Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3771/18.4T8VIS-A.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
VIOLAÇÃO DE LEI
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PROVA DOCUMENTAL
PROVA PERICIAL
PRESUNÇÃO JUDICIAL
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ.

II. O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados.

III. Se a revista assentar no inconformismo do recorrente quanto à avaliação que a Relação e a primeira instância fizeram de meios de prova sujeitos a livre apreciação pelo tribunal (prova pericial, depoimentos de testemunhas, documentos particulares e declarações de parte sem natureza confessória), levando o recorrente a pretender que o STJ se substitua às instâncias e emita o seu próprio juízo probatório, quando do teor das alegações não se evidencia qualquer “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.º 3 do art.º 674.º do CPC), a revista ordinária não é admissível.

IV. Não sendo o acórdão da Relação suscetível de revista ordinária, excluída fica a possibilidade de dele ser interposta a revista excecional, prevista no art.º 672.º do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que lhe move Novo Banco S.A., veio deduzir embargos de executado.

Para o efeito, sustentou que a assinatura aposta na livrança dada à execução, na qualidade de avalista, bem como a que consta do contrato que lhe subjaz, não é sua, afirmando que desde maio de 2004 se encontra a residir e a trabalhar em França e, como tal, não celebrou qualquer contrato com o exequente, desconhecendo a existência de tal documentação. Acrescentou o embargante que a livrança não foi apresentada a pagamento, no local convencionado e dentro dos prazos e datas previstas na lei, pelo que perdeu a sua natureza cambiária, alegando ainda que, considerando a data de vencimento que nela foi aposta, a mesma se encontrava prescrita. Por fim, defendeu o embargante a nulidade do aval por ser incompleto, faltando-lhe a expressão “bom para aval” e a inexistência de convenção válida para o seu preenchimento, faltando no respetivo pacto a identificação do locatário, dos avalistas, da locadora, e, bem assim, do número do contrato, argumentando ainda que a obrigação é ilíquida, em face do título e que o exequente não faz prova da sua legitimidade processual.

O embargante pretendia, pois, pela procedência da sua oposição, que a execução fosse extinta em conformidade e que a exequente fosse condenada como litigante de má-fé.

2. Recebidos os embargos, o exequente contestou-os, pugnando pela improcedência da pretensão do executado, ora embargante.

3. Realizou-se a audiência prévia no seio da qual foi proferido despacho saneador onde se conheceu das invocadas exceções de ilegitimidade, de prescrição da ação cambiária, da nulidade do aval e da inexistência de pacto de preenchimento, no sentido da sua improcedência, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

4. Realizou-se prova pericial tendo por objeto a autoria das assinaturas impugnadas.

5. Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença, em 10.10.2022, onde o Juízo de Execução de ... decidiu julgar os embargos de executado parcialmente procedentes e determinou o prosseguimento da ação executiva para pagamento da quantia de € 30.781,71 (trinta mil setecentos e oitenta e um euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação do embargante, até integral pagamento, extinguindo a execução na parte restante.

6. O embargante apelou da aludida sentença.

7. Por acórdão proferido em 02.5.2023 a Relação de Coimbra julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

8. Contra esse acórdão o embargante interpôs revista excecional, na qual rematou com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão da Relação de Coimbra que julgou parcialmente procedentes os presentes embargos e, em consequência, determinou o prosseguimento da ação executiva para pagamento da quantia de € 30.781,71 (trinta mil setecentos e oitenta e um euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação do Embargante, até integral pagamento, extinguindo a execução na parte restante.

2. Determina o art.º 662.º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Entendendo, essencialmente, que houve erro por parte do Tribunal “a quo” na valoração da prova, equivocando-se na valoração da prova pericial e sobrevalorizando esta em detrimento da prova por declarações e depoimentos, pretende o Apelante que o atento Tribunal altere a decisão da matéria de facto constante da sentença, quanto aos pontos 3, 4, 5, 6.7. 8, 9, 10, 12, 13, e 14.

3. Invoca-se, entre o mais, para além da prova documental já identificada, o depoimento de parte/ declarações de parte dele próprio, bem como os depoimentos das testemunhas BB (esposa do Apelante), do co - executado CC, e da testemunha DD.

4. Salienta-se que, entre a factualidade impugnada, está a seguinte, constante dos pontos 12 e 13 do elenco dos factos provados: “12. A assinatura que consta no verso da livrança dada à execução, no local destinado à assinatura do avalista foi feita pelo punho do embargante. 13. A assinatura que consta do contrato de abertura de crédito junto a fls. 107 a 113 e aludido em 4. foi feita pelo punho do embargante.”

5. O Tribunal de segunda instância não podia afastar como afastou (se ouviu as transcrições da audiência) as mais que claras e suficientes afirmações que foram feitas, quer nas declarações de parte, quer nos depoimentos das testemunhas –(a testemunha CC afirmou que o recorrente não assinou o documento nem sequer estava presente na agência bancária) - para alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto tendo como alicerce o documento junto – recibo de vencimento (prova entre nós irrefutável de que o recorrente não assinou nenhum dos documentos insertos nos autos, uma vez que não se encontrava em Portugal à data).

6. O Tribunal da Relação, (em errada fundamentação) considerou que o Embargante se encontrava emigrado em França desde Maio de 2004, no entanto assevera que esse facto não obsta a que o mesmo não estivesse ocasionalmente em Portugal aquando da assinatura do contrato, “não sendo prova inelutavelmente idónea a arredar essa presença ocasional, o recibo de vencimento do Embargante, junto a fls. 69 dos autos, reportado ao mês de Agosto de 2005.”

7. Veja-se que DD, funcionário bancário à data do contrato “foi perentório em afirmar que, enquanto foi ... do Balcão de ..., todos os contratos eram assinados presencialmente pelos clientes nessa agência bancária, sendo as respetivas assinaturas conferidas através do sistema interno do Banco.” (mas não consta nenhuma referência a reconhecimento das assinaturas por entidade notarial nos autos sobre as assinaturas em crise, na verdade e pelo já exposto também o Apelante não se encontrava em Portugal, vide recibo de vencimento de Agosto de 2005)

8. Desta maneira e uma vez que o contrato data de 08-08-2005, uma segunda-feira, dia útil, e sendo certo que ambos os Tribunais consideraram os depoimentos das testemunhas admitindo o recibo de vencimento traduzido que o embargante trouxe aos autos conforme trabalhou todo o mês de agosto de 2005, não se percebe como se julgou este facto de forma incorreta (o dia 8 de Agosto de 2005 é uma segunda-feira, os bancos não estão abertos ao fim de semana…) Estamos perante um clamoroso erro de raciocínio que, convenhamos, jamais se aceitará estando contra a lógica e as regras da experiência corrente.

9. Diga-se, sem embargo, o executado trabalhou todos os dias úteis de Agosto, sendo certo que foram 22 dias úteis, pois que dia 15 de Agosto em França, verifica-se o feriado obrigatório– Assomption de Marie. Bastaria fazer as contas aos dias úteis para concluir entre o demais que o Recorrente não se encontrava em Portugal naquela data e por isso é um acontecimento impossível ter assinado quaisquer documentos na dita agência bancária.

10. Na verdade, são estes elementos probatórios, seguros, firmes, e que colocam em causa o resultado assinalado nos relatórios grafológicos elaborados pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, quanto à probabilidade de serem do punho do Apelante as assinaturas objeto de perícias, onde se estribaram as instâncias precedentes.

11. O grau obtido naquele exame técnico-científico desacompanhado pelas regras da experiência e sem referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, é que poderia ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto (o que, não foi o caso, pois havia prova em sentido diverso conforme já se enfatizou).

12. No sentido certo, tais elementos probatórios, só poderiam corroborar que a assinatura aposta na livrança, na qualidade de avalista, bem como a que consta do contrato que lhe subjaz, não é do recorrente, afirmando que, desde Maio de 2004, se encontra a residir e a trabalhar em França e, como tal, não celebrou qualquer contrato com o Exequente, desconhecendo a existência de tal documentação.

13. De forma a dar pleno cumprimento ao disposto no art. 672.º, n.º 2, al a) do CPC, e partindo do que já se vem alegando no presente recurso – ou seja, naquilo que respeita aos factos essenciais para o conhecimento do mesmo – importa, agora, discorrer sobre o facto do thema decidendum do presente recurso entroncar no conceito previsto na norma adjectiva citada – “melhor aplicação do Direito”.

14. No entendimento do recorrente e salvaguardando todo o respeito, o Tribunal a quo fez uma aplicação errada das normas substantivas e processuais à factualidade que se tem por assente, manifestando-se tal erro, a final, numa posição manifestamente insustentável do ponto de vista lógico-cientifico, o qual encontra o seu expoente máximo na interpretação errada que fez de uma das fontes doutrinárias usadas para a fundamentação da posição tomada.

15. Note-se que a questão que o recorrente pretende colocar à apreciação deste Colendo Tribunal, passa pelo entendimento e interpretação que deve ser feita das disposições seguintes: 342.º, 346.º, 347.º, 372.º, 374.º, 375.º, 376.º, 371.º n.º1, 388.º, 389.º, do Código Civil e 452.º, 466.º n.º 3, 489.º, 607.º n.º 5 e 662.º n.º 1 estes do CPC. (que foram S.M.O., violadas por inadequada aplicação e interpretação)

16. Sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova - artigo 342.º do Código Civil - é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. Não o fazendo, incorrem nas desvantajosas consequências de se ter, como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

17. Com efeito, o Tribunal a quo (e o Tribunal de 1.ª Instância) decidiram no sentido de que a prova pericial deve ser objeto de adesão de forma acrítica, descurando o já explicitado acima, indo mesmo no sentido do erro de raciocínio.

18. No entanto, no modesto entendimento do recorrente, tal posição não poderia ser mais díspar da efetiva e verdadeira intenção e pensamento do legislador, conclusão a que se chega quando devidamente analisados todos os elementos teleológicos das normas em causa e, bem assim, o seu elemento literal.

19. Pelo que, poderá assim este Colendo Tribunal, desde já, marcar o compasso para o tratamento de hipotéticas questões futuras que poderão ser trazidas à barra, pautando o sentido da decisão dos Tribunais hierarquicamente inferiores, contribuindo decisivamente para uma jurisprudência coesa e para uma interpretação concreta das normas em causa.

20. No caso presente chama-se à análise desde logo que há que enfatizar que a valoração da prova pericial é feita diferentemente no processo civil e no processo penal, consoante decorre do Artigo 163.º, n.º1, do CPPC (“O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”) e do Artigo 389.º do Código Civil (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”). Sobre esta dicotomia e razão de ser da mesma, cf. o Ac. nº 422/99 do Tribunal Constitucional.

21. No que toca à questão atinente à prova da autoria material da assinatura aposta em títulos de crédito, bem como da genuinidade da subscrição de contratos, são divisáveis na jurisprudência duas correntes principais: tese da vinculação à prova pericial e tese da avaliação integrativa e holística da prova.

22. Segundo esta tese da avaliação integrativa e holística da prova, a prova pericial é um meio de prova a par de outros idóneos a firmar a convicção do julgador quanto à autoria material da assinatura, não sendo a prova pericial absolutamente decisiva. (à qual apelamos a ser invocada, para uma melhor aplicação do Direito).

23. No caso dos autos, foi produzida contraprova suficiente desvirtuadora da hipótese inicial (=resultado provável do exame pericial), tendo sido criado no espírito do julgador um estado de dúvida irremovível quando à ocorrência do facto sob apreciação, devia tal matéria de facto ter sido decidida segundo a regra do ónus da prova, sem esquecer incumbe ao juiz que pauta a sua decisão pelo conjunto da prova produzida sempre norteado pelo princípio da livre apreciação da prova.

24. Assim, incumbindo o ónus da prova da veracidade da assinatura à exequente (Artigo 374º, nº2, do Código Civil), atenta a insuficiência da prova produzida, o juiz tem que decidir contra a parte onerada com a prova do facto, pela melhor aplicação do direito.

25. Desta forma a referida perícia não pode ser tida em conta por um lado porque os exames às letras e às assinaturas apenas assumem um grau de probabilidade que o juízo técnico pericial atribui aos factos em crise e por outro por não se encontrar acompanhada dos outros elementos probatórios que aliás, como já se disse, vão em sentido de que o Apelante não assinou qualquer documento. Para além do que, como já se disse, a segunda perícia julgada nos autos foi feita sem que o recorrente tivesse sido notificado para segunda recolha de assinaturas, como devia: a nova perícia deve caber nova recolha de assinaturas!

26. Estas perícias, sintetizando, não podem conformar uma certeza científica ou próximo dela. O grau obtido naquele exame técnico-científico desacompanhado pelas regras da experiência e sem referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, é que poderia ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto (o que, não foi o caso, pois havia prova em sentido diverso conforme já se afirmou supra).

27. Entende-se, sem prejuízo do demais elencado, que a exequente não fez prova bastante e suficiente, conforme lhe competia – de acordo com as regras da repartição do ónus da prova (art. 374.º, n.º 2, do Código Civil) –, que a assinatura cuja autoria era imputada ao embargante tenha efetivamente sido aposta no contrato e no verso da livrança pelo seu punho.

28. No caso em apreço, só pode assistir razão ao apelante quando se afirma que o tribunal a quo só valorizou as conclusões da perícia e esqueceu a prova testemunhal e documental sem exceção das declarações de parte apontando, de forma sustentada, no sentido de que o embargante não é o autor das assinaturas em crise: a testemunha CC esclareceu que era ele que conduzia todos os assuntos societários, na primeira pessoa, sendo consigo que foi tratado tudo com os bancos e com a exequente. Declara mais: que só ele assinou o contrato e livrança, não estando o Recorrente sequer presente aquando de tal formalização.

29. O apelante prestou declarações de parte, dando nota que se apercebeu da situação em 2018 quando, trabalhando em França, foi chamado ao Consulado para receber uma citação executiva. Asseverou que as assinaturas em causa não são suas e jamais desenvolveu direta ou indiretamente qualquer atividade comercial e/ou empresarial para a co-executada ULTRANOVO.

30. As declarações de parte foram bastante contextualizadas, em termos temporais, espaciais e até emocionais. Foram corroborados pela restante prova testemunhal. Foram seguras e espontâneas. Todos estes atributos confluem para a sua atendibilidade – cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., 2021, pp. 297-298.

31. Concluindo e fundamentando-se nesta parte, está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, obriga a uma uma melhor aplicação do direito -, vem-se sedimentando o entendimento de que a relevância jurídica de uma questão, apresentando-se como autónoma, deve revelar-se pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e/ou na jurisprudência ou ainda quando, não se revelando de natureza simples, se revista de ineditismo ou novidade (aqui assume especial relevo tratar-se também de uma segunda perícia que não foi feita com nova recolha de autógrafos por parte do embargante) que aconselhem a respetiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

32. Uma vez feito tal julgamento deverá o douto Acórdão ser revogado e alterado em conformidade com o explanado e ser concedida a pretensão do embargante conforme o pedido, devendo os embargos serem julgados procedentes, reproduzindo-se por economia processual as Alegações e Conclusões do recurso antecedente perante a Relação, do embargante, ora recorrente, quanto à matéria nesta parte sindicada: 342.º, 346.º, 347.º, 372.º, 374.º, 375.º, 376.º, 371.º n.º1, 388.º, 389.º, do Código Civil e 452.º, 466.º n.º 3, 489.º, 607.º n.º 5 e 662.º n.º 1 estes do CPC.

33. Caso se entenda que o recurso de revista excecional, nos termos alegados no ponto anterior do presente recurso, não pode ser admitido à luz do disposto no art. 672.º, n. º 1, a) do CPC – o que não se concede e hipótese que se coloca por mero dever de patrocínio – ainda assim deverá o mesmo ser admitido na medida em que estão em causa interesses de elevada e notória relevância social. (os interesses de particular relevância social) - (art. 672.º, n. º 1, b) e n.º 2, a) do CPC)

34. A decisão tomada pelas instâncias, objeto de recurso, a própria situação em causa representa, justamente, um caso passível de causar alarmismo em todos os quadrantes do jurídico e mesmo na sociedade como um todo, dado que as decisões tomadas nos presentes autos lançam, salvo o devido respeito, uma ideia errada no sentido de que o incumprimento das decisões judiciais e o desrespeito pelo poder judicial não têm qualquer tipo de consequências para os incumpridores, saindo assim prejudicado o prestígio do poder judicial e o sentido de respeito e obediência dos cidadãos e entidades às decisões judiciais.

35. Com enfeito, decisão que veio a ser tomada pelas instâncias anteriores causou, entre a comunidade, enorme estupefação e incredulidade, porquanto: -tornou-se público e generalizado que, em Audiência de Julgamento, o co-executado CC afirmou taxativamente que fora apenas ele quem havia assinado os documentos dos autos e que o embargante não estava presente na tal dependência bancária; -era de todos conhecido que o embargante raras vezes vinha a Portugal e que, particularmente no mês de Agosto de 2005 não estivera cá, o que até se comprova do respetivo recibo de salário que demonstrava que o recorrente não faltara ao trabalho em qualquer dia útil desse mesmo mês!

36. De facto, e para além do já explicitado a presente questão tem repercussão fora dos limites da causa por estar relacionada com valores sócio-económicos importantes e existir o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação.

37. Veja-se como fica a credibilidade do sector bancário quando aceita assinaturas sem o reconhecimento notarial próprio, não tendo conferindo a identidade dos intervenientes em contratos o que redunda em pesadas e injustas consequências de afetar não só o próprio cliente bancário, mas fundamentalmente a confiança em todo o sistema.

38. Estão assim em causa interesses que assumem importância na estrutura e relacionamento social, que interferem designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, e que ainda assim trata de questão suscetível de afetar um grande número de pessoas, designadamente consumidores/clientes bancários, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapassa significativamente os limites do caso concreto (acs. de 02/9/2014, procs. 391/08.5TBVPA.P1.S1; 10731/10.1TBVNG.P2.S1)

39. Aqui chegados, indubitavelmente que a aplicação e interpretação casuística do regime legal que ora se escalpeliza, nos termos em que foi feita, salvo o devido respeito, põe em causa a eficácia do direito e coloca em xeque a sua própria credibilidade e daqueles que o aplicam (tomando, hic et nunc, de empréstimo a formulação argumentativa empreendida pelo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA no acórdão já citado também em sede alegatória).

40. Em concomitância, modestamente se entende que não se vê como não ser admitida a presente revista excepcional, sendo a questão submetida ao prudente juízo do Colendo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, intervenção essa que se afigura da mais elevada premência.

ISTO POSTO,

41. Admitido o recurso como se impetra, devem proceder em toda a linha as alegações e conclusões precedentes sendo revogado o douto Acórdão da Relação, uma vez feito tal julgamento, ser revogado e alterado em conformidade com o explanado e ser concedida a pretensão do embargante conforme o pedido, devendo os embargos ser julgados procedentes.

9. Não houve contra-alegações.

10. Distribuído o processo neste STJ, o relator, por se lhe afigurar que a revista deveria ser rejeitada, determinou se desse cumprimento ao disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC, possibilitando às partes o exercício do contraditório.

11. O recorrente pugnou pela admissibilidade da revista.

12.. Por decisão proferida em 22.9.2023, o relator não admitiu a revista.

13. O recorrente reclamou da decisão do relator para a conferência, reiterando o constante na revista.

14. A parte contrária nada disse.

15. Foram colhidos vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. A questão que se deve, nesta sede, dirimir, é a da admissibilidade de revista ordinária, enquanto pressuposto da interposição de revista excecional.

Na apreciação de tal questão assentar-se-á, sobretudo, no conteúdo da decisão reclamada, com a qual este coletivo concorda.

2. O factualismo relevante a levar em consideração está exposto no Relatório supra.

3. O Direito

5.1. O recurso ora em análise emerge de ação de execução, pelo que haverá que atentar no disposto no art.º 854.º do CPC:

Revista

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Uma vez que a decisão recorrida se insere em embargos de executado, é-lhe aplicável o regime geral de admissibilidade (e de inadmissibilidade) da revista previsto nos artigos 671.º e seguintes do CPC.

Dúvidas não se verificam quanto à admissibilidade do recurso à luz das regras gerais da alçada e da sucumbência previstas no art.º 629.º n.º 1 do CPC.

Também não se registam dúvidas quanto à admissibilidade da revista à luz das regras gerais contidas no n.º 1 do art.º 671.º

É sabido, porém, que o n.º 3 do art.º 671.º do CPC consagra o obstáculo à revista comummente designado de “dupla conforme”:

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

No caso destes autos, a Relação confirmou a decisão proferida pela primeira instância, por unanimidade, sem apresentar para o efeito qualquer divergência quanto à fundamentação aduzida pelo tribunal a quo.

Tal ocorreu tanto quanto à matéria de direito, como quanto à decisão sobre matéria de facto.

No que concerne à matéria de facto, que in casu reclama maior atenção, no acórdão recorrido ficou vertido, após a análise feita pela Relação na sequência da impugnação da decisão de facto, que “[a] conclusão a extrair de tudo o que acima ficou dito, é, pois, a de que – analisados os elementos probatórios - a convicção que formámos quanto à matéria de facto posta em causa no presente recurso não difere daquela que conduziu à decisão tomada nesse domínio pelo Tribunal “a quo” quanto aos pontos da matéria de facto ora impugnados pelo Apelante, pelo que esta Relação, não vislumbrando que qualquer erro ou omissão tenha havido na valoração da prova constante dos autos, considera que a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada é aquela que assim está consignada na decisão impugnada e que aqui se mantém.

Improcede, pois, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto”.

Aliás, essa uniformidade, no essencial, quanto ao decidido em ambas as instâncias, não é questionada pelo recorrente (cfr., sobre a dupla conforme no plano da decisão de facto, o acórdão do STJ, de 05.4.2022, processo n.º 1916/18.3T8STS.P1.S1, consultável, tal como os adiante citados, em www.dgsi.pt).

E tanto não é questionada que o recorrente, no intuito de contornar a verificada “dupla conforme”, invoca duas das situações que, nos termos do art.º 672.º, excecionalmente permitem que, pese embora o obstáculo da dupla conforme, o STJ seja chamado a reapreciar o acórdão da Relação.

Porém, é necessário ter presente que outras barreiras poderão surgir à revista, contra as quais o art.º 672.º é inoperante.

Em regra, o STJ não interfere na fixação da matéria de facto.

Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º).

Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera o n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.

À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC.

Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ.

O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1; 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1; e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Efetivamente, nesses casos estará em causa uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova.

Ora, no caso destes autos a revista tem como objeto, como decorre das conclusões 2 a 12, o inconformismo do recorrente quanto à avaliação que a Relação e a primeira instância fizeram de meios de prova sujeitos a livre apreciação pelo tribunal (prova pericial, depoimentos de testemunhas, documentos particulares e declarações de parte sem natureza confessória). Esse inconformismo leva o embargante a pretender que este STJ se substitua às instâncias e emita o seu próprio juízo probatório, quando do teor das alegações não se evidencia qualquer “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.º 3 do art.º 674.º do CPC).

Sendo a modificabilidade da decisão da matéria de facto regulada no art.º 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a inadmissibilidade do recurso de revista decorre, in casu, expressamente do disposto no art.º 662.º, n.º 4, do CPC (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 20.6.2023, processo n.º 511/16.6T8GMR.G3-A.S1, consultável em www.dgsi.pt).

A inadmissibilidade da revista ordinária determina, necessariamente, a inadmissibilidade da revista excecional.

A reclamação é, assim, improcedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, não se admite a revista, confirmando-se o despacho do relator.

As custas da revista e da reclamação são a cargo do recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça da reclamação (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC e tabela II do RCP).

Lx, 31.10.2023

Jorge Leal (Relator)l

António Magalhães

Pedro de Lima Gonçalves