórdão recorrido - assim como na Sentença - é argumentado que “o terreno surgiu durante as negociações, mas não alterou o valor do negócio.” - cfr. fls. 11 da Sentença e fls. 46 do Acórdão.

23.ª Isto para sustentar que o CPCV e a confissão de dívida não estariam ligados entre si, pois o terreno “até” surgiu durante as negociações e não influenciaria economicamente o acordo!

24.ª Dando o mesmo valor às declarações da testemunha DD – reproduzindo nesta parte a fundamentação da 1.ª Instância – o qual refere exatamente isso: que o terreno entrou no meio das negociações e não influiu financeiramente no negócio!

25.ª A análise crítica da matéria de facto impugnada e as provas indicadas pelo recorrente ou as de que se socorreu o Tribunal de 1.ª Instância, não se pode resumir a uma repetição!

26.ª Se fosse verdade o que tal testemunha disse, então para quê colocar na confissão de dívida uma cláusula que impunha à ré M..., S.A. ter de efetuar os descontos para a Segurança Social até à celebração da escritura do terreno?

27.ª E esta cláusula - que tem reflexos financeiros no negócio necessariamente - só faz sentido se tiver surgido com a introdução do terreno no negócio global estabelecido entre as partes.

28.ª A introdução de tal cláusula - descontos para a Segurança Social até à escritura - não implica a ligação entre os contratos? Igualmente esta questão ficou sem resposta!

29.ª O Acórdão recorrido repete a argumentação da 1.ª Instância e apenas acresce o seguinte, a fls. 47 do Acórdão:

“Por outro lado, na referida carta refuta-se existir qualquer interligação entre os contratos celebrados: contrato-promessa e confissão de divida.”

30.ª Referindo-se a uma carta de resposta apresentada pelo demandado AA, à interpelação para cumprimento efetuada a ambos os demandados, pela recorrente. – Carta junta pelos demandados em audiência no dia 09/03/2023 – com a referência 41566904 do Citius.

31.ª Nada mais diz! Nem analisa a carta a que se refere, nomeadamente não analisa que, simultaneamente com tal carta, foi junta outra carta pela qual a M..., S.A. responde à carta que lhe foi remetida como se de facto, o verdadeiro promitente comprador fosse a sociedade!

32.ª A sociedade M..., S.A. – assim como o AA, é certo – responde que o terreno está na sua posse e irá ser transmitido no prazo de 10 anos.

Mais refere que não está em mora!

33.ª Mostrando que de facto, era a verdadeira interessada na compra do terreno o que, mais uma vez, vai de encontro ao alegado pela recorrente e que consta do facto provado 13.

34.ª Se a M..., S.A. nada tivesse que ver com a promessa de compra do terreno, só o teria de dizer e nada mais

35.ª Isto para concluir que, de facto, mais uma vez e nesta matéria o Tribunal da Relação do Porto não efetuou uma análise crítica das provas, limitando-se a sustentar o decidido pela 1.ª Instância.

36.ª Não analisando se, tal carta da M..., S.A., em conjugação com as declarações dos representantes da recorrente, com as declarações do demandado, com o teor dos documentos, nomeadamente a referência na confissão de dívida ao contrato promessa, a obrigação na confissão de dívida de descontos, enquanto não fosse cumprido o contrato promessa, os factos provados 12 e 13, a referência à forma de obrigar a sociedade recorrente constantes do CPCV e da cedência (prova plena), poderiam determinar uma modificação da matéria de facto.

37.ª Ou, se pelo contrário não determinariam tal alteração e porquê? Qual o exame crítico de tais provas? Qual a fundamentação para a decisão? Qual o critério de livre apreciação da prova foi efetuado pelo Tribunal da Relação do Porto? A estas questões não há resposta.

38.ª Todas estas provas - a referência na confissão de dívida ao contrato promessa, a constituição e uma obrigação para a sociedade M..., S.A. de ter de realizar os descontos dos representantes da recorrente até à escritura, as declarações do demandado que admite que a sociedade precisava de tempo para arranjar dinheiro para comprar o terreno; as declarações do representante legal da recorrente no sentido de que só fez o CPCV porque havia a confissão de dívida e todas as obrigações aí assumidas como contrapartida de a sociedade demandada estar 10 anos a ocupar o terreno sem nada pagar; as declarações da representante legal da recorrente BB que refere que desde logo rejeitou a assinatura do CPCV por não constar do mesmo a sociedade demandada como promitente compradora, o facto provado 13 pelo qual se dá como provado que era a sociedade demandada que propôs a celebração do contrato promessa - deveria ter sido criticamente analisadas pela Relação do Porto, ao abrigo do dever que lhe impõe o art. 662.º do CPC, o que não foi feito, e que determina a nulidade da decisão, o que expressamente se invoca.

39.ª Aliás, a falta de exame critico das questões de facto e prova que foram submetidas à apreciação do Tribunal de recurso, impediram qualquer decisão sobre as questões de direito levantadas - nulidade do contrato por falta de assinatura de um representante legal, não podendo ser considerado terceiro de boa-fé o demandado; e nulidade do contrato promessa - se dissociado da confissão de dívida - por conter cláusulas leoninas.

40.ª Cremos que, mesmo a manter-se a matéria de facto inalterada, ainda assim, o Tribunal da Relação do Porto deveria ter-se pronunciado sobre tais questões de direito, fazendo uma verdadeira apreciação das mesmas face à prova documental nos autos e face aos factos dados como provados.

41.ª Não pode o Tribunal da Relação do Porto apreciar a questão da nulidade do contrato face aos documentos, nomeadamente face ao facto de constar no CPCV e na cedência que a recorrente se vincula com duas assinaturas? Não pode o TRP pronunciar-se sobre tal questão confrontando-a com os factos provados 12 e 13 que demonstram que de facto quem propôs a compra do terreno foi a sociedade M..., S.A. e não o seu representante?

42.ª Entendemos que o deveria ter feito, dando uma verdadeira oportunidade de ver as questões de facto e de direito efetivamente apreciadas por quem, para o normal cidadão, representa uma esperança, um verdadeiro bastião da Justiça!

43.ª Assim, consequentemente, não tendo o Tribunal da Relação se pronunciado sobre tais questões, cometeu uma nulidade, por omissão de pronuncia nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC, o que expressamente se invoca.

Ora,

44.ª O mesmo se diga relativamente à invocada nulidade do contrato promessa quando, dissociado da confissão de dívida, contem cláusulas abusivas, desproporcionais e por apenas estabelecer direitos para uma parte e obrigações para outra, de forma atentatória do princípio da boa-fé.

45.ª A pronuncia quanto a tal matéria, efetuada pelo Tribunal da Relação do Porto, limita-se ao seguinte:

“Nas conclusões de recurso, sob os pontos 50 a 57, insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que considerou não existir interligação entre o contrato-promessa e a confissão de divida, no pressuposto da alteração da decisão de facto.

Não ocorrendo alteração da decisão de facto e não se impugnando a decisão de direito, não cumpre ao tribunal de recurso reapreciar os fundamentos da decisão.”

46.ª Conforme anteriormente referido que o Tribunal da Relação do Porto, também quanto a esta questão, mesmo que não tivesse havido razões para alteração da matéria de facto impugnada, ainda assim deveria ter-se pronunciado sobre a questão de direito, nomeadamente socorrendo-se da prova documental e dos factos provados.

47.ª Também aqui, consequentemente, cometeu uma nulidade, por omissão de pronuncia nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC, o que expressamente se invoca.

48.ª De facto, e quanto à questão de direito levantada, basta analisar o CPCV para verificar o desequilíbrio de prestações num contrato de natureza bilateral!

49.ª O princípio da liberdade contratual, não pode ser aplicado de tal forma ampla, que resulte na ofensa, de forma grave, do princípio da proporcionalidade.

50.ª O contrato promessa de compra e venda celebrado entre recorrente e recorrido, é um verdadeiro contrato “leonino”, que põe em causa o equilíbrio das prestações que deve estar subjacente a qualquer contrato bilateral.

51.ª Admitir a manutenção do contrato promessa autonomamente da confissão e dívida, é permitir a atribuição de um direito abusivo ao seu titular, em virtude do manifesto desequilíbrio no exercício das posições jurídicas.

52.ª Tal factualidade, deveria ter sido analisada, até sob o prisma do abuso do direito, porquanto é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

53.ª Deveria o Tribunal da Relação analisar a prova - nomeadamente documental - invocada pela recorrente, analisando-a à luz de tal invocação de direito, e pronunciar-se sobre qual questão, o que não fez.

54.ª Porquanto dúvidas não existem que ambos os contratos foram celebrados, na mesma data, no âmbito duma negociação para que os representantes legais da autora saíssem das demais sociedades que detinham com o demandado AA.

55.ª Mais se diga que, dos factos provados – facto provado 12 – consta que “enquanto o CC e a BB foram acionistas da segunda demandada, foram permitindo

56.ª Em face do exposto, salvo melhor e mais sábia opinião, é de concluir que o Tribunal da Relação do Porto não fez a análise crítica das provas e formar, de forma independente, a sua própria convicção, não permitindo à recorrente um verdadeiro segundo grau de jurisdição, limitando-se a respeitar cegamente, a convicção do Tribunal da 1.ª Instância.

57.ª Seguir cegamente a apreciação do Juiz da Primeira Instância, reproduzindo a fundamentação de facto constante da Sentença, sem fazer um exame crítico próprio, específico, individualizado, sem ter apresentado um juízo autónomo sobre a prova em discussão ou que permitisse apreender as razões perfilhadas pelo Tribunal da Relação, nomeadamente indicando os fundamentos de não ter atendido as questões que a recorrente submeteu à sua apreciação, é incumprir os deveres que o art. 662.º do Código de Processo Civil lhe impõe, o que expressamente se invoca.

58.ª Por outro lado, o Tribunal de recurso não pode escudar-se no “princípio da livre apreciação da prova” que igualmente assiste ao Tribunal de Primeira Instância, para se demitir da sua obrigação de também efetuar a sua apreciação da prova.

“… III. - O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.

IV. - A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.”, cfr. Ac. TR Coimbra, Desembargador Relator Simões Raposo

59.ª Pelas razões supra expostas, por não ter havido um exame sério, exaustivo e rigoroso sobre os diversos pontos individualizados da matéria de facto impugnada, houve violação do dever previsto no art 662.ºdo CPC, o que é gerador de nulidade do Acórdão recorrido.

60.ª A recorrente entende que o douto Acórdão recorrido traduz uma violação ao disposto nos arts. 640.º, 662.º, 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al.d) e do CPC e art. 376.º do Código Civil.

Termos em que

Com o douto suprimento que se invoca deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, devendo ser ordenada a reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação do Porto, mormente a documental dos autos e declarações de parte em conjugação com a demais prova produzida, assim se fazendo JUSTIÇA”

6. Foram apresentadas contra-alegações, tendo os Recorridos/Réus/AA e M..., S.A. concluído:

“DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO APRESENTADO

A) A Recorrente veio apresentar Recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

B) Sucede que, a decisão objeto de recurso não é passível de recurso de revista, visto que nos termos do artigo 671.º do CPC, cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

C) Esta é a regra geral do recurso de revista, porém, o artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil dispõe o seguinte: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”.

D) Ou seja, prevê este n.º 3 a inadmissibilidade de revista em situações de dupla conforme - pressuposto negativo de admissibilidade do recurso de revista, constitui importante instrumento de filtragem de acesso do recurso ao STJ, e reporta-se a uma situação processual impeditiva do recurso de revista, que tem subjacente a ideia de se mostrar desnecessária a apreciação da causa nas situações analisadas no mesmo sentido, em duplo grau de jurisdição (e por unanimidade, como sucedeu).

E) Havendo dupla conforme, o recurso de revista fica, assim, vedado ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, o que sucede no presente caso uma vez que é inequívoca a existência de dupla conforme, no que concerne às decisões que já foram proferidas em sede da 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação do Porto - o Acórdão do Tribunal da Relação confirmou a primeira decisão, sem nenhum voto de vencido.

F) Para se tentar afastar da dupla conforme evidentemente constatada, alega a Recorrente que a mesma não se verifica pelo facto de o Acórdão recorrido ser nulo por, simultaneamente, excesso e omissão de pronúncia, sucede que não lhe assiste qualquer razão, sendo uma esfarrapada tentativa de fugir aos termos legalmente prescritos para recorribilidade de decisões, tentando a Recorrente, desta ardilosa forma obter um triplo grau de jurisdição, bem sabendo que tal não é legalmente admissível.

G) Aliás, diga-se, a sua frustrada tentativa é até uma tentativa de fraude à lei, tentando obter para si, de forma astuciosa, vias alternativas, totalmente inadmissíveis, quando a dupla conforme que se afere ser impeditiva de novo recurso - a Recorrente já esgotou as suas vias recursivas, não obtendo cabimento legal a sua ardilosa pretensão, até porque o acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade.

H) Existindo dupla conforme, tal como se constata, não é admissível o recurso ordinário de revisto atento o disposto no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, motivo pelo não deverá ser sequer proferido despacho de admissão do recurso, atenta a não verificação dos respetivos pressupostos para a sua recorribilidade, motivo pelo qual o presente recurso não deverá ser sequer admitido, por não ser admitida revista do acórdão da Relação que confirmou a decisão de 1.ª Instância com os mesmos fundamentos da decisão singular, o que expressamente se requer.

I) O único expediente que a Recorrente poderia ter utilizado para frustrar a dupla conforme verificada, seria o recurso de revista excecional, sucede que a mesma nem sequer o configurou dessa forma, não invocando os motivos que permitiram tal revista excecional, motivo pelo qual também se encontra neste momento vedada tal possibilidade, daí que renove o pedido de não admissão deste recurso, bem como do mesmo ser liminarmente indeferido.

J) Ainda assim, e por mero excesso e cautela de patrocínio urge analisar o recurso apresentado pela Recorrente, que não tem qualquer lógica ou fundamento.

DAS ALEGAÇÕES DA RECORRENTE,

K) A obstinação da Recorrente deverá encontrar, ainda que se anteveja já tardio, um limite no que concerne à sua aceitação das decisões, pois o recurso interposto pela Recorrente além de não ser sequer admissível, pois já foram esgotadas todas as vias recursivas, não detém qualquer fundamento que permita por em causa a decisão ponderada, justificada e irreparável por parte do Tribunal da Relação do Porto.

L) A Recorrente pretende, a toda a força, ver revogada uma decisão que já fora julgada em duas instâncias diversas, por pelo menos quatro juízes, três dos quais Desembargadores, não se conforma e utiliza todos os expedientes (os que tem e os que não tem) para evitar que a decisão que já foi analisada por duas vezes transite em julgado.

M) Sucede que, o Tribunal da Relação do Porto julgou com pleno acerto e perfeita observância da situação concretamente em análise, de forma fundamentada, pronunciando-se me toda a extensão do recurso de apelação apresentado, e não indo sequer além daquilo que lhe foi proposto conhecer (exceto na lúdica interpretação feita pela Recorrente desprovida de qualquer sentido).

N) Em bom rigor da análise, a Recorrente não traz aos presentes autos nenhum elemento novo ou diverso daqueles que invocou em sede de recurso de apelação, apenas os renovando, vindo agora suscitar nulidade do acórdão recorrido por excesso e omissão de pronúncia.

O) Sucede que a decisão do acórdão recorrido abrange perfeita e totalmente os pedidos feitos na apelação e analisa cabalmente os argumentos (parcos em validação e congruência) rejeitando-os fundamentadamente e não indo nem além, nem aquém daquilo que lhe foi proposto pela própria recorrente.

P) Situação diversa é, note-se, o facto de a Recorrente ter uma opinião diversa daquela que que tiveram os venerandos Desembargadores, bem como a Mm.ª Juiz de Direito que sentenciou no sentido da improcedência do pedido da Autora.

Q) A recorrente procura substituir-se na posição de Julgador, manifestando um demagogo discurso quanto aos alegados “erro de julgamento” e nulidades que sem sabe não existirem, apenas não se conforma e casmurramente insiste na persistência.

R) No introito da sua alegação refere a Recorrente que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou normas de direito adjetivo, discordando do entendimento do douto Acórdão que considerou que a Recorrente, em sede de apelação, violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do CPC, sucede que em momento algum, o acórdão do tribunal da relação veio dizer que a Recorrente violou o disposto no artigo 640.º do CPC, pelo contrário, confirma que o cumpriu e, portanto, analisa a apelação no que concerne à matéria de facto, apenas discordou do alegado pela Recorrente, por não provado, considerando-o improcedente.

S) No mais, invocou a nulidade do acórdão recorrido – mas sem qualquer fundamento e, por fim, veio de forma obstinada renovar o seu argumentário para obter procedência na sua pretensão – já o fez em sede de recurso de apelação, e voltou a fazê-lo, agora, em sede de “recurso de revista”.

T) E, fê-lo de forma tão evidente que foi o próprio Tribunal da Relação que no acórdão recorrido reconheceu que a Recorrente estava a utilizar novos argumentos e que tal era processualmente inadmissível – pelo que é igualmente inadmissível neste novo recurso.

U) Foi também o próprio Tribunal da Relação do Porto que considerou que a Recorrente incumpriu os ónus de prova a que estava adstrita e que, em sede de apelação, também não demonstrou que o Tribunal de 1.ª Instância errou de alguma forma na factualidade que deu como provada e como não provada, o que justifica também que fique precludida a apreciação de outras questões suscitadas (nomeadamente os novos argumentos que “convenientemente” surgiram no recurso de apelação).

V) Quantos aos argumentos propriamente ditos, “A”, “B” e “C” do recurso de revista, os mesmos não têm qualquer base robusta que os sustentem.

W) Desde logo, porque se baseiam numa errada interpretação daquilo que foi decidido no acórdão recorrido, nomeadamente quando a Recorrente refere que o acórdão interpreta mal a documentação junta aos autos, entendendo que foram duas empresas diferentes a celebrar os negócios.

X) Pois isso não decorre de forma alguma do acórdão recorrido, mas sim da errada interpretação daquela, visto que o acórdão é claro ao mencionar que as empresas, nos diferentes contratos, assumiram uma natureza jurídica diferente e que isso, justificava que o Recorrido pessoa singular não conhecesse a forma de obrigar da sociedade (na sua nova forma jurídica), nova organização, novo pacto social.

Y) Mas esta interpretação “errada” ou resulta de falta de conhecimento, o que nos parece, ou resulta de má-fé numa demagoga tentativa de alterar aquilo que o Tribunal da Relação pretendeu realçar, e que era francamente desfavorável à Recorrente.

Z) De qualquer forma, o Tribunal da Relação do Porto deixou bem claro que que não havia forma, nem ficou provado, que os Recorridos sabiam a forma de obrigar daquela sociedade, bem como que o teor dos contratos em nada dá este conhecimento à contraparte, visto que apenas refere quem seriam os representantes legais da sociedade que estava a contratar – pelo que não assiste qualquer razão à Autora no argumento “A” em que refere o erro de julgamento e o excesso de pronúncia.

AA) No que concerne ao argumento “B”, que refere que o acórdão segue a fundamentação sustentada na sentença, este nem é sequer seguido de qualquer razão lógica que o sustente, sendo, aliás, per se, contraditório pois se por um lado a Recorrente refere que o acórdão seguiu os argumentos da sentença (pronunciando-se e analisando a questão, mas confirmando a decisão de 1.ª Instância) e, simultaneamente, diz que não analisou as questões que lhe foram submetidas a apreciação.

BB) Em bom rigor, o que a Recorrente pretende fazer crer é que o Tribunal da Relação do Porto não deu provimento ao argumentário da Recorrente, ficando aquela insatisfeita com a decisão (o que não é tutelável…) e pretendendo substituir-se ao julgador, mas a posição no acórdão foi devidamente justificada, nomeadamente pela falta de prova produzida por aquela.

CC) De qualquer forma, não poderia também o acórdão voltar a apreciar esta questão, sob um novo ponto de vista, visto que no que concerne à aplicação do direito não a decisão do Tribunal de 1.ª Instância não foi merecedora de qualquer reparo e, por outro lado, não tendo sido procedente a alteração da matéria de facto, não cabia também a este último reapreciar a questão não merecedora de censura.

DD) Como terceiro e último argumento, em (“C”) a Recorrente repete-se, voltando a referir que o Tribunal da Relação “transcreveu ipsis verbis, a fundamentação da Sentença da Primeira Instância” no que concerne à apreciação da nulidade do contrato promessa se dissociado da confissão de dívida por conter cláusulas desproporcionais, abusivas e atentatórias do princípio da boa-fé.

EE) O que é falso, visto que o tribunal fundamenta a sua decisão, pois é referido no acórdão “Ponderando os factos apurados não resulta demonstrado que na celebração do contrato as partes agiram sem respeitar o princípio da boa-fé e que o contrato não corresponda à expressão de vontade livre e esclarecida dos contraentes.(…) Não resulta provado que a autora na pessoa dos seus representantes se tenha sentido pressionada a celebrar este contrato.

(…) Conclui-se, no contexto dos factos provados, não ser questionável a boa fé com que as partes celebraram o contrato e por isso, não merece censura a decisão que julgou improcedente o pedido de nulidade do contrato.”.

FF) Uma vez mais digamos, com o sempre elevado respeito, não há qualquer violação do Direito – outrossim, meramente, uma diferente opinião da Recorrente justificada apenas no facto de não lhe ser conveniente o entendimento plasmado no douto acórdão.

GG) Assim, atento ao supra exposto, e sem mais delongas, deverá o recurso de revista ora em resposta ser julgado totalmente improcedente, visto que as três razões apresentadas pela Recorrente, “A”, “B” e “C”, não tem qualquer base legal que as justifique ou fundamento que impliquem uma alteração da decisão proferida pela Relação do Porto.

HH) Por fim, apenas de constatar que, analisado o recurso na sua globalidade, que a pretensão que este Supremo Tribunal de Justiça venha também alterar a matéria de facto que foi dado como provada/não provada, quando a Relação do Porto entendeu que não havia justificação para o fazer, o que é processualmente inadmissível como a própria bem sabe também, a sindicância para este Supremo Tribunal de Justiça, opera apenas quanto a questões de direito e não matéria de facto – artigo 46.º da LOSJ.

II) Podemos assim concluir que, no recurso ora em resposta, não é suscitada a apreciação de nenhuma matéria de Direito a este Tribunal, outrossim, meras discórdias nos entendimentos plasmados no acórdão recorrido, desprovidos de fundamento sem que seja pedida qualquer apreciação critica de aplicação de regimes jurídicos ao caso concretamente em apreço.

JJ) Desta forma e atento tudo o exposto, deve o presente Recurso de Revista liminarmente rejeitado por inadmissibilidade, dada a irrecorribilidade da decisão impugnada, atenta a verificação de dupla conforme da decisão de Primeira Instância e da decisão do Tribunal da Relação do Porto, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 3 do CPC (bem como, da inadmissibilidade de recurso de revista excecional, ora por não alegado, ora por noa verificados os respetivos pressupostos legalmente exigidos) e, subsidiariamente, caso o recurso venha a ser admitido, que o mesmo seja julgado totalmente improcedente por falta de fundamento jurídico nos termos supra invocados.

Pelo exposto e pelo mais que V.Exas. não deixarão de, proficientemente, suprir, deve o presente Recurso de Revista liminarmente rejeitado, por irrecorribilidade da decisão impugnada, atenta a verificação de dupla conforme nos termos e para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 3 do CPC (bem como, da inadmissibilidade de recurso de revista excecional, ora por não alegado, ora por noa verificados os respetivos pressupostos legalmente exigidos).

Caso assim V/Exas. não o entendam, deve a Douta Decisão recorrida ser mantida in totum, porque está elaborada de harmonia com as soluções legais para o caso em litígio e de harmonia com a Doutrina que nos é ensinada pelos melhores mestres de Direito, bem como da jurisprudência dominante, que não têm qualquer ilegalidade, contradição ou vício que a invalide, negando-se por isso provimento ao recurso.

Só assim será feita, em rigor, inteira e sã justiça!”

7. Arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal recorrido, foi cumprido o disposto no art.º 617º n.º 1 do Código de Processo Civil, enunciando-se, a propósito, no acórdão proferido em Conferência: “Conclui-se, assim, que o acórdão não padece do vício apontado e os fundamentos alegados não preenchem a invocada nulidade.

III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação que não se verifica a apontada nulidade.”

8. Foram cumpridos os vistos.

9. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pela Recorrente/Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A. consistem em saber se:

I. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao conhecer da impugnação da decisão de facto, tendo desconsiderado a análise critica da prova produzida em 1ª Instância, a que está obrigado, outrossim, decidiu contra as provas produzidas, em excesso de pronúncia?

II. Mesmo a manter-se a matéria de facto inalterada, o Tribunal recorrido cometeu nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que deveria ter-se pronunciado sobre questões de direito invocadas, concretamente: (i) nulidade do contrato por falta de assinatura de um representante legal, não podendo ser considerado terceiro de boa-fé o demandado; (ii) e nulidade do contrato promessa - se dissociado da confissão de dívida - por conter cláusulas leoninas?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos provados:

“1.º O direito de propriedade relativo ao bem imóvel: prédio rústico, composto por terra e pinhal e cultura, denominado Campo ..., sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1990, e inscrito na matriz predial sob o artigo 933 encontra-se registado a favor da autora.

2.ºA autora vincula-se pela assinatura de dois administradores – CC e BB.

3.º O representante legal da autora foi representante legal da segunda demandada, até 27 novembro de 2017, e ambos os representantes legais da autora, foram acionistas – em conjunto com o primeiro demandado – da segunda demandada sociedade, também até 27 novembro de 2017.

4.º E foi sócio de mais 3 sociedades, conjuntamente com o primeiro demandado, irmão do representante legal da autora. A saber:

a) M..., Lda, NIPC .......83

b) M... - Sistemas de ..., Lda., NIPC .......36

c) J..., Lda. NIPC .......00;

5º Por desentendimentos entre os irmãos – CC e AA -, CC saiu de todas as sociedades que tinham em comum.

6º Como contrapartida, a segunda demandada, M..., S.A. – anteriormente denominada de M..., Lda –, comprometeu-se a:

a) pagar ao CC e à BB, a título de apuramento de salários em atraso e empréstimos, a quantia de 90.000€ (noventa mil euros), em prestações mensais de 2.500€ cada;

b) a libertar um deposito a prazo que o CC e a BB têm no Santander Totta, que garantia obrigações das várias sociedades;

7.º Tais condições foram colocadas num contrato, a que as partes chamaram de confissão de dívida e acordo de pagamento;

8.º Em tal documento, as partes estabeleceram que, paralelamente, iriam celebrar um contrato promessa de compra e venda do terreno da autora identificado no nº 1.

9º Mais se tendo comprometido a segunda demandada que iria continuar os descontos para a Segurança Social do CC e BB, até à data da escritura do terreno.

10º No dia 27/11/2017, no escritório da advogada Dra. EE – advogada das partes à data -, foram celebradas e assinadas as ditas cedências de participações sociais e a confissão de dívida e acordo de pagamento.

11º O contrato promessa de compra e venda só foi assinado CC;

12º Enquanto o CC e a BB foram acionistas da segunda demandada, foram permitindo o uso do seu terreno para facilitar a atividade desenvolvida pela sociedade, uma vez que o terreno é contiguo ao terreno e pavilhão que a demandada ocupa, ambos na Rua das ..., ..., ....

13.º Sendo esta permissão do uso do terreno da autora, que levou a que a sociedade demandada pretendesse adquiri-lo e propusesse a celebração do contrato promessa, atendendo a que lhe dava jeito para a sua atividade, a continuação de tal uso.

14º O imóvel em causa nos autos tinha sido prometido vender à segunda demandada - M..., S.A. -, tendo ocorrido a cedência de posição contratual no contrato promessa de compra e venda, a favor da aqui autora, cedência essa que ocorreu no âmbito de acertos entre sociedade e acionistas;

15º Dos 90.000€ acordados, apenas foi pago o montante de 10.602,77 € e não foi libertado o depósito a prazo, tendo o mesmo sido absorvido pelo Santander Totta para liquidar as diversas obrigações das sociedades referidas;

16º Não foram feitos os descontos acordados até à data da escritura do terreno;

17º Pelo menos, em meados de 2018, a sociedade autora, através dos seus advogados, tentou junto da mandatária dos demandos, a resolução do contrato promessa de compra e venda;

18º A autora e os seus representantes legais interpelaram ambos os demandados no sentido de lhes conceder prazo definitivo para o cumprimento do acordado, sob pena de considerarem, sem mais aviso, resolvido o contrato promessa em causa nos autos.

19º Os demandados, no prazo concedido de 20 dias, nem até à presente data, pagaram o remanescente valor em dívida de 79.397,23€, nem libertaram o depósito a prazo, nem efetuaram os descontos para a segurança social dos representes CC e BB como seus trabalhadores;

20º O Banco Santander e ainda não procedeu a tal libertação do depósito a prazo e tal diligência está na sua dependência.”

Factos não provados:

“1. BB constatou que, ao contrário do havia sido combinado, era o primeiro demandado quem figurava como promitente comprador no contrato promessa de compra e venda, e não a sociedade aqui segunda demandada.

2. Tendo, por essa razão, recusado a assinatura do referido contrato promessa.

3. Desde logo a BB transmitiu a sua posição e a razão da sua recusa – o que havia sido combinado era que a M..., S.A. assumia a confissão de dívida e as condições aí fixadas, como contrapartida da tradição para sido imóvel, por 10 anos sem qualquer pagamento, sendo esse o acordo global estabelecido.

4. O cumprimento do estabelecido na confissão de dívida era condição para a manutenção do contrato promessa, o que foi aceite por todos os intervenientes.

5. O primeiro demandado - e a advogada que representava ambos -, tinham perfeito conhecimento que a sociedade, aqui autora, era representada por duas pessoas, obrigando-se com duas assinaturas;

6. No decurso do mês de Junho de 2018, data em que o TOC da sociedade Ré, Exmo. Sr. Dr. DD cessou a sua prestação de serviços, no decurso dos trabalhos de passagem de dossiers, foi detetada a existência de um saldo em aberto no valor de 90.000,00€ a favor da aqui sociedade Ré referente à falta de pagamento por parte dos administradores da Autora de dois veículos, um veículo de marca Mercedes-Benz, Classe E, 350 CDI, com a matrícula ... e um veículo da marca BMW X6, com a matrícula ..-MB-..;

7. A contrapartida da tradição e prazo de 10 anos, era o cumprimento das condições da confissão de dívida, e a desoneração dos legais representantes da autora de todas as obrigações assumidas como avalistas/fiadores das sociedades cujas participações cederam.

8. Nas semanas anteriores à assinatura dos documentos que formalizavam o acordo global negociado entre as partes, sofreram pressão intensa no sentido da resolução de todas as situações.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/S.L.P. – Investimentos Imobiliários, S.A. não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil, artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. Questão prévia

Sustentam os Recorridos/Réus/AA e M..., S.A. a inadmissibilidade da revista porquanto, em sua opinião, é manifesta a conformidade das Instâncias, sem nenhum voto de vencido, enquanto pressuposto negativo de admissibilidade do recurso de revista, pelo que, reclamam ficar vedado ao abrigo do disposto no art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, o conhecimento da interposta revista.

A este propósito há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Do art.º 671º n.º 3 do Código do Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.

Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme a verificação de uma situação, conquanto o acórdão da Relação, conclua pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido e plasmado pela 1ª Instância, quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a decisão proferida na sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente.

Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

No caso sub iudice, confrontadas as decisões proferidas, em 1.ª e 2.ª Instâncias, verificamos, com clareza, ter o acórdão da Relação, sem voto de vencido, confirmado a decisão da 1ª Instância, sendo manifesta a identidade dos respetivos enquadramentos jurídicos.

Todavia, a Doutrina e Jurisprudência, vem, pacificamente, defendendo que não obstante a dupla conformidade existente entre decisões, sem fundamentação inovatória, essa mesma conformidade deixa de operar quando haja erro de direito na aplicação da lei adjetiva civil, nomeadamente, “se a parte pretender reagir contra o não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto”, quando se invoca um erro de direito, neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in, artigo subordinado à temática da Dupla Conforme e Vícios na Formação do Acórdão da Relação, Instituto Português de Processo Civil, blogippc.blogspot.pt., e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1), e de 28 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1), in www.dgsi.pt.

Como defende, António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, páginas 319 e seguintes, “Em tais circunstâncias e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou interpretação da lei processual e seja invocado no recurso de revista a violação de normas adjectivas relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, não existe dupla conforme”

A dupla conforme não pode atuar, na medida em que, pese embora o aresto da Relação seja condizente com a sentença da 1ª Instância, quanto à subsunção jurídica, e mesmo mantendo a decisão de facto, não deixa de ser confrontado com questões de natureza adjetiva com direta influência na apreciação da invocada impugnação da decisão de facto.

Neste sentido, veja-se a comunicação efetuada em 6 de julho de 2015, pelo Juiz Conselheiro Alves Velho, aquando do Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil, cujo texto está publicado in www.stj.pt., reforçado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2015.

Ora no caso dos autos, a Recorrente/Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A. insurge-se, para além do mais, contra o acórdão recorrido que apreciou a impugnação da matéria de facto fixada em 1ª Instância, defendendo que o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao conhecer da impugnação da decisão de facto, tendo desconsiderado a análise critica da prova produzida em 1ª Instância, a que está obrigado, outrossim, decidiu contra as provas produzidas, em excesso de pronúncia.

Se bem apreendemos o objeto da revista, não podemos deixar de afirmar que a Recorrente/Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A., ao insurgir-se contra a reapreciação da decisão de facto, por parte da Relação, enquanto Tribunal recorrido, está a questionar o cumprimento de normas processuais atinentes aos poderes, próprios e privativos, da Relação, donde, importa que Supremo Tribunal de Justiça conheça do apontado erro de direito.

Pelo exposto, e reconhecendo estar em causa um acórdão que sufraga a sentença de 1ª instância, inexistindo no acórdão da Relação qualquer voto de vencido ou fundamentação essencialmente diferente, mas sendo objeto da revista o conhecimento do reclamado erro de direito apontado à decisão de facto, impõe-se a admissibilidade da revista.

II. 3.2. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao conhecer da impugnação da decisão de facto, tendo desconsiderado a análise critica da prova produzida em 1ª Instância, a que está obrigado, outrossim, decidiu contra as provas produzidas, em excesso de pronúncia? (1)

1. O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito.

2. A Recorrente/Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A. insurge-se contra o aresto recorrido, reclamando que a decisão de facto impugnada não foi analisada criticamente, e decidiu contra as provas produzidas, em excesso de pronúncia, devendo, por isso, ser alterada a decisão recorrida, enunciando, com utilidade, a este propósito:

“3.ª A recorrente impugnou a matéria de facto, na parte dada como não provada e especificamente submeteu à apreciação do Tribunal da Relação do Porto as provas que, no seu entendimento, deveriam permitir ao Tribunal dar como provados, os factos que foram dados como não provados n.ºs 3, 4, 5 e 7.

(…)

5.ª Indicando como provas para análise do Tribunal da Relação do Porto, que, no seu entendimento, deveriam ter permitido passar a provados, os referidos factos não provados:

a) as declarações de parte da representante da recorrente, segundo as quais desde logo indicou que não assinaria o contrato promessa porque não constava como promitente compradora a sociedade demandada, M..., S.A., que foram com quem haviam celebrado a confissão de dívida e que fora quem propôs a compra do terreno;

b) as declarações de parte do legal representante da recorrente, pelas quais decorre que a confissão de dívida e o CPCV eram um acordo global acertado para a saída do CC e da BB (representantes da recorrente) das sociedades que detinham com o AA; e que nunca aceitaria celebrar o CPCV sem a confissão de dívida, pois não faria sentido permitir um uso durante 10 anos, sem qualquer contrapartida, sendo ainda a promitente vendedora quem paga os impostos do imóvel; e ainda a promitente compradora iria receber de rendas durante tal ocupação mais de 150.000€ sem nada pagar à promitente compradora;

c) as declarações do representante legal da sociedade demandada, também ele próprio demandado, pelas quais admite que a sociedade precisava do terreno para a sua atividade mas que estava quase falida e precisava de tempo para conseguir o valor para pagar o preço – não referindo que foi ele pessoalmente quem iria comprar o terreno;

d) o facto provado 12 - pelo qual se seu como provado que a ocupação do terreno pela sociedade demandada só foi permitida enquanto os legais representantes da recorrente eram seus acionistas;

e) o facto provado 13 - pelo qual se deu como provado que a sociedade demandada pretendia adquirir o terreno e como tal propôs a celebração do contrato promessa;

f) o teor dos documentos não impugnados, nomeadamente a confissão de dívida que contém a referência que “as partes” irão celebrar um contrato promessa que terá por objeto um determinado terreno aí identificado;

g) a obrigação assumida na confissão de dívida, da sociedade demandada apresentar os descontos para a Segurança Social dos representantes legais da recorrente até à escritura desse terreno h) o doc. 9 – CPCV – do qual consta que a recorrente se obriga com duas assinaturas – a do CC e da BB – assinado pelo demandado AA;

i) o doc. 10 - cedência de posição contratual em contrato promessa de compra e venda do mesmo terreno, anteriormente celebrado entre sociedades (recorrente e recorrida), que constitui prova plena do teor nele ínsito (art 376.º CC), nomeadamente quanto à necessidade da recorrente se obrigar com duas assinaturas - assinado pelo demandado AA.

6.ª O Tribunal da Relação do Porto faz uma extensa exposição sobre o valor probatório das declarações de parte – de grande valor do ponto de vista do conhecimento jurídico - sem, contudo, analisar as efetivas declarações das partes - representantes da recorrente e demandado -, sem as conjugar com os demais elementos de prova, nomeadamente a prova documental que dá sustentação às declarações de parte, e sem as conjugar com os factos provados 12 e 13 ou com a prova plena do doc. 10.”

A reclamada impugnação da decisão de facto, contende com a alegada violação de lei adjetiva civil, designadamente, a sustentada ausência de análise critica da prova produzida, donde, como já adiantamos, não está arredada a reponderação da decisão de facto, por parte deste Tribunal ad quem, com vista a reconhecer, ou não, o invocado erro de direito, sendo por isso, nestes termos, e só nestes, sindicável.

3. Como sabemos, os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que este Tribunal não está dispensado do ónus de analisar criticamente a prova produzida, fundamentando a decisão de facto, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles se alicerçam.

Na verdade, na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, devendo fazer incidir sobre a prova produzida, as regras da experiência, como efetiva garantia de um segundo grau de jurisdição, sem desconsiderar, as limitações que o Tribunal de recurso tem face ao mais favorável posicionamento do julgador da 1ª instância, nomeadamente, perante a prova produzida, oralmente, em julgamento.

O julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso trazido a Juízo “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”, neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, página 348.

Sublinhamos, pois, que a lei adjetiva civil consigna, explicitamente, a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo a Relação analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

4. Escrutinada a decisão, distinguimos que a reapreciação da decisão de facto não deixou de fundamentar a decisão tomada, expressando a exigida análise critica da prova produzida, outrossim, não distinguimos excesso de pronúncia, mantendo a facticidade tomada como adquirida processualmente em 1ª Instância, não se enxergando violação de quaisquer princípios adjetivos/constitucionais, mormente, o princípio da tutela efetiva e fundamentação da decisão, intimamente relacionados.

Assim, decorre, com utilidade, da reapreciação da decisão de facto em 2ª Instância:

“- Reapreciação da matéria de facto –

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 2/f), 3 a 49, a apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.

(…)

Consideram-se, assim, preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.

Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais.

Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”.

Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto - factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.

Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - documental, por declarações e em depoimento de parte e prova testemunhal -, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, adiantando-se desde já, que a decisão não merece censura pelos motivos que se passam a expor. (sublinhado nosso)

A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos “não provados”:

1. BB constatou que, ao contrário do havia sido combinado, era o primeiro demandado quem figurava como promitente comprador no contrato promessa de compra e venda, e não a sociedade aqui segunda demandada.

3. Desde logo a BB transmitiu a sua posição e a razão da sua recusa – o que havia sido combinado era que a M..., S.A. assumia a confissão de dívida e as condições aí fixadas, como contrapartida da tradição para sido imóvel, por 10 anos sem qualquer pagamento, sendo esse o acordo global estabelecido.

4. O cumprimento do estabelecido na confissão de dívida era condição para a manutenção do contrato promessa, o que foi aceite por todos os intervenientes.

5. O primeiro demandado - e a advogada que representava ambos -, tinham perfeito conhecimento que a sociedade, aqui autora, era representada por duas pessoas, obrigando-se com duas assinaturas;

7. A contrapartida da tradição e prazo de 10 anos, era o cumprimento das condições da confissão de dívida, e a desoneração dos legais representantes da autora de todas as obrigações assumidas como avalistas/fiadores das sociedades cujas participações cederam.

Na fundamentação da decisão considerou-se como se passa a transcrever:

“Os factos que constam sob os nºs 1º a 12º e 14º dos “Factos Provados” não foram objeto de impugnação.

O tribunal fundamentou a sua convicção quanto demais aos factos que considerou provados e não provados na análise crítica e integrada da globalidade da prova produzida nos autos, designadamente dos documentos juntos aos autos, em conjugação com as declarações de parte prestadas pelos autores, e das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, articulados entre si, de acordo com as regras da experiência comum, como oportunamente se especificará.

Encontram-se juntas aos autos os seguintes documentos (que não foram impugnados):

- Certidão Predial relativa ao imóvel objecto do CPCV – Doc. nº s1º e 2º da p.i.

- Certidão permanente relativa à sociedade SLP – Investimentos Imobiliários – doc. nº 3;

- Contratos de Compra e Venda de acções, cessão de quotas, renuncia à gerência, alteração do pacto social – doc. nº 4 a 6;

- Confissão de Dívida e acordo de Pagamento – doc. 8;

- Contrato Promessa de compra e venda – doc. 9

- Contrato de Cessão posição contratual (prédio identificado no artº 1º da p.i.) – doc. nº 10;

- Doc. nº 11 (transferências bancárias);

- Doc. nº 12 (Penhores sobre depósito em numerário);

- Doc. 13 e documentos juntos na audiência de julgamento – cartas de interpelação/resolução do contrato.

Nas declarações/depoimentos prestadas pelos legais representantes da Autora e da Ré, as partes mantiveram, no essencial, a versão dos factos vertida nas respetivas peças processuais.

A legal representante da sociedade S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A., BB reconheceu que durante o período em os contratos em discussão foram negociados não sentiram pressão nenhuma.

O depoente CC confirmou que em Novembro de 2017, por causa de desavenças com o irmão AA, decidiu deixar todas as sociedades, tendo vendido as suas acções/quotas ao Réu AA.

O mesmo sucedeu com as acções/quotas da sua esposa, BB.

Todos estes documentos (contrato de compra e venda das ações da sociedade Ré; um contrato de cessão de quotas, renuncia a gerência e alteração parcial do pacto social da sociedade M..., Lda; um contrato de cessão de quotas, renuncia a gerência e alteração parcial do pacto social da sociedade M... - Sistemas de ..., Lda.; e um contrato de cessão de quotas, renuncia a gerência e alteração parcial do pacto social da sociedade J..., Lda.) foram assinados no dia 27 de Novembro.

Estes contratos foram assinados por todas as partes, ou seja, o Réu AA na qualidade de comprador, e os administradores da Autora, CC e BB, na qualidade de vendedores, cada um, das suas respetivas quotas.

Reconhece que o prazo de 10 anos estabelecido foi acordado entre as partes atendendo às possibilidades da Ré em reunir condições para o seu pagamento.

Também reconhece o facto de a Ré já utilizar o imóvel há diversos anos e que acordaram que o continuasse a poder utilizar e fruir.

A testemunha FF (mulher do réu AA) demonstrou um conhecimento muito superficial e difuso das questões em discussão.

A testemunha GG (contabilista e amigo do autor) referiu que fez o acompanhamento dos negócios em questões, nomeadamente viu a minuta do contrato de venda das ações. Salientou a importância da libertação dos avais e dos penhores mercantis prestado ao Banco Santander para os autores, mas que tal dependia do Banco.

Deste depoimento retira-se que os contratos (ou as minutas) foram previamente analisados pelo legal representante da autora que, embora assistido por advogada, teve a possibilidade de consultar uma pessoa da sua confiança com conhecimentos na área da contabilidade.

A testemunha HH (economista) acompanhou as negociações que precederam a assinatura dos contratos que foram feitos por uma senhora advogada. (Contratos de Cessão, cartas de renuncia, CPCV do terreno, confissão de divida) que feitos com a intenção de serem cumpridos na totalidade e aceites pelas partes.

Assistiu à assinatura por parte dos legais representantes da autora e não se recorda de qualquer facto digno de registo como por exemplo a recusa da BB de assinar o contrato com fundamento e a comunicação de tal facto (que aliás, nunca fez por escrito tendo, pelo contrário, interpelado o reu para cumprir o contrato sob pena de resolução).

O terreno surgiu durante as negociações, mas não alterou o valor do negócio.

Não foi produzida prova relativamente ao conhecimento dos réus sobre a forma de a autora se obrigar (assinatura de dois administradores) nem quanto ao facto de o acordo global que as partes estabeleceram no documento intitulado “Confissão de Divida “fosse condição sine qua non para a manutenção do contrato promessa, até ao prazo dos 10 anos nele previsto.

Na verdade, não é feita qualquer referência, no contrato promessa, à existência da confissão de dívida e muito menos que o mesmo está dependente desta. Na confissão de divida, de facto, faz referência à existência (paralela) do contrato promessa. Este estipula que o preço será pago no dia da celebração do negócio prometido. Salienta-se ainda, neste sentido (da independência dos contratos), que a confissão de divida tem um valor total de 90.000€ e o contrato promessa tem um valor de 350.000€. A única testemunha que acompanhou as negociações entre os irmãos, HH, afirmou que a venda do terreno surgiu já depois do acordo global para a saída dos legais representantes da autora das sociedades também detidas por AA (devido à utilização que a M..., S.A. já fazia dele) e que não interferiu na economia dos contratos”.

A apelante sugere a alteração da decisão no sentido de se julgarem provados os factos impugnados.

Sustenta a alteração em documentos juntos aos autos, depoimento de parte do legal representante da autora, CC e declarações de parte do réu e legal representante da ré, AA e declarações de parte de BB, também legal representante da autora.

Está em causa a impugnação dos factos alegados pela autora na petição, pretendendo-se apurar quem devia figurar como promitente comprador no contrato-promessa do imóvel, se foi constatado no ato de assinatura do contrato a indevida identificação do promitente comprador, se entre este contrato e a declaração de divida foi estabelecida uma interligação funcional e por fim, se o réu sabia quem obrigava a sociedade autora nos atos praticados pela sociedade junto de terceiros.

CC, legal representante da autora/apelante prestou depoimento de parte, que deu origem à seguinte assentada:

“O depoente confirma o que consta dos artºs 5º, 6º e 11º da contestação---

Aceita o que consta do artº 12º da contestação. ----

Reconhece que o prazo de 10 anos estabelecido foi acordado entre as partes atendendo às possibilidades da Ré em reunir condições para o seu pagamento. ---

Também reconhece o facto da Ré já utilizar o imóvel há diversos anos e que acordaram que o continuasse a poder utilizar e fruir”.- cfr. ata de audiência de julgamento do dia 02 de março de 2022 ( inserida a páginas 177 do processo eletrónico).

Em tese geral o depoimento de parte é a declaração solene prestada sob compromisso de honra por qualquer das partes sobre os factos da causa – art. 452º, 454º, 459º CPC.

O depoimento de parte não se confunde com a confissão e como refere o Professor ANTUNES VARELA: “constitui uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão”.

LEBRE DE FREITAS refere, aliás, que “o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão”.

O depoimento de parte pode levar o juiz à convicção da realidade de um facto desfavorável ao depoente, mas sem que a declaração por ele prestada tenha revestido a forma de uma declaração confessória.

A confissão, conforme resulta da definição contida no art. 352º CC, consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

Como refere LEBRE DE FREITAS, a confissão consiste no reconhecimento “dum um facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse”.

O valor probatório atribuído à confissão, assenta na regra de experiência segundo a qual ninguém mente contrariamente ao seu interesse.

A declaração de ciência constitui presunção da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objeto.

A força probatória da confissão judicial (única que para o caso nos interessa) depende da forma que ela revista.

Determina o art. 358º/1 CC que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.

Não sendo reduzida a escrito, a confissão feita no depoimento de parte ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal, conforme determina o art. 358º/4 CC.

Podemos, assim, concluir que o depoimento de parte tem diferente valor probatório consoante estamos perante uma confissão ou apenas perante a afirmação de factos desfavoráveis ao depoente.

Daqui resulta que o depoimento de parte quando não obedece aos requisitos exigidos para que tenha eficácia probatória plena, a declaração de reconhecimento de factos desfavoráveis pode constituir meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art. 361º CC).

As declarações do depoente podem ainda ser objeto de livre valoração pelo tribunal quando falte algum dos pressupostos do art. 353º CC, quando a confissão não seja escrita ou reduzida a escrito e quando falte o requisito da direção à parte contrária (art. 358ºCCnº3 e 4) e também, quando a confissão conste duma declaração complexa, nos termos do art. 360º CC, e a parte contrária não se queira dela prevalecer como meio de prova plena.

Nestas circunstâncias as declarações prestadas pelo depoente com valor de prova livre constituem um ato distinto do da confissão com valor de prova plena, que tem requisitos de forma e pressupostos, necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela.

A sua eficácia probatória exige que o juiz a confronte com todos os outros elementos de prova produzidos sobre o facto confessado para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não.

Neste contexto e como se extrai da assentada, o depoente II não confessou os factos impugnados e por esse motivo, o depoimento não tem o valor de prova plena. A assentada versa sobre factos alegados na contestação e os factos impugnados, reportam-se à matéria da petição.

Também não se justifica a livre apreciação de tal depoimento, na medida em que não afirmou factos desfavoráveis à autora, pois limitou-se a reproduzir a versão que consta da petição.

Quanto ao valor probatório das declarações de parte prestados pelas partes e legais representante das partes na ação, cumpre ter presente nos termos do art. 466º/1 CPC, que as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.

As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC.

A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados.

Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquelas em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado.

Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”.

LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” [a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”.

O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova.

As declarações de parte prestadas pelo réu AA e pelos legais representantes da autora, CC e BB sobre a matéria objeto de impugnação não merecem qualquer relevo probatório, porque se limitaram a reproduzir a posição expressa nos articulados, como aliás se refere na fundamentação da decisão de facto.

Todos admitiram que no ato de assinatura dos documentos, incluindo o contrato-promessa em causa, não estava presente o réu, porque intencionalmente não se encontraram no mesmo momento no escritório da advogada para assinar os documentos, devido às desavenças que existiam entre CC e AA.

Por outro lado, nas declarações prestadas pelos legais representantes da autora há um aspeto que não se pode ignorar e que releva, quando confrontado com a restante prova produzida. Os declarantes apesar de afirmarem que BB se recusou a assinar o contrato-promessa, porque não constava do contrato como promitente-comprador a sociedade ré e que tal contrato estava ainda compreendido no negócio mais amplo de cessão e venda de quotas nas sociedades, não conseguiram explicar nem dar uma justificação plausível para terem assinado toda a documentação e contratos, sem retificar previamente este, o contrato-promessa, perante a divergência detetada.

A testemunha DD que esteve presente no ato de assinatura dos contratos e documentos não confirmou as declarações dos legais representantes da autora e mesmo depois do ato de assinatura do contrato em causa, não resulta da prova produzida, em particular dos documentos juntos aos autos, que a autora tenha apontado ao concreto contrato irregularidades. A testemunha referiu que desde o primeiro momento acompanhou as negociações entre os sócios, no sentido do sócio II vender ou ceder as quotas ou direitos que tinha nas sociedades ao irmão, o outro sócio, AA. Referiu, também, que no final, os contratos formalizados corresponderam à vontade das partes e por esse motivo foram assinados.

A questão da venda do imóvel só surgiu na fase final das negociações, mas sem qualquer relação com o contrato nuclear que passava pela venda/cedência das quotas ou direitos nas sociedades. Esclareceu que para além desta questão outras surgiram, no sentido de permitir que o sócio II se desvinculasse de todas as obrigações e direitos para com as sociedades.

O documento junto aos autos em 09 de março de 2022 (inserido a páginas 164 do processo eletrónico), carta subscrita pela ré e dirigida à autora, a que faz referência a apelante, indica que a ré está na posse do prédio, como já estaria em data anterior à celebração do contrato-promessa. Porém, em momento algum se refere que assumia a qualidade de promitente-comprador no contrato-promessa.

Por outro lado, na referida carta refuta-se existir qualquer interligação entre os contratos celebrados: contrato-promessa e confissão de divida.

A testemunha DD esclareceu que o prédio apesar de ser utilizado desde sempre pelo estabelecimento industrial da ré, nunca fez parte do seu património, o que passou por uma opção dos sócios, com repercussões a nível financeiro.

Conclui-se, assim, que o documento em causa não permite sustentar a versão da autora, no sentido de comprovar que estava acordado entre as partes a venda do imóvel à ré.

Argumenta ainda, a autora, para sustentar que o réu sabia quem obrigava a sociedade autora nos atos praticados pela sociedade junto de terceiros, que no cabeçalho do contrato se identificavam os legais representantes da autora. Com efeito, no contrato promessa - documento nº 9 da petição, inserido a páginas 879 do processo eletrónico - consta a identificação dos legais representantes da autora. Porém, não está em causa saber quem figura como legal representante, mas antes em apurar quem vincula a sociedade perante terceiros.

No contrato nada se diz sobre tal matéria e resulta do seu teor que apenas consta a assinatura de II. Ao contrato não se pode atribuir o relevo probatório pretendido pela apelante, porque perante a sua análise não resulta quem efetivamente vincula a sociedade e por isso, não seria exigível ao réu, pela mera leitura do contrato, se apercebesse quem vinculava a sociedade autora.

Acresce que não foi a sociedade autora quem em 2014 celebrou o contrato de cessão da posição contratual (documento nº 10 junto com a petição, inserido a páginas 883 do processo eletrónico), no qual tiveram intervenção M..., S.A. e S..., Lda Na sequência da cessão da posição contratual, o prédio foi adquirido pela sociedade S..., Lda., sociedade por quotas (ponto 14 dos factos provados). A autora encontra-se constituída como sociedade anónima. Nada se apurou sobre as circunstâncias em que ocorreu tal alteração, mas sobretudo se tal alteração passou pela intervenção do réu AA, ou, chegou ao seu conhecimento antes da celebração do contrato-promessa.

Desta forma, não se pode usar como argumento a intervenção do réu no anterior contrato de cessão da posição contratual, porque estão em causa duas sociedades com diferente natureza jurídica e a quem os sócios ou acionistas poderiam atribuir diferentes poderes de vinculação.

Neste contexto e face à prova produzida não merece censura a decisão que julgou não provada a matéria dos pontos 1, 3, 4, 5 e 7, sendo certo que a prova indicada pela apelante não justifica a alteração.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1, 2/b) 3 a 49, sem prejuízo da apreciação da questão de direito também suscitada nos pontos 3 a 30.”

5. Percorrendo o discurso/fundamentação do acórdão recorrido, e só neste poderemos fundar a nossa análise e decisão, dele não decorre que a Relação tenha deixado de exercer os poderes que lhe são atribuídos pelo art.º 662º do Código de Processo Civil.

A exposição decisória do acórdão recorrido não se limitou a tecer considerações de ordem genérica em torno das virtualidades de determinados princípios.

Tudo indicia que a prova, toda ela, foi consultada com destaque para a testemunhal, que foi ouvida, e documental, havendo por parte da decisão recorrida o cuidado de deixar anotados elementos indiciadores dessa mesma audição (revelando que foi realizada) com destaque para expressões utilizadas pelas testemunhas (se coincidente com as referenciadas em 1ª Instância, não se vislumbra razão que o não permita) e alusão às características destas referentes às condições objetivas da convicção e razão de ciência. E este é o primeiro e principal elemento da reponderação, a consulta da prova.

Num segundo momento a decisão recorrida não deixou de reconhecer a convicção formada em 1ª Instância, quer no seu percurso lógico argumentativo, quer no resultado da convicção que formou, acentuando o acerto e confirmação da prova fixada, deixando expresso que era também a convicção própria que o Tribunal da Relação extraia dos elementos probatórios carreados para os autos.

Se a remissão avulsa para a motivação da 1ª Instância e a sua referência genérica a ela, tem sido, pacificamente, entendida como uma violação do art.º 662º do Código de Processo Civil por parte da Relação, cremos que não deve exigir-se que a análise crítica das provas pelo Tribunal da Relação, relativamente à que esteja sujeita à livre apreciação e à fundamentação das respostas negativas, tenha de apresentar originalidade de forma e conteúdo relativamente à decisão de 1ª Instância. Não haverá vício de falta de apreciação quando a indicação das provas que levaram a formar a sua convicção e a sua articulação explicativa dos motivos que conduziram a decidir em determinado sentido, se mostre realizada ainda que por alusão transcritiva da decisão da 1ª Instância. O que não pode é essa alusão reduzir-se a uma adesão genérica que não permita perceber a atividade de formação de convicção da Relação por não existir qualquer elemento que certifique que esse Tribunal, efetivamente, consultou a prova, ponderou sobre ela e decidiu, revelando a sua convicção.

No caso sub iudice, concluímos que a decisão recorrida não se limitou a averiguar se o juízo explanado pelo Tribunal de 1ª Instância, na sua decisão da matéria de facto, estava conforme às regras da experiência comum e se estava devidamente fundamentado, sem proceder à audição dos depoimentos gravados das testemunhas, outrossim, sem analisar os documentos apresentados em Juízo, sem realizar a indispensável análise crítica de cada um destes meios de prova e sem cumprir o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de modo a explicar e justificar a sua própria e autónoma convicção.

Tal atuação, pelas razões aduzidas, não pode entender-se como constitutiva da violação, quer da disciplina processual a que aludem os artºs. 640º e 662º n.º 1, quer do método de análise crítica da prova prescrito no art.º 607º n.º 4, aplicável por força o disposto no art.º 663º n.º 2, todos do Código de Processo Civil, pelo que, neste âmbito, não se impões anular o acórdão recorrido improcedendo neste segmento, a argumentação recursiva.

6. Assim, não cuidando, enquanto Tribunal de revista, tecer juízos de valor acerca da valoração da prova, da competência das Instâncias, importando somente conhecer do alegado erro de direito, por alegada falta de análise critica e excesso de pronúncia, na reapreciação da decisão de facto, reconhecemos que o Tribunal recorrido fez referência bastante, fundamentando quam satis, a consignada manutenção da decisão de facto, sustentando-a num discurso inteligível, atenta a explicação da razão por que se decidiu da maneira afirmada nos autos, inexistindo qualquer vício que encerre um desvalor que exceda o erro de julgamento que traduza violação do princípio da tutela efetiva e fundamentação da decisão, pelo que, ao termos percebido o processo cognitivo percorrido pelo Tribunal recorrido, que fundamentou, criticamente, a decisão de facto em escrutínio, concluímos pela não verificação da arrogada nulidade da decisão de facto vertida no acórdão recorrido, soçobrando, assim, neste particular, a argumentação recursiva.

II. 3.3. Mesmo a manter-se a matéria de facto inalterada, o Tribunal recorrido cometeu nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que deveria ter-se pronunciado sobre questões de direito invocadas, concretamente: (i) nulidade do contrato por falta de assinatura de um representante legal, não podendo ser considerado terceiro de boa-fé o demandado; (ii) e nulidade do contrato promessa - se dissociado da confissão de dívida - por conter cláusulas leoninas? (2)

I. Quanto à arguição de nulidades do acórdão recorrido, recorde-se que no caso, e só no caso, de o recurso ser admissível relativamente a alguma (outra) questão pode e deve a arguição de nulidades ser, acessoriamente, conhecida. Como se sabe, as nulidades não são fundamento autónomo ou exclusivo do recurso, daí que o conhecimento desta arguição ficou garantido a partir do momento em que se admitiu o recurso relativamente à reponderação da decisão de facto.

II. O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

No que ao caso em apreço interessa, o vício da nulidade do acórdão corresponde ao caso de ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

A invocada nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (alínea d) do n.º 1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil), está diretamente relacionada com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.

Tem pleno cabimento enfatizar que no caso da omissão de pronúncia, o vício a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, traduz-se no incumprimento do dever prescrito no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”, sendo que as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o seu objeto (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir), donde, só a falta de apreciação das questões (desde que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras), integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões, traduzindo-se, assim, num vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

3. Cotejado o acórdão recorrido, enxergamos que o Tribunal a quo não deixou de se pronunciar quanto às invocadas questões atinentes à reclamada (i) nulidade do contrato por falta de assinatura de um representante legal, não podendo ser considerado terceiro de boa-fé o demandado; (ii) e nulidade do contrato promessa - se dissociado da confissão de dívida - por conter cláusulas leoninas - .

Na verdade, o Tribunal recorrido consignou, com utilidade, a este propósito:

“- Nulidade do contrato-promessa por se omitir a assinatura de um administradores da sociedade autora -

Nas conclusões de recurso sob os pontos 1, 2 a), 3 a 30 insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que indeferiu a nulidade a do contrato, com fundamento na omissão da assinatura de um dos administradores da autora, no pressuposto da alteração da decisão de facto.

Mantendo-se inalterada a decisão de facto, sem que se impugne a decisão de direito, não cumpre ao tribunal de recurso reapreciar a decisão.

Desta forma, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada nas conclusões de recurso a respeito do exercício abusivo do direito, uma vez que só faria sentido a sua reapreciação no pressuposto de se revogar a decisão quanto aos argumentos apresentados a título principal (art. 608º/2 CPC).

(…)

- Da nulidade do Contrato Promessa por conter clausulas desproporcionais, abusivas e atentatórias do princípio da boa-fé -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 50 a 57, insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que considerou não existir interligação entre o contrato-promessa e a confissão de divida, no pressuposto da alteração da decisão de facto.

Não ocorrendo alteração da decisão de facto e não se impugnando a decisão de direito, não cumpre ao tribunal de recurso reapreciar os fundamentos da decisão.

Contudo, a apelante suscita a nulidade do contrato, por violação do disposto no art. 762º/2 CC, na medida em que o contrato contém cláusulas desproporcionais, abusivas e atentatórias do princípio da boa-fé.

A questão foi apreciada na sentença com os fundamentos que se transcrevem:

“Finalmente, analisando o contrato promessa de compra e venda, dissociado da confissão de dívida e acordo de pagamento, a autora alerta que o mesmo estabelece cláusulas que causam grave desequilíbrio nos direitos e obrigações das partes, em prejuízo da autora.

Designadamente, as cláusulas quarta e quinta, ao coexistirem no mesmo contrato, conferem à promitente-compradora a possibilidade de deter e usar o prédio, dele retirando benefício, durante 10 anos, sem estabelecerem qualquer contrapartida para a promitente-vendedora por esse facto.

Constituindo as mesmas, nessa medida, cláusulas abusivas e desproporcionais, porquanto a segunda demandada beneficia da tradição imediata do imóvel, enquanto a autora necessita de esperar até 10 anos pela celebração, de forma voluntária, do contrato definitivo, e pelo pagamento do preço, ou então para obter a execução específica do contrato.

Por outro lado, nas semanas anteriores à assinatura dos documentos que formalizavam o acordo global negociado entre as partes, sofreram pressão intensa no sentido da resolução de todas as situações, estando manifestamente em desvantagem, de que se aproveitaram os demandados.

A autora que a demandada não atuou com boa-fé na celebração do contrato-promessa de compra e venda e como tal, são nulas as cláusulas que o integram, nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que o referido contrato não poderá produzir qualquer efeito.

Acontece, que uma vez mais a autora não logrou demonstrar que o contrato promessa não correspondeu à vontade das partes, livre e informada, sem que a autora (na pessoa dos seus legais representantes) tenham sido pressionados ou sugestionados para outorgarem um contrato que não fosse contrário aos seus interesses”.

Em tese geral podemos afirmar que da celebração do contrato promessa resulta para as partes a obrigação de celebrar o contrato prometido que, como acordo vinculativo de vontades, deve ser, pelos contraentes, pontualmente cumprido (art. 410º, 406º, nº 1 CC).

Cumprindo o devedor a obrigação quando realiza a prestação a que está obrigado (arts 398º, nº 1, 405º e 762º, nº 1 CC), o acordo ou convenção, só pode extinguir-se, por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, nº 1 CC).

Ponderando os factos apurados não resulta demonstrado que na celebração do contrato as partes agiram sem respeitar o princípio da boa-fé e que o contrato não corresponda à expressão de vontade livre e esclarecida dos contraentes.

Como decorre do art. 405º CC dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Não resulta provado que a autora na pessoa dos seus representantes se tenha sentido pressionada a celebrar este contrato. Acresce que apenas se apurou que em momento anterior o prédio objeto de futura transação no contrato prometido foi já transacionado entre sociedades geridas pelas mesmas pessoas (ponto 14 dos factos provados).

Conclui-se, no contexto dos factos provados, não ser questionável a boa-fé com que as partes celebraram o contrato e por isso, não merece censura a decisão que julgou improcedente o pedido de nulidade do contrato.”

4. Delineada a primeira questão recortada da revista, ou seja, arrogada omissão de pronúncia atinente à reclamada (i) nulidade do contrato por falta de assinatura de um representante legal, não podendo ser considerado terceiro de boa-fé o demandado, descortinamos decorrer, expressamente, do acórdão sob escrutínio, ter ficado o conhecimento desta questão prejudicado pela solução dada à impugnação da decisão de facto, conforme enunciado pelo Tribunal recorrido, pelo que, não se acolhe a invocada nulidade, soçobrando a argumentação aduzida no interposto recurso de revista, uma vez que o Tribunal recorrido entendeu que o reclamado conhecimento da invocada nulidade estava prejudicada pela solução encontrada na reponderação da decisão de facto (mal ou bem, não caberá aqui discutir, mas tão só reconhecer que a aludida questão não escapou à apreciação por parte do Tribunal recorrido).

A leitura do acórdão proferido, encerra, neste particular, um discurso inteligível, importando, claramente, ter ficado prejudicada o conhecimento da questão erigida para apreciação.

i. Reconhecida a inteligibilidade do aresto proferido, entendemos não se justificar a invocada nulidade, antes evidenciando reconduzir, ao cabo e ao resto, a um entendimento jurídico diverso daqueloutro assumido pelo Tribunal a quo, o que, não deixando de ser legítimo discordar do enquadramento jurídico perfilhado na decisão, cremos que jamais poderá ancorar qualquer sustentação da arrogada nulidade do acórdão.

5. Ademais, relativamente aqueloutra questão acerca da (ii) reclamada nulidade do contrato promessa - se dissociado da confissão de dívida - por conter cláusulas leoninas, respigamos do acórdão recorrido, conforme já adiantamos: “Não ocorrendo alteração da decisão de facto e não se impugnando a decisão de direito, não cumpre ao tribunal de recurso reapreciar os fundamentos da decisão.

Contudo, a apelante suscita a nulidade do contrato, por violação do disposto no art. 762º/2 CC, na medida em que o contrato contém cláusulas desproporcionais, abusivas e atentatórias do princípio da boa-fé.

A questão foi apreciada na sentença com os fundamentos que se transcrevem:

“Finalmente, analisando o contrato promessa de compra e venda, dissociado da confissão de dívida e acordo de pagamento, a autora alerta que o mesmo estabelece cláusulas que causam grave desequilíbrio nos direitos e obrigações das partes, em prejuízo da autora.

Designadamente, as cláusulas quarta e quinta, ao coexistirem no mesmo contrato, conferem à promitente-compradora a possibilidade de deter e usar o prédio, dele retirando benefício, durante 10 anos, sem estabelecerem qualquer contrapartida para a promitente-vendedora por esse facto.

Constituindo as mesmas, nessa medida, cláusulas abusivas e desproporcionais, porquanto a segunda demandada beneficia da tradição imediata do imóvel, enquanto a autora necessita de esperar até 10 anos pela celebração, de forma voluntária, do contrato definitivo, e pelo pagamento do preço, ou então para obter a execução específica do contrato.

Por outro lado, nas semanas anteriores à assinatura dos documentos que formalizavam o acordo global negociado entre as partes, sofreram pressão intensa no sentido da resolução de todas as situações, estando manifestamente em desvantagem, de que se aproveitaram os demandados.

A autora que a demandada não atuou com boa-fé na celebração do contrato-promessa de compra e venda e como tal, são nulas as cláusulas que o integram, nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que o referido contrato não poderá produzir qualquer efeito.

Acontece, que uma vez mais a autora não logrou demonstrar que o contrato promessa não correspondeu à vontade das partes, livre e informada, sem que a autora (na pessoa dos seus legais representantes) tenham sido pressionados ou sugestionados para outorgarem um contrato que não fosse contrário aos seus interesses”.

Em tese geral podemos afirmar que da celebração do contrato promessa resulta para as partes a obrigação de celebrar o contrato prometido que, como acordo vinculativo de vontades, deve ser, pelos contraentes, pontualmente cumprido (art. 410º, 406º, nº 1 CC).

Cumprindo o devedor a obrigação quando realiza a prestação a que está obrigado (arts 398º, nº 1, 405º e 762º, nº 1 CC), o acordo ou convenção, só pode extinguir-se, por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, nº 1 CC).

Ponderando os factos apurados não resulta demonstrado que na celebração do contrato as partes agiram sem respeitar o princípio da boa-fé e que o contrato não corresponda à expressão de vontade livre e esclarecida dos contraentes.

Como decorre do art. 405º CC dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. Não resulta provado que a autora na pessoa dos seus representantes se tenha sentido pressionada a celebrar este contrato. Acresce que apenas se apurou que em momento anterior o prédio objeto de futura transação no contrato prometido foi já transacionado entre sociedades geridas pelas mesmas pessoas (ponto 14 dos factos provados).

Conclui-se, no contexto dos factos provados, não ser questionável a boa-fé com que as partes celebraram o contrato e por isso, não merece censura a decisão que julgou improcedente o pedido de nulidade do contrato.”

(ii) Daqui resulta, à semelhança do que já foi dito acerca da apreciação da questão relativa à reclamada nulidade do contrato por falta de assinatura de um representante legal, não podendo ser considerado terceiro de boa-fé o demandado, ter sido entendimento do Tribunal a quo, o reconhecimento inequívoco de que a apreciação desta questão também ficou prejudicada em razão da inalterabilidade da decisão de facto, acrescentando ainda a Relação, em traços breves, outros motivos pelos quais não merece censura a decisão de 1ª Instância que julgou improcedente o pedido de nulidade do contrato promessa - se dissociado da confissão de dívida - por conter cláusulas leoninas, daí a inteligibilidade do aresto proferido, improcedendo a invocada nulidade.

Aliás, conforme já adiantamos, a Relação ao cumprir o disposto no art.º 617º n.º 1 do Código de Processo Civil, concluiu no acórdão, lavrado em Conferência, não padecer do vício apontado e os fundamentos alegados não preencherem a invocada nulidade, sustentando argumentação que, no essencial, aqui sufragamos.

6. Tudo visto, concluímos que o acórdão recorrido não se encontra eivado de qualquer nulidade por omissão de pronúncia sobre as consignadas questões, daí que não se verifica vício que determine a nulidade do acórdão, por violação do disposto no art.º 615º n.º 1º alínea d) do Código de Processo Civil, e, acreditando ser despiciendo outras considerações a este respeito, afirmamos a inteligibilidade do acórdão proferido.

II. 3.4. Das conclusões retiradas das alegações, trazidas à discussão pela Recorrente/Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A., não reconhecemos à respetiva argumentação, qualquer virtualidade no sentido de alterar o destino da demanda.

III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista.

Custas pela Recorrente/Autora/S.L.P. - Investimentos Imobiliários, S.A..

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 24 de outubro de 2023

Oliveira Abreu (relator)

Nuno Pinto Oliveira

Sousa Lameira