Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28/20.4SVLSB-C.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
NOVOS FACTOS
PROVA PROIBIDA
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I - O fundamento de revisão consagrado na al. d), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP, exige não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, pois só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão.


II - Os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do recorrente ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a sua não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação em julgamento, embora conhecidos do recorrente, desde que sejam apresentadas razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.


III – Quanto ao fundamento de revisão respeitante à condenação com recurso a provas proibidas, constitui entendimento jurisprudencial consolidado do STJ a exigência da verificação de dois requisitos cumulativos: a condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP; a superveniência no conhecimento (descoberta) e a demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida.


IV – A alegação, sem o mínimo de concretização, de nulidades e de que foi utilizada prova proibida, com invocação da falta de consentimento do visado e coabitantes para a realização de busca domiciliária, diligência que, no caso, teve por base mandado do juiz de instrução criminal, não é suscetível, manifestamente, de integrar fundamento de revisão.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 28/20.4SVLSB-C.S1


Recurso de Revisão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1. AA, com os sinais dos autos, foi, por acórdão proferido em 26.05.2021, no Processo Comum Coletivo n.º 28/20.4SVLSB, que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de ... [J... ..] - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, condenado, pela prática de:


- um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;


- um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-C e I-B, anexas a esse diploma, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;


- Em cúmulo jurídico, foi o mesmo condenado na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, de cumprimento efetivo.


2. Interposto recurso dessa decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 11.01.2022, transitado em julgado em 16.02.2022, negou provimento ao recurso, mantendo, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.


3. Invocando como fundamento o previsto nas alíneas a), d) e e), do n.º 1, do artigo 449.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), veio o referido condenado, em 04.06.2022, interpor recurso extraordinário de revisão do aludido acórdão condenatório, concluindo as suas alegações do modo seguinte (transcrição, sem sublinhados):


«1.º


O arguido AA reclama contra o acórdão que o condenou na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de coautoria de ofensa à integridade física p. e. p. pelo art.º 143º do CP e pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e. p pelo art.º 25º nº 1, do D.L. 15/95 Decreto lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referência à tabela IC-IB, com base em pressupostos errados, nomeadamente provas documentais circunstanciais e proibidas que foram consideradas, entre outros pontos que não se revestem de fundamento.


2.º


O douto Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou a decisão da primeira instância ignorando a matéria de facto e de direito invocadas.


3.º


As questões que o Recorrente arguiu, em sede de recurso perante o douto Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente a omissão de pronuncia e a falta de fundamentação são manifestamente questões de direito e deveriam ter sido conhecidas pelo Tribunal ad quem.


Das Provas:


4.º


Indica-nos o CPP no seu artigo 449.º, que devem existir a descoberta de “novos meios de prova e que tais factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, e “Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos, são unânimes a doutrina e a jurisprudência na afirmação de que deve entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.”


5.º


O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como forma de corrigir decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.


6.º


Tanto no processo civil como no processo penal, a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-se convir-se que no processo penal, se impõe com muito mais certeza, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art.º 29.º n.º 6 estabeleça: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”


7.º


Neste contexto, além das profundas nulidades já verificadas e que não foram reconhecidas pelos referidos Tribunais, vem o recorrente, indicar novos meios de prova, para apreciação sobre a valoração de provas proibidas que as datas dos factos não foram indiciadas e deveriam ter sido, que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade, e que neste momento solicitamos a v/Exma. a sua apreciação, assim como indicar duas novas testemunhas que á data dos acontecimentos não estavam disponíveis para repor a verdade.


8.º


O primeiro novo meio de prova apresentado:


Trata-se de um meio de prova conhecido e que foi valorado de forma incorreta, reportando-se assim à situação da apreensão de estupefacientes no quarto do arguido, assim como a quantia de €15,00 que se encontrava na mesa de cabeceira do arguido, neste ponto teremos de mencionar que:


9.º


A busca domiciliária em Portugal, deve obedecer a requisitos, que “Em sede de busca, não existe qualquer norma paralela à do art.º 141º nº 4 al. d) e e) ou do art.º 194º nº 6 al. a) e b), ambos do CPP, que imponha que ao visado seja dado conhecimento dos concretos factos sob investigação e meios de prova que os sustentam.”


10.º


“De harmonia com o disposto no art.º 118º nºs 1 e 2 do CPP, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular, sendo as nulidades insanáveis, segundo o disposto no art.º 119º do CPP as que resultam expressamente da lei.” De acordo com o contemplado no Acórdão 7/17.9IFLSB-E.L1-5 do Tribunal da Relação da Lisboa.


11.º


Do que aqui se trata é de cumprimento de funções policiais muito bem definidas nos artigos 249.º e 250.º do C.P.P. ou seja, a prática dos “atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “proceder a exames dos vestígios do crime … assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares” e “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art.º 249.º, n. 1, als. a) e b) do C.P.P.).


12.º


O n.º 8 do artigo 250.º do código é claro - precisamente porque esta é questão de melindre e de fronteira na caracterização da atuação policial em confronto com os direitos de arguido – na afirmação de que “os órgãos de polícia criminal podem pedir ao suspeito, bem como a quaisquer pessoas suscetíveis de fornecerem informações úteis, e deles receber, sem prejuízo, quanto ao suspeito, do disposto no artigo 59.º, informações relativas a um crime e, nomeadamente, à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária”


13.º


Como afirmou o Prof. Mota Pinto “o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada não deve ser confundido, nem com o direito à proteção da vida privada, incluindo tanto a liberdade como o segredo da vida privada, nem com o direito à privacidade reconhecido no direito norte-americano com uma amplitude que o aproxima do direito geral de personalidade”.


14.º


“A interpretação do conceito de “visado”, constante do n.º 3 do art.º 177.º da CRP, tendo em atenção as normas constitucionais acima aludidas e acompanhando o pensamento de Costa Andrade – citando Amelung -, deve ter em conta que «cada pessoa que partilha a habitação é portadora autónoma de uma exigência de não intervenção virada contra o Estado. E sobre o direito alheio só pode dispor-se na base de uma legitimação concludente. Na medida em que esta não exista, o consentimento de uma só pessoa não basta para justificar as buscas numa habitação com vários ocupantes» (sublinhado nosso). Costa Andrade, exemplificando, esclarece que «Quando um dos membros da casa autoriza que outro dos habitantes permita a entrada de pessoa particular ou do homem do gás não pode concluir-se que o autorize também a franquear a porta a quem vem preparar a sua condenação, isto é, a inflicção de um mal»; “ Excertos do acórdão N.º 126/2013 do Tribunal Constitucional.


15.º


As decisões judiciais não podem estar feridas de dúvidas, e por esse motivo, o recorrente indica que se trata de uma prova proibida, ou de uma prova que carecia de autorização de outros habitantes residentes, e naturalmente que pudesse o mesmo ter acompanhado a busca junto da PSP, uma vez que fica a dúvida de ter a quantidade de haxixe indicada no seu quarto, e por isso a mesma não deveria ter sido valorada.


16.º


O mesmo se dirá sobre o crime de ofensa à integridade física simples de que foi condenado, pois que não se compreende, nem se vislumbra possível que o arguido, tenha ofendido a integridade de alguém, quando o certo é que o ofendido foi ele, pois que sofreu golpes profundos nos tendões ao ponto de estar incapacitado a 80%, com isto queremos dizer que, um corte nas veias principais dos pulsos, não permitiria que o arguido tivesse força para ofender a integridade de alguém, sendo certo que a sua prioridade seria defender-se das agressões e tentar ser ajudado para não vir a falecer.


17.º


O que inexplicavelmente aconteceu é que o verdadeiro agressor não foi condenado, nem uma repreensão, o que nos indica que o julgador entendeu não existir crime, porém existiu, e prova disso são os 80% de incapacidade do arguido condenado.


18.º


Do regime de permissões dos arts. 355.º e 356.º do CPP decorre uma expressa proibição de valoração da prova (por referência aos princípios da imediação (aqui excepcionado, e publicidade), próprio das nulidades, mas que é especial ao catálogo das proibições previstas no do art.126.º do CPP, seguindo ambas (as proibições aí previstas e as proibições que se encontram previstas dispersamente no processo penal, como são o caso dos art. 355.º e 356.º) o regime das nulidades previstas neste último preceito, cuja “ratio” visa a integridade da convicção do julgador, que deve ser preservada e acautelada de meios de prova proibidos.


19.º


O segundo novo meio de prova apresentado


Continua por se explicar, quando à entrada do metro do ... no dia 04 de março de 2020 ocorreu o crime de ofensa á integridade física grave contra o arguido condenado, a intervenção da PSP não retirou os nomes das pessoas que assistiram ao crime, ao contrario disso mandou dispersar as pessoas presentes, nomeadamente a novo meio de prova que iremos apresentar a testemunha BB, que há data dos acontecimentos teria a idade 18 anos, e que junto com mais pessoas assistiu a medo a todo o acontecimento, indicando que o arguido condenado estava a ser perseguido por dois indivíduos e que um deles atingiu o arguido no braço e no pulso com 2 facas, quando o mesmo protegia a cara das agressões, sendo socorrido pela lojista mais próxima que inclusivamente chamou o INEM, que transportou o arguido para o hospital de …, aonde veio a ser operado.


20.º


Este testemunho não era conhecido do arguido e condenado na data dos factos, pois que inicialmente viu muitas pessoas sem as reconhecer, e também porque a testemunha teve receio, e tem, de represálias do verdadeiro agressor, porém, considera importante repor a verdade dos factos, por esse motivo junta uma Declaração donde expressa tudo o que viu no dia 04 de março de 2020, tal como Doc. 1 que se junta.


21.º


O terceiro novo meio de prova apresentado


O novo meio de prova apresentado trata-se da testemunha CC que se encontrava na casa aonde o arguido residia, pois que, na mesma residia também a sua irmã e sua amiga de nome DD.


Donde explica que pernoitou nessa habitação nessa noite, e que foram acordadas pela entrada da PSP na residência e ouviu a mesma dizer ao arguido que teria de aguardar da sala sentado no sofá enquanto faziam a busca. E que garante que o mesmo não consome estupefacientes e que leva uma vida digna. Por esse facto apresentamos o Doc. 2 que se junta.


22.º


Como se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de julho de 2000, proferido no processo n.º 379/99-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro, e no BMJ n.º 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.


23.º


A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excecional e com fundamentos taxativos.


24.º


Constitui passo imprescindível para a apreciação de recurso de revisão com este fundamento, o conhecimento do núcleo essencial da decisão revidenda, ao nível da fixação da matéria de facto, pois que como se refere no já aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, processo n.º 379/99 - 1.ª Secção, publicado in BMJ n.º 499, pág. 88, uma vez que a revisão solicitada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal implica apreciação de matéria de facto, a decisão a rever deverá ser aquela que tiver apreciado os factos provados e não provados, sendo essa a decisão a submeter a recurso de revisão.


(…)»


4. O requerimento mostra-se instruído com duas declarações subscritas por BB e CC, a que se faz referência nos artigos 19.º/20.º e 21º, respetivamente, das conclusões acabadas de transcrever.


5. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso no sentido de não ser admissível a revisão.


6. No tribunal da condenação, o Mm.º Juiz titular do processo, nos termos do artigo 454.º do CPP, prestou informação sobre o mérito do pedido do modo seguinte (transcrição):


«Veio o Condenado AA apresentar o presente Recurso Extraordinário de Revisão, contestando a decisão condenatória deste Tribunal confirmada pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa.


Compulsados os fundamentos do recurso, não se vislumbra que os mesmos se adequem ao previsto no art.º 449.º do Código do Processo Penal.


Com efeito, vem o Condenado questionar a forma como foi valorada a busca na decisão impugnada, apelando a que tal busca está viciada com nulidade, a qual não foi reconhecida no decurso do processo e, entende-se, não é de reconhecer por falta de fundamento para tanto.


Adita ainda duas testemunhas que alega não ter tido conhecimento para oportuna inquirição. A primeira, BB, que apresenta uma declaração escrita, não adianta mais nada para além daquilo que foi avaliado pelo Tribunal da primeira instância. Houve uma contenda entre arguidos e EE e lesões de parte a parte. A dinâmica dessas agressões, com os Arguidos a virem ao encontro de EE, foi devidamente apurada pelo Tribunal e não será o depoimento de uma testemunha, que presencia o momento em que os três se envolvem em troca de golpes que logrará gerar dúvida sobre tal dinâmica.


A segunda testemunha, alega o Condenado, será alguém que estava em casa do mesmo quando ali entrou a Polícia de Segurança Pública e o próprio lá dentro se encontrava. Não se vislumbra, pois, como possa tal testemunha ser um meio de prova do qual o Condenado apenas agora tomou conhecimento e, por isso, não será admissível a revisão com fundamento no seu contributo.


Consequentemente, é entendimento deste Tribunal que o pedido de revisão não deverá ser admitido.


Porém, reapreciando, V. Ex.ª farão a costumada Justiça.»


7. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o artigo 445.º, n.º1, do CPP, emitiu parecer no sentido de “ser manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, não se verificando os requisitos a que se refere(m) as normas do artigo 449.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do C.P.P., e /ou de qualquer dos demais segmentos do mesmo preceito legal, o que deverá determinar a negação da pretendida revisão de sentença, sendo, neste sentido, que se emite parecer.”


8. Notificado o recorrente da posição assumida pelo Ministério Público, para, em 10 dias, querendo, dizer o que tivesse por conveniente, não respondeu.


9. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão [artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP] e este tribunal é o competente [artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP).


10. Realizada a conferência, nos termos do artigo 455.º, n.º 3, do CPP, cumpre decidir, constituindo objeto do recurso apreciar a verificação dos fundamentos de admissibilidade da revisão de sentença previstos nas alíneas a), d) e e), do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. No acórdão cuja revisão agora se pretende foram julgados provados os seguintes factos (transcrição da parte respeitante ao ora recorrente):


1. O arguido FF vivia à data dos factos, em comunhão de cama e mesa com GG, irmã dos arguidos HH e AA


2. No dia 4 de março de 2020, cerca das 10H20, EE e II encontravam-se na entrada da estação do metropolitano do ..., em ....


3. Quando GG saía da estação, por se encontrar ao telemóvel, quase que colidia contra ambos.


4. EE interpelou-a.


5. Como não gostasse da forma como fora chamada a atenção, GG insurgiu-se contra EE, gerando-se entre ambos uma acesa discussão.


6. Então, GG telefonou aos seus irmãos HH e AA, pedindo a sua comparência no local para a defenderem.


7. Algum tempo depois, num momento em que EE e GG ainda discutiam, o arguido HH chegou ao local.


8. E, aproximando-se de EE, desferiu-lhe um pontapé e de seguida, inúmeros socos por várias partes do corpo.


9. Pouco tempo após, ali compareceu o arguido AA e, juntando-se ao seu irmão, desferiu um pontapé em EE.


10. HH voltou a dirigir-se a EE e a desferir-lhe inúmeros socos e pontapés por várias partes do corpo.


11. Logo após, o arguido AA avançou para EE, que nessa ocasião já empunhava uma navalha que retirara do bolso e, desferiu-lhe um soco que não lhe acertou.


12. EE desferiu um golpe com a lâmina, atingindo AA na mão e no antebraço.


13. Em consequência direta e necessária da conduta dos arguidos HH e AA, EE sofreu para além da alteração da sua sensibilidade (dor), múltiplas escoriações e hematomas na face e na cabeça.


14. Tais lesões, determinaram ao ofendido um período de doença de 8 dias com afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional por igual período e deixou um vestígio cicatricial permanente na cabeça, que, no entanto, não desfigura de forma grave.


15. Em consequência da contenda, o arguido AA foi transportado ao Hospital a fim de receber tratamento.


16. Os arguidos bem sabiam que, com os comportamentos acima descritos, lesavam o corpo e a saúde de EE e, apesar desse conhecimento, agiram com o propósito de atingir tal desiderato, conforme veio efectivamente a suceder.


(…)


43. No dia 13 de maio de 2020, cerca das 07H00, o arguido AA guardava na sua residência, sita na Rua ..., em ..., mais propriamente no seu quarto, em cima de uma prateleira:


- vários pedaços de cannabis (resina), com o peso líquido de 60,091 gramas;


- uma embalagem de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4,565 gramas;


- uma faca de cozinha com resíduos de cannabis.


44. Detinha ainda €15,00 em notas do BCE, acondicionados na sua carteira.


45. O arguido AA conhecia a natureza e as características do estupefaciente que lhes foi apreendido.


(…)


48. Em todas as condutas, os arguidos agiram de forma livre deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.


Das condições pessoais dos Arguidos


(…)


- do Arguido AA —


86. AA é o primeiro de quatro irmãos, descendente de mãe adolescente e inserido numa família com fortes limitações em termos económicos e dificuldades por parte da família em prover a sua manutenção e orientação quotidiana.


87. Até aos 10 anos de idade o arguido e família viveram num bairro de barracas até serem realojados no bairro onde actualmente moram, ambos os locais com forte incidência de problemas sociais.


88. Apresenta percurso escolar regular no primeiro ciclo e um desinteresse generalizado e muito vincado a partir do 5.° ano. Abandonou a frequência escolar aos 16 anos sem concluir o segundo ciclo.


89. Durante a frequência escolar, enquadrado em diversas atividades recreativas e complementares entre as quais a prática de futebol num clube de bairro, foi alvo da intervenção do sistema de promoção e proteção e de apoio psicológico.


90. Aos 16 anos, consumia regularmente estupefacientes, evoluindo após para o consumo de cocaína e heroína.


91. Em termos laborais, imediatamente após o abandono escolar, AA começou por trabalhar com um tio na construção civil, em especial na limpeza de vidros em prédios. Trabalhou ainda em outras actividades como ajudante de canalizador e na montagem de tectos falsos, sem qualquer vínculo formal.


92. Em março de 2018, dois meses depois de ter sido libertado da prisão, iniciou actividade por conta própria e passou a trabalhar para uma empresa de limpeza/manutenção na construção civil, como técnico de acesso por corda.


93. Com a lesão sofrida na situação provada nos autos, em abril de 2020, ficou parcialmente incapacitado para o trabalho.


94. No campo afetivo, AA estabeleceu relação marital com a mãe de dois dos seus filhos; o relacionamento entre ambos terminou quando esteve preso.


95. Seguiu-se outra experiência marital e o nascimento de um terceiro filho, com menos de um ano de idade, a viver apenas com a mãe pois o casal separou-se.


96. Desde Janeiro de 2018 que AA integra o agregado familiar de origem, o qual tem como figura central a mãe que pontualmente emigra, mas que nos últimos tempos tem permanecido em Portugal.


97. Desde há nove meses, AA mantém novo relacionamento afetivo com coabitação. O agregado integra ainda dois irmãos do arguido, um dos quais acompanhado da esposa e filha.


98. A família tem atravessado dificuldades materiais, pelo facto de não existirem fontes de rendimentos regulares.


99. A data dos factos e desde outubro de 2018, AA encontrava-se a trabalhar para a empresa "V.................. ......... .........., Lda.", como técnico de acesso por corda com o vencimento base de 580€ mensais


100. Actualmente, continua a receber tratamentos de fisioterapia no H....... .. ..... ..... tendo uma incapacidade para o trabalho de 80%.


101. Desde setembro de 2020 encontra-se em cumprimento de um ano de pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, pela condução de veículo sem habilitação legal, tendo aderido à intervenção, colaborando na construção do plano de reinserção social entretanto homologado.


102. Do seu Certificado de Registo Criminal consta:


- uma condenação em 27.02.2009 , pela prática em 08.06.2007, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa, com revogação da suspensão em 2015;


- uma condenação em 30.10.2012, pela prática em 15.09.2011, de crime de tráfico, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão;


- uma condenação em 20.03.2005, pela prática em 05.11.2009, de um crime de tráfico, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;


- uma condenação em 27.02.2018, pela prática em 13.02.2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 2 meses de prisão substituída por trabalho;


- uma condenação em 30.10.2018 , pela prática em 29.04.2018 , de um crime de condução sem habilitação legal , em pena de multa;


- uma condenação em 21.08.2020 , pela prática em 06.08.2020 , de um crime de condução sem habilitação legal , na pena de 6 meses de prisão, suspensa sob condição.


(…)


2. Da motivação da decisão condenatória quanto à matéria de facto consta o seguinte:


«A convicção sobre a matéria de facto dada como provada resultou da prova produzida em audiência a qual foi livremente apreciada de acordo com os critérios estabelecidos pelo art.° 127° do Código de Processo Penal.


São duas as situações distintas que foram trazidas à apreciação do Tribunal, não obstante a ligação entre os factos. Por isso, deverá ser tido em consideração que na primeira sucessão de eventos apenas intervieram os Arguidos AA e HH que, por seu turno, estiveram ausentes da segunda situação, ria qual estão implicados os demais Arguidos.


Em ambos os casos estamos numa situação em que o Tribunal se vê confrontado com declarações contraditórias com referência à versão da vítima versus a versão dos Arguidos.


Na situação ocorrida junto à entrada do Metro do ... foi acolhida a versão de EE. Não só as versões dos dois Arguidos, e da sua irmã, ouvida enquanto testemunha de defesa, padeceram de imprecisões e contradições, muitas vezes evidenciadas durante a inquirição pela incapacidade de explicar a sequência de eventos e, no caso de GG, as razões pelas quais não se ausentou do local e ficou à espera dos irmãos que chamou, ou mesmo a necessidade ou intenção destes, na deslocação ao local.


Ficou o Tribunal convencido que os Arguidos, manifestamente, ali se deslocaram para encontrar o confronto com a pessoa que, de acordo com a irmã de ambos, a teria importunado de diversas formas. Assim, o Tribunal sustentou-se no depoimento da vítima que, de forma franca e sem reservas, manifestamente à vontade para o fazer mesmo com as limitações de linguagem que exibiu, logrou apresentar uma versão coerente dos eventos, mesmo assumindo a sua agressividade na resposta ao ataque do qual foi vítima.


Também no que toca à segunda parte dos factos EE conseguiu ser objectivo. Aquilo que não recordou e não relatou foi julgado não provado. Mas o que relatou foi bastante para estabelecer o encadeamento dos factos e a presença dos Arguidos, que identificou e em julgamento logrou explicar como o tinha feito.


As versões dos Arguidos não mereceram crédito junto do Tribunal. Centrados num episódio ocorrido antes e noutro local, no bairro, negam que os factos imputados tenham, sequer, ocorrido. Porém, argumentam nesse sentido, afirmando que em momento anterior houve um confronto entre FF e EE, o que implicará que, depois, nada do que consta da acusação terá existido.


Mas, tal confronto com terceiro, na rua, não contende com os factos imputados. E, ainda que esse terceiro fosse EE, o que se desconhece, nada impede que tenha sido, depois disso, que tenha nascido a ideia de retribuição.


Quanto aos depoimentos das demais testemunhas ouvidas, os Agentes da Polícia de Segurança Pública relataram a sua intervenção nas diligências realizadas, sempre posteriormente aos factos, e sempre documentadas, e estabeleceram qual o fio da investigação que levou à identificação dos Arguidos.


JJ em nada colaborou para o esclarecimento dos factos.


Quanto à deslocação de FF para …, não ficou provado que a mesma fosse motivada por um prévio plano de vingança. Apesar das explicações de KK, LL e MM, sobre a presença do Arguido em ..., o Tribunal não as considerou verdadeiras por contrariarem a documentação de fls. 567 (folha de ponto) que, por força do contrato de fls. 568, coloca o Arguido em ...-.... Deste modo, todo o depoimento destas testemunhas foi posto em causa, não merecendo crédito pelo Tribunal.


O confronto descrito por NN, OO e PP não inviabilizou a demonstração dos factos provados.


Nenhuma prova foi produzida que permita extrair a conclusão de que a droga apreendida a AA se destinava a terceiros.


A perícia médico-legal de fls. 838, bem como as fotografias de fls. 47 a 53 permitiram apurar as lesões de EE.


As perícias toxicológicas de fls. 675 e 677 determinaram a resposta quanto às drogas apreendidas e suas quantidades.


Os autos de reconhecimento pessoal de fls. 185, 188, e 191 permitiram concluir pela identificação dos reconhecidos. Os autos de busca e apreensão de fls. 158, 173, 352 permitiram apurar a matéria das apreensões.


Relevaram ainda os documentos juntos aos autos, nomeadamente a reportagem fotográfica da garagem a fls. 150, o fotograma de fls. 166, as fotografias de fls. 354, o mapa de entradas de fls. 507 que reporta em 24.02.2020 a última entrada de FF na refinaria de..., e os já referidos folha de ponto e contrato de fls. 567 e seguintes.


O auto de apreensão e o auto de exame e avaliação de fls. 6 e 7 do apenso reportam-se à navalha usada por EE.


Foram ainda tidos em conta os Certificado de Registo Criminal de e os relatórios sociais juntos.»


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3. O Direito


3.1. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que dispõe: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»


A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, tendo em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir.


Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), admite a quebra do caso julgado «...se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento».


Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, tendo em vista remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado.


Constituindo um expediente excecional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"» podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise)» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 5.ª ed. atualizada, Volume II, p.705).


Outro entendimento constituiria uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica, permitindo, contra o caso julgado, a eternização da discussão das matérias controvertidas no processo, transformando um recurso que se pretende “extraordinário” e que tem como traço marcante a sua excecionalidade, em um novo e encapotado recurso ordinário, de modo que nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial para a própria paz social.


Por isso, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (entre outros, o acórdão do STJ, de 06.11.2019, proc. 739/09.5TBTVR-C. S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).


Para Simas Santos/Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6.ª edição, pág. 129) o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respetiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.


O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado através da demonstração de fundamento contido na enumeração taxativa da lei, que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, nesse caso, à eficácia do caso julgado. Porém, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário, ao reduzirem e prevenirem substancialmente as possibilidades de um erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as “injustiças da condenação”, elevam especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão (acórdão do STJ, de 20.12.2022, proc. 5/05.5PBOLH-D.S1, da 3.ª Secção).


O recurso extraordinário de revisão passa, sucessivamente, por três etapas ou momentos, a saber:


(i) uma fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos, culminando esta fase, após ter expirado o prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso e realizadas as diligências indispensáveis à descoberta da verdade [se o fundamento da revisão for o do n.º1, al. d), do artigo 449.º], com a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, com informação prestada pelo juiz sobre o mérito do pedido:


(ii) uma fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão; e


(iii) uma fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.


Estabelece o artigo 449.º, sobre fundamentos e admissibilidade da revisão:


«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;


b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;


c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;


d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;


f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;


g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.


2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.


3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.


4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»


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3.2. No caso em apreço, o recorrente convoca, no introito do recurso, as alíneas a), d) e e), ainda que, na parte conclusiva que delimita o objeto do recurso, não se vislumbre qualquer menção ao fundamento previsto na alínea a).


Refere-se esse fundamento à falsidade dos meios de prova em que se fundou a condenação, cuja relevância depende, obrigatoriamente, da falsidade ter sido reconhecida por outra sentença, transitada em julgado, não o podendo ser por qualquer outro meio.


Não se compreende a invocação da referida alínea a), já que não decorre do requerimento de recurso, seja na parte expositiva da motivação, seja no segmento conclusivo que, no essencial, reproduz aquela, qualquer menção a uma outra sentença transitada em julgado que haja considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.


No que concerne ao fundamento de revisão consagrado na mencionada al. d), exige-se não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.


Antes do mais, importa clarificar o que se entende por factos novos ou novos meios de prova e para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença.


São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito, como se expõe no acórdão de 25.05.2023, proc. 149/17.0T9CSC-A.S1 (Conselheiro Orlando Gonçalves):


Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura, pudessem ser do conhecimento do condenado.


Uma outra, mais restritiva, apelando, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, sustenta que os novos factos ou meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento.


Finalmente, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).


Esta a posição atualmente majoritária na jurisprudência do STJ: em sede de recurso de revisão, os novos factos ou novos meios de prova não são apenas os desconhecidos pelo tribunal, mas também os que, conhecidos de quem cabia apresentá-los, ao tempo em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a sua não apresentação no julgamento que produziu a condenação revidenda.


Porém, a inércia voluntária e injustificada em fazer atuar os meios ordinários de defesa não pode ser compensada pela atribuição de um meio extraordinário de defesa como o recurso de revisão, o que determina a exigência de especial e acrescida justificação, pelo recorrente, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência já conheceria ao tempo da decisão. Doutra forma, a excecionalidade do recurso de revisão e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica e caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.


Em suma, os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação da prova em julgamento, embora conhecida de quem cabia apresentá-la, por razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.


Como já se disse, para a procedência do recurso de revisão com base no fundamento indicado na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, não basta a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se necessário um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


As dúvidas relevantes para a revisão têm de ser qualificadas, efetivamente fortes e consistentes. Como diz Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 759), «não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E como graves só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”».


Dúvida, por conseguinte, que há-de elevar-se do patamar da mera existência e ser suficientemente grave, sólida e séria para pôr a condenação em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado (entre outros, com extensas referências jurisprudenciais, o acórdão do STJ, de 30.01.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1).


3.3. No caso vertente, analisado o requerimento de interposição do recurso de revisão e a documentação que o acompanha, entendemos que os elementos e a argumentação que o recorrente apresenta não consubstanciam qualquer fundamento dos legalmente previstos para este recurso extraordinário, mormente o previsto na alínea d) do artigo 449.º do CPP.


Refere o recorrente três alegados novos meios de prova.


No que toca ao primeiro, reporta-se o recorrente à busca domiciliária que conduziu à apreensão na sua residência, sita na Rua ..., em ..., mais propriamente no seu quarto, em cima de uma prateleira, de pedaços de cannabis (resina), uma embalagem de cocaína (cloridrato) e uma faca de cozinha com resíduos de cannabis, para além da apreensão de €15,00 em notas do BCE, acondicionados na sua carteira.


A alegação é a de que a busca não obedeceu às exigências legais por falta de autorização dos outros habitantes residentes, pelo que julgamos que o recorrente pretenderá situar a sua alegação no âmbito do fundamento da alínea e), que analisaremos adiante mais detidamente.


Como segundo e terceiro meios de prova alega o recorrente a existência de duas testemunhas, apresentando declarações subscritas por BB e CC – por sinal, o corpo das declarações exibe uma caligrafia aparentemente similar.


Como assinala o Mm.º Juiz na “informação” a que alude o artigo 454.º do CPP, a primeira, BB, não adianta mais nada para além do que foi avaliado pelo tribunal de 1.ª instância. Houve uma contenda entre arguidos e EE e lesões de parte a parte. «A dinâmica dessas agressões, com os Arguidos a virem ao encontro de EE, foi devidamente apurada pelo Tribunal e não será o depoimento de uma testemunha, que presencia o momento em que os três se envolvem em troca de golpes que logrará gerar dúvida sobre tal dinâmica.»


A segunda testemunha, CC, será alguém que estava em casa do recorrente quando ali entrou a Polícia de Segurança Pública e o próprio lá dentro se encontrava. Diz-se na “declaração sob compromisso de honra” que “sou frequentadora dessa residência e conheço relativamente bem o AA, e asseguro que o mesmo não consome droga”.


Como se diz na referida “informação”: «Não se vislumbra, pois, como possa tal testemunha ser um meio de prova do qual o condenado apenas agora tomou conhecimento e, por isso, não será admissível a revisão com fundamento no seu contributo.»


Não se alcança que os elementos invocados pelo recorrente sejam novos, nem que só agora tenham sido conhecidos, não bastando dizer, quanto a BB: «Este testemunho não era conhecido do arguido e condenado na data dos factos, pois que inicialmente viu muitas pessoas sem as reconhecer, e também porque a testemunha teve receio, e tem, de represálias do verdadeiro agressor, porém, considera importante repor a verdade dos factos, por esse motivo junta uma Declaração donde expressa tudo o que viu no dia 04 de março de 2020, tal como Doc. 1 que se junta.»


Acresce que, como refere a supra referida “informação”, o teor da declaração escrita não adianta nada de efetivamente relevante para além do que foi avaliado pelo tribunal de 1.ª instância.


No que toca a CC, não apresenta o recorrente qualquer justificação, por mínima que seja, para que a mesma não tenha sido indicada em sede de julgamento.


Não estamos, por conseguinte, perante novos factos ou novos meios de prova e, mesmo a admitir-se que constituíssem “novos” meios de prova, certo é que os mesmos, pela sua irrelevância, não seriam aptos para, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitarem quaisquer dúvidas, e menos ainda “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação.


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3.4. Vejamos, seguidamente, se no caso se verifica o fundamento da revisão de sentença transitada em julgado previsto na alínea e), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, relembrando para o efeito que é admissível a revisão quando «Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º».


Conforme se expõe no acórdão de 07.12.2022, deste Supremo (proc. 29/20.2PTVRL-A.G1.S1), existe um entendimento jurisprudencial consolidado do STJ de que o fundamento de revisão respeitante à condenação com recurso a provas proibidas exige a verificação de dois requisitos cumulativos:


(i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP; e


(ii) superveniência no conhecimento (descoberta) e demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida.


Para a revisão de sentença transitada em julgado com fundamento na condenação em provas proibidas, não basta que a prova seja proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP, pois a lei exige, ainda, como segundo requisito, que a revisão só tenha lugar «se se descobrir» que essas provas proibidas serviram para a condenação.


Importa questionar: em que momento se deverá ter verificado tal descoberta, por que modo e por quem?


Comentando o artigo 449.º, do CPP, escreve o Conselheiro Pereira Madeira (Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2016. Almedina, 2.ª edição revista, pág.1509):


«Na alínea e) do n.º 1, aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, passou a ser prevista a descoberta – depois da prolação da sentença revidenda, pois se antes, será a questão objeto de recurso ordinário – de provas proibidas que serviram de suporte à condenação. Como tais devem ter-se apenas as referidas no artigo 126.º do CPP, em suma, as provas obtidas mediante tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações. Enfim, as provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas nomeadamente de interrogatório ou inquirição. A qualificação das provas, como “proibidas”, competirá naturalmente ao tribunal, embora a sua atuação nesse sentido possa ser impulsionada pelo interessado.


Não basta a mera invocação do uso de prova proibida para que a revisão seja lograda. Importa, por um lado, que essa descoberta se mostre posterior à decisão e confirmada no processo de modo claro e inequívoco, embora sem necessidade de confirmação por sentença, como acontece no caso previsto nas alíneas a), b) e c). E, por outro, que tais provas serviram – em maior ou menor medida – de fundamento à condenação. Deste modo, se não obstante tais provas proibidas não houve condenação, ou, a tê-la havido, ela não está, em segmento algum suportada nessas provas, soçobra o fundamento da revisão».


O entendimento da doutrina e da jurisprudência do STJ é no sentido de que estão em causa provas que tenham servido de fundamento à condenação, desde que a descoberta da invalidade seja posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, pois de outro modo estar-se-ia a transformar a revisão de sentença num outro grau de recurso ordinário, em violação do princípio constitucional do ne bis in idem e do caso julgado, enquanto garantia constitucional que se extrai do n.º5, do artigo 29.º, da CRP, que consagra de forma direta aquele princípio (cfr. a este propósito a extensa citação de doutrina e jurisprudência contida no supra referido acórdão de 07.12.2022).


Regressando ao caso concreto, refere o recorrente, sem concretizar, as “profundas nulidades já verificadas e que não foram reconhecidas pelos referidos Tribunais”, mencionando, de seguida, a busca domiciliária que conduziu à apreensão na sua residência, sita na Rua ..., em ..., mais propriamente no seu quarto, em cima de uma prateleira, de pedaços de cannabis (resina), uma embalagem de cocaína (cloridrato) e uma faca de cozinha com resíduos de cannabis, para além da apreensão de €15,00 em notas do BCE, acondicionados na sua carteira.


A propósito dessa busca e apreensão, cita diversas disposições legais, com particular incidência nos artigos 249.º, 250.º, referindo também o artigo 177.º e a interpretação do conceito de “visado” constante dos respetivos n.ºs 2, al. c) e 3, al. b), em ordem a determinar a quem cabe consentir na busca.


Não se extrai dos autos que o recorrente, ao longo do processo, alguma vez tenha suscitado qualquer questão a respeito da legalidade da busca e apreensão em causa.


Não o fez, seguramente, em sede de recurso da condenação em 1.ª instância, pois das conclusões transcritas no acórdão da Relação de Lisboa, de 11.01.2022, que apreciou esse recurso, as questões colocadas foram a insuficiência da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova, além da determinação da pena.


Tendo sido assistido por defensor ao longo do processo, não se compreende que venha agora, de forma desprovida do mínimo de concretização, invocar uma alegada – e não demonstrada - utilização de prova proibida que, a verificar-se, não tinha como ignorar.


Quer isto dizer que, mesmo que a sua condenação assentasse em provas proibidas nos termos enunciados nos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP – o que não acontece – , sempre estaria em falta o segundo requisito atrás enunciado, por falta de prova da superveniência do conhecimento quanto à utilização da pretensa prova proibida.


Acresce que para a busca domiciliária em causa foi passado mandado de busca e apreensão, assinado pela Mm.ª Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de ..., o que retira razão de ser à questão do consentimento / falta de consentimento do visado e coabitantes.


Diz-se, também, no recurso que “não se compreende, nem se vislumbra possível que o arguido, tenha ofendido a integridade de alguém, quando o certo é que o ofendido foi ele, pois que sofreu golpes profundos nos tendões ao ponto de estar incapacitado a 80%, com isto queremos dizer que, um corte nas veias principais dos pulsos, não permitiria que o arguido tivesse força para ofender a integridade de alguém, sendo certo que a sua prioridade seria defender-se das agressões e tentar ser ajudado para não vir a falecer”.


Inequivocamente, não está aqui em causa qualquer fundamento de revisão, mas tão-somente o inconformismo do recorrente com a apreciação da prova efetuada pela 1.ª instância e posteriormente confirmada pela Relação por acórdão transitado.


Em conclusão: a situação exposta pelo recorrente não preenche, manifestamente, nenhum dos requisitos dos fundamentos de revisão invocados.


3.5. Estabelece o artigo 456.º do CPP: «Se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.».


O recurso é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso (acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).


Como se extrai do supra exposto, sendo patente e indubitável a falta de fundamento do pedido de revisão formulado ao abrigo das alíneas a), d) e e), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, tanto basta para que se tenha por manifestamente infundado, impondo-se a condenação do recorrente no pagamento de uma quantia entre 6 UC e 30 UC, ao abrigo do disposto no artigo 456.º do mesmo Código.


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III - DECISÃO


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão de sentença peticionada pelo recorrente AA.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).


Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda o recorrente condenado na quantia de 6 UC.


Supremo Tribunal de Justiça, 26 de outubro de 2023


(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)


Jorge Gonçalves (Relator)


António Latas (1.º Adjunto)


Orlando Gonçalves (2.º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)