Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
812/17.6T8PNF.S1-A
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
CONDENAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESUNÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 07/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
“I. Se, na decisão de facto, os tribunais de instância se basearam, sobretudo, em declarações de parte do Autor, que foram posteriormente jugadas parcialmente falsas em processo-crime, é de rever o acórdão do Supremo e as decisões da instância, ainda que as declarações de parte ( que se pronunciaram, sobre a toda a matéria dos autos) tenham sido julgadas falsas apenas relativamente a matéria que foi dada como não provada (e que foi dada como não provada, não por não se fazer fé nas declarações de parte mas por estas não lograrem qualquer” corroboração periférica” de outras provas)

II. Com efeito, se os sucessivos tribunais deram como não provado que o declarante depositou € 60.000 no cofre-forte, porque as declarações de parte do autor “não lograram corroboração periférica” por outros elementos probatórios, mas deram como provado, com base nas declarações de parte, que o declarante depositou objectos em ouro (mostrando-se os outros elementos de prova corroborantes e “periféricos” em relação às declarações de parte), é legítimo concluir que “se acaso qualquer das instâncias tivesse conhecimento da falsidade do depoimento testemunhal [no caso, das declarações de parte] nos termos em que veio a ser penalmente sancionado, tal elemento não deixaria de ser ponderado na avaliação da credibilidade de todo o depoimento, quer quando foi proferida a sentença de 1ª instância quer, depois, quando a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto.”

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


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A CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DEVALE DO SOUSA E BAIXO TÂMEGA, CRL, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 627º, n.º 2, 696º, al. b), e 697º, nº 5, do Código de Processo Civil, interpor RECURSO DE REVISÃO, do acórdão que viesse a ser proferido nos autos principais pelo Supremo Tribunal de Justiça (como. de resto. já foi) contra os ali Autores AA, e mulher, BB, residentes em ....

No requerimento de interposição, a recorrente sintetizou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

“1.ª- O fundamento do presente recurso extraordinário de revisão é o previsto no artigo 696.º, alínea b), do Código de Processo Civil, mais concretamente, a falsidade do depoimento que o Autor, ora Recorrido, prestou em sede de declarações de parte e que determinou a decisão de condenação da Recorrente “a satisfazer aos AA. a quantia global de 82.412,39 EUR (oitenta e dois mil, quatrocentos e doze euros e trinta e nove cêntimos)”, correspondendo € 72.412,39 a indemnização por danos patrimoniais e € 10.000,00 por danos não patrimoniais.

2.ª- Foi exclusivamente com base nas declarações de parte do Recorrido que foi considerado provado que, à data do assalto ocorrido no estabelecimento bancário da Recorrente, encontravam-se, dentro do cofre que os Recorridos tinham locado à Recorrente, os bens mencionados na alínea DDD) da matéria dada como assente nos autos principais, a que foi atribuído o valor de € 72.412,39, os quais teriam sido retirados e levados pelos assaltantes, de acordo com a alínea EEE).

3.ª- No processo n.º 1210/18.0..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal de ..., Juiz ..., foi proferida sentença que, julgando procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, condenou o aqui Recorrido pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado, previsto nos artigos 359.º, n.º 1, e 361.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, sendo que o depoimento em causa foi o prestado pelo Recorrido nos presentes autos.

4.ª-Nesse processo-crime o Recorrido foi também condenado pela prática de um crime de falsificação de um documento que foi utilizado para corroborar o aludido depoimento, sendo que a mencionada sentença criminal foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que transitou em julgado em 25.11.2021.

5.ª- Nos autos principais, o Tribunal da Relação do Porto julgou totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e confirmou a sentença do Tribunal da Primeira Instância.

6.ª- Deste acórdão, a Recorrente interpôs recurso de revista “normal”, com fundamento em violação da lei do processo, e, subsidiariamente, revista excecional, sendo que a primeira foi negada e a segunda foi admitida, por douto acórdão da Formação a que se refere o n.º 3 do art.º 672.º, datado de 29.09.2020.

7.ª- Este recurso de revista excecional não foi ainda julgado, mas, salvo melhor opinião, caso o Supremo Tribunal de Justiça o venha a julgar improcedente, será o acórdão deste Tribunal “a decisão a rever”, tendo em conta que o recurso extraordinário de revisão visa a rescisão de uma decisão transitada em julgado e que é entendimento generalizado o de que as decisões das instâncias inferiores, ainda que confirmadas por um tribunal superior, não transitam em julgado.

8.ª- E será do Supremo Tribunal de Justiça a competência para conhecer do recurso de revisão da decisão que vier a ser proferida, na hipótese de vir a confirmar o acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

9.ª- Tendo a decisão que condenou o Recorrido pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado transitado em julgado em 25.11.2021, está a decorrer o prazo de60 dias previsto na lei para interpor recurso de revisão, pelo que o mesmo é interposto ao abrigo da norma do artigo 697.º, n.º 5.

10.ª- Na sentença proferida nos autos principais, que o Tribunal da Relação do Porto confirmou, foi dado como provado que à data do assalto, os Recorridos tinham colocado no cofre os bens mencionados na alínea DDD) dos factos aí dados como provados, como se referiu, apenas com base nas declarações de parte do Autor, ora Recorrido, que foi a única pessoa que acedeu ao cofre alugado pelos Autores (e acedeu muitas vezes ao longo de 7 anos).

11.ª- Simplesmente, a decisão proferida no aludido processo-crime que foi instaurado contra o aqui Recorrido constitui um elemento sólido (e definitivo) de que este prestou um depoimento falso na audiência final dos autos principais.

12.ª- A circunstância de os factos concretos que foram considerados no processo-crime — relacionados com a alegada existência de dinheiro no cofre — não terem sido dados como provados na ação cível, não invalida que aquela decisão afaste, de modo claro e direto, os fundamentos em que se basearam as decisões proferidas nos autos principais.

13.ª- Estas decisões (sentença da Primeira Instância cível e acórdão da Relação) entenderam que, apesar de o Recorrido ser a única pessoa que poderia depor sobre que concretos bens estariam no cofre, à data do assalto, sendo, por isso, verdadeiramente “o dono” dos factos — tendo em conta que a Recorrente desconhecia o que os clientes colocavam ou retiravam dos respetivos cofres —, e ainda saber ele que, quantos mais bens aí estivessem colocados (ou ele referisse que estavam), maior seria a indemnização a atribuir aos Autores, tal não o impediria de ser honesto e de dizer a verdade, até por estar sob juramento e perante uma autoridade judicial.

14.ª- Na sentença da Primeira Instância, que a Relação confirmou, mencionou-se que “o julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório”.

15.ª- O certo, porém, é que no processo cível, apenas foi valorada a declaração e não a pessoa do Recorrido.

16.ª- E essa valoração das declarações de parte teve apenas em conta a conformidade das declarações de parte com elementos que as instâncias consideraram constituir “prova de corroboração/confirmação periférica”, como o teor da participação criminal feita pelos Recorridos, as fotografias juntas aos autos, além de outros.

17.ª- Após a prolação das decisões cíveis foi proferida a já referida sentença criminal que, não só considerou que o Recorrido declarou falsamente que visitou o cofre no início de novembro de 2012 e que então depositou uma quantia no cofre locado à Recorrente, tendo inclusivamente, ficado “demonstrado que tal depósito não foi feito”, como que o Recorrido revelou possuir uma “personalidade indiferente às regras que dirigem a Justiça” e ser capaz de falsear “factos que sabia serem essenciais para a decisão da causa e para a procedência de parte do seu pedido”.

18.ª- Ora, o facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado, com um elevado grau de ilicitude, com dolo directo, com um “motivo vil” qual seja a de “obtenção de um avultado valor económico às custas da assistente”, aqui Recorrente, e que esse objetivo de enriquecimento foi tentado mediante a utilização de uma ação judicial e com a intenção de iludir o tribunal e, para mais, com suporte num documento “fabricado”, torna premente que, na decisão dos presentes autos, seja (agora) valorada “a pessoa da parte”.

19.ª- E o conhecimento, decorrente do processo crime, de que Recorrido não teve pejo em inventar uma narrativa para aparentar que tinha dinheiro no cofre, utilizar um documento fabricado, e dispor-se a prestar declarações sobre os factos que sabia serem falsos, tudo para, enganando o Tribunal, se locupletar à custa da Recorrente, leva a que o resultado da aplicação das regras de probabilidade lógica e dos juízos de verosimilhança vá em sentido contrário ao que foi decidido nas instâncias cíveis.

20.ª- De facto, a decisão criminal demonstra a postura adotada pelo Recorrido perante a circunstância do assalto quanto às vantagens que dele poderia retirar, a ligeireza com que decidiu manipular meios de prova, diretos ou periféricos, e, bem assim, que a sua conduta posterior revelou “falta de posicionamento crítico relativamente à sua ilicitude”.

21.ª- O que permite, se não impõe, que as declarações de parte do Recorrido e os mencionados “elementos”, de natureza probatória, ou outra, referidos na sentença cível, sejam valorados “a outros olhos” e com base numa diferente perspetiva, o que implica a eliminação ou pelo menos a alteração dos aludidos factos, de forma direta quanto a um deles, e, quanto a todos, com apelo a regras de experiência e de senso comum que diminuem o grau de probabilidade que lhes foi inicialmente atribuído.

22.ª- O confronto entre a versão do Recorrido apresentada na audiência final cível e o teor da sentença proferida no processo crime, não afasta apenas a probabilidade ou verosimilhança de os “Diversos objectos em ouro”, referidos no último ponto da alínea DDD), se encontrarem no cofre na data do assalto mas torna tal hipótese absolutamente impossível, uma vez que quanto àpretensavisita em que Recorrido alega ter colocado tais bens no cofre foi dada como provado na sentença criminal que a mesma não existiu (pontos 29 e 30 dos factos provados).

23.ª- A decisão criminal afasta também a relevância, para o grau de probabilidade lógica prevalecente da convicção do julgador, dos elementos de que as instâncias cíveis se valeram para dar como provada a existência destes e dos restantes bens (barras de ouro e moedas de ouro), e que são: o teor da participação criminal de fls. 18, as fotografias, o facto de se as ter tirado, os documentos de fls. 27 a 37 relativos às moedas; e o depoimento de uma testemunha sobre a aquisição pelo Recorrido das barras de ouro.

24.ª- Finalmente, quanto à asserção, constante do acórdão da Relação, de que “é normal que quem aluga um cofre-forte, pagando uma renda, o utilize, guardando lá objectos de valor”, dir-se-á, salvo o devido respeito, que também é normal que quem inventa que tinha colocado determinada quantia em dinheiro possa inventar a colocação de outros bens.

25.ª- Os elementos de prova ou periféricos considerados nas decisões dos autos principais, à luz dos factos dados como provados na decisão criminal e do conhecimento que desta adveio sobre o comportamento e personalidade do Recorrido, não são de molde a criar a convicção de que os factos incluídos nas alíneas DDD) e EEE) da matéria assente nos autos principais possuam “um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de serem verdadeiros os factos inversos”, de acordo com os princípios “da razoabilidade, da proporcionalidade e da probabilidade.” e com as regras da experiência comum” e do “senso comum”.

26.ª- No que respeita aos “danos não patrimoniais”, de entre os bens que foram considerados como furtados, apenas as jóias (objetos particulares em ouro) podem ser considerados “de valor estimativo”, pelo que, sabendo-se agora não ser possível que tais bens tivessem sido furtados no âmbito do assalto ocorrido no estabelecimento bancário da Recorrente, tal pretensão não pode proceder.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISÃO SER ADMITIDO E A FINAL JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, ORDENANDO-SE O CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 701.º,NÚMERO 1,ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO SENTIDO DE SE APURAR:

(I) SE À DATA DO ASSALTO SE ENCONTRAVAM NO COFRE DOS RECORRIDOS OS SEGUINTES BENS:

-TRÊS BARRAS DE OURO DE 0,5 KG, CADA UMA;

- UMA COLECÇÃO DE MOEDAS DE OURO – “AS MAIS PEQUENAS MOEDAS DE OURO DO MUNDO”;

-DIVERSOS OBJECTOS EM OURO:1CORDÃO, VÁRIOS (6)COLARES OU FIOS; 3 PULSEIRAS, 3 MEDALHAS, 3 CRUCIFIXOS, DOIS PARES DE BRINCOS,QUATRO ANÉIS E DOIS JOGOS DE BOTÕES DE PUNHO.

(II) SE OS RECORRIDOS TÊM OU NÃO DIREITO A SER INDEMNIZADOS PELA RÉ POR DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS.

NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 697.º,N.º 5,REQUER-SE A SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA NO PRESENTE RECURSO, ATÉ QUE TRANSITE EM JULGADO A DECISÃO QUE VIER A SER PROFERIDA QUANTO AO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL, NA HIPÓTESE DE A MESMA VIR A CONFIRMAR O ACÓRDÃO PROFERIDO NOS AUTOS PRINCIPAIS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO.”

Indicou testemunhas e juntou 3 documentos.

Sobre este recurso incidiu o seguinte despacho liminar:

“Afigura-se, por ora, não haver motivo para a rejeição liminar deste recurso extraordinário de revisão. Porém, suspende-se a instância, nos termos do art. 697º, nº 5 do CPC, até que o acórdão a proferir no recurso de revista transite em julgado. “

Foi. entretanto, proferido, nos autos principais, acórdão, que já transitou em julgado, que negou a revista do acórdão da Relação, o qual julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela ali ré (ora recorrente) e confirmou a sentença que condenou a ré CCAM a satisfazer aos autores a quantia global de 82.412,39 EUR e absolveu a mesma do mais peticionado.

Cumprido o art. 699º, nº 2 do CPC, os recorridos vieram responder, resposta que remataram também com as seguintes conclusões:

“I – Da Admissibilidade do Recurso de Revisão:

A. A condenação do Autor no processo n.º 1210/18.0..., do Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., pela prática de um crime de falsidade agravado, e de um crime de falsificação do documento, por factos ocorridos nos presentes autos, não confere fundamento à Recorrente para apresentar Recurso de Revisão da Sentença proferida em 1.ª instância.

B. Nos termos do artigo 696º, b) do CPC, invocado pela Recorrente, apenas se admite Recurso de Revisão, quando a matéria que se pretende rever não tenha sido objecto de discussão no processo.

C. O conteúdo das declarações de parte do Recorrido e o documento junto como n.º 10 à PI que determinaram a condenação do Recorrido Autor no processo n.º 1210/18.0... foram apreciadas e valoradas pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos presentes autos.

D. Com base nessas declarações e documento, o Tribunal de 1.ª Instância deu como não provado que o Autor Recorrido tivesse depositado a quantia de 60.000,00€ (Sessenta Mil Euros), no cofre que alugara à Recorrente, e que essa quantia houvesse sido furtada no assalto de 17 para 18 de Novembro de 2012 às instalações da Recorrente.– cfr. artigo 1º dos factos não provados na Sentença Recorrida, e não foi contestada pela Recorrente no seu Recurso de Apelação

E. O Tribunal de 1ª Instância expôs, criticamente, as razões pelas quais considerou as declarações e os documentos oferecidos pelo Autor insuficientes e pouco credíveis, para demonstrar a existência da quantia de 60.000,00€ em numerário no cofre da Recorrente, nomeadamente:

“Apenas se consideraram as declarações de parte do Autor na parte em que estas lograram alguma corroboração por outros elementos probatórios, sendo certo que assim se considerou também quanto ao facto mesmo de depósito no cofre daqueles bens à data do assalto sob apreciação, por ser lógico e verosímil que quem paga o aluguer de um cofre aí guarde os bens em ouro, mormente aqueles de maior valor e sem usso corrente/quotidiano. Já não se teve por minimamente corroborada a existência no mesmo cofre da convocada quantia em dinheiro…” – CFR. Sentença proferida em 14/05/2018, pelo Tribunal de 1.ª Instância.

F. Em sede de Apelação, o Tribunal de 2.ª Instância manifestou a sua concordância com a valoração da prova, e com a fundamentação e conclusões do Tribunal de 1.ª Instância sobre a apreciação da prova por declarações de parte do Recorrido.

G. O Tribunal de1.ªInstânciaprovou a existência de outros bens no cofre, através de um juízo lógico e fundamentado que não é afectado pela matéria não provada referente ao depósito de 60.000,00€.

H. Os factos que determinaram a condenação do Recorrido no processo nº 1210/18.0... não determinaram a condenação da Recorrente nos presentes autos, bem pelo contrário, determinaram a sua absolvição.

I. Deste modo, o facto de algumas declarações do Recorrido e o documento n.º 10 da PI terem gerado responsabilidade criminal no processo n.º 1210/18.0..., não pode determinar qualquer repercussão na reapreciação da demais prova produzida em 1.ª Instância, porque o seu conteúdo já foi exaustivamente ponderado quanto a todos os factos.

J. Deve, assim, ser liminarmente indeferido o recebimento do recurso de revisão.

I – Da Credibilidade do Autor Recorrido:

K. Na mera eventualidade de o Recurso de Revisão ser admitido, nunca poderá o mesmo ser procedente, porquanto a única consequência da não valoração do depoimento de parte e o documento apresentados pelo Autor para provar o depósito de 60.000,00€ no cofre assaltado, era dar-se como não provado a matéria do artigo 1º dos Factos Não Provados

L. A Recorrente pretende pôr em causa a credibilidade do Recorrido, quando a mesma já foi ponderada pelos Tribunais de 1.ª e 2ªInstância, que se pronunciaram pela relevância do seu depoimento por declarações departe, e da sua sujeiçãoàs regras da livre interpretação do da prova, integrada e co-interpretada com os demais meios de prova.

M. Nomeadamente, o Tribunal de 1.ª Instância entendeu que as declarações e documentos do Recorrido, sobre o depósito de 60.000,00€, careciam de credibilidade/ corroboração, o que não aconteceu com as declarações e documentos sobre os demais factos provados.

N O Tribunal de 1.ª Instância, melhor posicionado para apreciar a produção de prova, podia não ter atribuído qualquer credibilidade a nenhuma das declarações de parte do Recorrido.

O. Porém, a 1.ª Instância entendeu dar credibilidade ao Recorrido nuns pontos do seu depoimento, quando corroborado por outros depoimentos, documentos e pareceres periciais, e noutros não;

P. Esta apreciação de prova que não mereceu qualquer censura pela 2.ª Instância.

Q. O Tribunal de 1.ª Instância apenas considerou provado estarem depositados bens no valor de 72.412,39€, ao invés de no valor de 203.000,00€ reclamados (onde se incluem os €60.000emdinheiro) :o que demonstra que ao Tribunal de1.ª Instância interpretou a prova produzida, de forma crítica e fundamentada, quanto a cada um dos bens que os Autores alegaram ser furtados.

R. Essa apreciação crítica, porque fundamentada, invalida qualquer relevância que a responsabilidade criminal do Recorrido pudesse ter para apreciar a sua credibilidade quanto à matéria da demais prova.

S. A Recorrente pretende que a condenação criminal Recorrido leve este Tribunal a desvalorar prova que o Tribunal de 1.ª Instância considerou merecer a sua confiança.

T. A prova oferecida pelo Recorrido não pode ser duplamente desvalorada, por ter sido condenado criminalmente, o que subverteria as regras de apreciação da prova, e constituiria uma verdadeiraviolaçãododispostonon.º 5 doart.º29.º daConstituição da República Portuguesa.

U. A apreciação da matéria de facto transitou em julgado, nomeadamente quanto aos factos objecto de depoimento pelo Recorrido.

V. Não corresponde à verdade que, o Tribunal de 1.ª Instância apenas tenha dado como provados os objectos que o Autor Recorrido declarou ter depositado no cofre, com base no seu depoimento, pois este teve de ser sustentado e corroborado por mais prova.

W. A Recorrente não apresenta qualquer facto novo que imponha uma nova interpretação às declarações do Recorrido quanto aos objectos e valores depositados no cofre, além dos 60.000,00€.

X. Da condenação criminal do Recorrido apenas decorre a nãoveracidade da justificação que este apresentou sobre a origem do depósito dos 60.000,00€ em numerário no cofre: mas não se provou que aquele valor nunca houvesse sido depositado antes do assalto!

Y. A Recorrente pretende com este expediente protelar o pagamento aos Autores de uma mera parte do que sabe ser-lhes devido, porque atacando a credibilidade do Recorrido põe em causa a credibilidade da pessoa que melhor conhecia o conteúdo do cofre.

Z. Porém, a Recorrente nunca salvaguardou a sua responsabilidade como lhe competia não diligenciando por identificar os valores depositados: por esta razão pretende que não resulte qualquer responsabilidade civil da violação dos seus deveres de cuidado.

III - Sobre o modo como Autor Recorrido prestou o seu depoimento:

AA. Ao contrário do que pretende a Recorrente nos artigos 64º e 65º das suas Alegações, não compete aos Tribunais valorar personalidades, mas apenas as declarações dos depoentes, com imparcialidade, em função da sua lógica, e verosimilhança.

BB. Como supra se expôs, o Tribunal de 1.ª Instância expôs sobejamente quais as declarações do Autor que lhe mereceram credibilidade, e quais dessas que atribuiu credibilidade quando corroboradas por outras provas.

CC. O Tribunal de 1.ª Instância expôs com clareza que considerou as declarações de parte do Autor credíveis por constituírem um meio de prova atendível e privilegiado para apurar os factos por si alegados, que mais ninguém pôde presenciar.

DD. A Recorrente não impugnou a fundamentação da sentença proferida em 1.ª Instância quanto à ausência de referências à personalidade do Autor na valoração da prova, quando já se conhecia que partes das suas declarações não haviam sido valoradas.

EE. Não tendo a Recorrente impugnado a sentença proferida pela 1ª Instância quanto a esta matéria, a decisão já transitou em julgado, não podendo ser revista.

FF.UmacondenaçãodoRecorridopelosfactosdescritosnoprocesson.º1210/18.0T9PNF nunca poderia ser apreciada previamente a valoração do seu depoimento nos presentes autos, porque o processo n.º 1210/18.0... foi instaurado na sequência daquele depoimento.

G. Além disso, admitir-se que não se podem valorar declarações de um condenado criminalmente, ou de um arguido, viola as regras de legalidade e livre apreciação da prova, que não deve ser rejeitada, salvo se a lei o impuser.

IV - Dos Danos Não Patrimoniais

HH. A Recorrente não concretiza a relevância da alegada “falta de posicionamento crítico relativamente à sua ilicitude” do Recorrido para a revisão da matéria de facto da sentença de 1ª instância.

II. Sempre se dirá que, as considerações sobre uma alegada “falta de posicionamento crítico” pelo Recorrido apenas são relevantes em matéria de consciência da ilicitude, em sede de culpa, no processo n.º 1210/18.0..., sendo irrelevantes nos presentes autos.

JJ. A alegada “falta de posicionamento crítico” do Recorrido não interfere na sua credibilidade sobre os danos que ele e a sua família sofreram com um assalto ao seu cofre, que a grave incúria da Recorrente permitiu que acontecesse, porque este assalto é independente das suas declarações e documento.

V - Da Falsa Visita:

KK. Ao contrário do que defende a Recorrente, o Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal da Comarca ... deu como não provado no processo n.º 1210/18.0... que o Autor tenha efectuado uma visita ao cofre na semana anterior à sua viagem ao ..., de 07/11/2012.

LL. O referido Tribunal não deu como provado, nem poderia fazê-lo, que o Recorrido nunca fez um depósito de 60.000,00 €emnumerárioeumdepósitodepeças em ouro, numa das suas visitas.

MM. Os registos de visitas ao cofre, de que se socorreu o Tribunal do processo n.º 1210/18.0... não são absolutamente fidedignos, pois as funcionárias da Recorrente não excluíram a hipótese de não haverem sido registadas todas as visitas.

NN. Por ser mais próximo da data do depósito e do assalto, o depoimento prestado pelo Recorrido no Julgamento dos presentes nos autos, em 07/05/2018, é mais credível e espontâneo, do que o depoimento que prestou depoimento na audiência de Julgamento do processo n.º 1210/18.0..., em 07/06/2021.

OO. Mesmo que o Recorrido não tenha visitado o cofre na semana anterior a 07/11/2012, mas apenas em 24/09/2012, cerca de um mês antes, esta desconformidade não é suficiente para convencer o Tribunal de que não foi feito o depósitode60.000,00€ e das peças de ouro.

PP. A mera imprecisão quanto à data da visita não pode escamotear que o cofre do Recorrido foi assaltado, que este registou o depósito de inúmeras peças em ouro, e que visitou diversas ao cofre antes do assalto e, nomeadamente, antes de uma viagem de longo curso, durante a qual não poderia vigiar o seu património mais valioso.

- Dos elementos periféricos:

QQ. O Juízo Local Criminal de ... concluiu que o Recorrido faltou à verdade quando disse que depositou a quantia de 60.000,00€ em numerário no cofre, porque não justificou a origem desse dinheiro, nem a data em que fez o depósito.

RR. Apesar de o depoimento do Recorrido e do documento por si junto serem considerados falsos, não se pode considerar que a existência dos 60.000,00€ seja uma falsidade.

SS. A Recorrente não sabia o conteúdo do cofre, quando podia e devia ter adoptado métodos organizativos adequados para o efeito.

TT. Segundo as regras de experiência comum, bem andaram os Tribunais de 1.ª e 2.ª Instância ao considerar que quem tem um cofre, pagando o respectivo aluguer, o usa para proteger conteúdos de valor, pelo que não podem agora rever essas considerações por matéria que já apreciaram e consideraram não provada.

UU. A Recorrente não justifica a necessidade de inquirir as testemunhas CC e DD, nem em que medida o seu depoimento é relevante para a revisão da decisão.

Termos em que e nos melhores de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão deve ser indeferido o recebimento do Recurso de Revisão apresentado pela Recorrente, e caso assim não se considere, deve o mesmo ser julgado improcedente por não provado. Assim se fazendo a mais serena e sã Justiça!”

Cumpre decidir, tendo em conta os elementos pertinentes:

Em primeiro lugar, na decisão revidenda, a Relação, julgando improcedente a impugnação de facto, deu como provados os seguintes factos:

“A) Os Autores casaram em 19 de Junho de 1993, na Capela da ..., da paróquia de ..., concelho de ..., sem convenção nupcial, pelo que o seu regime de casamento é o da comunhão de adquiridos. (doc. 1 junto com a PI)

B) A Ré - doravante designada por CCAM -, é uma cooperativa de crédito agrícola de responsabilidade limitada (doc. 2 junto com a PI)

C) O objecto social da Ré consiste no exercício de funções de crédito a agrícola a favor dos seus associados, e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da actividade de agente da Caixa Central, conforme resulta da certidão em anexo. (doc. 2)

D) Na prossecução do seu objecto, a Ré tem diversas dependências ou agências bancárias dispersas por toda a região do ... e ..., a principal delas sita no lugar da ..., em ..., onde, de resto, tem instalada a sua sede social.

E) No dia 24 de Fevereiro de 2005, AA. e R., celebraram, por escrito um contrato denominado de “Contrato de locação de Cofre Forte”, junto como doc. 3 com a PI, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.

F) Nos termos desse contrato, os AA. eram designados por “CLIENTES” e a Ré por “CAIXA”. (doc. 3)

G) Nesse contrato, as partes convencionaram, entre o demais, o seguinte: “1 - A CAIXA coloca à disposição dos CLIENTES um cofre forte, para nele serem colocados objectos em segurança (sublinhado nosso). 2 – A perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade dos CLIENTES, pelo que a CAIXA apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos” – Vidé cláusula 1ª.

H) Na cláusula 2ª., o cofre a utilizar pelos CLIENTES, aqui AA., tinha o número 257, com o volume de 22 dm3 e encontrava-se no Balcão de ..., sito no ..., ou seja, na sede da Ré.

I) Na cláusula 3ª. ficou estipulado que os CLIENTES, pela utilização do cofre pagariam à CAIXA, aqui Ré, o valor anual de €40 (quarenta euros), acrescido de Iva à taxa em vigor, por débito em conta.

J) – Na cláusula 4ª., alínea c) ficou estipulado que era obrigação dos CLIENTES o pagamento do preço anual e suas renovações;

K) Entre outros, constituíam deveres da CAIXA: 1. Entregar aos CLIENTES a única chave de funcionamento do cofre, e/ou dar-lhe as instruções para introduzir o segredo respectivo. 2. Não utilizar o cofre. 3. Garantir a integridade exterior do cofre.– (Cláusula 5ª)

L) De acordo com a cláusula 7ª. a CAIXA ficou detentora de uma chave mestra, destinada exclusivamente a controlar a abertura e fecho do cofre.

M) O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, considerando-se automaticamente prorrogado por iguais períodos, nas mesmas condições, no caso de não ser denunciado no seu termo. – Cláusula 11ª.

N) Na noite de 17 de Novembro, Sábado, para 18 de Novembro, Domingo, de 2012, o estabelecimento bancário explorado pela CCAM no Largo ..., em ..., foi assaltado.

O) Nessa noite, uma ou mais pessoas penetraram indevidamente no interior desse estabelecimento bancário, tendo danificado paredes, bens, equipamentos de vigilância e alarme, arrombado a zona de acesso ao cofre-forte, e danificado cofres de aluguer e retirado haveres.

P) Os autores do assalto introduziram-se ilegitimamente na Cooperativa Agrícola ..., cujo edifício confina com o da CCAM, aí tendo permanecido escondidos com intenção de furtar a CCAM.

Q) Os assaltantes, após várias tentativas infrutíferas, abriram, com a ajuda de instrumentos específicos, do género de martelos pneumáticos e rebarbadoras, uma passagem na parede do edifício-sede da CCAM confinante com a da aludida Cooperativa Agrícola.

R) Após terem conseguido penetrar no estabelecimento bancário explorado pela CCAM, os indivíduos em causa desactivaram os alarmes que encontraram, tendo aliás desactivado também a caixa de gravação da videovigilância,

S) Após tudo isto, os assaltantes desceram pelas escadas que permitem o acesso à zona do cofre-forte geral blindado da CCAM (dentro da qual se situavam os cofres de aluguer), sita na cave do edifício.

T) De novo munidos daqueles instrumentos do género de martelos pneumáticos, os criminosos abriram nova passagem através de uma parede reforçada em betão armado com cerca de 50-60 cm de espessura, do cofre-forte geral da CCAM.

U) Após terem conseguido abrir a referida passagem, os indivíduos em apreço procederam ao arrombamento dos vários cofres de aluguer utilizados por clientes da CCAM.

V) Tal furto foi objecto de investigação criminal, tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo n.º 989/12... que correu termos na ....ª Secção do DIAP do Tribunal da Comarca ....

W) A CCAM tinha contratado com a sociedade comercial C..., SA (de ora em diante, "C..."), com sede na ... ..., um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância, cujos termos são os que constam do documento junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

X) À data em apreço nos autos, a sociedade C..., SA tinha validamente contratado com a Interveniente Seguradora um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Exploração na modalidade Diversos de Exploração titulado pela apólice n." 55.00046665 (vide Acta Adicional n.º 1 das Condições Particulares da apólice, com data efeito de 28.06.2012, e Informação Pré-contratual/Condições Gerais da Apólice de Responsabilidade Civil Geral, juntos como documentos n.os 1 e 2 com a contestação da Interveniente Açoreana e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos);

Y) A referida apólice garantia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana da tomadora do seguro em diversos locais de risco, de entre os quais aquele onde ocorreram os factos em causa, pelos danos causados a terceiros até ao montante de €1.250.000,00, decorrentes do exercício de segurança privada, nos termos da legislação em vigor, entendendo-se como tal a actividade que tem por objecto o exercício, exclusivo, dos serviços abaixo mencionados: «Vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis actos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções, conforme definido na alínea a) do n" 1 do Art° 2° do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro; Exploração e gestão de centrais de recepção e monitorização de alarmes, nos termos da alínea c) do art° 2° do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro» (vide documento n." 1 acima identificado, págs. 2 e 3 de 5); Z) Mostrando-se aplicável a este contrato de seguro, in casu, uma franquia contratual a cargo do segurado de «10% no mínimo de 500,00 Eur. por sinistro no máximo de 5.000,00 Eur.» (vide Condições Particulares da apólice acima indicadas como documento n." 1 - Franquia,

AA) No dia 18 em apreço nos autos, entre as 3hl8m e as 3h20m, na central de alarmes da interveniente C... e com referência às instalações da Ré verificou-se o accionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o o detector quebra de vidros entrada frente piso O (zona 5) e da Tamper sirene (zona 32).

BB) Na sequência, a empresa encarregue da colocação, funcionamento e gestão do alarme (a empresa C...), comunicou esse facto à GNR, que se deslocou ao local.

CC) O funcionário da C... tentou entrar em contacto com o funcionário do banco em primeiro lugar da lista de contactos, o senhor EE, por mais do que uma vez, frustrando-se o contacto, o que sucedeu em escassos minutos.

DD) Por esse motivo, entrou em contacto com o Administrador FF, o qual se dirigiu às instalações da R.

EE) Aí chegado, o mesmo efectuou uma vistoria exterior, informando a empresa de Alarmes que estava tudo bem, pelas 04h17m.

FF) Depois de aquele se deslocar às instalações da Ré, para verificar o que se passava, comunicou à Central de Alarmes a informar que se encontrava tudo normal.

GG) A Central de alarmes respondeu que já tinha conhecimento desse facto através da Guarda Nacional Republicana (GNR), que esta também fora informada pela referida Central de alarmes.

HH) O referido FF não era, na ocasião em que se deslocou às instalações da Ré e realizou a vistoria referida na alínea EE), portador de chave das portas das instalações da Ré.

II) Pelas 04h03m os funcionários da C... contactaram telefonicamente a GNR de ..., tendo-lhes sido comunicado que a patrulha daquela força policial se havia deslocado ao local, não tendo detectado, por vistoria ao exterior, qualquer indício de situação anormal.

JJ) Entre as 4h21m15s e as 4h2lm21s, na central de alarmes da interveniente C... e com referência às instalações da Ré verificou-se o accionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o pela 2a vez e em três sítios/locais diferentes: detector Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detector Hall w.c. Piso O (Zona 60) e Detector Gabinete Fundo Piso O (Zona 64).

KK) Às 4h22, o referido FF, recebe nova chamada da Central de Alarmes (segunda), a dar conhecimento daqueles disparos de alarmes de intrusão naquelas zonas do banco.

LL) O Senhor FF, mais uma vez, desloca-se ao local e, sem entrar dentro das instalações da R. e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspecção exterior às instalações.

MM) Às 4h28, aquele mesmo FF, contactou a Central de Alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal, dando nota da verificação da porta de emergência das instalações.

NN) Cerca das 6h15m verificou-se na central de alarmes uma falha de teste de linha, com relação às instalações da Ré, anomalia que significa uma falha de comunicação do sistema.

00) Às 6h27, o mesmo FF recebeu nova chamada da Central de Alarmes a informar "falha de (teste de) linha", o qual, desta vez, não se deslocou ao local para ver a causa do problema.

PP) Às 9 horas da manhã a R. e a empresa responsável estabelecem contactos no sentido da última enviar um técnico no sentido de averiguar as alegadas avarias no alarme do banco.

QQ) Pelas 11 horas os funcionários da R. vistoriaram o interior do banco e detectaram a existência do furto.

RR) Aquando da sua deslocação ao local o Administrador da Ré não se fez acompanhar das chaves das instalações, das quais, de resto, não dispunha. SS) O Administrador da Ré não contactou ou sequer se cruzou com a GNR.

TT) Os cofres de aluguer encontravam-se dentro do cofre-forte geral da CCAM.

UU) Este cofre-forte estava protegido por uma porta blindada, com cerca de 50cm de espessura.

VV) As paredes laterais do cofre-forte eram feitas em betão armado e tinham igualmente uma espessura de cerca de 50 cm.

WW) Fora do cofre-forte geral da CCAM, todo o estabelecimento era dotado de portas de segurança.

XX) Todo o estabelecimento estava coberto por um sistema de segurança, incluindo alarme.

YY) O alarme estava ligado à central da empresa de segurança C..., SA("C..."), empresa especializada neste tipo de serviços, que prestava à CCAM os serviços de segurança e vigilância, através de um sistema de tecnologia bidireccional, que permitia a comunicação, em tempo real, entre a central de detecção instalada na CCAM e a central receptora de alarmes da C..., permitindo ao operador da Central da C... controlar remotamente o sistema instalado.

ZZ) Estava estabelecido com a C... um plano de actuação em caso de verificação de qualquer evento suspeito.

AAA) Plano esse que, para além do mais, determinava o contacto, em caso de sinistro, quer com elementos da CCAM, quer com as autoridades policiais.

BBB) De resto, a CCAM havia informado as autoridades policiais - Guarda Nacional Republicana - por carta datada de 22.02.2006 - de que, a partir dessa data, os alarmes protectores do estabelecimento em apreço passaram a estar ligados àquela empresa de segurança que, em caso de qualquer urgência, contactaria o posto da GNR mais próximo do mesmo (Posto de ...), por forma a permitir a mais rápida e eficiente actuação das autoridades policiais.

CCC) As autoridades policiais foram avisadas do evento pela C..., sendo que a GNR esteve presente no local nesse momento e inspeccionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto.

DDD) Os Autores, à data de 17/18 de Novembro de 2012, tinham colocado no cofre contratado com a Ré: - três barras de ouro de ao menos 0,5 Kg, cada uma, cujo valor, à data do assalto, ascendia a € 66.871,50; - uma colecção de moedas de ouro – “As mais pequenas moedas de ouro do Mundo”, no valor de ao menos €1.160,89; - Diversos objectos em ouro: 1 cordão, vários (6) colares ou fios; 3 pulseiras, 3 medalhas, 3 crucifixos, dois pares de brincos, quatro anéis e dois jogos de botões de punho, no valor global de pelo menos € 4.380 EUR;

EEE) Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo já assentes, o cofre forte que os AA haviam locado à Ré foi arrombado, tendo a pessoa ou pessoas que cometeram tal assalto, retirado e levado a totalidade dos bens e todos os valores que lá se encontravam guardados.

FFF) Aquando da verificação/vistoria já assentes em EE), II) e LL), as pessoas ali referidas verificaram o interior das instalações da CCAM, na parte em que este é visionável do exterior.

GGG) Após a inspecção realizada, o Guarda n.º ...26 GG e Guarda n.º...38 HH, entenderam não ser necessário, por exemplo, que fosse montado um cerco ao estabelecimento, para evitar a fuga de quem quer que fosse.

HHH) E concluíram, igualmente, nada justificar a chamada de reforços policiais.

II) E concluíram, também, nada justificar que a área do estabelecimento fosse isolada.

JJ) Na sequência da sua inspecção, a GNR não solicitou a qualquer elemento da CCAM a disponibilização da chave do estabelecimento.

LLL) Com o furto dos bens sofreram os AA. tristeza e mágoa. “

E como não provados os seguintes:

“1. Para além do provado em DDD), os Autores, à data de 17/18 de Novembro de 2012, tinham ainda colocado no cofre contratado com a Ré: a quantia de 60.000 EUR, em maços de notas de 500 EUR;

2. As três barras de ouro que os AA ali tinham colocadas eram de 1Kg cada uma e o seu valor ascendia a 120.000 EUR;

3. O valor da colecção de moedas de ouro referidas em DDD) ascendia a 8.400 EUR;

4. Entre os objectos em ouro referidos em DDD) estavam outros 4 cordões;

5. O valor global dos diversos objectos em ouro referidos em DDD) ascendia a 15.000 EUR;

6. O Administrador da ré, Sr. FF, só não entrou nas instalações da Ré, porque não tinha chave;

7. O administrador da Ré que tinha as chaves estava incontactável, com o telefone desligado;

8. A operação de assalto terá levado horas a consumar-se, tendo decorrido durante várias horas da madrugada do dia do assalto;

9. Caso se tivessem deslocado ao interior das instalações isso levaria à descoberta do assalto em curso, evitando-se a sua consumação;

10.Após as 04h 28m 14s não estava já qualquer dos assaltantes dentro das instalações em causa;

11.Foi por não dispor das chaves que o Administrador da Ré não entrou nas instalações daquela, limitando-se à vistoria exterior;

12.A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto do funcionário da R. não ter chaves para entrar dentro da instituição bancária, tão-pouco diligenciando para as obter;

13.O Administrador da Ré quando esteve no local não transportava consigo a chave do estabelecimento por ser essa a actuação que correspondia ao cumprimento das regras de segurança;

14. Na realidade, qualquer funcionário que, por via de uma situação suspeita, se desloque ao estabelecimento bancário, não pode e não deve levar consigo a chave do mesmo, porque, se a levasse, isso poderia permitir que eventuais criminosos aproveitassem esse facto para se introduzir então no banco;

15.Perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a CCAM para evitar o acontecido ou a respectiva dimensão. “

A fundamentação da decisão da impugnação de facto da Relação e a apreciação que dela foi feita pelo Supremo foi a seguinte:

16. “ (…) Atentemos. São estes os factos: DDD) (…) EEE) (…)

Sobre tal matéria temos[ Relação] a ponderar o seguinte:

“Como se diz na fundamentação da sentença “as declarações do Autor marido em audiência foram basicamente conformes ao teor da participação às autoridades, de fls. 18 verso e ss.”

A testemunha II referiu que foi sócio do autor no mercado da fruta e comprou uma quinta em conjunto com ele. A venda da quinta deu bastante lucro. Em conversa aconselhou o autor a comprar barras de ouro em .... Sabe que ele comprou três barras de ouro. Também o aconselhou a pôr a barras de ouro num cofre da CCAM.

Consignou-se também na sentença que:” Quanto à existência agora das barras em ouro, de variados objectos em ouro e da colecção de moedas, com as características emergentes da documentação junta de fls. 27 a 37, atendeu-se à prova de corroboração/confirmação periférica (a mais, pois, das declarações de parte), integrada pelas fotografias juntas pelos AA à participação criminal respectiva, como à petição inicial, sendo que em sede de audiência junta já uma foto original e uma cópia em condições de maior perceptibilidade. Ora, perfeitamente credível/plausível (mesmo porque é um procedimento comum, por exemplo, nos seguros de bens) o procedimento de “tirar fotografias” a bens, como forma de identificação/demonstração de posse/titularidade, sendo certo que a posse dos documentos de fls. 27 a 37 mais induz a realidade da existência e posse pelos AA. das moedas ali caracterizadas.

Sempre a aquisição das barras de ouro foi confirmada por um amigo do Autor marido, II, que justificou a razão de um tal conhecimento. De todo o modo, ponderado o depoimento (oficiosamente ordenado) de JJ, ourives experimentado, como a consulta on line de sites especializados na venda de ouro (em barra), considerada bem assim a informação constante do site da INCM (incm.pt), na evidência da inexistência na fotografia já aludida de Marca de responsabilidade, de fabrico ou equivalente, como de Marca de contrastaria e marca de toque, teve-se por suficiente como corroboração das declarações de parte a “aparência” das barras fotografadas, sem prejuízo da identificação pelo referido técnico como barras de (apenas) meio quilo, que não de quilo, que as imagens visionadas nos sites de venda mais justificam. Donde a “restrição” probatória respectiva. Quanto ao valor correspondente, atendeu-se à cotação na data do evento/furto, averiguada no endereço http://www.apio.pt/cotacoes.php. Mais se alcançou o valor da colecção de moedas que se teve por existente e depositada, por isso que furtada, a partir agora das características constantes dos documentos juntos pelos AA com a petição e já referidos, peso e “toque do ouro” no confronto apenas com a cotação daquele metal à data, conforme informação obtida no endereço já mencionado. Com efeito, consultados sites de numismática e leiloeiras constata-se a impossibilidade de alcançar um preço/valor que não o correspondente apenas e só à consideração do número de moedas, peso destas, no confronto já com o toque respectivo ali identificado, porquanto os documentos juntos não caracterizam uma colecção “completa”, sendo certo que perfeitamente díspares os valores alcançados em leilão por colecções similares completas… Por isso que a opção pela avaliação do ouro a peso, na ausência de qualquer outro elemento de prova. Finalmente, reconhecendo-se outrossim a extrema dificuldade na identificação dos objectos a partir da fotografia junta aos autos, o depoimento do mencionado ourives teve-se por bastante a credibilizar a aparência dos objectos fotografados como objectos em ouro, a partir agora da natureza do trabalho de ourivesaria evidenciado, mormente no que interessa ao tradicional “cordão” e a outras peças cuja aparência (malha, desenho) denuncia ourivesaria tradicional portuguesa, que não jóias de fantasia. No que interessa depois ao valor respectivo, uma vez mais, na ausência de outros elementos, teve-se por bastante o olhar “métrico” do referido ourives, quanto ao peso respectivo (cerca de 120 gramas), no pressuposto, pelas já anotadas razões, de estar em causa ouro, com o “toque” característico da nossa ourivesaria, pelo menos 19,2kt (quilates) ou 800 (milésimas), toque este que corresponde, como é do conhecimento geral, ao denominado “Ouro Português” (obviamente que retirado do cálculo do valor ao peso a percentagem sobrante de liga distinta do ouro, na proporção referida). Como resulta do que vem de dizer-se, apenas se consideraram as declarações de parte do Autor na parte em que estas lograram alguma corroboração por outros elementos probatórios, sendo certo que assim se considerou também quanto ao facto mesmo do depósito no cofre daqueles bens, à data do assalto sob apreciação, por ser lógico e verosímil que quem paga o aluguer de um cofre aí guarde os bens em ouro, mormente aqueles de maior valor e sem uso corrente/quotidiano…”

Explicado e fundamentado está o percurso cognitivo que levou à convicção de que os bens em causa se encontravam no cofre do autor.

O artigo 607º, nº 4, 2ª parte do CPC, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos.

Tanto na 1ª instância, como na 2ª instância a valoração da prova é feita na sua totalidade, podendo recorrer-se a presunções naturais, de facto ou judiciais – artigo. 351º C. Civil.

E o juiz decide sobre a matéria de facto segundo a sua «prudente convicção».

Este é um juízo de probabilidade sobre a verdade ou falsidade de certas proposições.

Portanto, estar convicto da verdade não é o mesmo que encontrar a verdade. Calamandrei, após afirmar que “a natureza humana não é capaz de alcançar verdades absolutas”, evidenciou que “é um dever de honestidade acentuar o esforço para se chegar o mais perto possível dessa meta inalcançável”.

Ao juiz exige-se, neste ponto, que actue de forma pragmática e que decida. Não obstante a dúvida metódica que sempre deverá acompanhá-lo, impõe-se-lhe que, depois de tudo visto, a suspenda e emita o seu juízo de convicção, dando os factos que lhe foram narrados como provados ou como não provados. Se essa dúvida subsiste, o juiz dá o facto em causa como não provado. Esta conclusão encerra tão-só a informação de que o juiz não ficou convencido da veracidade da correspondente afirmação. O seu conteúdo é apenas negativo, não podendo dela retirar-se que o juiz tenha ficado convencido da sua falsidade. E, ante a proibição do non Iiquet, é necessário encontrar um critério de decisão que permita ultrapassar situações de impasse quanto a questões de facto. Esse critério é-nos geralmente dado pelo instituto do ónus da prova.

As regras do ónus da prova servem precisamente para os casos em que depois de toda a instrução, de toda a actividade probatória o juiz continua sem convencimento de como os factos se passaram.

Se a dúvida paira sobre o facto constitutivo, ela deve ser suportada pelo autor, ocorrendo o contrário em relação aos demais factos.

CASTRO MENDES, in Conceito de Prova em Processo Civil, Lisboa, 1961, p. 321, rejeitou firmemente a possibilidade de fixação de um escalão de intensidades de convicção, mas, reconhecendo que toda a convicção humana é uma convicção de probabilidade, propôs o abandono do termo certeza nas referências à convicção do juiz.

Já nos sistemas de matriz anglo-americana é usual traçarem-se distinções entre diversos graus de convicção.

No caso, concorda-se com o juízo de convicção que esteve na base da consideração destes factos como provados.

É normal que quem aluga um cofre-forte, pagando uma renda, o utilize, guardando lá objectos de valor. É das regras da experiência que não se ande a alardear e a mostrar os valores que se guardam em cofres.

Também é comum que se recorra à fotografia para se documentar objectos móveis valiosos.

Esta é uma matéria melindrosa precisamente porque a prova é difícil, mas também não é possível deixar passar estas práticas da vida sem se conceber uma forma de acautelar alguma viabilidade da sua demonstração.

Daqui o recurso inevitável aos juízos de verossimilhança, à lógica do razoável.

Cabe identificar esta lógica do razoável no dado caso concreto, seleccionando aqui os valores de maior significação.

Portanto, no juízo de verosimilhança operam naturalmente os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da probabilidade.

Na reforma processual civil consagrou-se expressamente o meio de prova que são as declarações de parte.

Com efeito, o NCPC estabelece no seu artigo 466º, nº 1 que: «As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.»

Este é um novo e autónomo meio de prova, ao lado da prova por confissão, o qual, todavia, não pode ser requerido pela parte contrária, nem pode ser ordenado oficiosamente.

É verdade que o juiz pode ordenar, nos termos do nº 1 do artigo 452º do NCPC, em qualquer estado do processo, a prestação de informações ou esclarecimento mas, ao contrário do que sucede com as declarações de parte, sem finalidade probatória.

Através deste novo meio de prova a parte pode, até ao início das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha tido intervenção pessoal.

Este inovador meio de prova, dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual.

Estas declarações serão perspectivadas como qualquer outro meio de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, podendo a parte contrária requerer também a sua prestação de declarações e serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do nº 3 do artigo 466º do NCPC, na parte em que não representem confissão.

Explica JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in Acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 278, “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas”.

Entra-se aqui numa querela doutrinal e jurisprudencial na qual uns consideram que se consagra aqui um princípio de prova que é o grau de prova mais débil, significando que a prova em causa não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer juízo. (v.g. PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014., pág. 357 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2014), e outros entendem que o texto do artigo 466º não degradou o valor probatório das declarações de parte, nem pretendeu vincar o seu carácter subsidiário e/ou meramente integrativo e complementar de outros meios de prova. Se esse fosse o desiderato do legislador, então teria adoptado uma formulação diversa à semelhança, por exemplo, do que se prevê no § 445 do Código de Processo Civil Alemão.

Como quer que seja, o que releva é que situações como a dos autos encontram aqui alguma sustentação probatória.

A segurança é que, evidentemente, a suficiência das declarações para a formação da convicção probatória tem de ser balizada por dados objectivos, assumindo as regras da experiência comum, o senso comum esse carácter mais palpável.

Tudo dito, temos de concluir ser de seguir e manter o juízo de convicção feito na sentença a propósito destes factos.” [transcrição da fundamentação da Relação]

Alega a recorrente que o Tribunal da Relação violou a lei processual constante do art. 662º, nº 1 e 2 do CPC, sendo que a decisão de facto não constitui base suficiente para a decisão de direito, além de que contém contradições insanáveis, que poderão inviabilizar a decisão jurídica do pleito, em violação do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC (conclusões 14ª e 15ª).

Todavia, não se vislumbra qualquer violação da norma do artigo 607º, nº 4, do CPC: como decorre do exposto, e da fundamentação que se transcreveu, a Relação procedeu à análise crítica das provas, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

Alega, ainda, a recorrente que requereu que fosse aditado à matéria provada o facto de que “…a chave do cofre que foi entregue aos Autores era a única que o poderia abrir juntamente com outra chave que ficou na posse da CCAM, e, nesse cofre, os Autores podiam guardar o que bem entendessem ou coisa nenhuma, sem que qualquer funcionário do banco pudesse assistir ou controlar essa atividade” (cfr. artigo 26.º da Contestação), sendo que o Tribunal da Relação sustentou que essa matéria não deveria ser incluída na factualidade provada com fundamento que, por um lado, não carecia de prova, por outro, não era determinante para a decisão, acrescentando que se trataria de “factualidade dotada de uma abstração e, por isso, insusceptível de uma prova casuística relevante”. Considera que tal matéria de facto em causa, para além de incontroversa nos autos, se relaciona precisamente com as características típicas do contrato de locação de cofre-forte, que é o tipo de contrato em apreço nos autos.

Ora, como se observa através da transcrição acima feita, a Relação referiu: “…,Mas também é preciso ter em conta que o objecto da prova não são todos os factos alegados pelas partes, mas apenas os pertinentes e que precisem de prova. E factos pertinentes são todos aqueles que forem determinantes para a decisão. E, em bom rigor, sendo a reapreciação da decisão de facto um recurso é necessário que o recorrente esclareça qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c) do nº 1 do artigo 640º do CPC).

Significa, evidentemente, a demonstração da relevância da factualidade a alterar para a decisão do mérito. Ora, é esta proposição que aqui não se observa.

- que a chave do cofre que foi entregue aos autores era a única que o poderia abrir juntamente com outra chave que ficou na posse da CCAM;

- que nesse cofre os autores podiam guardar o que bem entendessem ou coisa nenhuma, sem que qualquer funcionário do banco pudesse assistir ou controlar, é factualidade dotada de uma abstracção e, por isso, insusceptível de uma prova casuística relevante. “

Quer dizer: a Relação apenas considerou o segundo segmento de facto dotado de abstracção e, por isso, insusceptível de uma prova casuística relevante, apreciação com a qual, deve dizer, não concordamos.

Sucede, no entanto, que os factos em causa não têm relevância para a decisão da causa,

Em primeiro lugar, o contrato refere a existência de duas chaves.

Em segundo lugar, o facto de que os autores podiam guardar no cofre o que bem entendessem ou coisa nenhuma (facto que é suficientemente concreto), não se mostra essencial para a qualificação do contrato.

É verdade que o contrato de locação de cofre pode ser considerado como um contrato legalmente atípico, na medida em que o art. 4º, nº1, al. p) do RGICSF se limita a incluí-lo entre as operações que os bancos podem efetuar, sem dispor sobre o seu regime jurídico, para isso importando definir a natureza jurídica deste a partir das obrigações assumidas pelas partes.

Todavia, não se revela essencial para a qualificação do contrato a questão de saber se qualquer funcionário do banco podia assistir ou controlar a actividade de o autor guardar no cofre o que bem entendesse. O que interessa é saber se o podia fazer contratualmente. E aqui o invocado art. 46 da contestação não refere que essa obrigação da ré tenha sido incluída no contrato.

Alega a recorrente que o Tribunal da Relação manteve como provada a matéria das alíneas DDD) e EEE) dos factos provados sem que fosse feita qualquer prova nos autos, por testemunhas ou documentos, sobre o que estaria no cofre no momento do assalto, pois tudo o que surgiu se referia a momentos muito anteriores ao do assalto (conclusão 21ª).

Porém, não é verdade que não se tenha feito prova nos autos. Como se verifica, o acórdão da Relação, que transcreveu o percurso cognitivo que levou à convicção de que os bens em causa se encontravam guardados no cofre do autor, atendeu, para além das declarações de parte, à prova das fotografias, ao depoimento das testemunhas KK e JJ e a outros elementos complementares ali descritos.

Em causa estará a valoração desses meios de prova mas nesse campo não pode o Supremo entrar, como decorre do disposto no art. 674º, nº 3, 1ª parte do CPC-

Alega, ainda, a recorrente que requereu que fosse aditada à matéria provada o facto de que “o Autor AA, sozinho, visitou o cofre por 19 vezes, sendo que tais visitas que o Autor AA fez ao cofre encontram-se registadas no documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, a fls. 192 e 193, que se dá por reproduzido, tendo ocorrido a última visita a 24.09.2012”. Considera que o que o Tribunal da Relação sustenta, e que é inaceitável, é que não considera provado que o Autor realizou as tais 19 visitas porque haverá a (“remota”) possibilidade de haver registos extraviados e, portanto, de ter havido mais que 19 visitas. Ao não dar como provado, no mínimo que “o Autor AA, sozinho, visitou o cofre pelo menos por 19vezes, sendo que tais visitas que o Autor AA fez ao cofre encontram-se registadas no documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, a fls. 192 e 193, que se dá por reproduzido” (conclusão 24ª), considera, assim, que o Tribunal da Relação viola o disposto nos artigos 358º, nº 1 e 376º, nº 2 do Código Civil, na medida em que o autor AA assinou (e não impugnou nos autos) o documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, a fls. 192 e 193, o que significa que os factos compreendidos em tal declaração (as 19 visitas e as suas datas) têm a força de prova plena. Ora, prossegue, o elevadíssimo número de visitas do autor, confessadamente sozinho, ao cofre, tem uma relevância muito significativa para efeitos de prova dos bens pretensamente existentes no cofre no momento do assalto, uma vez que as pretensas “corroborações periféricas” por parte de testemunhas sobre a existência dos bens são, todas elas, datadas de muito tempo antes do assalto, razão por que a prova dos bens no cofre assenta apenas nas declarações de parte (conclusão 28ª). Ao mesmo tempo, contesta a presunção que o tribunal retirou dos depoimentos das testemunhas reportados a um período muito anterior ao assalto (conclusão 30ª). Mais adiante, repisa que: apenas o autor marido AA visitou o cofre, nunca tendo a autora mulher visitado o mesmo, e fê-lo, pelo menos, 19 vezes, ao longo dos anos (conclusões 88ª e 99ª): que as testemunhas (que apenas se referiram a parte dos bens e não a todos), para além de não mostrarem conhecimento concreto, apenas falaram sobre momentos prévios à colocação dos bens no cofre pelos autores, tendo um absoluto desconhecimento do que fizeram ou deixaram de fazer os autores (no caso, o autor AA, que foi o único a visitar o cofre, como confessou) nas suas 19 visitas, entre a primeira vez que o visitou e a data do assalto, em Novembro de 2012, pois as testemunhas arroladas pelos autores confirmaram que não os viram a colocar os bens nos cofres e não sabem o que eles terão feito aos bens nesses anos de intervalo (conclusão 100ª); que o Tribunal, pese embora invoque “corroborações periféricas”, apenas se baseou, para efeitos do conteúdo do cofre no momento do assalto, nas declarações de parte do Autor AA, sem qualquer corroboração periférica nesse âmbito (conclusão 101ª); que os autores não alegaram nem provaram, como era seu ónus, sobre o período de mais de 7 anos, entre a data de celebração do contrato e Novembro de 2012 (data do assalto), quanto ao que o autor fez aos bens, nomeadamente utilizando a chave que estava em seu poder e à qual nenhuma das duas testemunhas teve acesso (conclusão 102ª); que não pode ser dada como provada matéria de facto essencial, como a que está em causa, sem qualquer meio de prova para além das declarações de parte e sem que houvesse qualquer meio de prova a corroborar essa matéria (como não há) (conclusão 103ª); que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a propósito deste mesmíssimo caso, envolvendo embora outros autores, por meio do acórdão prolatado em processo que correu termos pela 2.ª Secção, Processo n.º 1765/16.3..., datado de 11.09.2018, onde veio a ser decidida a absolvição total da CCAM, desvalorizou totalmente as declarações de parte (conclusão 105º); que não existe qualquer regra de experiência que permita concluir que pelo facto de alguém ter adquirido um bem ou eventualmente colocado um bem num cofre num determinado ano (o contrato começou em 2005), aí o mantém necessariamente passados que sejam 7 anos (no caso, no ano de 2012, ano do assalto) (conclusão 106ª), até porque não podem “os funcionários do banco assistir às operações de colocação ou levantamento dos objectos do cofre pelo cliente” (conclusão 107ª). Conclui, ainda, que a presunção de que os bens estavam no cofre em 2012 representa uma violação da lei processual e da lei substancial a propósito do ónus de prova (conclusão 108ª).

O que dizer?

Em primeiro lugar, deve frisar-se que não cabe a este tribunal a avaliação da consistência da prova atrás transcrita.

Em segundo lugar, e relativamente à imputada violação dos arts. 358º, nº 1 e 376º, nº 2 do Código Civil, por não se ter dado como provado o facto que consta da conclusão 24ª, deve ter-se em conta que não está em causa a violação de lei processual mas a de lei substantiva que só deverá ser apreciada, se a revista excepcional for admitida.

Em terceiro lugar, e relativamente à insistência na valoração exclusiva e indevida das declarações de parte, deve recordar-se que o acórdão da Relação, atendeu, para além das declarações de parte, a outros elementos, como às fotografias, aos depoimentos das testemunhas KK e JJ e a outros elementos complementares.

Em quarto lugar, e quanto ao recurso a presunções ou regras de experiência, tem-se entendido, como se sabe, que o Supremo pode verificar se o uso de presunções ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados (cfr. Ac. STJ de 25.11.2014, proc. 6629/04.0TBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt).

Ora, a invocada presunção, a partir dos elementos probatórios recolhidos, não ofende qualquer norma de violação da lei processual, designadamente o art. 662º do CPC. A recorrente afirma que a Relação não reapreciou a prova especificada por si nas suas alegações de recurso (conclusão 31ª a 33), o que não é exacto, pois o que sucedeu apenas foi que a Relação a reapreciou em sentido diferente do pretendido pela recorrente. A presunção (ou recurso a regras de experiência) também não padece de qualquer ilogicidade manifesta: o facto de o tribunal recorrer a depoimentos de testemunhas, que se reportam a datas que se situam 7 anos e meio antes do assalto, não impede que possa concluir que os bens que se encontravam no cofre assaltado são aqueles a que se referem esses depoimentos e também as fotografias. Como se afirma na fundamentação, é “normal que quem aluga um cofre-forte, pagando uma renda, o utilize, guardando lá objectos de valor. É das regras da experiência que não se ande a alardear e a mostrar os valores que se guardam em cofres. Também é comum que se recorra à fotografia para se documentar objectos móveis valiosos. Esta é uma matéria melindrosa precisamente porque a prova é difícil, mas também não é possível deixar passar estas práticas da vida sem se conceber uma forma de acautelar alguma viabilidade da sua demonstração. Daqui o recurso inevitável aos juízos de verossimilhança, à lógica do razoável. “

Quanto à afirmação de que a dita presunção representa a violação da lei substancial a propósito do ónus de prova, nos termos do art. 342º do Código Civil C, é matéria que escapa ao âmbito da presente revista, circunscrita à violação da lei processual.

Imputa ainda, a recorrente ao acórdão a violação do art. 414º do CPC (conclusão 110ª). Mas não existe, como é óbvio, a violação de tal preceito, pois o Tribunal não manifestou dúvidas sobre a realidade dos factos nem sobre a repartição do ónus da prova.

Não ocorreu, em resumo, qualquer violação ou errada aplicação da lei de processo.

Todavia, a recorrente CCAM interpõe, subsidiariamente, recurso de revista excepcional (conclusões 3ª a 8ª) pelo que os autos devem ir à formação para os efeitos do nº 3 do artigo 672º do CPC.

Em conclusão (art. 663º, nº 7 do CPC):

“I- Em caso de revista normal com fundamento em violação ou errada aplicação da lei de processo, as suscitadas causas de nulidade previstas no art. 615º do CPC devem ser apreciadas no âmbito do recurso de revista excepcional, se este for admitido;

II – Não existe qualquer violação da lei processual se as declarações de parte, em que o acórdão se fundamenta, se mostram acompanhadas de outros elementos probatórios, que permitem alicerçar o recurso a presunção natural ou a regras de experiência”.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em:

a) negar a revista normal no que concerne à imputada violação da lei do processo;

b) determinar a remessa dos autos à formação com vista a verificar os requisitos específicos da admissibilidade da revista excepcional.

As custas do recurso ficarão pela recorrente, se a revista excepcional não for admitida.

Se for admitida, serão fixadas a final.” [transcrição da fundamentação e decisão do primeiro acórdão deste Supremo]

17. Verificados os requisitos da revista excepcional, foi proferido novo acórdão neste Supremo de que se destaca o seguinte:

“O Direito:

(…).

Alega, ainda, a recorrente que requereu que fosse aditada à matéria provada o facto de que “o Autor AA, sozinho, visitou o cofre por 19 vezes, sendo que tais visitas que o Autor AA fez ao cofre encontram-se registadas no documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, a fls. 192 e 193, que se dá por reproduzido, tendo ocorrido a última visita a 24.09.2012”. Considera que o que o Tribunal da Relação sustenta, e que é inaceitável, é que não considera provado que o Autor realizou as tais 19 visitas porque haverá a (“remota”) possibilidade de haver registos extraviados e, portanto, de ter havido mais que 19 visitas. Ao não dar como provado, no mínimo que “o Autor AA, sozinho, visitou o cofre pelo menos por 19vezes, sendo que tais visitas que o Autor AA fez ao cofre encontram-se registadas no documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, a fls. 192 e 193, que se dá por reproduzido” (conclusão 24ª), considera, assim, que o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 358º, nº 1 e 376º, nº 2 do Código Civil, na medida em que o autor AA assinou (e não impugnou) o documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, a fls. 192 e 193, o que significa que os factos compreendidos em tal declaração (as 19 visitas e as suas datas) têm a força de prova plena. Ora, prossegue, o elevadíssimo número de visitas do autor, confessadamente sozinho, ao cofre, tem uma relevância muito significativa para efeitos de prova dos bens pretensamente existentes no cofre no momento do assalto, uma vez que as pretensas “corroborações periféricas” por parte de testemunhas sobre a existência dos bens são, todas elas, datadas de muito tempo antes do assalto, razão por que a prova dos bens no cofre assenta apenas nas declarações de parte (conclusão 28ª). Conclui, ainda, que a presunção de que os bens estavam no cofre em 2012 representa uma violação da lei processual e da lei substancial a propósito do ónus de prova (conclusão 108ª).

Apreciando:

É verdade que o autor AA assinou (e não impugnou) o documento que o Tribunal ordenou que fosse junto aos autos, o que significa que os factos compreendidos em tal declaração (as 19 visitas e as suas datas) têm a força de prova plena.

Sucede, no entanto, que esse não corresponde a um facto essencial alegado que releve para a decisão de direito da causa mas apenas instrumental ou probatório para, em conjugação com outros, permitir aferir da existência de outros factos, esses sim essenciais e alegados (cfr. Ac. STJ de 16.5.2019, proc. 1376/11.0TVLSB.L1. S1, em www.dgsi.pt). Mas no sentido da irrelevância desse facto instrumental para a decisão de facto já nos pronunciámos no acórdão anterior. No que aqui releva, não se tratando (o referido facto) de um facto essencial (o número de visitas, por si só, nada releva em termos de direito), não faz o acórdão incorrer na violação do disposto nos arts 358º, nº 1 e 376º, nº 2 do Código Civil.

Considera, ainda, a recorrente que, como se disse, a presunção operada pelo tribunal de que os bens estavam no cofre em 2012, a partir dos elementos probatórios recolhidos, ofende, ainda, a regra do ónus da prova, nos termos do art. 342º do Código Civil.

Porém, a presunção constitui um meio de prova, ao dispor do autor, que não colide com as regras do ónus da prova. A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado incumbe provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte onerada terá de demonstrar apenas a realidade do facto que serve de base à presunção (cfr. Ac. STJ de 22.4.2004, proc. 04B1040, em www.dgsi.pt).

Pode objectar-se que as regras do ónus da prova influenciam a valoração da prova, que for produzida. Porém, não se pode afirmar que, no caso concreto, tenha havido qualquer violação do art. 342º do CC que tenha influenciado o conteúdo da decisão do tribunal que apreciou as provas (cfr. Ac. STJ de 12.4.2018, proc. 744/12.4TVPRT.P1.S1, no citado site). O Tribunal recorrido limitou-se a considerar a prova carreada para os autos suficiente e adequada para dar como provados os factos em causa.

Por outro lado, sendo o artigo 342º do Código Civil, sobretudo, um critério legal de decisão de mérito e não de facto não se verifica, ainda, que, no plano da decisão de mérito, o tribunal tenha violado as regras do ónus da prova, fazendo recair indevidamente sobre a ré o ónus da prova de determinados factos (cfr. Ac. STJ de 29.11.2005, proc. 05A3539 e Ac. STJ de 24.10.2019, proc. 246/15.7T8PVZ.P1.S1 em www.dgsi.pt).

Da qualificação e da natureza do contrato.

Escreveu-se no acórdão recorrido:

“O contrato de cofre-forte está previsto no artigo 4º, nº1, p) do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e é, de um modo geral, um negócio que combina elementos dos negócios de depósito e de locação, que não está sujeito a forma especial, e cujo conteúdo se caracteriza essencialmente pelas obrigações de o banco ceder o uso do cofre alugado e garantir a sua inviolabilidade, mediante remuneração pelo cliente.

Há aqui uma obrigação referente à concessão da utilização do cofre (prestação locatícia) e uma obrigação relacionada com vigilância devida (prestação de custódia), no sentido de que o banco deve não só assegurar a vigilância necessária para evitar que sujeitos diferentes do utente possam aceder ao cofre, mas também responder pela sua integridade.”

Objecta a recorrente que “errou manifestamente o douto Acórdão recorrido na qualificação do contrato que está em causa nos presentes autos, bem como na interpretação do mesmo e na posição assumida quanto aos correspondentes direitos e obrigações das partes do mesmo decorrentes” (cfr. conclusão 34ª das alegações).

Atalhando caminho, dir-se-á que se acolhe aqui a qualificação adoptada pelo Ac. STJ de 8.03.2018, proc. 351/14.7TBPNF.P1.S1, pelo Ac. STJ de 19.09.2019, proc.1817/16.0T8PNF.P1.S2 e, ainda, pelo Ac. STJ de 17.10.2019, proc. 1565/16.0T8PNF.P1.S1, ou seja, a de que o contrato de cofre-forte (ou de aluguer de cofre-forte) é um contrato misto, que combina elementos do contrato de locação e do contrato do depósito, com destaque para o “elemento de guarda”.

Sufraga-se, por isso, tudo quanto se deixou dito, no citado acórdão de 17.10.2019:

“A tendência da jurisprudência é, em suma, para conceber o contrato como um contrato misto, como elementos da locação e do depósito. Em particular, chama a jurisprudência a atenção para a obrigação de segurança que recai sobre o banco / a instituição bancária, que emerge como razão preponderante da celebração do contrato por parte do cliente.

É esta a concepção para a qual se propende também aqui, isto é, para a concepção do contrato de cofre-forte como um contrato em que convivem elementos essenciais de, pelo menos, dois contratos típicos–os contratos de locação e de depósito. Na realidade, por força do contrato de cofre-forte, as partes ficam simultaneamente constituídas em grupos de direitos e de obrigações muito semelhantes àquelas em que ficam constituídas, por um lado, o locador e o locatário no contrato de locação. Mas aqueles direitos e obrigações (no fundo, os efeitos jurídicos do contrato de cofre-forte) não são rigorosamente coincidentes os direitos e obrigações resultantes para as partes do contrato de locação e partilham elementos – elementos importantes – do contrato de depósito, nomeadamente o “elemento de guarda”, a que se refere Carlos Ferreira de Almeida.

Como se explicou no Acórdão de 19.09.2019, por um lado, “o direito de uso do cofre não assume a extensão do uso concedido ao locatário, tal como se prevê no art. 1022º do C. Civil, na medida em que aquele a quem foi cedido o uso do cofre não pode exercer tal direito sem a cooperação ativa do dono do mesmo cofre (ou seja, a presença de um funcionário do banco); por outro lado, “os deveres assumidos pelo banco também não se limitam aos próprios do locador, previstos no art. 1031º do C. Civil, porquanto, se o cliente contratou o uso do cofre, foi porque tinha em vista a segurança que aquele inspira, guardando eficazmente os valores que lhe são confiados”. “Esta proteção e segurança dos bens guardados no cofre – continua o Acórdão – é um elemento preponderante na formação do mútuo consenso das partes, na esteira da orientação seguida no Acórdão do STJ, de 08.03.2018 (processo nº 351/14.7... S1), não podemos deixar de aderir à tese daqueles que defendem que o contrato de cofre forte assume a natureza de um contrato misto, que combina elementos da locação e do depósito. Daí que, segundo o critério geral enunciado no art. 1028º do C. Civil, relativamente à prestação do banco, seja de aplicar, além das regras da locação, as regras próprias do contrato de depósito, designadamente as previstas no art. 1185º e segs. do C. Civil. Logo era dever do banco, nos termos do estabelecido no art. 1187º do C. Civil, guardar os cofres alugados e as coisas neles contidas [al. a)] e facultar a restituição destas mesmas coisas aos seus clientes [al. c)]”. (…) “

Efectuada a qualificação, cumpre apreciar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, que, com excepção do pressuposto “facto”, é posta em causa pela recorrente.

Da ilicitude.

A este propósito, alegou recorrente que: “não cometeu qualquer ilícito – elemento essencial para a responsabilidade civil” (cfr. conclusão 35ª); “ao concluir ter existido ilicitude na actuação/omissão da Recorrente CCAM, o Tribunal da Relação violou, no douto Acórdão recorrido, o disposto nos artigos 483º, nº 1 e nº 2 e 405º do Código Civil” (conclusão 49ª); que o Tribunal da Relação diz apenas que “Desta constatação resulta a ineficácia de uma cláusula de não indemnização eventualmente inserta no contrato porque excludente de obrigação essencial do contrato, qual seja, a de guardar o local do cofre e implicitamente o seu conteúdo (…) Nesta base se apreciou na sentença a cláusula contratualmente acordada em que a apelante não era responsável pelos valores que o cliente guardasse no cofre” pelo que “ao sustentar este entendimento, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 405º e 237º do CC” (conclusões 39ª e 40ª); “como resulta da matéria provada, a Autora pagava a quantia de 40€ por ano, relativa à locação do cofre”, razão pela qual “se deve concluir que a Recorrente não responde pelo conteúdo do cofre e que as cláusulas contratuais em apreço, interpretadas de acordo com o artigo 237º do Código Civil, traduzem esse equilíbrio contratualmente encontrado entre as partes” (cfr. conclusões 44ª e 45ª).

Improcedem, contudo, as referidas conclusões.

É que “tendo presente que o elemento de guarda é um elemento essencial ao fim / à realização do fim do contrato de cofre-forte, recaía sobre a ré / recorrente uma obrigação de guarda, destinada a garantir a segurança e a integridade do cofre-forte”, obrigação essa que não foi cabalmente cumprida.

Aproveitando o Ac. STJ de 17.10.2019, vindo de citar, relembremos o que se passou: “depois do acionamento do alarme, o funcionário da empresa de segurança tentou entrar em contacto com o funcionário do banco que figurava em primeiro lugar da lista de contactos, por mais do que uma vez, mas o contacto frustrou-se (facto CC); contactado o administrador da ré/recorrente, dirigiu-se este às instalações mas apenas efectuou uma vistoria exterior, tendo informado a empresa de Alarmes de que estava tudo bem ou de que se encontrava tudo normal (EE); este administrador não era, na ocasião em que se deslocou às instalações e realizou a vistoria, portador de chave das portas das instalações (II); recebendo nova chamada (segunda) da Central de Alarmes, a dar conhecimento de disparos de alarmes de intrusão noutras zonas do banco, o mesmo administrador deslocou-se de novo ao local e, mais uma vez, sem entrar dentro das instalações da R. e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspecção exterior às instalações (JJ a LL), contactando depois a Central de Alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal (MM); recebendo nova chamada da Central de Alarmes a informar “falha de (teste de) linha”, o administrador já não se deslocou ao local para ver a causa do problema (NN e OO); o administrador não entrou em contacto directo com a GNR (SS)”

Assim, “em face da factualidade acima descrita “a violação da obrigação contratual da ré / recorrente (a omissão do seu dever de velar pela segurança do cofre-forte) é manifesta, logo, ao contrário do que entende a recorrente, a ilicitude verifica-se”

E continuando a transcrever o referido acórdão (com o qual concordamos e que se confrontou com os mesmos argumentos da recorrente), e fazendo-o com as adaptações que resulta da diferente enumeração dos factos provados, deve ainda acrescentar-se:

“É certo que, na cláusula 1.ª do contrato ficou convencionado que “[a] CAIXA coloca à disposição do CLIENTE um cofre-forte, para nele serem colocados objectos em segurança; a perda ou deterioração destes objectos serão sempre da responsabilidade dos CLIENTES” [cfr. ponto G) da decisão sobre a matéria de facto]. No entanto, na mesma cláusula existe uma consecutiva: “pelo que a CAIXA apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos”. Além disso, na cláusula 5.ª ficou estabelecido que um dos deveres da ré BB era “garantir a integridade exterior do cofre” [cfr. ponto K) da decisão da matéria de facto]

“(…) Ainda que se entendesse que as partes queriam referir-se, naquela cláusula 1.ª, estritamente à segurança do cofre-forte e não também à segurança dos bens nele colocados (a muito custo, dado que a palavra “mesmos” está no plural), a verdade é que aquela segurança sempre ficou comprometida pela omissão dos deveres contratuais, configurando-se da mesma forma ilicitude. Nem se argumente, como parece argumentar a ré / recorrente, que a cláusula exclui a sua responsabilidade pela subtracção dos bens. Interpretada no sentido de uma cláusula de exclusão da responsabilidade – exclusão da responsabilidade em todas e quaisquer circunstâncias –, a cláusula não poderia valer pela simples razão de que seria incompatível com o fim contratual prosseguido pelas partes. A razão que leva um cliente a concluir um contrato de cofre-forte com um banco para aí colocar bens que têm ou a que atribui valor em vez de os deixar em sua casa ou os colocar noutro local é o facto de este tipo de instituições apresentar condições superiores de segurança, gerando nele a expectativa (legítima) de que os bens estarão tão bem guardados como os valores do próprio banco, ou seja, estarão tão bem guardados quanto é possível. A obrigação de guarda e de vigilância dos cofres-forte e das instalações em que estão situados é, portanto, uma obrigação essencial ao fim do contrato e não pode ser afastada sob pena de se frustrar a realização deste fim.”

Também não colhe o argumento de que “a Autora pagava a quantia de 40€ por ano, relativa à locação do cofre”, razão pela qual “se deve concluir que a Recorrente não responde pelo conteúdo do cofre e que as cláusulas contratuais em apreço, interpretadas de acordo com o artigo 237º do Código Civil, traduzem esse equilíbrio contratualmente encontrado entre as partes” (cfr. conclusões 44ª e 45ª).

Como se diz no acórdão de 17.10.2019 “a falta de equivalência entre as prestações, não é relevante, tal falta de equivalência não elimina nem diminui a obrigação de guarda que impende sobre a ré / recorrente, sendo compreensível / aceitável à luz da autonomia contratual, isto é, do disposto na norma do artigo 405.º do CC (onde se reconhece às partes a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver) norma tantas vezes evocada, pela ré / recorrente, para efeitos diversos.”

Conclui-se, assim que neste ponto, o Tribunal recorrido não violou as normas dos artigos 483.º, 405.º e 237.º do CC.

Da culpa.

Estando em causa a violação de uma obrigação contratual, presume-se a culpa do devedor (cfr. art. 799º, nº 1, do CC). Cabia, assim, à ré/recorrente ilidir esta presunção para afastar a sua culpa (cfr. art. 350º, nº 2, do CC).

E aqui convoca-se de novo o acórdão que se vem seguindo:

“A verdade é que, apesar das medidas preventivas tomadas pela ré /recorrente (maxime, a instalação do sistema de segurança, com alarme ligado à central da empresa de segurança contratada e com contacto imediato com o banco e com a GNR), não pode entender-se que a presunção tenha sido ilidida.

Para que a presunção pudesse considerar-se ilidida teria sido necessário demonstrar que não era razoavelmente exigível à ré / recorrente ter adoptado conduta diversa da que adoptou, em concreto, na noite dos acontecimentos anómalos, rectius: que não era razoavelmente exigível aos funcionários por ela especialmente destacados para a função de manter a segurança do cofre-forte e impedir que ela fosse posta em causa adoptar conduta diversa da que adoptaram, em concreto, nessa noite

Ora, a verdade é que nada do que se encontra na factualidade provada justifica ou “desculpa” que eles não estivessem, como deviam estar, genuinamente (substancialmente) empenhados no desempenho desta função. Nada justifica ou “desculpa” que o primeiro sujeito destacado para a função não estivesse contactável; nada justifica ou “desculpa” que o outro sujeito não tivesse efectuado uma vistoria ao interior do local e nem estivesse munido da chave, que seria útil nem tanto para que ele próprio entrasse (pois poderia correr risco de vida) mas facultar, se tal fosse necessário, a entrada nas instalações às autoridades policiais; nada justifica ou “desculpa”, em suma, que, perante indícios de uma situação anormal, ou seja, de risco actual para a segurança do cofre, eles não estivessem, como tinham de estar, disponíveis e predeterminados para a prática, por iniciativa própria ou seguindo instruções das entidades competentes, de todos os actos adequados a certificar-se da inexistência daquele risco.

Os comportamentos referidos atrás mostram, ao contrário, que os funcionários da ré/recorrente não actuaram com a diligência, o cuidado e o zelo que lhes era exigível: o primeiro funcionário contactado não estava, de facto, contactável; o segundo funcionário contactado (o administrador) deslocou-se ao local duas vezes, é certo, mas limitou-se sempre a uma vistoria exterior do edifício, mesmo quando foi informado, pela empresa de alarmes, de que o alarme disparara, pela segunda vez, em zonas diferentes (interiores) do banco; nunca teve a chave das instalações consigo; não entrou em contacto directo com a GNR; depois de um terceiro contacto da empresa de alarmes, já não se deslocou ao banco.

Alega a ré/recorrente que os agentes da autoridade tão-pouco cumpriram os deveres que lhe incumbiam. E pretende que isso seja tido em conta, pelo menos, para a apreciação (diminuição) da sua culpa [cfr. conclusão …57ª, no nosso caso]

A verdade é que não pode acompanhar-se a ré recorrente neste ponto. A GNR não deixou de cumprir os seus deveres. Olhando, em particular, para os factos constantes dos pontos AA), FF) e EEE) da decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que, na sequência do contacto da empresa de alarmes, a patrulha daquela força policial se deslocou ao local e efectuou uma vistoria ao exterior como devia, não tendo detectado indício de situação anormal e comunicado isso à empresa de alarmes. (ponto II, no caso).

Quando os alarmes disparam pela segunda vez, exigir-se-ia, aí sim, pela insistência do alarme (o indício que se passava, de facto, algo anormal), que a GNR actuasse de outro modo, realizando uma vistoria mais minuciosa ou exaustiva e no interior das instalações. Mas, como bem salientou o Tribunal a quo, quando os alarmes disparam pela segunda vez, a GNR já não foi avisada nem pela central de alarmes nem pelo funcionário do banco, pelo que não podia ter actuado. [facto LL, no caso vertente]

Não tendo o banco provado que os seus funcionários actuaram com a diligência, o cuidado e o zelo que lhes era exigível, é ele responsável pelos danos que decorram, para os clientes, do furto do conteúdo do cofre-forte.

Conclui-se, em síntese, que não houve violação neste ponto, pelo Tribunal recorrido, das normas dos artigos 342.º, 483.º e 798.º do CC, ao contrário do alegado (cfr. conclusão 58 das alegações).”

Do nexo de causalidade.

Como se sabe, o Tribunal da Relação do Porto deu por assente também o nexo de causalidade.

Volta, então, a ré recorrente a invocar erro de julgamento, argumentando: em primeiro lugar, que, não se encontrando fixado o momento da ocorrência dos danos (hora concreta a que terminou o assalto e não fixação de factualidade correspondente), pelo que não se pode estabelecer um nexo de causalidade sem que esteja factualmente provado o que teria acontecido se houvesse um qualquer outro sistema de alarme instalado ou se a Recorrente tivesse atuado de outra forma(cfr. conclusões 55ª, 81ª, 82ª); depois, que não há qualquer prova de que um qualquer outro sistema de alarme, nomeadamente -sem que se saiba o que isso seja, pois o Tribunal não explica - um alarme um “sistema de vigilância que desde logo e sem margem para dúvidas tivesse permitido a detecção da entrada de “estranhos” - poderia ter evitado o assalto, a sua consumação ou o furto de objetos que alegadamente (e sem provar) os Autores pudessem ter dentro dos cofres, e esse entendimento corresponde, no fundo, juízos de prognose sem qualquer base factual ou sequer base empírica ou de experiência; que se encontra provado que, com qualquer outro sistema de alarme as autoridades teriam tido outro tipo de atuação ou teriam impedido o assalto (87ª ) até porque, como se referiu, se as autoridades policiais, em tese, duvidassem da eficiência do sistema de alarme, deveriam ser ainda mais cautelosas, não sendo a sua atuação imputável à Recorrente (88ª ); que não pode ser estabelecido um nexo de causalidade entre factos e danos quando não consta provado dos autos que, com outra atuação, os danos não se teriam produzido (89º); que não se percebe que outro sistema de alarme permitiria não só um aviso mais célere como – o que é determinante para efeitos de nexo de causalidade – uma atuação mais célere ou diferente da que foi tida pelas Autoridades, e que fosse comprovadamente apta a evitar o assalto, a sua consumação ou o furto de objetos; em resumo, o assalto foi extraordinário, sendo este a verdadeira causa dos danos, pelo que fica claramente afastado qualquer nexo de causalidade entre a ação/omissão da Recorrente CCAM e os pretensos danos ( conclusão 95ª).

Afigura-se-nos que não estará aqui em causa apenas a eficiência do alarme (cfr. facto NN) mas também a actuação do funcionário do Banco.

Novamente se convocam os argumentos do acórdão de 17.10.2019:

“Em primeiro lugar, sendo certo que não consta da factualidade provada – porque seria muito difícil tal prova – o momento exacto do assalto e muito menos da subtracção dos bens dos cofre-forte, a verdade é que, com base na mesma factualidade, é razoável estabelecer-se que o assalto estaria em curso no período ou em parte do período em que a ré / recorrente podia e devia ter adoptado medidas para o impedir ou interromper. O assalto a um banco e, ainda para mais, um assalto como o assalto dos autos, não é, evidentemente, um acto instantâneo; é um acto cuja prática se estende ou está em curso durante certo tempo. É razoável dar relevância ao momento em que soaram os dois alarmes (pois que eles servem, justamente, para sinalizar este tipo de eventos) e entender que algures durante este período o assalto estaria a decorrer no interior do edifício. Durante o mesmo período foi o primeiro funcionário da ré/recorrente contactado em vão, foi o segundo funcionário da ré/recorrente contactado por duas vezes, tendo-se deslocado, por duas vezes, ao banco e feito vistoria exterior. Com toda a probabilidade, teria sido possível ao primeiro funcionário (mais cedo) ou ao segundo funcionário (mais tarde) evitar o furto do cofre (sobretudo se os assaltantes tivessem sido surpreendidos logo após a intrusão no edifício e antes de consumado o assalto) ou, pelo menos, minimizá-lo (se o assalto estivesse já em curso, sempre se teria interrompido o assalto e, mesmo que os assaltantes conseguissem fugir, ter-se-ia evitado que ele se consumasse na íntegra).

Em segundo lugar, e parafraseando Antunes Varela, é possível dizer “para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha actuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano”. Ora, o incumprimento do dever de velar pela segurança e pela integridade do cofre-forte é, em abstracto ou segundo a sua natureza geral, causa adequada dos danos.

Interpretando o disposto no artigo 563.º do CC (sobre o nexo de causalidade) e recorrendo de novo a Antunes Varela, verifica-se que, para que um facto seja causa adequada de um dano, é preciso que este é uma consequência natural ou provável daquele (formulação positiva da causalidade adequada) ou que este não seja de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o só provocado por força de circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas que intervieram no caso concreto (formulação negativa e formulação preferível da causalidade adequada).

Poder-se-ia, em boa verdade, dizer que o incumprimento da obrigação de guarda que impendia sobre a ré/recorrente é um facto de todo indiferente para a verificação dos danos, tendo-os provocado apenas pela interferência de circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas? Poder-se-ia sequer dizer que o assalto ao banco e a subtracção dos bens do cofre-forte não é uma consequência natural ou previsível do incumprimento pela ré / recorrente daquela obrigação de guarda? A resposta é, evidentemente, negativa mesmo na segunda formulação.

Com interesse ainda para o nexo de causalidade, diz a ré / recorrente, a certa altura, que “não consta da matéria de facto provada nenhum facto relativo ao que sucederia caso a pretensa omissão não tivesse ocorrido e, em especial, que, caso ela não sucedesse, os danos também não existiriam” [cfr. conclusão 55 das alegações].

Embora o argumento apareça na sequência de argumentos dos dois grupos acabados de analisar e tenda a diluir-se por entre eles, podia – pode – ser autonomizado. Trata-se, em rigor, da invocação de uma excepção – da excepção de comportamento alternativo/hipotético lícito. Reconduz-se ela, basicamente, à ideia de que a responsabilidade é – deve ser excluída – sempre que se revele que os danos não teriam ocorrido ainda que o facto ilícito não tivesse sido praticado. Pressupõe que se encontrem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, tratando-se apenas de saber se o responsável / lesante pode ser libertado da obrigação de indemnizar.

Sucede que, como bem reconhece a ré/recorrente, não consta da matéria de facto provada qualquer facto relativo ao que sucederia na hipótese de a ré/recorrente ter cumprido os deveres que lhe competiam. Mas, se não consta, sibi imputet. Cabia à ré/recorrente o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito à indemnização da autora/recorrida (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC). Não tendo exercido o ónus de provar que os danos não teriam ocorrido ainda que o facto ilícito não tivesse sido praticado, não pode aproveitar-lhe o facto.

Conclui-se, em síntese, que, ao contrário do alegado pela ré/recorrente (cfr. conclusão 58ª das alegações), não existe violação de quaisquer normas, tendo o Tribunal construído o seu raciocínio sobre o nexo causal com… observância do disposto nos artigos 563.º, 342.º e 483.º do CC.”

Do dano.

Insurge-se, finalmente, a recorrente contra a susceptibilidade de ser dado como provado que os bens (descritos na factualidade provada) colocados no cofre aí se tenham mantido ao longo dos mais de 7,5 anos que durou o contrato (conclusões 97ª a 106ª).

Porém, trata-se de objecções à matéria de facto que foram já apreciadas no acórdão anterior.”

Assim, mantêm-se os danos que decorrem dos factos provados em DDD) e EEE) e que se consubstanciam na subtração dos bens em causa.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

“1. Não basta que um documento junto aos autos tenha força probatória plena para que o facto seja tido como assente e provado nos autos; é preciso ainda que tal facto tenha sido alegado e releve para a decisão da causa, isto é, que se trate de um facto essencial e não meramente instrumental;

2. O contrato de cofre-forte (ou de aluguer de cofre-forte) é um contrato misto, que combina elementos do contrato de locação e do contrato do depósito e em que o banco assume a obrigação essencial de velar sobre a segurança do cofre-forte;

3. Não tendo provado que os seus funcionários actuaram com a diligência, o cuidado e o zelo que lhes era exigível, o Banco é responsável pelos danos que decorram, para os clientes, do furto do conteúdo do cofre-forte.”

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.”

18. Em recurso penal, no processo 1210/18.0T9PNF.P1, em que foi arguido AA, foi proferido acórdão em 25.11.2021, já transitado em julgado, de que se reproduzem os seguintes excertos:

“Por sentença de 11 de junho de 2021 proferida nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular, julgada procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, foi o arguido recorrente AA, no que concerne à parte criminal, condenado:

a) pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado dos artigos 359.º, n.º 1 e 361.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

b) pela prática de um crime de falsificação de documento do art.º 256.º, n.º 1, als. a), c) e e), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

c) em cúmulo jurídico das penas aplicadas em a) e b), na pena única de 2 (dois) anos de prisão

A referida pena única de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos na condição de, em idêntico período, o arguido proceder à entrega do montante de 3.000,00€ (três mil euros) à (…) Associação de apoio aos traumatizados crânio-encefálicos e suas famílias.

Inconformado, recorreu o arguido.

Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): (…)

OBJETO DO RECURSO

Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que os recorrentes extraem da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso

No caso concreto, considerando as conclusões que constam do recurso interposto pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e fez uma errada apreciação da prova no que concerne aos pontos 29, 30, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 42 da matéria de facto provada;

Se se mostra violado o princípio in dubio pro reo;

Se se mostram preenchidos os elementos típicos dos crimes de falsidade de depoimento e de falsificação de documento pelos quais o recorrente foi condenado;

Se se verifica uma relação de concurso real ou efetivo entre os crimes de falsidade de depoimento e de falsificação de documento pelos quais o recorrente foi condenado, ou se pelo, contrário, existe concurso aparente;

Se a escolha e determinação da medida concreta da pena se mostram acertadas.

(…)

FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA

Factos provados:

Da discussão da causa, e no concerne à parte criminal, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

1.A CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO VALE DO SOUSA E BAIXO TÂMEGA CRL (CCA) é uma cooperativa de responsabilidade limitada que tem como objeto o exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária nos termos da legislação aplicável

2. No exercício da sua actividade a assistente CCA celebrou com o arguido AA e a mulher BB, no dia 24 de fevereiro de 2005, um contrato denominado “Contrato de Locação de Cofre Forte”.

3. Tal cofre locado estava situado na sede da CCA, no Largo ..., ..., dentro do cofre-forte geral do estabelecimento bancário.

4. Acontece que o estabelecimento bancário explorado pela assistente CCA, no referido Largo ..., em ..., foi objecto de furto, na noite de 17 de novembro, Sábado, para 18 de novembro, Domingo, de 2012.

5. Nessa noite um grupo de assaltantes introduziu-se ilegitimamente na Cooperativa Agrícola de ..., cujo edifício confina com o da Caixa de Crédito, aí tendo permanecido com intenção de furtar bens e haveres.

6. E após terem conseguido penetrar no estabelecimento bancário explorado pela Caixa de Crédito, os assaltantes desceram ao piso -1 do edifício da assistente CCA e abriram um buraco na parede do cofre-forte geral da instituição, pelo qual acederam ao interior do mesmo.

7. Aí, tais indivíduos procederam ao arrombamento dos vários cofres de aluguer utilizados pelos clientes da Caixa de Crédito.

8. Tal furto foi objeto de investigação criminal, tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo nº989/12.7GBPNF que ocorreu termos na ...ª secção do DIAP do Tribunal da Comarca ....

9. Em 09 de Março de 2017, o ora arguido AA veio intentar contra a assistente CCA uma acção que veio a correr os seus termos como processo nº 812/17.6..., pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível de ...– Juiz ....

10. Na petição inicial apresentada pelo arguido AA, no âmbito do aludido processo nº 812/17.6..., o mesmo alegou que dentro do cofre por si locado estaria, no momento do assalto, para além do mais aí descrito, a quantia de € 30.000 que, alegadamente, lhe teria sido entregue pelo Sr. CC, em 2 de novembro de 2012, pretensamente destinada à aquisição de uma viatura automóvel.

11. O arguido AA alegou o seguinte no artigo 16º daquela PI: “Mais concretamente, colocaram [o ora arguido e sua Mulher] o seguinte:

- a) a quantia de 60.000,00€, em maço de notas de 500€”

12. Acrescentando, nos artigos 79º a 81º da mesma peça processual, o seguinte:

“79. - Os danos patrimoniais sofridos correspondem ao valor dos bens furtados do interior do cofre, que a seguir se discriminam:

a)- a quantia de €60.000, em maço de notas de €500.[…]

80. O valor de €60.000 referido em a) tinha sido guardado no cofre, poucos dias antes do assalto.

81. E tinha sido recebido pelo A.-marido, como adiantamento para a compra de duas viaturas importadas da ..., uma de marca Audi, modelo A% [queria dizer-se A5] e outra da marca Mercedes-Benz, classe C- AMG, enquanto gerente da A..., sociedade que se dedica a compra e venda de viaturas automóveis”.

13. O documento junto como documento nº 10 da aludida PI constituiria, assim, segundo o arguido AA, uma Proposta de Compra e Venda, datada de 02.11.2012, pretensamente assinada por si e pelo Sr. CC, residente na Quinta ..., portador do BI Nº ...44, e do NIF Nº ...98.

14. Esse documento titularia, assim, na versão do ora arguido AA (e Autor naquela acção), nos termos do mesmo constantes, o “Adiantamento no valor de 30.000,00€ para aquisição de uma viatura importada (...) da marca/modelo: Mercedes-Benz C AMG”.

15. Ou seja, era com base nesse documento que o arguido AA (e ali Autor) invocava ter recebido do referido Sr. CC a quantia de € 30.000 que, pretensamente, a par de outras quantias, teria colocado no cofre de aluguer.

16. No âmbito da instrução do processo judicial em causa, o arguido AA, em 07 de maio de 2018, veio a prestar depoimento de parte, conforme resulta da acta da respectiva audiência.

17. Dessa acta decorre que o ali Autor, e ora arguido, “Foi advertido nos termos do disposto nos artigos 459º e 417º do Código de Processo Civil. Prestou juramento legal. O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital….”.

18. Nesse depoimento, o arguido AA confirmou genericamente o que havia alegado na petição inicial, ou seja, afirmou que recebeu, no âmbito da compra de dois automóveis (Mercedes-Benz e Audi), dois adiantamentos, no valor de 30.000€ cada, sendo um o pretensamente recebido do Sr. CC.

19. De facto, afirmou o arguido AA, o seguinte, conforme resulta do depoimento gravado:

“DOCUMENTO [ficheiro: 20180507105800_3495088_2871634; depoimento prestado no dia 7 de maio de 2018]:

AA [00h06m07s]: As moedas devem ter sido em 2010, por aí, 2009, 2010. Tinha ainda 60.000€ em dinheiro que era de dois clientes que me tinham dado para ir buscar, um era um Audi e outro um Mercedes para ir buscar à ... que prontos, o ramo automóvel é um bocado isso, quando há uma encomenda de um carro, as pessoas pagam o carro a gente vai buscar. Faz-se isso regularmente, depois temos a nossa comissão de angariação de negócio… ainda se pratica hoje.

Mma. Juíza [00h06m33s]: Os senhores não conhecem contas bancárias?

AA [00h06m37s]: Para comprar carros na ... diretamente de particulares, chegar lá trazer o carro tem que se levar dinheiro. De outra forma tem que se esperar três dias que o dinheiro lá chegue, dois três dias, na altura, era mais difícil que hoje, mesmo assim hoje, quando me aparece uma encomenda de uma viatura específica, a gente arranja o carro, tem que meter-se no avião e ir buscar levar dinheiro, pagar e trazer.

Mma. Juíza [00h07m02s]: E diz o … então, este, que dinheiro é que o senhor disse que tinha lá?

AA [00h07m06s]: 60.000€

Mma. Juíza [00h07m07s]: 60.000€ tinha-os lá colocado quando?

AA [00h07m11s]: Foi na semana também anterior, quando fui levar os objectos, quando fui levar os objectos de ouro particulares levei esse dinheiro também.

Mma. Juíza [00h07m19s]: Então quem ia comprar o carro também era um bocado totó, não é? Dá-lhe 60.000€ e o senhor vai para o méxico… AA [00h07m26s]: Foram duas, foram duas pessoas.

Mma. Juíza [00h07m29s]: Duas pessoas sim senhor. 30.000€ cada uma AA [00h07m35s]: Dois clientes sim.

Mma. Juíza [00h07m37s]: Dois clientes sim senhor. E lhe tinham dado para o senhor ir buscar carros mas o senhor ia de férias…

AA [00h07m44s]: Normalmente as pessoas… procura-se o carro na net, não aparece logo, é vendido e as pessoas têm que ter o dinheiro na hora para arrancar, não me dão o dinheiro no dia em que vou não é? Tem que me dar…

Mma. Juíza [00h07m55s]: Está bem oh senhor, uma coisa é não lhe darem o dinheiro no dia em que o senhor vai, outra coisa é darem-lhe o dinheiro na véspera de o senhor ir para férias. Não é? Agora não vou, pelo menos uma semana sei que vou estar fora, os senhores dão-me… o senhor também tem que marcar as viagens de avião da ..., também não se vai…por muito rápido que seja..

AA [00h08m12s]: É dois, três dias.

Mma. Juíza [00h08m15s]: Não é? Ou mesmo que vá de carro, a pessoa chega à sua beira, digo eu… eu se tivesse 30.000€, por 30.000€ que fossem e sendo uma… não é? Uma pessoa não levanta 30.000€ para depois ficar… AA [00h08m31s]: Quando se conhece as pessoas e as pessoas trabalham direito e tenho uma empresa que é credível não vejo problema nenhum.

Mma. Juíza [00h08m37s]: Sim senhor, eu também não vejo problema nenhum. Olhe estou a perguntar se o senhor, diz o senhor que isso terá sido na mesma altura que colocou lá o…”

20. No âmbito de instrução do processo judicial em causa, foi ouvido como testemunha, no mesmo dia 07.05.2018, o Sr. CC, conforme resulta da acta da respectiva audiência.

21. Dessa acta decorre que o Sr. CC, “Aos costumes disse que conhece o Autor. Foi advertido nos termos do disposto nos artigos 459º do Código de Processo Civil. Prestou juramento legal. O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital ...”.

22. Nesse depoimento, o Sr. CC negou alguma vez ter entregado ao arguido AA qualquer quantia de € 30.000, negando igualmente ter assinado a “proposta de compra e venda” cuja assinatura lhe foi imputada por aquele.

23. O Sr. CC aí referiu, como testemunha:

“DOC [ficheiro: 20180507123613_3495088_2871634; depoimento prestado no dia 7 de maio de 2018]

Mma. Juíza [00h00m03s]: A sua idade e a sua profissão CC [00h00m00s]: CC

Mma. Juíza [00h00m01s]: CC. Que idade tem senhor CC?

CC [00h00m04s]: 54.

Mma. Juíza [00h00m05s]: 54 anos. E o que é que faz?

CC [00h00m07s]: Eu sou técnico de formação profissional. Mma. Juíza [00h00m09s]: Técnico de formação profissional. Morada? CC [00h00m12s]: Quinta .... Mma. Juíza [00h00m18s]: O senhor CC conhece o senhor AA?

CC [00h00m21s]: Sim conheço. Mma. Juíza [00h00m22s]: E conhece por quê?

CC [00h00m23s]: Conheço o senhor AA já há muito tempo…

Mma. Juíza [00h00m29s]: Conhece porque andaram juntos na escola…? Porque lhe compra automóveis…? Porque…?

CC [00h00m35s]: Conheço o senhor AA do aspecto social. Sei que o senhor AA tem um stand de automóveis e… conheço o senhor AA já há muitos anos.

Mma. Juíza [00h00m43s]: E o senhor também se dedica à actividade de compra de automóveis?

CC [00h00m47s]: Não senhora doutora.

Mma. Juíza [00h00m48s]: Nem particularmente?

CC [00h00m49s]: Nem particularmente.

Mma. Juíza [00h00m53s]: E nunca, celebrou nenhum negócio com o senhor…?

CC [00h00m57s]: Não.

Mma. Juíza [00h00m59s]: Com o senhor…?

CC [00h01m00s]: Não senhor.

Mma. Juíza [00h01m01s]: AA?

CC [00h01m02s]: Nunca celebrei nenhum negócio no ramo automóvel nunca celebrei nenhum negócio. Nem noutros.

Mma. Juíza [00h01m07s]: Nem nunca encomendou nenhum Mercedes Benz AMG?

CC [00h01m12s]: Não, não.

Mma. Juíza [00h01m13s]: Nem ao senhor… ao senhor AA não.

CC [00h01m16s]: A ninguém.

Mma. Juíza [00h01m18s]: Também não o fez a um senhor… LL?

CC [00h01m27s]: Não senhora doutora.

Mma. Juíza [00h01m27s]: Conhece o senhor LL?

CC [00h01m29s]: Não.

Mma. Juíza [00h01m30s]: Não conhece?

CC [00h01m31s]: Não. Não conheço.

Mma. Juíza [00h01m33s]: […] MM vai fazer o favor… antes disso: jura por sua honra então dizer a verdade?

CC [00h01m39s]: Juro por minha honra aquilo que estou a dizer.

Mma. Juíza [00h01m41s]: Vai fazer o favor de se sentar. 26 verso. O senhor alguma vez viu esse papel?

[…]

CC [00h01m57s]: Senhor doutora nunca vi isto à minha frente.

Mma. Juíza [00h01m59s]: Olhe, alguma dessas assinaturas é a seu aí no fundo?

CC [00h02m08s]: Isto que está aqui, senhora doutora? Não! Este onde diz o comprador?

Mma. Juíza [00h02m11s]: Sim.

CC [00h02m11s]: Não, senhora doutora.

Mma. Juíza [00h02m12s]: Essa assinatura não é a sua

CC [00h02m14s]: Não.

Mma. Juíza [00h02m15s]: E o senhor nunca encomendou nenhum Mercedes?

CC [00h02m16s]: Eu nunca encomendei nenhum Mercedes.

Mma. Juíza [00h02m17s]: E olhe, e entregar 30.000,00€ a alguém?

CC [00h02m20s]: Nunca entreguei dinheiro a ninguém.

Mma. Juíza [00h02m22s]: Não?

CC [00h02m22s]: Eu, as viaturas que comprei, comprei-as e paguei-as….

Mma. Juíza [00h02m26s]: Pronto sim senhor. Deixe-me só ver aí uma coisa.[…] Sim senhor. Portanto este documento o senhor nunca viu, 30.000,00€ nunca entregou…mas a sua morada é a Rua ...Tenente Valadim?

CC [00h03m00s]: Não senhora doutora.

Mma. Juíza [00h03m00s]: Bloco ...?

CC [00h03m01s]: Não. Quinta ...

... [00h03m05s]: Há outro, o que a Senhora Doutora está a ver é da página seguinte.

Mma. Juíza [00h03m06s]: Desculpe. E Quinta ...?

CC [00h03m11s]: É próximo de ... mas a morada específica não é ... é um outro local de ...

Mma. Juíza [00h03m13s]: Ok sim senhor. Muito bem. Olhe negócios nunca fez, trinta mil euros nunca entregou. O que o senhor AA tinha no cofre também não sabe.

CC [00h03m23s]: Não sei.

Mma. Juíza [00h03m24s]: Também não sabe?

CC [00h03m25s]: Não senhora doutora.

Mma. Juíza [00h03m26s]: Pronto sim senhor. Alguma coisa senhor doutor?

... [00h03m28s]: Só uma pergunta para confirmar. O seu número de contribuinte é o ...98?

CC [00h03m33s]: Sim sim.

... [00h03m34s]: Esse é o seu número de contribuinte?

CC [00h03m35s]: Sim exactamente.

... [00h03m37s]: É que este senhor estava indicado como testemunha… como testemunha dos Autores, e eu acompanhei…

Mma. Juíza [00h03m42s]: Já percebemos senhor doutor, já percebemos que este senhor estava indicado como testemunha dos autores e que… olhe já agora o seu bilhete de identidade é o ...44?

CC [00h03m54s]: Posso confirmar, mas penso que sim.

Mma. Juíza [00h03m56s]: Pronto.

CC [00h03m56s]: Se quiser que confirme senhora doutora, tenho aqui…

Mma. Juíza [00h03m57s]: Se fizer o favor de confirmar… […]

CC [00h04m07s]: ...44.

Mma. Juíza [00h04m10s]: ...44.

CC [00h00m03s]: ...44.

Mma. Juíza [00h04m13s]: Pronto sim senhor.

CC [00h04m13s]: ...44.

Mma. Juíza [00h04m16s]: Pronto. Sim senhor. É só senhor Doutor?

... [00h04m21s]: Não. Portanto, resumindo, não é verdade que enquanto…

Mma. Juíza [00h04m25s]: Se for para repetir o óbvio…a questão é como é que este papel aparece.

... [00h04m32s]: Pois.

24. Conforme resultou do depoimento desta testemunha, o Sr. CC nunca viu, elaborou ou assinou qualquer documento de acordo compra e venda, nomeadamente o que consta como documento nº 10 da aludida PI.

25. Nem o Sr. CC alguma vez entregou ao arguido AA o valor (30.000€) que este alegou ter recebido e colocado no cofre.

26. Afirmou o arguido também, no seu depoimento, que colocara os mencionados 60.000€ no cofre na semana anterior à sua viagem ao ....

27. como este afirmou, essa colocação teria ocorrido por volta de inícios de novembro ou finais de outubro de 2012.

28. Afirmou o arguido AA, o seguinte, conforme resulta do depoimento gravado:

“DOCUMENTO ficheiro: 20180507105800_3495088_2871634; depoimento prestado no dia 7 de maio de 2018]

AA [00h04m20s]: Na semana anterior a… nós fizemos uma viagem em 2012, foi no dia, penso que era no dia 7, 7 de Novembro, 7 a 13 de Novembro, tivemos ausentes fomos ao ... da parte financeira, que a gente trabalha, faz créditos e as financeiras normalmente oferecem uma viagem uma vez por ano, e nós como íamos sair a minha esposa disse opa se calhar é melhor já que tens o cofre lá em cima metias lá também esses objetos e então os objetos de ouro tiramos uma foto e metemos tudo lá, pensando que estava mais seguro.

Mma. Juíza [00h04m52s]: Sim senhor. E isso foi quando, quando é que lá colocou colocaram os objetos?

AA [00h04m55s]: Foi na semana anterior de eu ir para o ... por isso terá sido nos princípios, finais de Outubro princípios de Novembro…

Mma. Juíza [00h05m02s]: De que ano?

AA [00h015m03s]: 2012. foi na semana anterior… esses objetos estavam em casa e foram postos lá na semana anterior de eu sair para o méxico. Eu fui no dia 7, penso que foi 7 a 13 ou 7 a 14…

Mma. Juíza [00h05m15s]: 7 de Outubro?

AA [00h05m15s]: 7 de Novembro.

Mma. Juíza [00h05m17s]: Novembro.

[…]

Mma. Juíza [00h07m02s]: E diz o … então, este, que dinheiro é que o senhor disse que tinha lá?

AA [00h07m06s]: 60.000€

Mma. Juíza [00h07m07s]: 60.000€ tinha-os lá colocado quando?

AA [00h07m11s]: Foi na semana também anterior, quando fui levar os objetos, quando fui levar os objetos de ouro particulares levei esse dinheiro também

[…]

... [00h26m05s]: É isso? É? E porque é que, então, antes do senhor alegadamente lá ir, nas vésperas do assalto colocar 60.000,0€ e colocar as tais moedas de ouro…

Mma. Juíza [00h26m20s]: Não senhor doutor, as moedas de ouro já lá estava…as barras estavam desde 2005, as moedas estariam de 2009…

... [00h26m28s]: Não não. 2010.

Mma. Juiza [00h26m29s]: 2009/2010. E as últimas coisas que lá colocou em Novembro de 2009/2010… foi o ouro em 2012, na mesma ocasião em que entregou os dois, os 60.000€

... [00h26m42s]: Portanto esse…

Mandatário dos Autores [00h26m44s]: Senhora doutora, as últimas de 2012.

Mma. Juíza [00h26m45s]: Sim 2012, Novembro de 2012.”

29. Apesar de o arguido AA alegar que colocara os 60.000€ no cofre na semana anterior à data da sua viagem ao ... (viagem que teria ocorrido a 7 de novembro), esta visita ao cofre locado nunca ocorreu.

30. A última vez que o arguido AA visitou o cofre foi no dia 24 de setembro de 2012.

31. Na sentença proferida no referido processo nº 812/17.6..., pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., foi dado, para além do mais, como facto não provado: que o aí Autor, ora arguido, à data de 17/18 de novembro de 2012, tinham ainda colocado no cofre contratado com a aí Ré, ora assistente a quantia de 60.000 EUR, em maços de notas de 500 EUR.

32. Mais refere o Tribunal, na douta sentença, na sua convicção, a este propósito, o seguinte:

“Já se não teve por minimamente corrborada a existência no mesmo cofre da convocada quantia em dinheiro…

[…]

Anote-se a absoluta ilogicidade do comportamento em juízo atestado pelas testemunhas NN (não obstante quanto a este, ainda, o documento de fls. 26 dos autos) e LL, quanto a entregas antecipadas de dinheiro, sem qualquer justificação racional; a estranheza da infirmação directa do documento de fls. 26 verso pelo ali identificado “comprador” e, finalmente, ainda que ultrapassadas tais perplexidades, à ocasião temporal mesma a que foram referidas as entregas de dinheiro, no confronto agora com o teor dos registos de visitas ao cofre em causa, conforme documento cuja junção foi ordenada em audiência, completada aquela prova documental pelo depoimento dos funcionários da Ré, responsáveis por aquele registo, OO e PP.

Tudo em termos de não se ter por afirmada/demonstrada a existência e depósito no cofre da alegada quantia em dinheiro.”

33. O arguido AA prestou, assim e quanto à mesma realidade, depoimento totalmente contraditório com o depoimento dali testemunha CC, bem como do documento registo de visitas, junto a tais autos.

34. Sendo certo que ao depor como parte sabia que o fazia no âmbito de um processo-civil, perante autoridade competente para receber depoimento e que estava obrigado a falar com verdade.

35. Apesar disso, o arguido livre, voluntária e conscientemente, faltou à verdade, com o intuito de, por essa forma, dificultar a realização da justiça tendo perfeita consciência que o seu comportamento é proibido e punido por lei.

36. O arguido AA juntou como prova dos factos que alegava o documento junto como documento nº10 da sua PI - Proposta de Compra e Venda, datada de 02.11.2012, assinada por si e com a assinatura imitada de CC.

37. O arguido AA, com a intenção de obter para si um benefício ilegítimo, por si ou por alguém a seu mando, fabricou e utilizou tal documento bem sabendo que o mesmo não correspondia à realidade e que continha uma assinatura imitada, do aludido CC.

38. O arguido AA utilizou em Tribunal esse documento, que foi fabricado, como forma de procurar iludir o Tribunal.

39. O arguido agiu fazendo crer o Tribunal que tal proposta de compra e venda era autêntica e com a intenção de usar, como usou, documento falso.

40. O arguido AA sabia que CC não tinha assinado a “Proposta de Compra”.

41. Bem como sabia que o mesmo não lhe tinha entregado os 30.000€ referidos nesse documento, que foi fabricado.

42. O arguido AA, com a sua actuação, visava enganar a assistente e o Tribunal quanto aos bens e o valor dos bens que tinha guardado no cofre, por forma a, através da ação judicial, procurar receber valores a que não tinha direito.

43. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente.

44. O arguido agiu bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou:

45. O arguido é proprietário dos veículos com as matrículas QG-..-.., ..-..-RB, ..-..-XC e P-......

46. O arguido encontra-se inscrito na Segurança Social como membro de órgão estatutário das sociedades A..., Lda., G..., Lda. e A..., Lda., tendo como última remuneração registada a relativa a março de 2021 no valor de 750,00€.

47. O arguido declarou em sede de IRS ter auferido, em 2017, a título de trabalho dependente, o rendimento líquido de 6.942,00€, a título de mais valias prediais o valor de 1.000,00€ e a título de rendimentos prediais o valor de 8.463,62€; em 2018, a título de trabalho dependente, o rendimento líquido de 6.942,00€, a título de rendimentos profissionais, comerciais e industriais o valor de 974,77€ e a título de rendimentos prediais o valor de 8.903,07€; e, em 2019, a título de trabalho dependente, o rendimento líquido de 8.534,07€, a título de rendimentos profissionais, comerciais e industriais o valor de 1.799,20€, a título de rendimentos prediais o valor de 9.158,30€ e a título de mais valias o valor de 440,00€.

48. O arguido reside com a mulher em casa própria.

49. A mulher exerce as funções de sócio-gerente nas sociedades em que o arguido também exerce tais funções.

50. O arguido tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.

51. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

(…)

Da impugnação da matéria de facto.

(…)

Assim sendo, não existem motivos para se alterar a matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente, mantendo-se o factualismo dos pontos 29, 30, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 42 da matéria de facto dada como provada.

Também não resulta do texto da sentença a existência algum dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.

Improcede, pois, o recurso no que concerne à primeira questão.

(…)

III - DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 6 UC a taxa de justiça.”

O Direito.

Conhecimento do fundamento de revisão (art 700º, nº 1 do CPC):

A requerente pretende a revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na falsidade das declarações de parte do autor, ao abrigo do art. 696º, al. b) do CPC.

Tendo a decisão sido cindida em dois acórdãos (um relativo à revista normal, relacionada com a impugnação da decisão de facto e outro que seria proferida, como foi, em relação à decisão de direito), é óbvio que a requerente pretende a revisão dos dois acórdãos.

A requerente juntou certidão do acórdão da Relação transitado em julgado que condenou o autor como autor do crime de falsidade de depoimento, relacionado com as declarações que prestou em relação ao depósito da importância de € 60.000, que se provou serem falsas.

Sucede, porém, que no acórdão deste Supremo, no seguimento do da Relação, esse facto foi considerado não provado, pelo que não é essa decisão que, obviamente, a requerente pretende rever.

O facto que a requerente pretende rever é, portanto, o da Al. DDD), que se reporta ao depósito que os autores terão efectuado no dia 17/18 de Novembro de 2012 de três barras de ouro, uma colecção de moedas de ouro e diversos objectos em ouro: “DDD) Os Autores, à data de 17/18 de Novembro de 2012, tinham colocado no cofre contratado com a Ré: - três barras de ouro de ao menos 0,5 Kg, cada uma, cujo valor, à data do assalto, ascendia a € 66.871,50; - uma colecção de moedas de ouro – “As mais pequenas moedas de ouro do Mundo”, no valor de ao menos €1.160,89; - Diversos objectos em ouro: 1 cordão, vários (6) colares ou fios; 3 pulseiras, 3 medalhas, 3 crucifixos, dois pares de brincos, quatro anéis e dois jogos de botões de punho, no valor global de pelo menos € 4.380 EUR;”

Vejamos.

Como se sabe, o artigo 696º, nº 1, b) do CPC exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a alegação da falsidade; a alegação de que a sentença cuja revisão se pede tenha sido determinada por essa falsidade, ou seja, que o acto falso tenha “determinado a decisão a rever” (nexo de causalidade adequada) e a alegação de que a falsidade não tenha sido discutida no processo em que foi proferida a sentença (cfr. Ac STJ de 6.6.2019, proc. 98/16.0T8BGG-A.G1.S1 e Ac. STJ de 2.2.2022, proc. 7361/15.5T8CBR-D.C1.S1). Porém, para a decisão mostram-se especialmente relevantes dois acórdãos cujos sumários, por elucidativos, se transcrevem.

Um deles é o Ac. STJ de 7.10.2020, proc. 2262/16.2T8PNF.P1.S1:

“I-Tendo a decisão objecto do recurso extraordinário de revisão (decisão revidenda) sido proferida, em termos definitivos, pelo tribunal da Relação, é a 2.ª instância competente para conhecer da admissibilidade do recurso de revisão, nos termos do n.º 1 do art. 697.º do CPC, nada obstando a que, da decisão assim proferida, em primeiro grau, seja interposto recurso para o tribunal superior (em primeiro grau de recurso), no caso para o STJ.

II - A questão objecto de presente recurso consiste em saber se a Relação decidiu correctamente ao rejeitar imediatamente o recurso extraordinário de revisão por entender não se verificar nexo de causalidade entre a falsidade do depoimento prestado por testemunha no decurso da produção de prova e a decisão definitiva que veio a ser proferida.

III - Tanto da motivação da sentença da 1.ª instância, sufragada pelo acórdão revidendo, como do teor da reapreciação da matéria de facto feita no mesmo acórdão, extrai-se o seguinte: a improcedência da pretensão indemnizatória do autor resultou da falta de prova da colisão entre o motociclo do autor e o veículo ligeiro segurado na ré; a sentença da 1.ª instância, confirmada pela Relação, deu como provado que, “Nas mencionadas circunstâncias de tempo e lugar e num contexto que não foi possível apurar, o Autor e o motociclo caíram/tombaram no chão, seguindo de zorro, a raspar pelo piso da via”, desconsiderando assim a versão do acidente apresentada pelo autor e corroborada pelas testemunhas por ele arroladas; a veracidade dessa versão do acidente foi abalada pelo depoimento da testemunha X, assim como por um conjunto de outras fragilidades apontadas aos demais depoimentos; o depoimento dessa testemunha não foi, porém, considerado suficientemente credível para dar como provada a versão do sinistro apresentada pela ré; tanto pela falta de credibilidade dos depoimentos das testemunhas como pelos juízos presuntivos efectuados a partir da factualidade provada, apenas foi dado como provado o desconhecimento da causa do acidente do autor.

IV - Pode assim concluir-se que a falsidade do depoimento testemunhal foi concausal em relação à inserção do facto descrito no ponto III, e, consequentemente, foi também concausal em relação à decisão de improcedência da acção.

V - De acordo com orientação doutrinal que se acompanha não é de exigir que a falsidade do meio probatório em crise tenha sido a causa exclusiva da decisão, bastando que tenha, de acordo com a teoria da causalidade adequada comummente aceite pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, sido uma das causas da mesma decisão.

VI - Ora, a partir dos elementos do processado que culminou na decisão revidenda, resulta que o depoimento testemunhal (cuja falsidade se encontra provada) teve influência muito relevante tanto sobre a sentença como sobre o acórdão da Relação, admitindo-se que, no que se refere a este último – que é afinal a decisão revidenda – tal influência tenha mesmo sido determinante.

VII - Apurar se, excluído o depoimento falso, a decisão de facto se manterá ou não, é o objectivo da “fase rescisória” do recurso extraordinário de revisão e não da presente “fase rescidente” na qual apenas cabe proceder à apreciação da verificação do fundamento invocado para o recurso.

VIII - Considerando-se provado o nexo de causalidade adequada entre a falsidade do depoimento em crise e a decisão revivenda, forçoso é concluir-se pela verificação do fundamento do art. 696.º, n.º 1, al. b), do CPC.”

O outro, o Ac. STJ de 13.5.2021, proc. 3606/12.1TBBRG-A.G1.S2, tem o seguinte sumário:

“I. A revisão de decisão judicial transitada com fundamento na al. b) do art. 696º do CPC, designadamente quando se trate de falsidade de depoimento testemunhal, depende da demonstração da falsidade do meio de prova que tenha sido determinante da decisão, isto é causal ou concausal da decisão.

II. Verificada a condenação de uma testemunha pela prática do crime de falsidade do depoimento prestado na audiência final que precedeu a sentença que decretou a anulação de um testamento por incapacidade do testador e a anulação de um contrato de cessão de quinhão hereditário por erro, depoimento que influiu na formação da convicção relativamente aos factos que a 1ª instância e, depois, a Relação consideraram provados e não provados, verifica-se o nexo de causalidade exigido pela al. b) do art. 696º do CPC.

III. Ainda que na condenação criminal a falsidade do depoimento testemunhal tenha sido especificamente evidenciada relativamente aos factos de que resultou a anulação do testamento, revelar-se-ia artificial o estabelecimento de uma distinção relativamente aos dois negócios jurídicos que estavam em discussão, tanto mais que a credibilidade que foi atribuída ao depoimento da testemunha adveio do facto de ser magistrado judicial e de ter uma relação de proximidade com os outorgantes em ambos negócios jurídicos: conviveu com o testador, viveu em união de facto com a filha deste e estava a par do relacionamento existente entre esta e o seu irmão que vieram a celebrar o contrato de cessão do quinhão hereditário.

IV. Nestas circunstâncias, é legítimo concluir que se acaso qualquer das instâncias tivesse conhecimento da falsidade do depoimento testemunhal nos termos que veio a ser penalmente sancionado, tal elemento não deixaria de ser ponderado na avaliação da credibilidade de todo o depoimento, quer quando foi proferida a sentença de 1ª instância quer, depois, quando a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto.

V. Verificando-se, assim, a relação de concausalidade entre o depoimento falso e o acórdão da Relação que confirmou a sentença que declarara a anulação do contrato de cessão de quinhão hereditário, estão preenchidos os pressupostos da revisão extraordinária desse acórdão. “

Revertendo ao caso sub judice:

As declarações de parte foram declaradas falsas em parte, não foram declaradas falsas na matéria do depósito dos objectos do ouro: o depoimento reputado de falso no processo crime abrangeu apenas a matéria do depósito daa quantia € 60.000, não abrangeu o depósito no dia 17/18 de Novembro três barras de ouro, uma colecção de moedas de ouro e diversos objectos em ouro

Além disso, no presente processo, os sucessivos tribunais deram como não provado que o declarante depositou € 60.000 no cofre, porque as declarações de parte do autor “não lograram corroboração periférica” por outros elementos probatórios, como aconteceu com as declarações relacionadas com os objectos em ouro (que foram corroboradas por fotografias e outros elementos). Para os tribunais as declarações de parte foram, portanto, essenciais na formação da convicção do tribunal em relação ao depósito no cofre dos objectos de ouro (mostrando-se os outros elementos periféricos em relação às declarações de parte), e na consequente decisão de procedência da acção.

Assim, é legítimo concluir que “se acaso qualquer das instâncias tivesse conhecimento da falsidade do depoimento testemunhal [declarações de parte] nos termos que veio a ser penalmente sancionado, tal elemento não deixaria de ser ponderado na avaliação da credibilidade de todo o depoimento, quer quando foi proferida a sentença de 1ª instância quer, depois, quando a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto.” (cfr. o citado STJ de 13.5.2021). Tal como se escreve, neste aresto, ainda que na condenação criminal a falsidade do depoimento testemunhal [declarações de parte] tenha sido especificamente evidenciada relativamente a um facto não provado (o do depósito de €60.000), revelar-se-ia artificial o estabelecimento de uma distinção relativamente ao facto provado de que também à data de 17/18 de Novembro de 2012 foram colocados no cofre os objectos em ouro particulares. Nessa medida, pode, assim, concluir-se que a falsidade das declarações de parte foi concausal (como causa principal) em relação à inserção do facto descrito no ponto DDD, e, consequentemente, foi também concausal em relação à decisão de improcedência da acção, tendo tido, portanto, influência determinante tanto sobre a sentença como sobre o acórdão da Relação e do Supremo (cfr. o citado Ac. STJ de 7.10.2020).

Acresce que foi dado como provado na sentença penal que a última vez que o arguido AA visitou o cofre foi no dia 24 de Setembro de 2012, o que também não pode deixar de ser ponderado na avaliação da credibilidade do declarante, que apontou a última visita ao cofre no dia 7 de Novembro de 2012.

Desse modo, considerando-se provado o nexo de causalidade adequada entre a falsidade das declarações de parte e a decisão revivenda, é forçoso concluir-se pela verificação do fundamento do art. 696º, n.º 1, al b), do CPC.

Pelo exposto, e de harmonia com o disposto no art. 701º, nº 1, al. c) do CPC julga-se a revisão procedente, revogam-se os acórdãos do Supremo e, consequentemente, anulam-se o acórdão da Relação e a sentença da 1ª instância, ordenando-se que os autos sigam na 1ª instância os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada.

Custas do recurso pelo recorrido.

Baixem os autos, oportunamente, à 1ª instância.


*


Lisboa, 4 de Julho de 2023

António Magalhães (Relator)

Jorge Dias

Jorge Arcanjo