Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
132/15.0PDFUN-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
SENTENÇA CÍVEL
SENTENÇA CRIMINAL
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Para se verificar o fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, tem de haver oposição entre factos provados em duas sentenças transitadas em julgado (mesmo que uma delas seja em processo não criminal e independentemente da data em que cada uma delas foi proferida, portanto, seja antes ou depois da sentença a rever), dos quais resulte graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Já os factos não provados não relevam para o caso, mesmo que haja oposição entre as sentenças transitadas.

II. Analisando a sentença cível, mesmo tendo em atenção as lesões sofridas, que são diferentes, por cada uma das irmãs, aqui recorrentes, verifica-se que os factos ali descritos não são bastantes para se concluir que, mesmo em relação à arguida B, havia a possibilidade de não serem verídicos os dados como provados na sentença penal.

III. Com efeito, por um lado, da sentença cível não decorre que a arguida/recorrente A tivesse sofrido qualquer incapacidade ou dificuldade motora, antes na sequência dos factos ali descritos resulta que é manifestamente infundado o recurso extraordinário de revisão por si formulado, pois, nada do que se apurou na sentença cível põe minimamente em causa o que foi dado como provado na sentença penal, que levou à sua condenação por um crime de ameaça agravada (cometido em 13.03.2015) e por um crime de coação (cometido em 13.08.2015). Quanto à arguida/recorrente B, as lesões físicas por ela sofridas, que se demonstraram na sentença cível, não a impediam (ainda que lhe pudesse custar) de carregar um balde com água, tanto mais que se desconhece as dimensões do balde e a água que levava no seu interior e, tão pouco, a impediam de, com a sua irmã A, atirar água à C, perante a passagem desta apeada na referida entrada n.º 3, sendo certo que foi condenada por um crime de ameaça agravada (cometido em 13.03.2015), cometido verbalmente, sendo irrelevante essa matéria (de carregar o balde com água) por nem ser constitutiva desse crime pelo qual foi condenada.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

I. As arguidas/condenadas AA e BB, vieram interpor, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, recurso extraordinário de revisão da sentença de 13.10.2020, proferida no processo comum (tribunal singular) n.º 132/15.0PDFUN, pendente no Juízo Local Criminal ..., juiz 1, comarca da Madeira, transitado em julgado em 5.05.2021, na parte em que foram condenadas (além do mais):

- a primeira, como autora material de um crime de Ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153°, n° 1, e 155°, n° l alínea a) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 500,00 (quinhentos) e como autora material de um crime de Coação, p. e p. pelo art. 154°, n° 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 300,00 (trezentos), sendo em cúmulo jurídico na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à mesma razão diária, o que perfaz a quantia total de € 750,00 (setecentos e cinquenta); e,

- a segunda, como autora material de um crime de Ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153° n° 1, e 155°, n° 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 500,00 (quinhentos).

II. Para o efeito, as recorrentes apresentaram conjuntamente a mesma argumentação na petição do recurso de revisão, transcrevendo, por um lado os factos provados na sentença penal que pretendem rever e, por outro lado, os factos provados na sentença cível proferida em 12.12.2022, transitada em julgado, na ação de processo comum n.º 4714/19.3..., alegando que estes factos põem em causa a veracidade dos dados como provados na sentença penal e, perante as lesões físicas que sofreram e sequelas com que ficaram, na sequência do sucedido em 17.01.2015, apuradas naquela ação cível (sendo que a arguida/ofendida BB com as lesões físicas que tinha após a agressão de que foi vítima em 17.01.2015 e, que ainda tem no dia de hoje, “não pode nem podia sequer escovar o cabelo, abotoar uma camisa, escovar os dentes, etc” e ambas as irmãs, aqui recorrentes, foram nessa data agredidas, “tendo ficado com uma incapacidade que não lhe permitia levantar os braços devido a lesão sofrida e provada com relatórios médicos juntos aos referidos autos”), concluem “não deter condições físicas para se provar os factos provados na presente decisão, tais como ter levantado e atirado sobre o muro um balde de água sobre a arguida CC, conforme se deu como provado”, resultando da oposição apontada graves dúvidas sobre a justiça da condenação penal.

Com o recurso apresentaram uma testemunha (médico) que já tinha sido ouvido na ação penal e, bem assim, certidões relativas às decisões (cível e penal) que alegam estar em oposição.

III. Na 1ª instância respondeu o Ministério Público, sustentando “que os novos elementos ora carreados, não são, nem inconciliáveis com a condenação, nem suscitam graves dúvidas sobre a sua justiça, pelo que não se verificam os fundamentos indicados pelas recorrentes para que o Supremo Tribunal de Justiça possa autorizar a revisão da decisão condenatória, concluindo dever ser negada a revisão.

IV. A Srª. Juiz pronunciou-se sobre o mérito do pedido (art. 454.º, CPP), nos seguintes termos (transcrição sem negritos, nem sublinhados):

INFORMAÇÃO SOBRE A VIABILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO

(Artigo 454º do Código de Processo Penal)

AA e BB, vieram interpor recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no processo 132/15.0PDFUN, que as condenaram nas penas de respectivamente, 150 dias de multa à taxa diária de 5 euros (em cúmulo) e 100 dias de multa à taxa diária de 5 euros.

Fundam a sua pretensão no disposto no artigo 449º, al. c) do Código de Processo Penal e pedem a sua absolvição.

Indicam uma testemunha.

Foi junta certidão da decisão de que se pede a revisão e do seu trânsito em julgado, bem como da decisão onde foram dados como provados os factos que consideram inconciliáveis com os que servem de fundamento à condenação na decisão revidenda.

Alegam em síntese, que ficaram provados em sede cível lesões físicas ocorridas a 17 de Janeiro de 2015, na recorrente BB, que seriam impeditivas de se ter provado em sede criminal, que levantou e atirou sobre o muro um balde de água sobre a arguida CC.


*


O Digno magistrado do Ministério Publico apresentou resposta ao recurso interposto, pugnando pelo seu não provimento.

*


Cumpre proferir informação sobre a viabilidade do pedido, tal como resulta do disposto no artigo 454º do Código de Processo Penal.

*


Dispõe o Artigo 449.º

Fundamentos e admissibilidade da revisão

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) (…)

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Vem invocada a inconciabilidade de decisões: entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação -art. 449.º, n.º 1, al. c).

Assim o indicam expressamente as recorrentes no proémio do seu requerimento de interposição do presente recurso e no pedido que o culmina.


*


Cumpre em primeiro lugar referir que embora as recorrentes sejam duas, só se relatam factos atinentes a uma delas (BB).

Quanto a esta, não se vê que se esteja perante uma dúvida grave sobre a justiça da sua condenação.

As lesões descritas na sentença civil, por si sofridas em Janeiro de 2015, não são causa adequada a impedir agarrar num balde com água (não se sabe a quantidade) e a ter lançado na direcção de outra pessoa (e foi só por isso que foi condenada, pois que o episódio de brandir um pau, respeitou à AA, que não consta tivesse qualquer incapacidade ou dificuldade motora).

Para mais, repare-se que os factos ocorridos a 30.05 que como resulta da fundamentação da sentença crime, foram confirmados por ambas recorrentes, situam a BB, no quintal da residência, quando na sentença cível resulta provado que esta ficou de cama durante meses (facto GG).

Não se alcança assim que a alegada oposição entre os factos dados por provados na sentença condenatória que relevaram para a verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime e factos dados por provados noutra sentença, por só esses, por ser neles que se fundamenta a condenação, sejam adequados a gerar dúvidas sérias sobre a justiça da condenação.


*


Acresce que não consta da sentença crime, a sua situação física, nomeadamente a impossibilidade de movimentar o tronco, de esticar os braços etc, na data dos factos.

Dizemos isto porque a dado passo (artigo 7º do requerimento de recurso), vem referida uma definição de “facto novo”, parecendo assim que as recorrentes pretendem também fazer uso da alínea d) do nº1 do artigo 449º.

Parece sublinhar esse desiderato o facto de ser indicada uma testemunha, pois que só a invocação daquele fundamento o permitiria como decorre do artigo 453º, nº1.

Compulsados os autos, resulta (fls. 31vº) que aquela testemunha foi ouvida em sede de julgamento crime e somente se referiu ao quadro de sintomatologia depressiva/ ansiosa das requerentes, relativamente ao qual as medica.

Recordemos então que o recorrente, no recurso de revisão que tenha como fundamento a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, pode indicar como testemunhas:

- As já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem «novos meios de prova», terão de depor sobre «novos factos» de que se tenha tomado conhecimento posteriormente;

- As que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados no julgamento, mas, nesse caso, só se o recorrente justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de depor.

As recorrentes apresentaram para depor como testemunha no recurso de revisão uma pessoa já inquirida no julgamento, pelo que o seu depoimento só seria admissível se viesse depor sobre novos factos.

Apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelas recorrentes ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão, pois que se os conheciam, como decorre do que vem alegado e os podiam apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença.

Assim, não sendo o fundamento do recurso o que consta da alínea d) mas sim a c) do nº 1 do artigo 449º é legalmente inadmissível o arrolamento de testemunhas e ainda que assim não fosse, não existindo quaisquer factos novos (quais?), é também tal inquirição inadmissível, e mesmo que o fosse, não se divisa qual a sua indispensabilidade para a descoberta da verdade.


*


Quanto à recorrente AA, nada se encontrou de oposição entre a factualidade provada nas sentenças cível e crime, tão pouco quaisquer factos novos (fundamento que alias nem sequer foi invocado em sede de recurso), pelo que entendemos que o presente recurso de revisão não deverá sequer ser admitido por esse Supremo Tribunal de Justiça.

Na minha forma de ver as coisas, não há dúvidas – muito menos, qualificadas – sobre a justiça da condenação das recorrentes, para além de que, ao contrário do que referem ao peticionarem a sua absolvição, o recurso extraordinário de revisão não visa a reapreciação da decisão judicial transitada, mas apenas obter um novo julgamento.

Em suma, a revisão deve ser negada.

É quanto me cumpre informar.


*


Remeta o processo ao Supremo Tribunal de Justiça.

D.N.


*


V. Neste Tribunal o Sr. PGA pronunciou-se, secundando as posições do Ministério Público na 1.ª Instância e da Sr.ª Juiz titular do processo, entendendo ser improcedente a pretensão das condenadas/recorrentes, não se verificando os requisitos a que se refere o artigo 449.º, n.º 1, alínea c), do CPP (e tão pouco da al. d), do mesmo preceito, que nem sequer foi invocada, apenas admitindo a sua apreciação por mera cautela, face à indicação de uma testemunha, apesar de ser contraditório com o mais alegado), por não haver qualquer oposição de decisões e muito menos graves dúvidas quanto à condenação, sendo manifestamente infundado o recurso quanto à arguida AA (pois nada se apurou na ação cível que a impossibilitasse de praticar os factos que ficaram provados no processo criminal) e sendo igualmente de negar a revisão quanto à arguida BB (na medida em que, em relação a ela, os factos dados como provados na ação cível não implicam necessariamente a impossibilidade de serem verídicos os factos dados como provados no processo penal) pois o que se provou no cível “não chega a traduzir uma incapacidade de tal modo relevante que a tenha impossibilitado, aqui também obviamente, de proferir as frases dadas como provadas e que importaram a sua condenação pela prática do crime de ameaça…E igualmente quanto ao carregar do balde com água isso não sucede, havendo a notar até que essa matéria nem é constitutiva do crime pelo qual foi condenada, pelo que estamos perante alegação inconsequente (melhor explicitando – mesmo se se retirasse da decisão condenatória aquele facto, isso nunca importaria a pretendida absolvição pela prática do crime de ameaça).”

VI. Notificado do Parecer do Sr. PGA, as recorrentes não responderam.

VII. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

VIII.

Factos Provados

Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença condenatória penal proferida em 13.10.2020, transitada em julgado, no processo comum (tribunal singular) n.º 132/15.0PDFUN, do Juízo Local Criminal ..., Juiz 1, comarca da ..., o seguinte:

Factos Provados

“1.- As arguidas residem na Estrada, na freguesia de ....

2.- Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 2015, que as arguidas BB e AA, por um lado, e as arguidas CC, DD e os familiares das mesmas, por outro lado, se encontram em conflito, nomeadamente devido à utilização, como passagem, da vereda que entronca na Estrada ..., junto à habitação daquelas primeiras e que constitui uma vereda denominada Entrada n° 3 daquela artéria, com piso em cimento.

3.- No dia 13 de Março de 2015, cerca das 19h:30m, na Estrada ..., as arguidas BB e AA encontravam-se junto ao muro que delimita a residência destas com a Entrada nº 3, aquela carregando um balde de água e esta com um pau.

4.- Perante a passagem apeada da CC na referida Entrada nº 3, as arguidas BB e AA atiraram-lhe água.

5.- E enquanto a arguida AA agitava um pau, ambas as arguida disseram-lhe: " desde que tu passes aqui, eu vou-te matar" e " para a próxima é água quente".

6. - Ao assim procederem, as arguidas BB e AA, agiram deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de coarctar a liberdade de CC, sabendo que a sua actuação era susceptível de criar nela receio de atentarem contra a sua pessoa.

(…)

16.- No dia 13 de Agosto de 2015, cerca das 08h:30m horas, naquele mesmo local, quando CC passava pela Entrada nº 3, a arguida AA colocou-se na sua frente, barrando-lhe o caminho e disse "Tu aqui não passas”.

17.- Como a CC fez questão de continuar o seu caminho, a arguida AA empurrou-a três vezes, colocando as mãos sobre o corpo da primeira, obrigando-a a fugir.

18.- Ao assim proceder, a arguida AA, agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo provocar medo à CC, com a intenção de a determinar a não utilizar a Vereda nº3, como passagem para o seu prédio rústico.

19.- Em todas as ocasiões referidas, as arguidas BB, AA CC e DD agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas legalmente.

(…)

Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença cível de 12.12.2022, transitada em julgado, proferida na ação de processo comum n.º 4714/19.3..., do Juízo Central Cível ..., Juiz 3, comarca da Madeira, o seguinte:

Factos provados:

A. As Autoras AA e BB são irmãs, residem na Estrada ... no ... e em Janeiro de 2015 tinham respectivamente, 50 e 47 anos de idade;

B. No dia 17 de Janeiro de 2015, cerca das 20h30m, ambas se dirigiram na viatura pertencente a Autora BB para o caminho do ..., na freguesia do ..., concelho de ... e estacionaram na via, junto ao terreno destas;

C. O caminho referido em B. é estreito e tem uma faixa de rodagem, para a circulação em ambos os sentidos;

D. O Réu chegou pouco tempo depois com a viatura de matrícula ..-..-ZZ e parou frente a frente com a viatura das Autoras;

E. As Autoras já estavam a fechar o porta-bagagem para irem embora e uma vez que a viatura destas conduzido pela Autora BB se encontrava numa subida e devido a distância tão próxima que o Réu parou destas, a Autora BB pediu à irmã AA para dizer ao condutor da outra viatura, conduzido pelo Réu, para fazer o favor de fazer marcha atrás porque tinha medo de fazer a manobra;

F. A Autora AA dirigiu-se à viatura do Réu e pediu ao mesmo para que fizesse o favor de fazer marcha atras;

G. O Réu, na sequência do referido em F., saiu da viatura e disse: "Já estava a espera há uns dias de vocês as duas";

H. Assustada com as palavras proferidas pelo Réu, a Autora AA, dirigiu-se para a viatura onde se encontrava a sua irmã e Autora BB, para lhe dizer para ligar imediatamente para a polícia;

I. As Autoras saíram do local e dirigiram-se para casa, não tendo avistado mais o Réu;

J. No caminho do ..., que dá acesso ao Caminho ..., encontraram o Réu estacionado;

K. O Réu dirigiu-se para a estrada junto a saída, que dá acesso ao Caminho ..., à espera das Autoras, colocando-se ao meio da estrada impedindo a passagem do veículo onde circulavam as Autoras;

L. O Réu dirigiu-se para junto da viatura das Autoras e, chegado à mesma, no lado da Autora AA (lugar do passageiro), abriu a porta desta;

M. Quando o Réu abriu a porta do carro do lado da AA, ficou por trás da porta, pelo que ao abrir-se, esta Autora fugiu a correr para trás do veículo, tendo aquele ido atrás desta e dito: "eu vou-te matar caralho";

N. A Autora BB ficou dentro da viatura;

O. Após andar atrás da Autora AA e de não a ter conseguido apanhar, o Réu voltou em direcção do veículo das Autoras e dirigiu-se junto da Autora BB, tendo aberto a porta do veículo e desferiu-lhe um soco na cara, do lado esquerdo, atingindo-a no olho esquerdo e no nariz;

P. O referido em O. causou à Autora BB, uma hemorragia no nariz e dores intensas, tendo ficado atordoada;

Q. Na sequência do referido em O. e P. a Autora AA voltou atrás para ajudar a irmã, tendo o Réu corrido atras de si novamente;

R. O Réu regressou para junto da Autora BB, forçou a saída desta do veículo, encostou-a na viatura e desferiu-lhe vários socos, no meio do peito, na zona do Tórax;

S. O Réu dirigiu-se ao seu veículo e dele retirou um instrumento composto por um cabo grosso, de onde saíam vários fios finos e, munido dele, correu novamente atrás da Autora AA;

T. Como não conseguiu atingi-la, o Réu voltou para trás junto da Autora BB e atingiu-a com o instrumento e os fios nas costas e no braço esquerdo;

U. AA fugiu a correr pela estrada até a sua residência, que se localiza a menos de três minutos do local onde foram agredidas, para telefonar para a Polícia de Segurança Pública;

V. Após o referido em T., a Autora BB conseguiu entrar dentro da sua viatura, tendo-se o Réu dirigido para a sua viatura, fazendo marcha atrás e abandonou o local;

W. A Autora BB dirigiu-se para casa com a viatura, temendo que o Réu voltasse e a agredisse novamente;

X. À chegada da Polícia de Segurança Pública, as Autoras deram a informação dos factos, tendo identificado a matrícula do veículo do agressor e referido que era o "EE;

Y. Ao referido em X., o agente respondeu que esse era o Lambrita;

Z. Atendendo ao estado em que se encontrava a Autora BB, a Polícia de Segurança Pública ligou para a ambulância;

AA. A Polícia de Segurança Pública lavrou o auto de notícia número ...95/2015, e a Autora BB foi transportada de ambulância para o Hospital, onde deu entrada pelas 22h32m e foi assistida;

BB. As Autoras esclarecem que reconheceram o Réu por este morar no Jardim ... e vender terra para as flores e produtos hortícolas;

CC. Na sequência do referido em O., A Autora BB sofreu fractura dos ossos do nariz, tendo sido submetida a cirurgia no dia 23 de Janeiro de 2015, no Hospital ...;

DD. Após a operação, a Autora BB sentiu fortes dores no Tórax, não podendo realizar movimentos com o tronco;

EE. A Autora BB foi medicada mas manteve as dores no tórax;

FF. Passado dois dias sobre o referido em CC, a Autora BB foi para casa, com dores no nariz, rosto e tórax;

GG. Na sequência do referido em O., R. e T., a Autora BB ficou de cama durante meses, devido a dificuldades de mobilização e dores, estando medicada;

HH. Durante o tempo referido em GG., a Autora AA tomou conta da Autora BB;

II. Na sequência do referido em O., R. e T., a Autora BB sofreu:

i. edema das regiões molares esquerda e direita com hematoma no lado esquerdo imediatamente abaixo da pálpebra inferior esquerda;

ii. edema e hematoma rectangular com o tamanho de 12x2cm na região frontal do braço esquerdo no terço médio e inferior e com incapacidade funcional na mobilização passiva e activa do membro e que se prolonga nos movimentos de todos os membros superiores;

iii. Traumatismo arredondado, circular, com cerca de 8 cm de diâmetro na região mediana externo estendendo-se para o quadrante interno da mama esquerda e mama direita.

iv. traumatismo torácico da l.ª porção do externo, com fissura no externo:

JJ. Aproximadamente após sete meses da data referida em B, a Autora voltou ao trabalho, mas as dores eram de tal forma insuportáveis, que nem conseguiu trabalhar um dia inteiro;

KK. A Autora realizou uma ecografia e um TAC, a qual acusou uma fissura do externo que não tem cura ou solução;

LL. Desde a data referida em B. que a Autora BB deixou de trabalhar pois não consegue suportar as dores, não consegue movimentar o tronco, fazer tarefas simples; não consegue esticar os braços para cima nem para trás e tem pouca movimentação do tronco, devido a fissura insarável, ficando assim para o resto da vida;

MM. Na sequência do referido em O., R. e T.; a Autora BB ficou afectada psicologicamente, tendo-lhe sido diagnosticada perturbação de stress pós-traumático, estando medicada;

NN. Até à presente data, a Autora não regressou ao trabalho;

OO. Na data referida em B., a Autora BB trabalhava como empregada de ... no hotel F... .... .........., com o vencimento de € 791,54;

PP. A Autora BB era pessoa saudável sem problemas de saúde;

QQ. Na sequência do referido em L. a W, AA ficou afectada psicologicamente e encontra-se medicada;

RR. Na sequência do referido em L. a W., as Autoras deixaram de ser pessoas felizes, estando nervosas;

SS. Na sequência do referido em L. a W., a Autora BB despendeu com consultas médicas a quantia de € 2.200,00:

TT. Na sequência do referido em L. a W., a Autora AA despendeu com consultas médicas a quantia de € 435,00;

UU. Na sequência do referido em L. a W., a Autora BB despendeu com exames e tratamentos médicos a quantia de € 340,00;

VV. Na sequência do referido em L. a W., a Autora BB despendeu com medicamentos a quantia de € 522,15;

WW. Na sequência do referido em L. a W., a Autora AA sofre de stress pós-traumático com ligeira a moderada repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, atributiva de um coeficiente de desvalorização de 10 pontos;

XX. Na sequência do referido em L. a W., a Autora BB sofreu:

i. Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial), de 731 dias;

ii. Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total (anteriormente designada Incapacidade Temporária Profissional Total) de 731 dias;

iii. Um quantum doloris fixável no grau 3/7;

YY. Em consequência do referido em referido em L. a W., a Autora BB encontra-se afectada por:

i. Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral) fixável em 18,52 pontos (por toracalgia crónica pós fractura do externo, perturbação de stress pós-traumático e reacção depressiva prolongada com moderada a elevada repercussão na autonomia pessoal, social e profissional);

ii. Sequelas impeditivas do exercício da sua actividade profissional de empregada de quartos;

ZZ. Na sequência do referido em L. a W. a Autora BB necessita de acompanhamento médico-psiquiátrico (psicofarmacológico e psicoterapêutico) regular para além de medicação analgésica;

AAA. Na sequência do referido em L. a W. as Autoras apresentaram queixa-crime, que deu origem ao inquérito número 144/15.4...;

BBB. O inquérito referido em AAA. foi arquivado a 12 de Outubro de 2015;

CCC. Notificadas do despacho referido em BBB. as Autoras requereram abertura de instrução;

DDD. A 18 de Outubro de 2016 foi proferida decisão instrutória que manteve a decisão de arquivamento;

EEE. Após o referido em DDD. as Autoras requereram a reabertura de inquérito; FFF.A 05 de Janeiro de 2017 as Autoras foram notificadas do despacho do Ministério Público que, a 18 de Novembro de 2016, recusou a requerida reabertura de inquérito;

GGG.A presente acção foi instaurada a 02 de Outubro de 2019 e o Réu foi citado a 08 de Outubro de 2019;

HHH. O "Instituto de Segurança Social, IP-RAM" pagou à Autora BB subsídio de doença, para o período de 21 de Janeiro de 2015 a 23 de Janeiro de 2018, no valor total global de €21.588,39.

IX. Direito

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva1, que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

A sua importância (por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta”) é de tal ordem que é admissível o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

O que, quanto às condenações, se conforma com o artigo 29.º, n.º 6, da CRP, quando estabelece que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art. 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Comportando o recurso de revisão duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa analisar se ocorrem os pressupostos para conceder a revisão pedida aqui em apreço.

Invocam as arguidas/recorrentes, no requerimento/petição desta providência de revisão da sentença condenatória, como seu fundamento o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, alegando, em resumo, que perante os factos dados como provados na sentença cível, cuja certidão juntaram, há oposição com os dados como provados na sentença penal, ficando demonstrado que não cometerem os crimes pelos quais foram condenadas e, assim, gerar-se-iam graves dúvidas sobre a sua condenação, devendo ser revista a sentença penal, para poderem ser absolvidas.

Vejamos.

Dispõe o artigo 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

(…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Portanto, para haver a revisão é necessário desde logo que a sentença condenatória tenha transitado em julgado, o que neste caso sucede (como se verifica pela certidão junta aos autos).

Para se verificar o fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, tem de haver oposição entre factos provados em duas sentenças transitadas em julgado (mesmo que uma delas seja em processo não criminal e independentemente da data em que cada uma delas foi proferida, portanto, seja antes ou depois da sentença a rever), dos quais resulte graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Já os factos não provados não relevam para o caso, mesmo que haja oposição entre as sentenças transitadas.

No seu recurso, as arguidas chegam a indicar uma testemunha (médico) que já havia sido ouvido em audiência na ação penal e no artigo 7.º do seu requerimento de revisão referem-se a “facto novo”.

Percebe-se, por isso, que a Srª. Juiz, na informação que prestou, por mera cautela, tenha igualmente feito alusão à eventual pretensão das recorrentes de invocarem o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Ora, é pressuposto do fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Defende Germano Marques da Silva2, “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.”

Sendo certo que a jurisprudência durante vários anos concordava com essa tese sem limites, a verdade é que, entretanto, passou a fazer uma interpretação mais restritiva e mais exigente dessa norma (até para evitar transformar o recurso extraordinário em recurso ordinário que não era), começando a entender que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal. Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.”3

No entanto, é importante (como tem defendido igualmente a jurisprudência do STJ) que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (claro que se fossem factos ou provas que podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior e só, por exemplo, por incúria ou estratégia da defesa não foram, então não se trata de caso de revisão, mas antes de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário que não é4).

E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

Feitas estas considerações teóricas, analisemos o recurso interposto conjuntamente por cada uma das arguidas.

a) Fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP

Neste caso as recorrentes, para fundamentar o seu pedido de revisão, invocam a sentença cível, proferida na ação de processo comum n.º 4714/19.3..., sustentando que os factos nela provados evidenciam que não detinham condições físicas para se provar os factos da sentença penal, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

Pois bem.

Analisando a sentença cível, proferida na ação de processo comum n.º 4714/19.3..., relativa ao sucedido em 17.01.2015 com o Réu EE, mesmo tendo em atenção as lesões sofridas, que são diferentes, por cada uma das irmãs, aqui recorrentes, verifica-se que os factos ali descritos não são bastantes para se concluir que, mesmo em relação à arguida BB, havia a possibilidade de não serem verídicos os dados como provados na sentença penal.

Passemos a explicar a afirmação anterior.

Como bem refere a Srª. Juiz, na informação que prestou ao abrigo do art.454.º do CPP e, bem assim, se extrai do Parecer do Sr. PGA, da sentença cível não resulta que a recorrente AA tivesse sofrido qualquer incapacidade ou dificuldade motora, antes na sequência dos factos ali descritos (nas alíneas L a W dadas como provadas), “sofre de stress pós-traumático com ligeira a moderada repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, atributiva de um coeficiente de desvalorização de 10 pontos”.

Ora, perante o que se apurou na sentença cível em relação à aqui recorrente AA é (como bem diz o Sr. PGA) manifestamente infundado o recurso extraordinário de revisão formulado por ela conjuntamente com a sua irmã BB.

Com efeito, nada do que se apurou na sentença cível põe minimamente em causa o que foi dado como provado na sentença penal, que levou à condenação da arguida AA por um crime de ameaça agravada (cometido em 13.03.2015) e por um crime de coação (cometido em 13.08.2015).

Quanto à arguida BB, as lesões físicas por ela sofridas, que se demonstraram na sentença cível, não a impediam (ainda que lhe pudesse custar) de carregar um balde com água, tanto mais que se desconhece as dimensões do balde e a água que levava no seu interior e, tão pouco, a impediam de (tal como referido no ponto 4 dos factos provados da sentença penal) com a sua irmã AA atirar água à CC, perante a passagem desta apeada na referida entrada n.º 3.

Repare-se que, ao contrário do que referem no recurso de revisão, não foi dado como provado na sentença penal, que as arguidas/recorrentes, designadamente a BB, tivessem “levantado e atirado sobre o muro um balde de água sobre a arguida CC”.

Nem sequer se deu como provado que para atirarem a água à CC levantaram o balde.

Por isso, se compreende a observação feita pelo Sr. PGA, quando reforça o raciocínio da falta de oposição de julgados, com o facto dessa matéria de carregar o balde com água “nem é constitutiva do crime” pelo qual a arguida BB foi condenada (um crime de ameaça agravada) que se bastou com o que por ela, juntamente com a irmã, foi verbalizado, dolosamente, contra a CC, pelo que mesmo que fosse retirada da decisão condenatória nunca importaria a sua absolvição.

Perante o exposto, é manifesto que nunca se poderia concluir que se verificava o fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, uma vez que da sentença cível proferida na ação de processo comum n.º 4714/19.3..., não resulta, nem se podia deduzir que se tivessem provado factos que fossem inconciliáveis com os que serviram de fundamento à condenação na decisão penal que as recorrentes pretendem rever.

Improcede, pois, esse fundamento.

De resto, nem as deduções e ilações que as recorrentes pretendem retirar dessa sentença cível (v.g. quanto à arguida/ofendida com as lesões físicas que tinha à data dos factos referentes à presente ação e que ainda tem no dia de hoje, não pode nem podia sequer escovar o cabelo, abotoar uma camisa, escovar os dentes etc.) são consentidas pela mesma decisão (uma vez que não resultam dos factos provados).

b) Fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP (analisado por mera cautela)

Ainda que de forma algo confusa, no ponto 7 do requerimento do recurso de revisão, fazem referência a uma definição de “facto novo”, parecendo, como bem diz a Srª Juiz, que “as recorrentes pretendem também fazer uso do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.”

E, a sublinhar essa pretensão há a indicação de uma testemunha (médico, com especialidade de medicina legal e do desporto, sendo as arguidas suas pacientes - como se percebe da motivação da sentença penal - que se pronunciou sobre o quadro de sintomatologia depressiva/ansiosa que apresentavam) que, porém, até já foi ouvida em julgamento da ação penal.

Ora, assim sendo, tendo já sido ouvida a testemunha indicada e não havendo motivo para a sua reinquirição, apenas nos resta concluir que não foram apresentados novos factos ou novos meios de prova, o que invalida o preenchimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

De todo o modo, não se suscitaram quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação, estando, por isso, afastada a autorização da revisão da sentença.

Em conclusão: não se verificam os pressupostos da revisão da sentença requerida pelas recorrentes nesta providência, sendo, como se viu, manifestamente infundado o presente recurso extraordinário.

Dispositivo

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida por cada uma das condenadas AA e BB.

Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) UC`s.

Nos termos do art. 456.º do CPP, cada recorrente vai condenado a pagar a quantia de 6 (seis) UC`s, por ser manifestamente infundado o pedido de revisão em apreciação, formulado por cada uma delas, apresentado conjuntamente.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.


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Supremo Tribunal de Justiça, 25.10.2023


Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro Adjunto)

Teresa Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)


______


1. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”

2. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.

3. Assim, Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1 (Francisco Caetano), consultado no site do ITIJ - Bases Jurídico-Documentais. E, a propósito, da evolução da jurisprudência sobre o dito conceito de “novidade”, recorda-se, mais à frente, quando se analisam documentos que foram apresentados em sede do recurso de revisão ali em apreciação, o que foi dito por Pereira Madeira (CPPC, 2.ª ed., p. 1509) «o arguido “se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo”.» . Com interesse, também, na matéria, entre outros, Ac. do STJ de 24.06.2021, processo n.º 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz) e ac. do STJ de 11.11.2021, processo n.º 769/17.3PBAMD-B.S1 (Eduardo Loureiro), consultados no mesmo site.

4. Ver, entre outros, Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 (Margarida Blasco), consultado no mesmo site.