Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
75/15.8PJAMD-D.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
INCONSTITUCIONALIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art. 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui o meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. É assim que a segurança do direito e a força do caso julgado, valores essenciais do Estado de direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.
II - Daí que o Código de Processo Penal preveja, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do n.º 1, do art. 449.º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.
III - Quanto à literalidade da al. d), do n.º 1, do art. 449.º do CPP, resulta que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se, e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar.
IV - E compreende-se que assim seja, pois, importando o recurso de revisão o “sacrifício” do caso julgado, da estabilidade das decisões transitadas - corolário da segurança jurídica -, só deve ser admitido em casos pontuais e expressamente previstos na lei. Tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado.
V - Este fundamento para a revisão da sentença assenta em dois requisitos: a apresentação de factos ou meios de prova que, de per se ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devam considerar-se ‘novos’ e, após reconhecida a ‘novidade’, a verificação de que tais factos ou meios de prova têm a necessária aptidão para constituir um juízo de graves dúvidas sobre os fundamentos da condenação, de modo a poder concluir-se que a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.
VI - Quanto à noção de factos ou meios de prova novos devem estes obedecer a uma condição prévia, apenas relevando aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados na decisão em que se fundou a condenação por decisão transitada em julgado e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado.
VII - Porém, é, ainda, entendimento pacífico da jurisprudência deste Tribunal que, para efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, não basta que sejam factos ou meios de prova desconhecidos do tribunal no acto de julgamento - processualmente novos – ‘novos’ são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. Desta feita, só são admissíveis novos factos e meios de prova quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justifica a razão pela qual não os apresentou em momento próprio.
VIII - De facto, de acordo com a interpretação que se tem feito da al. d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP, o desconhecimento relevante é, não apenas o do tribunal (na medida em são factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento), devendo ter-se em conta o desconhecimento do próprio requerente (razão de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos).
IX - Conclui-se, pois, que é insuficiente o mero desconhecimento dos factos pelo tribunal, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do ‘remédio’ da revisão com respeito pelos princípios constitucionais da segurança jurídica, lealdade processual, protecção do caso julgado. A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa.
X - Só assim se compreende o que dispõe o art. 453.º, do CPP, a respeito da produção de prova no caso em que o fundamento da revisão é o previsto na al. d), do n.º1, do art. 449.º, do CPP, no sentido de prever que, embora caiba ao tribunal proceder a todas as diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, não são admitidas testemunhas que não tenham sido inquiridas no processo, a não ser que o recorrente justifique que ignorava a sua existência à data da condenação ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).
XI - Quanto ao segundo requisito referido - que a novidade dos factos e dos meios de prova suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não se trata de uma qualquer dúvida, tem que ser uma dúvida sólida, séria, consistente e verdadeiramente perturbadora para que se possa afirmar a sua “gravidade”.
XII - Trata-se de um grau de convicção mais exigente do que aquele que é exigido na fase de julgamento para levar à absolvição do arguido em audiência se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. Situa-se para além da dúvida ‘razoável’, pois, mais do que razoável, deve ser uma dúvida ‘grave’, pois só essa poderá justificar a revisão do julgado.
XIII - A “dúvida relevante” para a revisão tem de ser “qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida: isto é, que, na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 125.º) e, sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.
XIV - Os novos factos ou meios de prova têm, deste modo, que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas, nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).
XV - É por demais evidente que todas as questões suscitadas pelo arguido, ora recorrente, não constituem fundamento legal para a revisão do acórdão condenatório nos termos peticionados. Desde logo, o arguido deturpou a realidade dos autos, quando afirmou que foi com “estupefação” que agora, volvidos 5 anos, tomou conhecimento da pendência destes autos e da respetiva condenação na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, quando resulta à saciedade dos autos que, para além de o mesmo ter sido detido no dia 20.01. 2016, aquando da prática dos factos, foi no dia seguinte, sujeito a interrogatório nos Serviços do Ministério Público, tendo prestado termo de identidade e residência.
XVI - Falecem, pois, todas as nulidades, irregularidades e insconstitucionalidades invocadas pelo ora recorrente na sua petição, uma vez que esteve presente, foi notificado nos termos acima expostos de todos os actos que diz agora desconhecer e que se resumem a uma e única pretensão: a realização de um novo julgamento, inverificado o seu sucesso no recurso ordinário que apresentou, que foi apreciado, e que viu negado provimento.
XVII - De acordo com o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado só é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
XVIII - Com efeito, o recurso de revisão é um recurso de aplicação extraordinária, que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio reitor da justiça, leva a que este deva prevalecer sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.
XIX - No caso vertente, o arguido limita-se a alegar que não praticou o crime por que foi condenado. Não invoca novos factos, nem novas provas que evidenciem, por si só ou quando conjugados com os que foram apreciados no processo, qualquer clamoroso atropelo da análise da prova ou da justiça da sua condenação. O arguido não apresenta qualquer argumento ponderoso, susceptível de causar graves dúvidas sobre o acerto da sua condenação. Vem juntar e alegar, uma declaração escrita de um coarguido (que agora diz desconhecer, o que pelo que se disse anteriormente, não é plausivel), que não merece qualquer credibilidade e que nada de novo traz ao processo, ou que já não tenha sido anteriormente ponderado.
XX - Verifica-se que o fundamento do recurso, assenta, mais uma vez, na pretensa falsidade das declarações prestadas pelos co-arguidos, à data do julgamento, onde esteve presente.
XXI - Pelo que, os fundamentos que invoca não constituem fundamento para o recurso agora interposto, além de que não é este o recurso próprio para alegar a inconstitucionalidade, por violação dos seus direitos de defesa, bem como do princípio do contraditório, não se vendo como possa prejudicar gravemente os seus direitos, liberdades e garantias.
XXII - Destarte, o pedido revela-se manifestamente infundado, pelo que se nega a revisão.
Decisão Texto Integral:

Proc. Nº 75/15.8PJAMD-D. S1

Recurso extraordinário de revisão

Acordam, precedendo conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. O arguido AA veio, em 27 de Agosto de 2020, interpor recurso extraordinário de revisão, do acórdão proferido no âmbito do processo acima identificado, em 23 de Novembro de 2016, do Juiz …. do Juízo Central Criminal ….., no Tribunal Judicial da Comarca …, decisão esta confirmada por acórdão do Tribunal da Relação ….. (TR…), transitado em julgado em 12 de Julho de 2017, em que foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 25.º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, invocando, para o efeito, o disposto nos artigos 406.º, 407.º, n.º 1, al. a), 408.º, n.º 1 al. a) e 449.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Penal (CPP).

2. Fundamenta a sua pretensão, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem:

(…) 1.ª Tendo o Recorrente tomado conhecimento que foi proferida uma Decisão do Tribunal  a quo, relativamente ao Processo n.º 75/15….., Processo esse que correu os seus termos junto do J….. do Juízo Central Criminal ……,

2.ª Diga-se em abono da verdade que a referida decisão deixou o Recorrente completamente confuso e estupefacto, uma vez que o Recorrente foi condenado no âmbito daqueles Autos na pena 02 anos e 06 meses de prisão,

3.ª Diga-se em também em bom rigor que os factos relativamente aos quais aquele foi condenado tratam se de factos de tráfico de estupefaciente, factos relativamente aos quais o ora Recorrente nunca praticou em momento algum, desconhece em absoluto quem são os outros intervenientes ou seja os outros arguidos desse Processo, logo ainda mais surpreendeu o Recorrente, dado poderá tratar–se aqui de um erro na identificação do ora Recorrente,

4.ª Além disso o Recorrente nunca foi notificado em momento algum que estava a decorrer um Processo relativamente ao qual aquele era Arguido,

5.ª Como também é referido nessa mesma decisão que o ora Recorrente tem uma ligação com BB, ligação essa que não corresponde á verdade uma vez que não teve ligação alguma com esse ora arguido referido,

6.ª Para demonstrar que não teve qualquer relação com esse ora Arguido e que nada tem a ver com o crime que foi praticado no âmbito daqueles Autos e que o crime em que é referido que praticou com aquele e que não praticou em momento algum o crime foi apenas praticado por aquele, é apresentada uma declaração subscrita por aquele que prova isso mesmo que junta como n.º 01,

7.ª Mesmo assim que isso não bastasse além disso, o ora Recorrente esteve sempre em Portugal nunca dai saiu até á presente data, logo não se entende o fundamento de só agora passados 05 anos toma conhecimento de ter sido condenado numa pena 02 e 06 meses de prisão por um crime que não cometeu em momento algum,

8.ª Logo entende-se que se deveria haver uma excepcionalidade e os referidos autos deveriam de ser reapreciados ou anulados em relação á pessoa do ora Recorrente, devendo essa decisão condenatória ser objecto de revisão, sendo que tudo isto deve ser tido em conta porque 05 anos depois o Estado não pode exigir que uma condenação seja

cumprida, em virtude de um erro judiciário relativamente ao qual o condenado é alheio nem tinha conhecimento da mesma nem foi notificado em momento algum e além do mais os factos relativamente aos quais aquele foi condenado nunca foram praticados pelo mesmo, e muitos menos aquele conhece os outros Arguidos dos presentes Autos,

9.ª Assim sendo logo e em face do que se foi expondo ao longo do presente Recurso entende–se por sinal que haveria todas as condições para que os Autos sejam objecto de revisão, como também há todas as condições para que a decisão do Tribunal a quo seja anulada, em relação á pessoa de o Recorrente,

Nestes Termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V.Exas deve o presente Recurso:

- Ser admitido e aceite na integra;

- Deve também consequentemente ser anulada na integra a Decisão proferida pelo Tribunal a quo, em relação á pessoa do Recorrente com a consequente revisão dos autos.

(…).

Alega ainda uma inconstitucionalidade, uma vez que foram violados, na íntegra, os direitos de defesa do ora Recorrente e o princípio do contraditório, e que vai prejudicar gravemente os seus direitos, liberdades e garantias.

3. O recurso foi admitido por despacho de 11 de outubro de 2020, por tempestivo, ter sido interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir, tendo sido fixado o devido efeito.

4. O Ministério Público em 1ª Instância, veio apresentar a sua resposta no sentido da rejeição deste recurso de revisão. Transcrevem-se as suas conclusões:

(…) (i) Os argumentos invocados não são de molde a pôr em crise a justiça da condenação sofrida.

(ii) Inexiste, pois, fundamento para conceder a revisão pedida ao abrigo do art.º 449º, nº 1, do CPP, sendo que o Recorrente também não invocou nenhum dos fundamentos ali previstos.

(iii) Devendo julgar-se o recurso manifestamente infundado e negar-se a revisão pretendida – art.º 456º do CPP.

Termos em que se conclui que o douto acórdão recorrido efectuou um correcto e justo enquadramento jurídico-penal do caso concreto em apreço, pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, (…).

5. No tribunal de 1.ª Instância, foi proferido despacho sobre requerimento do arguido de 21 de Outubro de 2020, que aqui se transcreve:

(…) Veio o arguido, ora recorrente, uma vez mais, na sequência do requerimento apresentado no âmbito dos autos principais e que foi indeferido por despacho de 9 de outubro de 2020, requerer o levantamento imediato da respectiva contumácia e a suspensão, também imediata, dos mandados de detenção emitidos (…) Conforme resulta do despacho proferido nos autos principais (Ref.ª n.º …., de 09/10), das normas legais respeitantes ao recurso de revisão (designadamente do art.º 457º, n.º 2 do Código de Processo Penal, por maioria de razão), e da sua própria natureza de recurso extraordinário, o mesmo não tem efeito suspensivo do processo, nem tão-pouco da decisão recorrida. O arguido AA tem pendentes mandados de detenção para cumprimento da pena de 2 anos e 6 meses em que foi condenado por acórdão transitado em julgado, após ter estado presente na audiência de julgamento e na própria leitura do acórdão, em virtude de, após o referido trânsito, não se ter apresentado voluntariamente para cumpri-la.

Também na decorrência de se vir furtando à ação da justiça, foi declarado contumaz, sendo que, conforme o requerente bem saberá, a caducidade da contumácia apenas ocorrerá com a sua apresentação em juízo ou com a respetiva detenção (art.º 336º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Tais circunstâncias não foram, pois, ignoradas pelo tribunal aquando da prolação do despacho de admissão do recurso de revisão, nada tendo sido referido, a esse propósito, por inexistir qualquer fundamento legal para, neste momento, julgar cessada a contumácia ou determinar a suspensão dos mandados de detenção emitidos. Pelo exposto, indefere-se, uma vez mais, o requerido. Notifique. (…).

6. Seguidamente, foi prestada a informação a que alude o artigo 454.º, do CPP, no sentido de a revisão não ser concedida, nos seguintes termos que se transcrevem:

(…)  De acordo com o disposto no art. 449º, n.º 1 do Código de Processo Penal, “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

(…) d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

O processo de revisão com fundamento na al. d), acima citada, visa uma nova decisão, assente num novo julgamento sobre a matéria de facto, sendo que nos factos novos se incluem todos os que deveriam constituir tema de prova.

Ora, neste caso, e salvo melhor entendimento, não se vislumbra que as questões suscitadas pelo arguido, ora recorrente, constituam fundamento legal para a revisão do acórdão condenatório nos termos peticionados.

Desde logo, e com o devido respeito, o arguido AA, ora recorrente, deturpou a realidade dos autos, quando afirmou que foi com “estupefação” que agora, volvidos cinco anos, tomou conhecimento da pendência destes autos e da respetiva condenação na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, porquanto, para além de o mesmo ter sido detido no dia 20 de janeiro de 2016, aquando da prática dos factos, foi no dia seguinte sujeito a interrogatório nos Serviços do Ministério Público, tendo prestado termo de identidade e residência.

Depois, contrariamente ao que alegou, o arguido, ora recorrente, esteve presente em todas as sessões em que se realizou a audiência de julgamento (excetuada a sessão de adiamento), tendo inclusivamente prestado declarações (para além de ter comparecido na D.G.R.S.P., para efeitos de elaboração do respetivo relatório social), e esteve presente na leitura do acórdão condenatório no dia 23 de novembro de 2016, do qual interpôs recurso ordinário, sendo certo que ao longo de todo o processo nunca invocou qualquer “erro de identificação”, que sempre inexistiria em virtude do que se expôs.

Relativamente aos “novos factos”, alicerçados num “novo meio probatório”, acompanham-se os fundamentos aduzidos pela Digna Procuradora da República, no sentido de que o recorrente se louva, para o efeito, numa declaração (alegadamente) escrita por um coarguido, BB – que o próprio recorrente, aliás, alega não conhecer -, e que não merece qualquer credibilidade (não esquecendo a circunstância de aquele ter cumprido já a pena em que foi condenado), sendo manifestamente insuficiente ou inidóneo para colocar em causa os meios probatórios sopesados pelo tribunal a quo na sua decisão.

- Conclusão

Por todo o exposto, e em conformidade com as referidas disposições legais, o meu parecer é no sentido de que deve ser indeferida a pretensão do recorrente e negada a revisão, por manifestamente infundada, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a justiça da manutenção da condenação.

Vossas Excelências, porém, superiormente decidindo, farão a costumada Justiça.

(…).

7. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, suscitando uma questão prévia sobre a possibilidade de o arguido, por se encontrar em situação de contumácia, poder interpor recurso extraordinário, de revisão de sentença, sendo seu entender que a resposta terá de ser, necessariamente, negativa.

8. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 , do CPP, nada foi dito.

9. Na sequência de diligências determinadas no âmbito destes autos, foi junta informação do Juízo de Execução das Penas ….-J…..- dando conta de que, por despacho de 28.01. 2021, proferido no processo supletivo n º 1372/10…. (ainda que assinado em 25 do mesmo mês) foi declarada a caducidade da declaração da contumácia, nos termos do artigo 336.º, n º 1, do CPP, do aqui recorrente, AA.

10. O Senhor Procurador-Geral Adjunto, notificado destes documentos, veio reiterar que tendo o recurso de revisão sido interposto em 27.08. 2020, ou seja, quando ainda vigorava a situação de contumácia, mantem a sua posição.

11. Colhidos os vistos, conforme decorre do exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.

II.

12. O objecto do presente recurso, cinge-se à apreciação das seguintes questões:
i. Existe um erro judiciário ao ter sido proferida a sentença que condenou o ora recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; e,
ii. uma inconstitucionalidade, por terem sido violados na íntegra os direitos de defesa do ora recorrente e o principio do contraditório, pelo que aquela decisão é nula;
iii. Existe um novo facto consubstanciado numa declaração junta aos autos que “iliba” o arguido desta condenação.

Por seu turno, o Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o recurso é de rejeitar relevando a sua manifesta improcedência,  nos termos do disposto no artigo 420º, n. º 1, alínea a), do CPP, suscitando uma questão prévia sobre a possibilidade de o arguido, por se encontrar em situação de contumácia, poder interpor recurso extraordinário, de revisão de sentença.

É seu entender que a resposta terá de ser, necessariamente, negativa.

13. Comecemos por apreciar a questão prévia suscitada pelo MP.

Por despacho de 28.01.2021, proferido no processo supletivo n º 1372/10….. (ainda que assinado em 25 do mesmo mês) foi declarada a caducidade da declaração da contumácia do aqui recorrente, nos termos do artigo 336.º, n º 1, do CPP.

Assim sendo, e apesar de o Sr. Procurador-Geral Adjunto reiterar que tendo o recurso de revisão sido interposto em 27 de Agosto de 2020, ou seja, quando ainda vigorava a situação de contumácia, mantem a sua posição, entendemos diferentemente.

Com efeito, a questão prévia suscitada pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto, prendia-se com o facto de o ora recorrente estar em situação de contumácia, razão que o impediria de interpor o presente recurso extraordinário de revisão de sentença.

E, tal era de facto, a situação do arguido.

Com efeito, ao abrigo do disposto no artigo 335º, n.º 3, do CPP, que dispõe que “a declaração de contumácia (…) implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo (…) e da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320º”, o que quer dizer que, na vigência de tal declaração, apenas há lugar à prática dos actos urgentes - artigo 320.º, do CPP - e daqueles que importam à detenção do arguido.

Daí que, a situação em apreço, apenas poderá ser alterada com a apresentação voluntária do arguido ou a sua detenção.

O que aconteceu, atento o despacho de 28.01. 2021, proferido no processo supletivo n º 1372/10….. (ainda que assinado em 25 do mesmo mês) em que foi declarada a caducidade da declaração da contumácia, nos termos do artigo 336.º, n º 1, do CPP.

Razão que nos leva a apreciar a bondade do recurso de revisão interposto pelo recorrente.

14. O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui o meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. É assim que a segurança do direito e a força do caso julgado, valores essenciais do Estado de direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

Daí que o Código de Processo Penal preveja, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do n.º 1, do artigo 449.º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.

O ora recorrente reporta (atento o alegado e por exclusão dos mais fundamentos arrolados no n.º 1, do artigo 449.º, do CPP) o pedido de revisão do acórdão condenatório à verificação dos fundamentos previstos na alínea d) daquela norma, segundo a qual, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível se: “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Quanto à literalidade da alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º do CPP, resulta que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se, e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar.

E compreende-se que assim seja, pois, importando o recurso de revisão o “sacrifício” do caso julgado, da estabilidade das decisões transitadas - corolário da segurança jurídica -, só deve ser admitido em casos pontuais e expressamente previstos na lei[1]. Tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento[2] e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado[3] [4].

Este fundamento para a revisão da sentença assenta em dois requisitos: a apresentação de factos ou meios de prova que, de per se ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devam considerar-se ‘novos’ e, após reconhecida a ‘novidade’, a verificação de que tais factos ou meios de prova têm a necessária aptidão para constituir um juízo de graves dúvidas sobre os fundamentos da condenação, de modo a poder concluir-se que a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.

Quanto à noção de factos ou meios de prova novos devem estes obedecer a uma condição prévia, apenas relevando aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados na decisão em que se fundou a condenação por decisão transitada em julgado e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado[5].

Porém, é, ainda, entendimento pacífico da jurisprudência deste Tribunal que, para efeitos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, não basta que sejam factos ou meios de prova desconhecidos do tribunal no acto de julgamento - processualmente novos – ‘novos’ são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. Desta feita, só são admissíveis novos factos e meios de prova quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justifica a razão pela qual não os apresentou em momento próprio.[6] [7]

De facto, de acordo com a interpretação que se tem feito da al. d), do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP, o desconhecimento relevante é, não apenas o do tribunal (na medida em são factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento), devendo ter-se em conta o desconhecimento do próprio requerente (razão de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos).

Conclui-se, pois, que é insuficiente o mero desconhecimento dos factos pelo tribunal, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do ‘remédio’ da revisão com respeito pelos princípios constitucionais da segurança jurídica, lealdade processual, protecção do caso julgado. A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa.[8] [9]

Só assim se compreende o que dispõe o artigo 453.º, do CPP, a respeito da produção de prova no caso em que o fundamento da revisão é o previsto na al. d), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP, no sentido de prever que, embora caiba ao tribunal proceder a todas as diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, não são admitidas testemunhas que não tenham sido inquiridas no processo, a não ser que o recorrente justifique que ignorava a sua existência à data da condenação ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).

O próprio legislador veio limitar a indicação de testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo pelo requerente, com a necessidade de justificação de que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor: “[…] O legislador revelou claramente, com este preceito, que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. Tal teria, na verdade, por consequência, a transformação do recurso de revisão – que é um recurso extraordinário –, num expediente que se poderia banalizar. Assim se prejudicaria, para além de toda a razoabilidade, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual […][10].
Quanto ao segundo requisito referido - que a novidade dos factos e dos meios de prova suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não se trata de uma qualquer dúvida, tem que ser uma dúvida sólida, séria, consistente e verdadeiramente perturbadora para que se possa afirmar a sua “gravidade”.

Trata-se de um grau de convicção mais exigente do que aquele que é exigido na fase de julgamento para levar à absolvição do arguido em audiência se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. Situa-se para além da dúvida ‘razoável’, pois, mais do que razoável, deve ser uma dúvida ‘grave’, pois só essa poderá justificar a revisão do julgado. “[…]. Dir-se-ia que se a condenação surge com a superação da dúvida razoável, o caminho de regresso à discussão da causa exige porventura uma dúvida de maior peso. […]”.[11]

A “dúvida relevante” para a revisão tem de ser “qualificada”[12]; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida: isto é, que, na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 125.º) e, sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

Os novos factos ou meios de prova têm, deste modo, que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas, nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).

15. À luz dos elementos de jurisprudência e de doutrina referidos, cumpre, agora, apreciar e determinar se existem fundamentos para a requerida revisão.

16. Compulsados os presentes autos de recurso extraordinário de revisão, junto ao respectivo requerimento, o arguido para além das certidões a que se refere o n.º 3, do artigo 451.º, do CPP, juntou uma declaração assinada, alegadamente, por BB em que este declara que o ora recorrente – AA- que também foi condenado na mesma pena (2 anos e 6 meses de prisão) e no âmbito do mesmo processo (Proc. Nº 75/15…….) “nada tem a haver com o crime que foi praticado nos presentes autos “,(…), “sendo que o referido crime foi exclusivamente praticado pelo ora declarante e em que AA não teve participação alguma”, não fazendo sentido o mesmo “sofrer uma pena absurda e injustificada”, pelo que a referida decisão “deve ser anulada com a consequente absolvição do mesmo, por ser essa a medida justa dos factos”.

17. Vejamos.

17.1. O recurso.

O arguido AA vem interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão datado de 23.11.2016, transitado em julgado[13], que o condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, invocando, para o efeito, o disposto nos arts. 406º, 407º, n.º 1 al. a), 408º, n.º 1 al. a) e 449º, n.º 1 al. d), todos do CPP

Alega, em síntese, o seguinte:

O recorrente tomou conhecimento de que foi proferida uma decisão no Processo n.º 75/15……, que correu os seus termos junto do Juiz ….. do Juízo Central Criminal …., que o deixou “completamente confuso e estupefacto”, uma vez que foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, por factos que “nunca praticou em momento algum”, desconhecendo em absoluto quem são os outros intervenientes, ou seja, os outros arguidos, podendo tratar-se, assim, de um erro na sua própria identificação.

Além disso, o recorrente “nunca foi notificado em momento algum que estava a decorrer um processo relativamente ao qual era arguido”.

É também referido nessa mesma decisão que o arguido, ora recorrente, tem uma ligação com BB, ligação essa que não corresponde à verdade, sendo que para o demonstrar, assim como para demonstrar que nada tem a ver com o crime que foi praticado, apresenta uma declaração subscrita por aquele (e que se referimos no ponto anterior deste acórdão).

Por outro lado, o ora recorrente esteve sempre em Portugal e nunca daqui saiu até á presente data, não se entendendo o fundamento para só agora, passados cinco anos, ter tomado conhecimento de ter sido condenado naquela pena de prisão, por um crime que não cometeu.

Termina o ora recorrente, por concluir que existe um “erro judiciário” e uma “inconstitucionalidade”, uma vez que “foram violados na integra os direitos de defesa” e o “principio do contraditório”, razão pela qual o acórdão proferido pelo Tribunal a quo é nulo e deverá ser objeto de revisão.

Para prova destes factos, e também como novo meio de prova, o recorrente juntou a já referida declaração, alegadamente, assinada por BB.

17.2. Os factos.

Deram-se como provados os seguintes factos, no que aqui interessa, e atentos os fundamentos do presente recurso, e transcreve-se:

(…) No dia 20 de janeiro de 2016, pelas 19h25m, na Rua ……, na … - …, o arguido CC entrou no veículo automóvel …, de cor …., com a matrícula …-TJ, conduzido pelo arguido AA, onde se encontrou com o mesmo.

Nesse local, o arguido CC entregou ao arguido AA um pacote contendo heroína, com o peso líquido de 29,520 gramas e o grau de pureza de 6,1%, equivalente a 18 (dezoito) doses médias diárias individuais.

Nessa imediata sequência, o arguido AA saiu do referido veículo automóvel e entregou o pacote ao arguido BB.

Estando a ser vigiados por agentes da P.S.P., foi o arguido BB abordado e sujeito a revista, cerca das 20h30m, tendo-lhe sido apreendido o pacote contendo as 29,520 gramas de heroína.

O arguido AA foi, por seu turno, sujeito a revista pessoal, tendo sido encontrados na sua posse a quantia monetária de € 80 (oitenta euros) e três telemóveis.

(…)

Com exceção da substância estupefaciente referida em 30), os arguidos CC, DD, AA e BB destinavam as demais que foram apreendidas, nos precisos termos que ficaram demonstrados, à venda aos terceiros que os procurassem para o efeito, com os proventos económicos resultantes dessa atividade.

Nas circunstâncias dadas como provadas (…), os arguidos AA e CC atuaram em conjugação de esforços e vontades, tendo em vista a venda de produto estupefaciente, o que fizeram de forma voluntária, livre e consciente.

Todos os arguidos – CC, DD, AA e BB – agiram de forma voluntária, livre e consciente, conhecendo a natureza estupefaciente das substâncias que lhes foram respetivamente apreendidas e/ou daquelas que entregaram a terceiros, nos precisos termos que ficaram demonstrados, e bem sabendo que a sua compra, transporte, guarda, detenção a qualquer título, consumo e venda são proibidos e punidos por lei. (…)

No que se refere àquela que foi a convicção do Tribunal relativamente aos meios de prova produzidos, foi referido, em sede de acórdão:

(…) Em relação à factualidade do dia 20 de janeiro de 2016, e para além das declarações prestadas, nesta sede, pelos arguidos CC, DD e AA, nos termos que abaixo serão aflorados, foi determinante na formação da convicção a análise do auto de vigilância de fls. 221 e 222, corroborado pelos depoimentos das testemunhas EE, FF e GG, todos agentes da P.S.P. da ….…, que intervieram diretamente na vigilância e subsequente abordagem e detenção dos arguidos, conjugadamente com o teor dos autos de apreensão de fls. 243 e 249 e com o relatório de exame pericial (do L.P.C. da Polícia Judiciária) de fls. 533.

Nesta parte, e sem prejuízo de os arguidos CC e AA terem assumido que se encontraram momentos antes, o que foi confirmado pelo arguido DD (que se limitou a acompanhar o primeiro quando o mesmo foi buscar o filho ao treino…..), negaram ter procedido à troca de qualquer produto estupefaciente. Ora, tais declarações foram claramente contraditadas, em moldes que mereceram credibilidade, pelos depoimentos das testemunhas acima identificadas.

Com efeito, a testemunha EE descreveu que no âmbito de uma ação de vigilância que visava os arguidos CC e DD, iniciada pelas 16h desse dia, visualizou o primeiro a parar a sua viatura junto ……., local onde posteriormente chegou o arguido AA, no veículo automóvel ….., que o imobilizou um pouco mais à frente. De seguida, viu o arguido CC a entrar naqueloutro veículo, seguindo-se o movimento de retirar algo da cintura, mais propriamente da zona dos genitais, e o movimento de entrega ao arguido AA. Nessa sequência, e deslocando-se o arguido AA, de novo, para o interior …, deu indicação ao seu colega FF, o qual acabou por presenciar a entrega que o mesmo fez ao arguido BB e por proceder, juntamente com o agente principal GG, à detenção dos mesmos. Não viu, porém, esta última entrega (do arguido AA ao arguido BB).

E assim, no que a esta respeita, foi determinante no convencimento do Tribunal os depoimentos das testemunhas FF e GG. Com especial relevância, pelo primeiro foi descrito o momento subsequente à indicação dada pelo colega EE, tendo visto, sem quaisquer dúvidas, o encontro entre os arguidos AA e BB e a entrega, realizada pelo primeiro ao segundo, do produto estupefaciente que acabou por ser apreendido. Esclareceu, neste âmbito, que o encontro entre os dois se verificou no exterior ….. ali existente e bem assim que o arguido AA retirou o produto que entregou ao arguido BB da zona dos genitais, guardando este último o produto no bolso das calças. Sem prejuízo, não viu, nesse momento, qualquer entrega de dinheiro (razão pela qual o Tribunal deu como não provado que os € 80 apreendidos ao arguido AA proviessem da venda de produtos estupefacientes, sendo certo, além disso, que esse não seria o preço dos cerca de 30 gramas cedidas). Por outro lado, ainda que ao arguido BB tenha sido igualmente encontrado, no bolso das calças, o telemóvel, tem a certeza de que não foi este o objeto ou embrulho que lhe foi entregue em tais circunstâncias.

Também a testemunha GG descreveu o modo como procedeu à abordagem do arguido BB, na sequência da indicação dada pelos seus colegas EE e FF, no sentido de ali poder ter ocorrido uma transação de produtos estupefacientes. Não chegou a presenciar o momento da entrega, vendo apenas o arguido BB a colocar a mão no bolso das calças, o que é explicado pela diferença de segundos que mediou a chegada ao local do seu colega FF e a sua própria chegada.

Ora, face ao encadeamento lógico-temporal descrito pelas testemunhas acima identificadas, não restam quaisquer dúvidas de que os factos se verificaram nos moldes constantes da acusação e agora vertidos na matéria de facto dada como provada. (…).

17.3. Mais consta do presente recurso, o auto de interrogatório do ora recorrente nos Serviços do Ministério Público, no dia 21.01. 2016, tendo prestado termo de identidade e residência (certidão de fls 96 a 104).

Consta ainda dos autos, certidão da actas de audiência de discussão e julgamento (fls. 106 a 110 e v.º)  de onde consta que o ora recorrente esteve sempre presente nas várias sessões da audiência de julgamento, e realizadas nos dias 19.10. 2016 e 9.11.2016, bem como na sessão respeitante à leitura do acórdão, realizada no dia 23.11.2016, tendo sido pessoalmente notificado do acórdão condenatório.

O ora recorrente, interpôs recurso do acórdão para o TR…., que por acórdão proferido no dia 8.06. 2017, confirmou o decidido em 1.ª instância.

O acórdão condenatório transitou em julgado no dia 12.07. 2017.

Foram posteriormente (a 4.08.2017) emitidos mandados de detenção para os arguidos DD, AA e BB, a fim de os mesmos cumprirem as penas em que respetivamente foram condenados, vindo aqueles a ser cumpridos apenas relativamente ao terceiro.

O coarguido BB, alegado subscritor da declaração ora junta pelo recorrente, foi restituído à liberdade no dia 29.11.2019, mediante concessão de liberdade condicional, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva no dia 4.06.2020.

18. Apreciando.

É por demais evidente que todas as questões suscitadas pelo arguido, ora recorrente, não constituem fundamento legal para a revisão do acórdão condenatório nos termos peticionados.

Desde logo, o arguido deturpou a realidade dos autos, quando afirmou que foi com “estupefação” que agora, volvidos 5 anos, tomou conhecimento da pendência destes autos e da respetiva condenação na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, quando resulta à saciedade dos autos que, para além de o mesmo ter sido detido no dia 20.01. 2016, aquando da prática dos factos, foi no dia seguinte, sujeito a interrogatório nos Serviços do Ministério Público, tendo prestado termo de identidade e residência.

Recorde-se o que a Senhora Juíza diz na sua informação (supra 6.): (…) Depois, contrariamente ao que alegou, o arguido, ora recorrente, esteve presente em todas as sessões em que se realizou a audiência de julgamento (excetuada a sessão de adiamento), tendo inclusivamente prestado declarações (para além de ter comparecido na D.G.R.S.P., para efeitos de elaboração do respetivo relatório social), e esteve presente na leitura do acórdão condenatório no dia 23 de novembro de 2016, do qual interpôs recurso ordinário, sendo certo que ao longo de todo o processo nunca invocou qualquer “erro de identificação”, que sempre inexistiria em virtude do que se expôs.(…). (sublinhado nosso).

Falecem, pois, todas as nulidades, irregularidades e insconstitucionalidades invocadas pelo ora recorrente na sua petição, uma vez que esteve presente, foi notificado nos termos acima expostos de todos os actos que diz agora desconhecer e que se resumem a uma e única pretensão: a realização de um novo julgamento, inverificado o seu sucesso no recurso ordinário que apresentou, que foi apreciado, e que viu negado provimento.

19. Dito isto, há ainda que constatar o seguinte:

De acordo com o disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado só é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Como vimos nada disso se passou no caso dos autos, nem o recorrente, tão pouco, o invocou.

Com efeito, o recurso de revisão é um recurso de aplicação extraordinária, que só uma comprovada e clamorosa ofensa do princípio reitor da justiça, leva a que este deva prevalecer sobre o princípio da segurança decorrente do caso julgado.

No caso vertente, o arguido limita-se a alegar que não praticou o crime por que foi condenado.

Não invoca novos factos, nem novas provas que evidenciem, por si só ou quando conjugados com os que foram apreciados no processo, qualquer clamoroso atropelo da análise da prova ou da justiça da sua condenação.

O arguido não apresenta qualquer argumento ponderoso, susceptível de causar graves dúvidas sobre o acerto da sua condenação.

Vem juntar e alegar, uma declaração escrita de um coarguido (que agora diz desconhecer, o que pelo que se disse anteriormente, não é plausivel), que não merece qualquer credibilidade e que nada de novo traz ao processo, ou que já não tenha sido anteriormente ponderado.

Verifica-se que o fundamento do recurso, assenta, mais uma vez, na pretensa falsidade das declarações prestadas pelos co-arguidos, à data do julgamento, onde esteve presente.

Pelo que , os fundamentos que invoca não constituem fundamento para o recurso agora interposto, além de que não é este o recurso próprio para alegar a inconstitucionalidade, por violação dos seus direitos de defesa, bem como do princípio do contraditório, não se vendo como possa prejudicar gravemente os seus direitos, liberdades e garantias.

20. Pelo que se conclui, como atrás se disse, e repete-se, que o requerente o que pretende é a realização de um novo julgamento, porque não o satisfaz a condenação em 1.ª Instância confirmada pelo TR….

O que não é, manifestamente, o objectivo de um recurso extraordinário de revisão.

Destarte, o pedido revela-se manifestamente infundado, pelo que se nega a revisão.

21. Nos termos do disposto no artigo 456.º, do CPP, para além da condenação em custas, o requerente é ainda condenado no pagamento de uma quantia entre 6 e 30 UC, se se condenar que o pedido era manifestamente infundado.

III.

22. Em conformidade com o exposto, decide-se:

a). Negar o recurso interposto por AA por manifestamente infundado;

b)  O recorrente pagará a importância de 3 (três) UC, a título de custas.

c) Nos termos do disposto no artigo 456.º, do CPP, o requerente é ainda condenado no pagamento de uma quantia entre 6 (seis) UC.

11 de Fevereiro de 2021

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos signatários.

Margarida Blasco (Relatora)

Eduardo Loureiro (Adjunto)

Manuel Braz (Presidente)

_______________________________________________________

[1] Como assinalava o Professor Alberto dos Reis (no Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981, pág. 158), “estes recursos pressupõem que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. O recurso extraordinário visa eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça.”.
[2] Admitindo-se ainda que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A. S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A. S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).
[3] Cfr. entre muitos, acórdão de 10.04.2013, proc. 127/01JAFAR-C. S1, em www.dgsi.pt.

[4] Cfr. acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A. S1, de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A. S1, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A. S1 em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Acórdão do Proc. n.º 174/13.0GAVZL-B. S1, de 13.09.2018 - 5.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2018.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2019; Proc. n.º 241/18.4PDCSC-A. S1 - 3.ª Secção - 3.ª Secção, relator Conselheiro Lopes da Mota com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2019.
[7] Cf., acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2019, Proc. n.º 3155/12.8TAFUN-A. S1 - 3.ª Secção, relator Conselheiro Mário Belo Morgado, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2019.
[8] Pinto de Albuquerque, Paulo, in ob. cit. supra, p. 1198.
[9] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/00, de 13-07-2000, Proc. n.º 397/99 - 1ª Secção, relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000376.html.
[10] Cf., neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2011, Proc. n.º 595/07.8PAPTM-B.S1 - 5.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2011; de 17-12-2009, Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1- 5.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2009, em que em ambos foi relator o Conselheiro Souto de Moura, e, ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2020, Proc. n.º 1101/09.5JACBR-B.S1 - 3.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2020; e de 25-01-2017, Proc. n.º 810/12.6JACBR-I.S1 – 3.ª Secção, em que ambos em foi relator Conselheiro Pires da Graça, este com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2017.
[11] Cf., neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2019, Proc. n.º 1177/16.9PTLSB-A. S1- 5.ª Secção; e de 28-03-2019 Proc. n.º 97/16.1JBLSB-D. S1 – 5.ª Secção, em que em ambos foi relator Conselheiro Nuno Gomes da Silva, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2019.
[12] Cfr. acórdãos de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A. S1 cit. e de 29.4.2009, proc. 15189/02.6.DLSB.S1.
[13] decisão esta confirmada por acórdão do TR….., transitado em julgado em 12 de Julho de 2017.