Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
563/20.4PAVNF.G1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. O crime de tráfico de menor gravidade pressupõe situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude.

II. Na senda do ac. de 23/11/2011, proc. n.º 127/09.3PEFUN.S1, Santos Carvalho, a “consideravelmente diminuída” ilicitude aferir-se-á, pois, pela ponderação dos meios utilizados e capacidade de movimentação, (tipo de mobilidade, carro próprio, a pé, transporte público, etc), meio de contacto (porta a porta, recebimento e venda em casa, venda na rua, meios eletrónicos, redes sociais, diretamente ou por interposto(s) vendedor(es)), modalidade ou circunstâncias da ação, (período temporal, regularidade e tempo diário dedicado á actividade, espaço de atuação, escolas, rua, nicho privado de clientela, etc), meios de resguardo do local de venda e de proteção de e fuga a intervenção policial (porta blindada, com temporização de abertura, pequena janela gradeada, câmaras e detetor de movimentos, etc), local ou locais de guarda e depósito do estupefaciente, (prevenindo a provável realização de busca no domicílio e anexos), tipo e quantidade de instrumentos detidos e utilizado para operacionalizar a atividade (número de telemóveis, máquinas de pesar a droga e máquina de contar notas, cofres possuídos), e tipo de cliente escolhido, (jovens, alunos de uma escola, várias vendas aos mesmos, etc) qualidade e seu grau de perigosidade intrínseca e social, grau de pureza, grau de nocividade pessoal, de perigosidade e de danosidade social das substâncias ou preparações, quantidades vendidas, expansibilidade em termos de doses, número de pessoas a quem foi realizada a venda ou cedência, o número de vezes em que tal ocorreu em relação à mesma pessoa, grau de adesão e regularidade da atividade, dinheiro movimentado e proventos obtidos, exclusividade do exercício da atividade ou grau de ocupação na mesma, única fonte de proventos ou complemento de rendimentos; grau de sofisticação no concreto da operacionalização da venda. (cfr também ac. de 2/10/2019, Proc. 2/18.0GABJA.S1, Acs. STJ de 23/2/2022, Proc. 4/17.4SFPRT.P1.S1 e de 24/9/2020, Proc. 109/17.1GCMBR.S1).

III. A pedra de toque, o factor decisivo do privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes é, claramente, a considerável diminuição da ilicitude do facto, olhada de forma global. (cfr ac. STJ de 20/1/2021, Proc. 3/18.9PCELV.S1, Sénio Alves, e de 31/05/2023, 8/22.5GTABF.E1.S1, Sénio Alves). Se operada a análise global da atividade de tráfico se não surpreender a considerável diminuição da ilicitude a incriminação nunca poderá ser a do tipo privilegiado.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção, Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


I - RELATÓRIO

I.1. Por acórdão de 19.10.2022, proferido nos presentes autos em termos no Juízo Central Criminal de..., J... ., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, e no que ora releva, foram os arguidos AA e BB, condenados pela prática, cada um deles, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas Anexas I-A e I-B, nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão e de 2 anos e 5 meses de prisão, respectivamente, tendo sido determinada a suspensão, na sua execução, de qualquer dessas penas, pelo período de 4 anos, mediante regime de prova.

I.2. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, instância em que, por acórdão de 17 de Abril de 2023, foi decidido, na parcial procedência daquele, revogar o acórdão recorrido, no que concerne ao enquadramento jurídico da actuação dos arguidos AA e BB, e bem assim quanto às penas concretas que ali lhes foram cominadas, tendo sido condenados:

2.1 - o arguido AA pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a esse diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

2.2 - a arguida BB pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 1, do Decreto-Lei n.º 15/1993, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a esse diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

I.3. É desta decisão que vem interposto recurso, em peça comum, pelos arguidos AA e BB.

Remataram as alegações com as seguintes conclusões:

“1- O tribunal de 1ª instância fundamentou devidamente o Acórdão, sendo a decisão aí então proferida mais coincidente com o grau de culpa dos factos que os arguidos praticaram, valendo se do principio da imediação, tendo o tribunal a perceção dos arguidos que ai se encontravam a ser julgados humildes, de condição socio económica baixa, de escolaridade baixa e de saúde precária.

2 - As quantidades vendidas detidas e transacionada. foram efetivamente diminutas. Inexistindo exame pericial, e qualitativo, esse sim que permite percebe r o principio ativo do mesmo , esse sim pernicioso para a saúde publica.

3 - Deveria manter se a condenação cominada em 1 instancia, art 25 do d.L.15/93, veja se que o tribunal apura fls 61 120 vendas, não tendo sido apreendida e canalisada em obediençia ao principio in dúbio pro reo impunha se a aplicação do art 25.

4 - 120 vendas a 5 ou 10 euros, valor recebido entre 600 a 1200 por excesso ! envolvidas cerca de 15 pessoas alguns a repetir aquisiçoes quantidade pouco expressiva fala se em ordem de gramas mas considerando aquelas que foram apreendidas e manifestamente inferior fls 10 17.08 apreendida 0.187 gramas se multiplicarmos por 120 teriamos 22.44 gramas isto sem exame pericial o principio ativo teria cerca de 15% temos assim efeitos perniciosos na saúde muito muito reduzidos!

5 - Foi erradamente valorado o C.R.C. do arguido, em seu desabono pois decorridos 10 anos desde a prática do crime aí constante não podia ser utilizado para fundamentar a determinação da medida da pena nos presentes autos, sendo que de forma ligeira o tribunal valora em seu desfavor condenações por condução sem habilitação legal, crimes de natureza diversa daquela que lhe é imputado, crimes de natureza estradal!

6 - O que veio a ter repercussão na pena objetivamente cominada.

7 - A fld 68 do acórdão de que se recorre escreve se expressamente e ainda contra o arguido o facto de se ter apresentado em juízo com relevante cadastro criminal ! erro notório que veio a ter repercussão na pena cominada. Vicio do 410, n 1 c do C.P.P:

8 - É materialmente inconstitucional a interpretação do artigo 11º do DL 37/2015 de 5 de Maio conjugado com o artigo 70º do C.P. e 18º nº2 da C.R.P no sentido em que decorridos os prazos aí expressamente previstos ( no DL 37/ +++++2015 de 5 de Maio), se possa valorar o registo criminal de um arguido para a determinação da medida da pena a cominar.

9 - A situação, vivenciada pelos arguidos na data,(COVID) sem a ajudas e rendimentos do trabalho feiras deixaram de ter feiras e os filhos integraram o agregado o que determinou despesas com a alimentação, ou seja, não foram apreendidos carros, contas bancarias objetos de luxo etc , mesmo as quantias apreendidas são reveladoras da escassez económica e das dificuldades então vivenciadas ele, 75 euros ela 50.

10 - O tribunal da como assente que a arguida não so tem um papel menor como o reflexo das suas vendas em períodos temporais é manifestamente inferior, veja se que nunca esteve nas vendas nas ....

11 - O modo e circunstancias da acção venda direta, pequenas porções , avaliada inclusive e por comparação ao detido no dia da busca do estupefaciente apreendidas permitem à saciedade concluir que se trata de menor gravidade

12 - Incorreu ainda o tribunal em erro, vicio de direito nos termos do disposto no art 410, n 1c do C.P.P. quando a fls 68 escreve que não revelaram postura de arrependimento e de juízo critico , o que poderia ter passado pela assunção sincera, oque contraria oconsignado , pois o arguido prestou declaraçoes logo em 1 interrogatório , confessando factos incriminatórios revelando postura de assunçao de culpa,

13 - O arguido encontra se doente, doença cardíaca, diabetes etc etc, tem no presente 60 anos nunca antes esteve preso qualquer que seja o entendimento deve a pena ser reduzida a ambos e suspender se sua execução por mais adequada sendo que no que tange a BB , primaria, 58 anos inserida mae avo , nunca a Sra Procuradora pugnou por pena efetiva, quer em Audiência quer no recurso interposto sendo que relativamente ao arguido pugnava por pena próxima de 5 anos, admitindo que a sua fosse inferior atento os concretos atos apurados o tribunal veio a cominar penas excessivas e desproporcionais quer à culpa de cada um co relacionada com o demais apurado.

Deve a pena ser reduzida e ponderar se da sua execuçao ainda que sujeitos a regime probatório

14 - Foi violado o disposto no art 40, 70,71, 410,1c 379b e o principio in dúbio pro reo,”

I.4. Respondeu o MºPº. Conclusivamente assim:

1ª- Ao contrário do que defendem os arguidos-recorrentes, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a factualidade provada é subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22-1.

2ª- Pois que de tal factualidade não se pode extrair que a ilicitude se mostra consideravelmente diminuída, porquanto:

 Pelo menos desde meados agosto de 2020 e até ao dia 10.08.2021, o arguido AA, conhecido por “AA”, em conjugação de esforços e com o auxílio da sua companheira, a arguida BB, dedicou-se à venda de produtos estupefacientes (ou seja, pelo menos durante um ano).

 Designadamente cocaína e heroína (ou seja, “drogas duras”, altamente perniciosas para a saúde dos consumidores).

 Mediante contrapartida monetária (ou seja, daí retirando lucros, para deles usufruírem).

 A inúmeros consumidores (ou seja, a inúmeras pessoas em concreto, muitas das quais foram identificadas, que viam a sua saúde afetada).

 Desenvolvendo tal atividade em vários locais da cidade de ...: -Inicialmente, durante o período compreendido entre meados de junho de 2020, até meados de novembro de 2020, no complexo habitacional das ... -deslocava-se diariamente aquele local, onde chegava cerca das 10h, normalmente conduzido em veículo automóvel pela sua companheira, a arguida BB, ali permanecendo até próximo das 19h, deslocando-se entre as 13h e as 14h à sua residência. Durante o tempo que o arguido AA ali permanecia, deambulava entre os diversos estabelecimentos, nomeadamente cafés e o quiosque ali existentes, sendo a esplanada do Café …, ao lado do quiosque, o local onde maioritariamente aquele procedia à venda de produtos estupefacientes; -fora deste período, nomeadamente no período após as 19h, também desenvolvia tal atividade na sua habitação, sita na Rua ... – ...; - A partir de meados de Novembro de 2020, por força da pressão exercida pela população residente no complexo habitacional das ..., que se vinha insurgindo vivamente contra a sua presença no local, pelo afluxo de toxicodependentes aquele local, derivado da atividade que ali desenvolvia, o arguido viu-se forçado a abandonar aquele local, passando a proceder à venda de produtos estupefacientes, juntamente com a sua companheira, a partir da sua habitação, em ..., na presença de criança de tenra idade (ou seja, abrangendo uma vasta área territorial).

 O arguido AA adquiria os produtos estupefacientes em bruto, em local e a indivíduos não apurados, procedendo depois, já na sua própria residência, ao seu doseamento e à venda a consumidores, ininterruptamente, todos os dias da semana (ou seja, desenvolvendo a atividade com recurso a fornecedores, ao seu transporte, preparação, doseamento, embalagem, distribuição e venda).

 Os arguidos AA e BB não são consumidores das substâncias que comercializavam (ou seja, não traficavam, também para desta forma poderem consumir, e ainda obterem lucros para o seu sustento diário).

3ª- E tal entendimento encontra-se ainda melhor fundamentado no douto acórdão recorrido, nos termos que aqui dou por reproduzidos.

4ª- Também ao contrário do que defendem os arguidos-recorrentes, entendo não se verifica o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do C.P.P., quer no tocante ao Certificado de Registo Criminal do arguido AA, porquanto legalmente vertido na matéria de facto provada, quer relativamente à “circunstância de não terem revelado qualquer postura de arrependimento e de juízo crítico perante os factos, o que de algum modo poderia ter passado pela assunção sincera dos mesmos em audiência de discussão e julgamento, o que não sucedeu”, porquanto traduz o que resultou do julgamento.

5ª- Por último, defendem os arguidos-recorrentes a redução das penas aplicadas, e a suspensão da sua execução, sendo que, como defendo, está em causa o crime de tráfico de estupefacientes, punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

6ª- Em face da factualidade provada no acórdão recorrido, temos: - As substâncias transacionadas pelos arguidos AA e BB foram Heroína e Cocaína; - A atividade de tráfico de tais substâncias decorreu pelo menos durante um ano; -Em vários locais de ...; -- Quase diariamente; - Vendendo a inúmeros consumidores (gravidade das consequências acima da mediana); - O modo de execução: obtenção das substâncias junto de fornecedores não identificados, transporte, preparação, doseamento, embalagem e venda; - Com a finalidade de obterem proveitos económicos; - A intensidade do dolo: intenso e direto; - As necessidades de prevenção geral deste tipo de crime são prementes, pois, por um lado, trata-se de crime contra a saúde pública, com forte reprovação social, pelos seus efeitos nefastos para a sociedade, que exige a restauração da paz jurídica; - O arguido AA era quem liderava a atividade desenvolvida conjunta e concertadamente com a arguida tem ascendente sobre a arguida BB; - O arguido AA tem antecedentes criminais, ao contrário da arguida BB; - No tocante à situação dos arguidos AA e BB a nível pessoal, familiar, económica e social, damos por transcrito os factos 28 e 29 da sentença recorrida.

7ª- Assim, entendo que as penas que se mostram em conformidade adequadas, proporcionais e justas, são as seguintes:

- Arguido AA: 5 anos de prisão.

- Arguida BB: 4 anos e 3 meses de prisão.

8ª– Tendo em conta que tais penas não ultrapassam a barreira dos 5 anos, impõe-se apreciar da suspensão da sua execução ou não, nos termos do artigo 50º do C.P.

9ª- No tocante à arguida BB, entendo que se verificam os pressupostos para a suspensão da execução da pena de 4 anos e 3 meses de prisão, por igual período de tempo, com o regime de prova estabelecido no acórdão da 1ª instância.

No tocante ao AA, entendo que não se verificam os pressupostos para a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, porquanto: - As exigências de prevenção geral são muito elevadas; - O grau de ilicitude deve ser considerado elevado; - A intensidade do dolo corresponde ao dolo direto; - No tocante à prevenção especial, temos as anteriores condenações, que não serviram para o arguido AA arrepiar caminho da criminalidade, inserindo-se socialmente, ao invés, praticou os factos pelos quais foi condenado.

Nestes termos, entendemos que deverá ser dado provimento parcial ao recurso interposto pelos arguidos, concretamente quanto à medida concreta da pena, e no restante confirmado o douto Acórdão recorrido.”

I.5. O Sr PGA, depois de segmentar as questões em apreciação, disse o seguinte:

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, dele não se deve conhecer face à novel redação dos artigos 432 e 434 do CPP. Todavia, mesmo se da questão se conhecer, tal erro não se verifica

Quanto à qualificação jurídica dos factos pugna pela manutenção daquela que o acórdão da Relação abraçou, ou seja, os factos devem ser punidos pelo artigo 21, nº 1, do DL 15/93.

Quanto à medida das penas: “o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico dos recorrentes e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

Não é demais lembrar que nos crimes de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, considerados os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora, sendo que, por outro lado, este tipo de crime potencia outro tipo de ilícitos, como sejam crimes de furto e roubo, causando alarme social, verificando-se uma efectiva necessidade de desincentivar de forma eficaz estas condutas, de modo a consciencializar a comunidade em geral para o desvalor das mesmas, para além da repercussão do tráfico de droga em termos de saúde pública, nomeadamente no que respeita aos toxicodependentes.

(…)

E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, as penas aplicadas aos recorrentes, se configuram justas, por adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura.

Pena, qualquer delas, insusceptível, pelo seu quantum, de suspensão na sua execução, vedando-o a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.”

I.6. Foi cumprido o contraditório (artigo 417º, nº 2, do CPP). Não veio resposta.

I.7. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência.

I.8. Admissibilidade e objeto do recurso

I.8.1. O recurso é admissível. O MºPº questiona, contudo, a admissibilidade do mesmo quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova – fundamento previsto no artigo 410º, nº 2, al. c), do CPP.

E tem razão quando afirma que, nos termos dos artigos 434º e 432º, nº 1, al. b), do CPP, das decisões da Relação proferidas em recurso não é admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos no artigo 410º, nºs 2 e 3, do CPP. E arrima-se jurisprudencialmente à decisão contida em recente despacho do Senhor Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (igualmente Presidente desta 3ª Secção Criminal), proferido em 05.01.2023 em sede de reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do C.P.P. no processo n.º 5711/20.1T9CBR.C1-A.S1.

E efetivamente, já na senda do mesmo despacho, no ac. de 01/03/2023, proc. nº 589/15.0JABRG.G2.S1, de que fomos relator, julgámos (sumário) que “Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou em vigor um 21 de março de 2022, os erros-vicio e a nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância contanto tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos.

Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso.” (in despacho do Exmo Vice-Presidente do STJ, Conselheiro Nuno A. Gonçalves, proferido em 05.01.2023 em sede de reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do C.P.P. no processo n.º 5711/20.1T9CBR.C1-A.S1; no mesmo sentido acórdão de 23/03/2022, 4/17.4SFPRT.P1.S1, Lopes da Mota.)”

E aí concluímos que, sendo este o caso dos autos, o acórdão recorrido não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. E. não sendo admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 410º”, o recurso teria de ser rejeitado, ut arts 414º, nº 2, e 420º, nº 1, al. b). Não entrando sequer no Supremo não se atingia, pois, a ulterior fase do que devia, ou não devia, conhecer-se.

Mas o caso sub judicio tem uma nuance em relação aos sobre mencionados. É que neste caso o recurso acabou por subir ao Supremo com base em outros fundamentos que cognoscíveis são. Ora, se o recurso deu entrada no Supremo mister é conhecer também oficiosamente do invocado erro notório na apreciação da prova em vista da boa decisão de direito. Pela simples razão de que, a não se conhecer, poderia o mais Alto Tribunal assentar a sua decisão em factos errados, ou falseados, ou incorrectos ou incompreensíveis, ademais tendo detetado o vício.

Donde, o recurso de decisão da relação proferida em recurso não pode assentar exclusivamente nos fundamentos referidos nos números 2 e 3 do artigo 410º, e, se assim for apresentado, deve ser rejeitado liminarmente. Todavia, se o recurso é admitido por outros fundamentos, que cognoscíveis sejam, tem de, oficiosamente, de qualquer daqueles fundamentos se conhecer, porque desde logo não faria sentido estar a trabalhar sobre um acórdão que se vê viciado.

I.8.2. Os arguidos questionam (i) a errada valoração do C.R.C. do arguido, “em seu desabono pois decorridos 10 anos desde a prática do crime aí constante não podia ser utilizado para fundamentar a determinação da medida da pena nos presentes autos, sendo que de forma ligeira o tribunal valora em seu desfavor condenações por condução sem habilitação legal, crimes de natureza diversa daquela que lhe é imputado, crimes de natureza estradal!; Com a consequente inconstitucionalidade material da interpretação do artigo 11º do DL 37/2015 de 5 de Maio conjugado com o artigo 70º do C.P. e 18º nº2 da C.R.P no sentido em que decorridos os prazos aí expressamente previstos ( no DL 37/ 2015 de 5 de Maio), se possa valorar o registo criminal de um arguido para a determinação da medida da pena a cominar.” (ii) Incorreu ainda o tribunal em erro, vicio de direito nos termos do disposto no art 410, n 1c do C.P.P. quando a fls 68 escreve que não revelaram postura de arrependimento e de juízo critico , o que poderia ter passado pela assunção sincera, oque contraria o consignado , pois o arguido prestou declaraçoes logo em 1 interrogatório , confessando factos incriminatórios revelando postura de assunçao de culpa, (iii) Deve a pena ser reduzida e ponderar se da sua execuçao ainda que sujeitos a regime probatório (iv) Foi violado o disposto no art 40, 70,71, 410,1c 379b e o principio in dúbio pro reo,”

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Delimitado o âmbito dos recursos pelas conclusões são as seguintes as questões a decidir:

(i) da verificação de erro notório na apreciação da prova;

(ii) da qualificação jurídica dos factos dados como provados, entendendo os recorrentes que aqueles integram a prática, não do crime por que foram condenados, mas antes de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

(iii) da medida das penas, face às peticionadas reduções e com eventuais suspensões das suas execuções;

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

“1. Pelo menos desde meados agosto de 2020 e até ao dia 10.08.2021, o arguido AA, conhecido por “AA”, em conjugação de esforços e com o auxílio da sua companheira, a arguida BB, dedicou-se à venda de produtos estupefacientes, designadamente, cocaína e heroína, mediante contrapartida monetária, a inúmeros consumidores.

2. Os arguidos desenvolveram essa atividade de tráfico de estupefacientes em vários locais da cidade de ....

3. Inicialmente, durante o período compreendido entre meados de junho de 2020, até meados de novembro de 2020, o arguido AA privilegiou a venda de estupefacientes no complexo habitacional das ..., em ..., local onde outrora já residiu.

4. Nesse período, o arguido AA, deslocava-se diariamente aquele local, onde chegava cerca das 10h, normalmente conduzido em veículo automóvel pela sua companheira, a arguida BB, ali permanecendo até próximo das 19h, deslocando-se entre as 13h e as 14h à sua residência.

5. Durante o tempo que o arguido AA ali permanecia, deambulava entre os diversos estabelecimentos, nomeadamente cafés e o quiosque ali existentes, sendo a esplanada do Café D...., ao lado do quiosque, o local onde maioritariamente aquele procedia à venda de produtos estupefacientes.

6. Paralelamente à atividade de tráfico desenvolvida pelo arguido no complexo habitacional da ..., o mesmo, fora deste período, nomeadamente no período após as 19h, também desenvolvia tal atividade na sua habitação, sita na Rua ... –... – ....

7. A partir de meados de Novembro de 2020, por força da pressão exercida pela população residente no complexo habitacional das ..., que se vinha insurgindo vivamente contra a sua presença no local, pelo afluxo de toxicodependentes aquele local, derivado da atividade que ali desenvolvia, o arguido viu-se forçado a abandonar aquele local, passando a proceder à venda de produtos estupefacientes, juntamente com a sua companheira, a partir da sua habitação, em ....

8. Assim, no período considerado nos autos, os arguidos venderam produtos estupefacientes, entre muitos outros, aos indivíduos que a seguir se indicam:

1. No dia 17.08.20201 4, pelas 11h20, na esplanada do Café D...., o arguido AA vendeu uma embalagem de heroína, com o peso de 0,187 gramas, pelo valor de € 10,00, a CC, conhecido por CC.

2. No dia 16.10.2020, pelas 18h23, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a DD, conhecido por DD, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

3. No mesmo dia, pelas 18h30, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a EE produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

4. Nesse dia, pelas 19h10, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a FF uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

5. No dia 19.10.2020, pelas 11h45, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a GG uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

6. Nesse dia, pelas 11h52, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a HH, conhecido por HH, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

7. No mesmo dia, pelas 12h45, o arguido II, genro do arguido AA, dirigiu-se ao complexo habitacional das ..., próximo ao quiosque,

8. Nesse mesmo dia, pelas 12h52, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a JJ, conhecido por JJ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

9. No dia 20.10.2020, pelas 11h12, o arguido II deslocou-se ao complexo habitacional das ..., próximo ao quiosque e entregou algo de pequenas dimensões de conteúdo não concretamente apurado ao arguido AA.

10. Nesse dia, pelas 11h20, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a FF uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

11. No mesmo dia, pelas 13h00, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a HH, conhecido por HH, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

12. No mesmo dia, pelas 15h02, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a FF, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

13. No dia 27/10/2020, pelas 11:50h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a KK, a LL, que circulavam no veículo automóvel de matrícula ..-..-PF, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

14. No dia 29/10/2020, pelas 14:45h, no complexo habitacional das ..., mais precisamente na entrada localizada junto ao quiosque, o arguido AA vendeu a MM, conhecido por MM, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

15. No mesmo dia, pelas 16:10h, o arguido NN deslocou-se ao complexo habitacional das ..., próximo do quiosque.

27. No dia 16.11.2020, pelas 13:22h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam ao condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-ZU, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

28. No dia 04/12/2020, pelas 13:42h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a OO, que circulava como condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-PF, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

29. No dia 15/12/2020, pelas 13:22h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a PP, que circulava como passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-..-QL, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

30. No dia 18/12/2020, pelas 13:06h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam ao condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-ZU, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

31. No dia 21/12/2020, pelas 09:10h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

32. No mesmo dia, pelas 09:33h, no interior da sua residência os arguidos AA e BB venderam a QQ, conhecido por QQ, que se fazia transportar no veículo táxi, com a matrícula ..-UT-.., produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

33. No mesmo dia, pelas 10:18h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a RR uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

34. No mesmo dia, pelas 11:31h, no interior da sua residência, o arguido AA, vendeu a OO, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-PF, 0,202 gramas de heroína, pelo preço de €10,00.

35. No dia 07/01/2021, pelas 11:41h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade não concretamente apurada, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-QE-.. produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

36. No dia 10.03.2021, os arguidos AA e BB passaram a residir, temporariamente, na habitação do filho, SS, sita na Avenida..., ....

37. No dia 24/03/2021, pelas 13:13h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade não concretamente apurada, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-LP, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

38. No dia 29/03/2021, pelas 12:16h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

39. No dia 23/04/2021, pelas 19:55h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido como TT, uma embalagem de heroína, pelo preço de €10,00.

40. No dia 29/04/2021, pelas 20:31h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB venderam a MM (MM), que se fez transportar no veículo táxi, com a matrícula ..-..-LU, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

41. No dia 17/05/2021, pelas 12:57h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

42. No dia 18/05/2021, pelas 12:59h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

43. No dia 22/05/2021, pelas 19:28h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a UU, conhecido por UU, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-ZQ, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

44. No dia 23/05/2021, pelas 12:23h, no interior da sua residência, a arguida BB, vendeu a VV, condutor no veículo automóvel de matrícula ..-..-UB, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

45. No dia 24/05/2021, pelas 18:40h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a KK, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PF, um pacote de heroína, pelo valo de € 5,00.

46. Nesse mesmo dia, pelas 18:50h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a HH, conhecido por conhecido por HH, e a TT, TT, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de €10,00 cada.

47. No dia 25/05/2021, pelas 21:13h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam ao condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-ZU, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

48. No dia 26/05/2021, pelas 13:47h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a JJ, conhecido por “JJ”, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QJ, uma embalagem de heroína pelo preço de € 10,00.

49. Nesse mesmo dia, pelas 18:13h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu novamente a JJ, conhecido por “JJ”, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QJ, uma embalagem de heroína pelo preço de € 10,00.

50. No mesmo dia, pelas 20:30h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade não apurada que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-GL, com PP, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

51. No dia 04/06/2021, pelas 19:18h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, com HH uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

52. No dia 07/06/2021, pelas 10:58h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido por TT, uma embalagem de heroína pelo preço de € 10,00

53. No mesmo dia, pelas 11:05h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a PP, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QL, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

54. No mesmo dia, pelas 13:05h, no interior da sua residência, o arguido AA, vendeu a JJ, conhecido por “JJ”, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QJ, uma embalagem de heroína pelo preço de € 10,00.

55. No dia 16/06/2021, pelas 16:20h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade não apurada, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

56. No mesmo dia, pelas 18:05h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a WW, conhecido por WW e a TT, conhecido por TT, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de €10,00 cada.

57. No dia 18/06/2021, pelas 08:18h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

58.No mesmo dia, pelas 09:12h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a JJ, conhecido por JJ, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QJ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

59. No mesmo dia, pelas 09:21h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a QQ, conhecido por QQ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ com FF uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00 cada.

60. No mesmo dia, pelas 12:01h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

61. No dia 21/06/2021, pelas 18:46h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a KK, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

62. No mesmo dia, pelas 19:35h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a JJ, conhecido por JJ, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QJ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

63. No mesmo dia, pelas 19:56h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a DD, conhecido por DD, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

64. No dia 27/06/2021, pelas 16:53h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade não apurada, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula EX-..-.., produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

65. No dia 06/07/2021, pelas 13:08h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a XX, conhecido por XX, que se fazia transportar no veículo de matrícula ..-OR-.., uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

66. No dia 09/07/2021, pelas 20:43h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a KK, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula 24-43QL, produto estupefaciente, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

67. No dia 12/07/2021, pelas 17:44h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a u individuo que que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-ZU, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

68. No mesmo dia, pelas 18:36h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a XX, conhecido por XX, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-OR-.., uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

69. No mesmo dia, pelas 20:42h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a KK, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

70. No mesmo dia, pelas 20:44h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a YY e ZZ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EZ, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

71. No dia 13/07/2021, pelas 18:18 h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

72. No mesmo dia, pelas 19:53h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a XX, conhecido por XX, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-OR-.., uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

73. No mesmo dia, pelas 20:03h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a BBB, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

74. No dia 19/07/2021, pelas 08:37h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

75. No mesmo dia, pelas 08:47h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

76. No mesmo dia, pelas 08:59h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a DD, conhecido por DD, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

77. No mesmo dia, pelas 09:55h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF e a QQ, conhecido por QQ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

78. No mesmo dia, pelas 10:30h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade desconhecida, que se fazia transportar de bicicleta, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

79. No mesmo dia, pelas 12:19h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF e a QQ, conhecido por QQ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

80. No dia 20/07/2021, pelas 08:43h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido por TT, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

81. No mesmo dia, pelas 9h30, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF e a QQ, conhecido por QQ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

82. No mesmo dia, pelas 12:21h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

83. No mesmo dia, pelas 12:43h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a UU, conhecido como UU, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-ZQ, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

84. No mesmo dia, pelas 13:50h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a KK, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

85. No dia 23/07/2021, pelas 20:03h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, produto estupefaciente, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

86. No dia 02/08/2021, pelas 08:48h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido por TT, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

87. No mesmo dia, pelas 08:53h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

88. No mesmo dia, pelas 11:38h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a DDD, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

89. No mesmo dia, pelas 11:57h, no interior da sua residência, o arguido AA, vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

90. No mesmo dia, pelas 12:02h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

91. No mesmo dia, pelas 12:12h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

92. No mesmo dia, pelas 13:30h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido como TT, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

93. No dia 03/08/2021, pelas 08:02h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

94. No mesmo dia, pelas 09h10, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-AF, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

95. No mesmo dia, pelas 11:00h, no interior da sua residência, os arguidos AA venderam a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, AAA

96. No mesmo dia, pelas 12:13h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

97. No mesmo dia, pelas 12:16h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

98. No mesmo dia, pelas 13:06h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade desconhecida, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

99. No dia 05/08/2021, pelas 11:58h, no interior da sua residência, os arguidos AA vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-QZ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

100. No mesmo dia, pelas 12:23h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a EE produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

101. No dia 06/08/2021, pelas 17:32h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade desconhecida, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

102. No mesmo dia, pelas 17:47h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido por TT, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

103. No dia 08/08/2021, pelas 20:43h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a XX, conhecido por XX, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-OR-.., uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

104. No mesmo dia, pelas 20:47h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a um individuo de identidade desconhecida, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-MI, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

105. No dia 09/08/2021, pelas 07:58h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, produto estupefaciente, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

106. No mesmo dia, pelas 08:13h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

107. No mesmo dia, pelas 08:30h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

108. No mesmo dia, pelas 09:20h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a TT, conhecido como TT, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

109.No mesmo dia, pelas 10:02h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a EEE, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-OP, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

110. No mesmo dia, pelas 10:13h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a EE, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

111. No mesmo dia, pelas 11:56h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a EE, produto estupefaciente, em quantidade e valor não concretamente apurados.

112. No mesmo dia, pelas 12:18h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

113. No mesmo dia, pelas 12:31h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

114. No mesmo dia, pelas 12:50h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

115. No mesmo dia, pelas 12:56h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a WW, conhecido por WW, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

116. No mesmo dia, pelas 12:18h, no interior da sua residência, a arguida BB, vendeu a GG, conhecido por FFF, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

117. No dia 10/08/2021, pelas 07:53h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a CCC, conhecido por CCC, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-VG, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

118. No mesmo dia, pelas 07:56h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF e a QQ, conhecido por QQ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

119. No mesmo dia, pelas 10:05h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

120. No mesmo dia, pelas 10:28h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a RR, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

9. No dia 10.08.2021, antes das 11h45m, GGG deslocou-se à residência dos arguidos a fim de aí adquirir produto estupefaciente para seu consumo.

10. Uma vez aí chegado, acedeu ao interior da residência e entregou à arguida BB a quantia de € 50,00, para comprar 4 embalagens de heroína.

11. A arguida BB recebeu o dinheiro, e, no momento em que esta se preparava para lhe entregar o produto estupefaciente, deu-se início à intervenção policial, pelo que aquela não logrou entregar o produto estupefaciente a GGG, tendo, no entanto, guardado o dinheiro que aquele lhe entregou no interior do soutien.

12. No dia 10.08.2021, cerca das 12h00m, os arguidos AA e BB tinham no interior da sua residência, sita na Rua ... –... – ...:

a) Na posse da arguida BB:

- No interior do soutien, a quantia monetária de 55 Euros.

b) No quarto de NN e HHH:

- A quantia de 55 Euros.

c) No rés-do-chão:

No salão, no interior da carteira do arguido AA, a quantia de 75 Euros;

- Na outra sala, um maço de cigarros caído no chão, contendo no interior 6 pacotes de heroína, com o peso de 2,396 gramas, correspondente a 1 dose individual.

- Na cozinha, outro maço de cigarros, caído no chão, contendo no interior 2 pacotes de heroína, com o peso de 0,744 gramas (correspondentes a < 1 dose individual) e um pacote de plástico com 5 pedras de cocaína, com o peso de 0,849 gramas (correspondentes a < 1 dose individual).

d) No exterior da residência:

- No muro do lado oposto à residência, junto ao poste de iluminação, um embrulho de plástico, contendo no interior um ovo plástico, e no interior deste, uma embalagem em bruto de heroína, com o peso de 4,187 gramas (correspondentes a 2 doses individuais), e uma outra embalagem em bruto de cocaína, com o peso de 3,088 gramas (correspondentes a 2 doses individuais).

118. No mesmo dia, pelas 07:56h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a FF e a QQ, conhecido por QQ, que se faziam transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-PQ, uma embalagem de heroína a cada um, pelo preço de € 10,00 cada.

119. No mesmo dia, pelas 10:05h, no interior da sua residência, o arguido AA vendeu a AAA, que se fazia transportar no veículo automóvel de matrícula ..-..-EL, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

120. No mesmo dia, pelas 10:28h, no interior da sua residência, os arguidos AA e BB, venderam a RR, uma embalagem de heroína, pelo preço de € 10,00.

9. No dia 10.08.2021, antes das 11h45m, GGG deslocou-se à residência dos arguidos a fim de aí adquirir produto estupefaciente para seu consumo.

10. Uma vez aí chegado, acedeu ao interior da residência e entregou à arguida BB a quantia de € 50,00, para comprar 4 embalagens de heroína.

11. A arguida BB recebeu o dinheiro, e, no momento em que esta se preparava para lhe entregar o produto estupefaciente, deu-se início à intervenção policial, pelo que aquela não logrou entregar o produto estupefaciente a GGG, tendo, no entanto, guardado o dinheiro que aquele lhe entregou no interior do soutien.

12. No dia 10.08.2021, cerca das 12h00m, os arguidos AA e BB tinham no interior da sua residência, sita na Rua ... –... – ...:

a) Na posse da arguida BB:

- No interior do soutien, a quantia monetária de 55 Euros.

b) No quarto de NN e HHH:

- A quantia de 55 Euros.

c) No rés-do-chão:

No salão, no interior da carteira do arguido AA, a quantia de 75 Euros;

- Na outra sala, um maço de cigarros caído no chão, contendo no interior 6 pacotes de heroína, com o peso de 2,396 gramas, correspondente a 1 dose individual.

- Na cozinha, outro maço de cigarros, caído no chão, contendo no interior 2 pacotes de heroína, com o peso de 0,744 gramas (correspondentes a < 1 dose individual) e um pacote de plástico com 5 pedras de cocaína, com o peso de 0,849 gramas (correspondentes a < 1 dose individual).

d) No exterior da residência:

- No muro do lado oposto à residência, junto ao poste de iluminação, um embrulho de plástico, contendo no interior um ovo plástico, e no interior deste, uma embalagem em bruto de heroína, com o peso de 4,187 gramas (correspondentes a 2 doses individuais), e uma outra embalagem em bruto de cocaína, com o peso de 3,088 gramas (correspondentes a 2 doses individuais). 13. No decorrer da operação policial, deslocaram-se na direção da habitação dos arguidos, a fim de aí adquirir produto estupefaciente, dois toxicodependentes: QQ e III.

14. Posteriormente, ali deslocou-se para adquirir produto estupefaciente também um outro individuo toxicodependente, AAA, o qual se fazia transportar no veículo ..-..-EL e que já havia nesse dia, cerca das 10h00m, ali adquirido um pacote de heroína pelo valor de € 10,00.

15. O arguido AA adquiria os produtos estupefacientes em bruto, em local e a indivíduos não apurados, procedendo depois, já na sua própria residência, ao seu doseamento e à venda a consumidores, ininterruptamente, todos os dias da semana.

16. Os arguidos AA e BB sem que, para tanto, estivessem autorizados, destinavam as substâncias estupefacientes que lhes foram apreendidas à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra.

17. As quantias monetárias encontradas na posse dos arguidos AA e BB foram obtidas como contrapartida da venda, pelos arguidos, a terceiros, de substâncias estupefacientes.

18. Os arguidos AA e BB conheciam a natureza e as características das substâncias estupefacientes que compravam e/ou vendiam e/ou guardavam/detinham e transportavam e não ignoravam que a respetiva compra e/ou detenção e/ou venda e transporte lhes estavam legalmente vedadas.

19. Os arguidos AA e BB eram revendedores de produtos estupefacientes, não sendo nenhum deles consumidor das substâncias que comercializavam.

20. O grosso da atividade ilícita de tráfico de estupefacientes decorria no interior da habitação dos arguidos, na presença de criança de tenra idade.

21. (…)1

24. Agiram os arguidos AA e BB concertada, deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecessem o carácter proibido e criminalmente punível das suas condutas.

(...)

25. Dos certificados do registo criminal dos arguidos BB, II, SS, não consta o averbamento de condenações.

26. O arguido AA sofreu as seguintes condenações:

a) No Proc. Nº 582/04.8..., do .. .. Criminal de ... (doravante designada por ...), a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 16/12/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 16/12/2004, transitada em julgado, em 13/01/2005. A pena foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária, e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

b) No Proc. Nº 404/09.3..., do .. .. Criminal de..., a pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 7/6/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 20/07/2009, transitada em julgado, em 10/08/2009; a pena foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

c) No Proc. Nº 183/09.4..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 13/02/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 30/10/2008, transitada em julgado, em 18/12/2009; a pena foi declarada extinta pelo pagamento e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

d) No Proc. Nº 116/10.5..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 14 meses de prisão suspensa pelo período de 14 meses, pela prática, em 12/02/2010, de um crime condução sem habilitação legal, por sentença datada de 19/02/2010, transitada em julgado, em 17/03/2010; a pena foi declarada extinta, nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal.

e) No Proc. Nº 1629/07.1..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 3 meses de prisão substituída por igual período de tempo e a pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 15/12/2007, de um crime de usurpação, por sentença datada de 09/07/2010, transitada em julgado, em 20/09/2010, e na pena única, nos termos do disposto no art.º 6º do DL 48/95, de 15/03, a pena única de 250 dias de multa a taxa diária de € 5,00; a pena foi declarada extinta pelo pagamento;

f) No Proc. Nº 478/10.4..., do .. ... Criminal de ..., pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 30 períodos, pela prática, em 06/06/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 07/12/2011, transitada em julgado, em 03/09/2012; o arguido cumpriu a pena.

g) No Proc. Nº 29/16.7..., do Juízo Local Criminal de..., a pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 48 períodos, por sentença datada de 26/01/2016, transitada em julgado, em 26/02/2016, pela prática, em 11/01/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, a pena foi declarada extinta pelo pagamento.

27. O arguido NN sofreu as seguintes condenações

a) No Proc. Nº 893/07.0..., do .. .. Criminal de ... (doravante designada por ...), a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 10/11/007, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 12/11/2007, transitada em julgado, em 12/12/2007. A pena foi declarada extinta pelo pagamento.

b) No Proc. Nº 125/10.4..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 14/02/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 12/03/2010, transitada em julgado, em 08/04/2010; a pena foi declarada extinta pelo pagamento.

c) No Proc. Nº 344/14.4..., do Juízo Local Criminal de..., a pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 6,50, pela prática, em 26/05/2022, de um crime de recetação, por sentença datada de € 10/12/2015, transitada em julgado, em 22/01/2016; a pena foi substituída por trabalho a favor da comunidade, que o arguido cumpriu;

d) No Proc. Nº .../17, do Juízo Local Criminal de..., a pena de 240 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 22/01/2017, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 23/01/207, transitada em julgado em 22/02/2022; a pena foi substituída por trabalho a favor da comunidade, que o arguido cumpriu;

e) No Proc. Nº 345/14.2..., do Juízo Local Criminal de ..., a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano e 6 meses, pela prática, em 26/05/2014, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, por sentença datada de 11/07/2017, transitado em julgado, em 26/09/2017; a pena foi declarada extinta, nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal.

f) No Proc. Nº 198/19.4..., do Juízo de Pequena Criminalidade do ..., a pena de 10 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, por sentença datada de 02/10/2019, transitada em julgado, em 04/11/2019; a pena foi declarada extinta, nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal;

g) No Proc. Nº 412/18.3..., do Juízo Central Criminal de ..., a pena de 2 anos de prisão suspensa na execução pelo período de 2 anos, pela prática, em janeiro de 2018, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, por acórdão datado de 22/01/2020, transitado em julgado, em 13/01/2021;

(...)

28. No período a que se reportam os factos supra descritos, AA residia com a companheira, filhas, companheiros destas últimas, genros e netos naquela que indicam como sendo a casa de morada de família, uma moradia unifamiliar T4, composta por r/ch e 1º andar, situada em ... – .... A composição do agregado familiar oscilava entre presença, saída e regresso temporário de descendentes.

O arguido residiu nesta morada até ser preso preventivamente no âmbito deste processo judicial, tencionado voltar para a mesma assim que lhe seja possível, A referida habitação foi adquirida pelo casal, há vinte anos, por empréstimo bancário. Sobre a mesma existe, há muitos anos, ação de penhora por incumprimentos.

Nesta área de residência, o arguido é conhecido pelos vizinhos, predominando relações de cordialidade e pouca interação, não se verificando sentimentos de rejeição social, sendo considerado uma pessoa respeitadora, não obstante os acontecimentos que originou este processo e que suscitou algum clima de suspeição.

Socialmente, não lhe é reconhecida atividade profissional regular desde há vários anos, sendo ignorado o modo de sobrevivência do agregado familiar, não sendo expresso e/ou relatos de sinais exteriores de riqueza.

Atualmente o arguido e a companheira residem em apartamento T3, da filha JJJ, companheira de II coarguido no presente processo. Este agregado é ainda constituído por três netos do arguido, menores de idade.

Este enquadramento decorre da alteração do estatuto coativo do arguido, concretizado em 27 ago2021

A situação económica do agregado familiar é precária, devido à presença de vários elementos no seio do agregado familiar e as despesas significativas com a alimentação, que antes eram suportadas pelo arguido, a par de uma diminuição progressiva de rendimentos, calculados em cerca de 1.000€ mensais, provenientes da realização de feiras e total interrupção durante a pandemia da Covid.

O agregado foi beneficiário do RSI pela primeira vez, entre 2003 e 2006, com registo de algumas cessações (por incumprimentos do plano de inserção), sendo que em 2013 foi indeferido com a informação da Câmara Municipal de..., em como o agregado familiar realizava feiras. Apesar não coletado, o arguido fazia a feira semanal, com autorização da Câmara Municipal de ..., sob pagamento de uma cota e/ou aproveitando outros lugares (próximos da área de residência) e mercadoria cedida por alguns familiares. Em 2018 foi-lhe novamente atribuído o RSI, prestação cessada em 2020 e retomado o seu processamento após novo requerimento, mantendo-se atualmente a sua atribuição no valor mensal de 451€. A referida importância é indicada pelo arguido como único rendimento disponível, uma vez que deixou de fazer feiras desde a sua reclusão, em 11ago2021, no âmbito deste processo judicial

As despesas mensais com medicamentos do próprio e da companheira ascendem a cerca de € 100,00.

AA apresenta problemas de saúde, diabetes e alguns problemas cardiovasculares, com acompanhamento médico regular, que avalia como incapacitante da sua condição para o trabalho, pelo que equaciona requerer a sua pensão de reforma e abandonar em definitivo as feiras.

De acordo com a companheira, elemento que tende a liderar a dinâmica familiar, por referência ao temperamento passivo e tranquilo de AA, na gestão da vida económica eram contabilizados os RSI atribuídos aos agregados, supostamente autónomos dos descendentes, porém coabitantes, potenciando assim os recursos financeiros disponíveis e partilha de despesas em comum e, por conseguinte, facilitando a vida económica de todos e melhorando o acesso às condições de conforto de todos.

Considera que este modelo de gestão poderá ter continuidade na sua vida futura, de modo a colmatar dificuldades e garantir os meios necessários de potenciar a autonomia da família.

O processo de socialização do arguido decorreu em ... – ..., no seio da família de origem, pais feirantes, já falecidos e onze filhos, em contexto sociofamiliar economicamente humilde, enformado pela desvalorização do sistema de ensino e com vivência marital precoce.

O relacionamento familiar era considerado equilibrado e sem referência a problemas de natureza criminal.

AA é analfabeto, tendo revelado desinteresse pela frequência escolar, privilegiando a participação nas feiras e a colaboração com os pais, com os quais se iniciou nessa profissão, que desenvolveu ao longo da sua trajetória de vida, interrompida pela pandemia e pelas medidas de coação aplicadas nos presentes autos e anteriormente aquando do recebimento do RSI.

O arguido constituiu agregado próprio aos 18 anos de idade, assumindo união de facto com a atual companheira (a coarguida BB). Nos primeiros seis meses da relação, o casal coabitou com os pais do arguido, em ... – ..., até se autonomizarem e irem viver para um apartamento arrendado nas ... – ....

O casal refere a alteração desta morada para ...- ..., verificada há vinte anos, como forma de aceder a uma casa com mais espaço para albergar os filhos, genros e netos. A realização de feiras, em que vendiam artigos diversificados, em função da acessibilidade aos mesmos, em locais relativamente próximos da área de residência, segundo o arguido permitiu-lhes aceder a um rendimento suficiente para as necessidades da família, que ao longo do tempo se tornou reduzido e precário.

Em contexto de ocupação de tempos livres, as relações sociais de AA circunscreviam-se quase em exclusividade ao convívio com elementos da família e outros do seu grupo de pertença e família alargada, mantendo com os mesmos, relações de proximidade e solidariedade.

AA sinalizou como consequências da execução da OPHVE a privação de liberdade e limitações inerentes, sendo de salientar o suporte afetivo e relacional dos familiares.

Atualmente, no seu quotidiano permanece confinado ao espaço habitacional, referindo como ocupação a colaboração na realização de tarefas de índole doméstica de apoio ao agregado familiar que integra temporariamente.

Tem evidenciado uma conduta compatível com as regras inerentes à OPHVE em execução desde 27ago2022, por desagravamento da medida de coação de prisão preventiva, aplicada no presente processo judicial.

Ainda que em abstrato, o arguido reconhece a ilicitude e censurabilidade da problemática criminal, subjacente aos presentes autos, expressando conhecimento relativamente a potenciais danos e vítimas.

Verbaliza a sua preocupação face às consequências em termos jurídico-penal, mostrando-se consciente da gravidade em que se consubstancia o presente processo.

29. O processo de socialização da arguida BB decorreu em ..., no seio da família de origem, pais feirantes, já falecidos e, vários irmãos, em contexto sociofamiliar economicamente humilde, enformado pela desvalorização do sistema de ensino e com vivência marital precoce.

O relacionamento familiar era considerado equilibrado e regido pelos valores e normas que regem o seu grupo de pertença.

A arguida ingressou no sistema de ensino em idade própria e qualificou-se com o 4º ano de escolaridade.

Casou segundo os rituais da sua comunidade aos 15 anos de idade, relação marital de que nasceram cinco filhos, quatro deles já com agregado constituído.

No seu trajeto laboral dedicou-se essencialmente à realização de feiras em conjunto com o companheiro, em que vendiam artigos diversificados de acordo com o acesso aos mesmos, em locais relativamente próximos da área de residência, segundo a arguida, o que lhes possibilitou obter um rendimento suficiente para prover às necessidades da família, que ao longo do tempo se tornou reduzido e precário, com recurso à prestação do RSI, em algumas fases mais complicadas.

Em contexto de ocupação de tempos livres, as relações sociais de BB circunscreviam-se quase em exclusividade ao convívio com elementos da família e outros do seu grupo de pertença e família alargada, mantendo com os mesmos, relações de proximidade e solidariedade.

À data a que se reportam os fatos do presente processo, BB vivia com o companheiro, filhas, genros e netos naquela que indicam como sendo a casa de morada de família, uma moradia unifamiliar T4, composta por r/ch e 1º andar, situada em ... – .... A composição do agregado familiar oscilava entre presença, saída e regresso temporário de descendentes.

A referida habitação terá sido adquirida pelo casal, há vinte anos, por empréstimo bancário. Sobre a mesma existe, há muitos anos, ação de penhora por incumprimentos, que tanto a arguida, como o companheiro omitiram num primeiro momento, mas que consideram não irá comprometer a permanência e continuidade de residência da família nessa morada.

A situação económica do agregado familiar, foi descrita, à ocasião como precária, devido à presença de vários elementos no seio do agregado e as despesas significativas com a alimentação, que eram suportadas pela arguida e companheiro, a par de uma diminuição progressiva de rendimentos, provenientes da realização de feiras e total interrupção das mesmas durante a pandemia da Covid 19. Atualmente BB e a companheiro residem em apartamento T3, arrendado pela filha JJJ, companheira de II coarguido no presente processo. Este agregado é ainda constituído por três netos da arguida, menores de idade.

Este enquadramento decorre da alteração do estatuto coativo do companheiro de BB, concretizado em 27 de Agosto de 2021.

Ao nível familiar, estamos perante uma dinâmica subordinada aos valores e regras especificas do seu grupo de origem, revelando-se solidários e coesos como mecanismo de proteção à intervenção judicial.

O casal subsiste da atribuição da prestação do RSI, no montante mensal de € 451 euros. Segundo a arguida, a mesma prevê, neste âmbito, vir a frequentar um curso de educação/formação promovido pelo IEFP, o que lhe permitirá habilitar-se com o 6º ano de escolaridade.

Atualmente, o seu quotidiano permanece essencialmente circunscrito ao espaço habitacional, referindo como ocupação a colaboração na realização de tarefas domésticas de apoio ao agregado familiar que integra temporariamente.

Ao nível sociocomunitário não são sinalizados sentimentos de rejeição e/ ou de reatividade social face à arguida. Este constituirá o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, face ao qual a arguida manifestou grande preocupação e, receio quanto ao seu eventual desfecho. Contudo, mostrou ter conhecimento do papel do sistema legal e de administração da justiça e aceitar a sua intervenção, designadamente aderir a eventual execução de medida na comunidade.

Relativamente à natureza dos factos subjacentes a este processo, expressou alguma crítica tendo, no abstrato, reconhecido a sua ilicitude, gravidade e a existência de possíveis lesados.

(…)2

II.2. Face a esta matéria de facto disse de direito a Relação:

“3. Isto posto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo Ministério Público no seu recurso, sendo certo que vem expressamente restringido à matéria de direito, e que, não tendo sido questionada minimamente a matéria de facto dada como provada e como não provada no acórdão recorrido, a mesma deverá considerar-se definitivamente estabilizada (não se vislumbrado, na decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, quaisquer dos vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal).

3.1. Do erro na subsunção dos factos ao direito em relação aos arguidos AA e BB

Neste âmbito, sustenta o Ministério Público, ora recorrente, que em relação aos arguidos AA e BB a decisão recorrida padece de erro na subsunção dos factos dados como provados ao direito. Pois que – diz –, na sua perspectiva, tais arguidos deveriam ter sido condenados pela prática do crime de que vinham acusados, ou seja, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas Anexas I-A e I-B, e não pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade de substâncias estupefacientes, p. e p. pelo Artº 25º, al. a), do Decreto-Lei nº 15/1993, de 22 de Janeiro, com referência às Tabela Anexas I-A e I-B, tal como decidiu o tribunal a quo.

Vejamos se lhe assiste razão.

Dispõe o citado Artº 21º nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro:

“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 4º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

O tráfico de estupefacientes é um crime de perigo comum e abstracto 5, cujo bem jurídico tutelado é, essencialmente, o da saúde pública, pelo que a ilicitude verifica-se quer com a venda ou cedência a terceiros, quer com a simples detenção de substância estupefaciente que, pelas suas características, é nociva para a saúde humana, pelo perigo que tal situação potencia, sendo que cada um desses actos típicos deverá ser idóneo para favorecer, promover ou facilitar o consumo ilegal de drogas e estar abarcado pelo dolo do agente, podendo este aferir-se através da idoneidade e exteriorização da correspondente conduta.

E porque tal ilícito é visto como um crime de perigo, temos que para a sua consumação não é necessária a efectiva lesão do bem jurídico que lhe está subjacente, bastando apenas a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica causar danos à saúde pública da comunidade, apontando-se, no fundo, para a degradação e destruição da vida humana.

O tipo-de-ilícito objectivo é constituído por dois elementos:

a) Quem cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou, por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III;

b) Sem para tal se encontrar autorizado.

Sendo que a cocaína se encontra incluída na Tabela I-B e a heroína na Tabela I-A, ambas anexas a esse diploma legal.

Ao passo que, no plano subjectivo, torna-se necessário que se verifique o dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no Artº 14º do Código Penal.

Porém, como se sabe, o legislador preocupou-se em assegurar a distinção entre a diversidade de condutas que aquela norma legal inclui, facultando a diferenciação de condutas menos graves ao nível do ilícito, não só dentro da respectiva moldura penal, mas também prevendo uma nova moldura penal para os casos em que se detecta uma ilicitude acentuadamente diminuída.

Assim, se justifica a norma constante do Artº 25°, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, que prescreve:

“Se nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.

(...)”.

Ora, esta norma legal - Artº 25°- constitui um subtipo de crime, privilegiado, que estatui as punições para os casos em que preenchendo a actuação do agente a previsão dos Artºs. 21º e 22º, «a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

Sendo que a tipificação do Artº 25° pretende permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa de punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do Artº 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no Artº 25°, resposta que nem sempre seria viável e ajustada através dos mecanismos gerais de atenuação especial da pena (cfr. Artºs. 72° e 73°, do Código Penal).

O regime previsto no citado Artº 25° fundamenta-se, pois, na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuram na situação global dada como provada pelo tribunal.

Na verdade, a ilicitude diminuída pode ser indiciada, essencialmente, da quantidade da substância cedida e apreendida, dos meios utilizados e da modalidade ou circunstâncias da acção, destinando-se aquele preceito legal a subtrair o pequeno traficante da severa penalidade prevista nos Artºs. 21º e 22º.

Constituindo hoje o Artº 25º, como refere Lourenço Martins, in “Nova Lei Anti-Droga: Um Equilíbrio Instável”, “uma válvula de segurança do sistema”, na medida em que evita que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial. No mesmo sentido se pronunciando também a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que são exemplo o acórdão da Relação de Lisboa, de 21/04/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 22/13.1PBVFX.L1-5, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se afirma:

“I - A existência do tipo legal do artigo 25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, prende-se com a necessidade de evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, o que poderia acontecer se ficassem abrangidas na previsão genérica do artigo 21º, sendo erigido como elemento justificativo deste crime a considerável diminuição da ilicitude do facto, traduzida, como se enuncia a título exemplificativo, nos meios utilizados, na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade ou quantidade das plantas ou substâncias.

II - Para a sua aplicação não se exige apenas uma diminuição da ilicitude na actuação criminosa, mas que se apresente ela como consideravelmente diminuída, sendo que esta conclusão terá de resultar de uma valoração global dos factos, ponderando-se, não só as mencionadas circunstâncias, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição, como a intenção lucrativa, o período mais ou menos dilatado da duração da actividade, o tipo de actos concretamente praticados ou a existência de estrutura organizativa.

(...)”.

Ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/04/2011, proferido no âmbito do Proc. nº 20/10.7S5LSB.S1, também disponível in www.dgsi.pt, segundo o qual “a tipificação do art. 25° do DL 15/93 parece ter o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição para casos que, embora de gravidade significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21° e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25

Na apreciação global dos factos assumem particular relevo os meios utilizados, designadamente a organização ou logística, a modalidade ou circunstâncias da acção (tráfico ocasional ou de circunstância, tráfico habitual, a intensidade do tráfico), ou seja, o grau de perigosidade para a difusão da droga, a qualidade das substâncias ou preparados, a quantidade da droga transaccionada (não é indiferente a perigosidade da droga traficada, como, aliás, decorre implicitamente da gradação constante das tabelas I a III ou da tabela anexa IV anexa ao Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), bem como a personalidade do arguido, nomeadamente se era um simples dealer de apartamento ou de rua, se era um simples intermediário e, em particular, se não era consumidor de droga, se era consumidor ocasional, ou mesmo um toxicodependente.

Ora, no caso sub-judice, o tribunal a quo, após ter levado a caso, correctamente, a análise dos elementos típicos dos dois ilícitos em confronto, acabou por subsumir a conduta dos arguidos AA e BB ao tipo privilegiado, p. e p. pelo Artº 25°, n° 1, al. a), do Dec.Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabelas anexas I-A e I-B, expendendo para o efeito o seguinte (transcrição):

“Importa agora saber se a conduta dos arguidos preencherá a tipicização do artigo 21.º (Tráfico e outras atividades ilícitas) ou do artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) do Decreto-Lei n.º 15/1993, de 22 de janeiro.

Atento o elenco dos factos provados importa referir que:

- o período durante o qual o arguido AA comprovadamente desenvolveu a respetiva atividade ilícita de tráfico de substâncias estupefaciente se prolongou por um ano, ao passo que o período a arguida BB comprovadamente exerceu a mesma atividade é inferior, cerca de oito meses.

- 120 transações comprovadas no espaço temporal de um ano, ou seja de 356 dias; o que nem sequer corresponde a uma transação diária.

- o reduzido número de toxicodependentes envolvidos (cerca de 15 pessoas);

- à quantidade pouco expressiva de produto transacionada em cada uma dessas operações (em regra doses individuais, em regra na ordem das gramas e por vezes nem isso), a reduzida quantidade total de droga apreendida;

- à baixa quantia monetária obtida (em cada transação e a final no global) e a efetivamente apreendida resultante do tráfico de substâncias estupefaciente, foram encontrados na posse do arguido AA, no interior da sua carteira o montante de € 75,00 e na posse da arguida BB € 50, um total de 10,415 gramas bruto.

- à reduzida área geográfica de atuação dos arguidos (e circunscrevendo-se a atividade dos arguidos à sua casa, sita em ... e o arguido ainda ao Complexo Habitacional das ...);

- à sua modesta condição social e económica, não sendo conhecido qualquer sinal exterior de riqueza, de onde se retira que os proventos auferidos com a atividade de geraram riqueza.

- à quantidade pouco expressiva de produto transacionada em cada uma dessas operações (em regra doses individuais), a quantidade total de droga apreendida (na ordem das gramas e por vezes nem isso);

- à baixa quantia monetária obtida (em cada transação, em regra na ordem das dezenas de euros; e a final no global) e a efetivamente apreendida resultante do tráfico de substâncias estupefaciente;

- à sua modesta condição social e económica (não sendo conhecido qualquer sinal exterior de riqueza);

- à quantidade pouco expressiva de produto transacionada em cada uma dessas operações (doses individuais), a quantidade total de droga apreendida;

- à baixa quantia monetária apreendida resultante do tráfico de substâncias estupefaciente

Do teor dos factos provados concluiu-se que os arguidos BB e AA não pautavam a sua atividade ilícita (tráfico de estupefacientes) com cuidados fora do comum.

Os conhecidos elevados rendimentos e a sua fácil obtenção proporcionados pelo tráfico de estupefacientes foram aqui as circunstâncias motivadoras para os arguidos se dedicarem localmente ao tráfico, assim movimentando as relativamente diminutas quantidades substâncias estupefacientes mencionadas nos factos provados, tanto mais que não tinham rendimentos de atividades laborais lícitas idóneos ao respetivo sustento à data dos factos.

Apreciada a conduta dos arguidos, à luz das referidas considerações, entendemos que a imagem global do facto aponta para uma atuação de tráfico que se apresenta com um grau de ilicitude acentuadamente diminuído face ao pressuposto pela incriminação do artigo 21.º, n.º 12, suscetível, portanto, de determinar a sua inclusão no tipo do artigo 25.º citado, ou seja, no tráfico de menor gravidade.

Inexistem causas de exclusão da ilicitude e da culpa e o arguido é imputável, razão pela qual deverá ser condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade.

Impõe-se assim a absolvição do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela Anexa I-A e I-B, tendo os arguidos AA e BB incorrido na prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art.º 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela Anexa I-A e I-B.”.

Salvo o devido respeito, não sufragamos este enquadramento jurídico levado a cabo pelo tribunal a quo.

Com efeito, como se referiu, a opção pelo tipo previsto no Artº 25º, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, não se basta com uma diminuição da ilicitude do facto, antes exigindo que esta se revele consideravelmente diminuída, o que, no caso sub-judice, não tem sustentação na factualidade dada como provada pelo tribunal colectivo.

Na verdade, ficou provado que, pelo menos desde meados Agosto de 2020 e até ao dia 10/08/2021, o arguido AA, em conjugação de esforços e com o auxílio da sua companheira, a arguida BB, dedicou-se à venda de produtos estupefacientes.

Mais se provou que o faziam a inúmeros consumidores, muitos deles devidamente identificados, nos termos melhor descritos nos pontos 8 a 11, os quais viam a sua saúde afectada.

E que o faziam mediante contrapartida monetária, de tal atividade retirando lucros, dos quais evidentemente usufruíram.

Por outro lado, não podemos olvidar que as drogas comercializadas e detidas pelos arguidos AA e BB eram a heroína e a cocaína, dois dos mais nocivos estupefacientes, vulgarmente designados de “drogas duras”, de enorme poder aditivo, não deixando esta “oferta variada” de constituir uma circunstância agravante.

E que as quantidades de estupefacientes transaccionadas e detidas pelos identificados arguidos não podem de modo algum ser consideradas diminutas.

De salientar, ainda, que tais arguidos desenvolveram essa atividade ilícita em vários locais da cidade de ...:

a) Inicialmente, durante o período compreendido entre meados de Junho de 2020, até meados de Novembro de 2020, no complexo habitacional das ..., onde o arguido AA se deslocava diariamente, ali chegando cerca das 10H00, normalmente conduzido em veículo automóvel pela sua companheira, a arguida BB, e ali permanecendo até próximo das 19H00, deslocando-se entre as 13H00 e as 14H00 à sua residência. Sendo que, durante o tempo que o arguido AA ali permanecia, deambulava entre os diversos estabelecimentos, nomeadamente cafés e o quiosque ali existentes, sendo a esplanada do Café D...., ao lado do quiosque, o local onde maioritariamente procedia à venda de produtos estupefacientes. E fora deste período, nomeadamente no período após as 19H00, também desenvolvia tal atividade na sua habitação, sita na Rua ... – ...;

b) A partir de meados de Novembro de 2020, por força da pressão exercida pela população residente no complexo habitacional das ..., que se vinha insurgindo vivamente contra a sua presença no local, pelo afluxo de toxicodependentes aquele local, derivado da atividade que ali desenvolvia, o arguido AA viu-se forçado a abandonar aquele local, passando a proceder à venda de produtos estupefacientes, juntamente com a sua companheira, a partir da sua habitação, em ..., na presença de criança de tenra idade (ou seja, abrangendo uma vasta área territorial).

Não sendo despiciendo, também, o largo período de duração da actividade em que aqueles arguidos desenvolveram a sua actividade de tráfico (cerca de um ano), a induzir a existência de um perigo pronunciado de disseminação de tais produtos estupefacientes, actividade essa que em termos de modalidade de acção se traduziu em actos aquisição, transporte, cedência e venda de tais produtos, que assumiram carácter regular, e não esporádico.

Efectivamente, o arguido AA adquiria os produtos estupefacientes em bruto, em local e a indivíduos não apurados, procedendo depois, já na sua própria residência, ao seu doseamento e à venda a consumidores, ininterruptamente, todos os dias da semana, actividade que levava a cabo de forma concertada com a arguida BB, o que de modo algum se coaduna com um enquadramento à luz do citado Artº 25º.

Sublinhando-se, ainda, que tais arguidos não são consumidores das substâncias ilícitas que comercializavam, o que claramente significa que não traficavam para dessa forma também poderem sustentar os seus consumos, como tantas vezes sucede.

Nestas circunstâncias, entendemos que a ilicitude do facto no que a tais arguidos diz respeito não pode, de todo, considerar-se «diminuta», nem a sua imagem global, «consideravelmente diminuída».

Por tudo o exposto, sem necessidade de mais considerações, concluímos que a conduta dos arguidos AA e BB espelhada nos factos dados como provados pelo tribunal a quo integra a prática, pelos mesmos, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referências às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal.

Procede, pois, o recurso, nesta parte.


*


3.2. Das penas a aplicar aos arguidos AA e BB

Em face da alteração do enquadramento jurídico acabado de efectuar, e considerando que o ilícito penal perpetrado pelos arguidos AA e BB é abstractamente punido com prisão de 4 a 12 anos, torna-se necessário proceder à determinação das “novas” penas concretas a aplicar aos mesmos.

As finalidades das penas estão enunciadas no Artº 40º, do Código Penal, preceito que consagra o pensamento do Prof. Figueiredo Dias [in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 71 e sgts.], que defende decorrer do princípio da congruência entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal a ideia de que só finalidades de prevenção geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal a conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas.

Como é sabido, a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa de intimidação, mas como prevenção positiva de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida.

Sabemos, também, que a prevenção especial visa satisfazer as exigências de ressocialização do agente, com vista à sua recuperação e integração na comunidade.

É princípio basilar do Código Penal vigente que toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta - não há pena sem culpa e esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, o que é aceite mesmo pelos autores que colocam a tónica na prevenção geral quanto aos fins das penas - sendo que na determinação da pena concreta o tribunal deverá atender, nos termos do disposto no Artº 71º, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor dos arguidos ou contra eles.

Dentre aquelas circunstâncias, perfilam-se o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência (quando esta baste como forma de vontade criminosa), os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto.

A medida concreta da pena, segundo o citado Mestre 6, é encontrada dentro da moldura da prevenção.

6 Ibidem, pág. 232 e sgts..

Tal moldura - diz -, comporta um ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos, ponto esse que nunca poderá ultrapassar a medida da culpa, e um ponto mínimo comunitariamente suportável de tutelados bens jurídicos, sendo que entre os pontos máximo e mínimo devem actuar os factores de prevenção especial, visando a ressocialização e recuperação do delinquente para a sociedade, devendo ter-se em conta que a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa e que esta é também o suporte da pena.

Ora, no caso sub-judice deveremos ponderar desde logo o elevado grau de ilicitude dos factos, indiciado na diversa natureza e na quantidade das substâncias transaccionadas e detidas pelos arguidos (estando em causa duas drogas – heroína e cocaína – com elevado poder aditivo, como já se referiu anteriormente), aferindo-se o desvalor da acção pelo fim da acção criminosa, obtenção do lucro fácil, à custa do sofrimento moral e físico de dezenas de toxicodependentes, e da família destes, ameaçando igualmente a segurança da sociedade.

Ponderamos, por outro lado, o modo de execução do crime por banda dos arguidos, com a obtenção das substâncias estupefacientes junto de fornecedores não identificados, e com o subsequente transporte, preparação, doseamento, embalagem e venda, sublinhando-se a circunstância de chegarem ao ponto de também guardarem a droga no muro exterior da residência, para dessa forma mais facilmente tentarem escapar ao eventual controlo das autoridades policiais.

Sendo ainda relevante o período de tempo em que decorreu a actividade delituosa dos arguidos, que se prolongou pelo menos durante um ano, quase diariamente, em vários locais de ..., actividade essa que só cessou e não prossegui não por a terem voluntariamente abandonado, mas por terem sido detidos pelas autoridades policiais no dia 10/08/2021, na sequência das diligências investigatórias então em curso.

Contra os arguidos, também, a intensidade do dolo com que agiram, dolo directo, sendo que optaram voluntária e conscientemente por se dedicar ao tráfico de substâncias estupefacientes, que sabiam ser conduta delitiva das que mais censura concita na comunidade. A circunstância de não terem revelado qualquer postura de arrependimento e de juízo crítico perante os factos, o que de algum modo poderia ter passado pela assunção sincera dos mesmos em audiência de discussão e julgamento, o que não sucedeu. Atitude essa reveladora, pois, de escassa vontade de contenção, e que obviamente constitui factor de risco na reiteração da mesma atividade delituosa.

E ainda, contra o arguido AA, o facto de se ter apresentado em Juízo com um relevante cadastro criminal, mais concretamente com sete condenações penais, conforme discriminado no ponto 26 dos factos dados como assentes, nas quais se incluem uma pena de prisão suspensa na sua execução, e duas penas de prisão substituídas por dias livres. Sendo, pois, manifesto e evidente que nenhuma das condenações penais em causa foi adequada a afastá-lo de voltar a praticar novos ilícitos criminais, o que demonstra uma atitude desconforme ao direito, a carecer de clara ressocialização.

Relevando, porém, a favor de ambos a sua débil situação socio-económica, espelhada nos pontos 28 e 29 da factualidade dada como assentes, e bem assim, quanto à arguida BB, a ausência de antecedentes criminais conhecidos.

Finalmente, não podemos deixar de ponderar as fortes necessidades de prevenção geral sentidas, sendo necessário reafirmar peremptoriamente a validade das normas violadas, e recriar a confiança da comunidade nela, atenta a elevada frequência deste tipo de crime entre nós e o alarme social que normalmente causam.

Com efeito, como já em 2004 salientava o Supremo Tribunal de Justiça, “os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fracturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal” - Acórdão de 09/06/2004, in CJ AcSTJ XII-II-221,

Preocupação que continua a ser reafirmada pelo nosso mais Alto Tribunal, como o demonstra, v.g., o acórdão de 18/11/2021, proferido no âmbito do Proc. nº 616/20.9JAFUN.S1, disponível in www.dgsi.pt, no qual lapidarmente se afirma que “(...) o tráfico de estupefacientes é dos crimes que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral.”.

Impõe-se, pois, que as penas a aplicar reforcem com firmeza a validade das normas violadas aos olhos da comunidade.

Por tudo o exposto, temos por inteiramente justas, proporcionais e adequadas à culpa dos arguidos, e bem assim à salvaguarda das necessidades de prevenção evidenciadas nos autos, as seguintes penas concretas:

- 6 (seis) anos de prisão para o arguido AA;

- 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão para a arguida BB.

Procede, pois, o recurso, nesta parte.

Tornando-se totalmente despicienda, pois, a análise da eventual aplicação do instituto a que alude o Artº 50º, do Código Penal, face à não verificação, desde logo, do requisito formal exigido por esse preceito legal.”

Vejamos:

II.3. Da invocada verificação de erro notório na apreciação da prova

Dizem os recorrentes: “Incorreu ainda o tribunal em erro, vicio de direito nos termos do disposto no art 410, n 1c do C.P.P. quando a fls 68 escreve que não revelaram postura de arrependimento e de juízo critico, o que poderia ter passado pela assunção sincera, oque contraria o consignado, pois o arguido prestou declarações logo em 1 interrogatório, confessando factos incriminatórios revelando postura de assunção de culpa,”.

Como é de todos consabido, os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP terão de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

E o erro notório na apreciação da prova, art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP, “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.” (in ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402, pag. 232).

Ora, lido e relido o texto da decisão recorrida na análise que fez das questões colocadas relativas à decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que as apreciou e concluiu sem violação do invocado vício.

Na verdade, o que os recorrentes pretendem é que o julgador conclua como eles concluíram. Todavia é irrelevante o facto de o recorrente não concordar com a avaliação feita pelo julgador/coletivo das provas que o convenceram (explicadas na motivação), nomeadamente, quanto à factualidade relativa aos não revelados postura de arrependimento e de juízo critico.

Ademais, ter o arguido prestado declarações logo em 1º interrogatório, confessando factos incriminatórios revelando postura de assunção de culpa, só por si não significa ter assumido sincera postura de arrependimento e de juízo critico. Não se confundem a prestação de declarações em primeiro interrogatório e a confissão de factos incriminatórios, que podem até ser motivados por razões pragmáticas, utilitárias e até pouco nobres, com a sempre louvável sincera postura de arrependimento e de juízo crítico.

Não se configura, pois, no acórdão recorrido erro notório na apreciação da prova.

II.4. Da invocada errada qualificação jurídica dos factos

Afirmam os recorrentes que as quantidades vendidas detidas e transacionada. foram efetivamente diminutas; só se deram como provadas 120 vendas; 5 ou 10 euros, valor recebido entre 600 a 1200 por excesso ! envolvidas cerca de 15 pessoas alguns a repetir aquisiçoes quantidade pouco expressiva; efeitos perniciosos na saúde muito muito reduzidos! O modo e circunstancias da acção venda direta, pequenas porções, avaliada inclusive e por comparação ao detido no dia da busca do estupefaciente apreendidas permitem à saciedade concluir que se trata de menor gravidade. e pugnam pela qualificação jurídica das suas ações como tráfico de menor gravidade punido no art, 25º.

Conhecendo este Supremo só de direito, só os factos dados como provados no acórdão recorrido serão considerados.

Dispõe o art. 21.º/1, DL 15/93 «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

Dita o art. 25.º do DL 15/93: «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».

Já em tema de agravação impõe o art.º 24.º, DL 15/93, que «As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: a) As substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos; b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; d) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infrações; e) O agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão; f) O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional; g) O agente participar em outras actividades ilegais facilitadas pela prática da infracção; h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos; j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando; l) As substâncias ou preparações foram corrompidas, alteradas ou adulteradas, por manipulação ou mistura, aumentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem».

Neste caso as substâncias traficadas constam das tabelas I-A e I-B.

Reconhecendo as dificuldades de integração dos factos, sobretudo em zonas de fronteira, nas normas incriminatórias, disse-se no ac. de 21/12/2022, proc. nº 77/20.2PEVIS.C1.S1 António Gama, que “A análise dos tipos legais de tráfico de estupefacientes não deve ser dicotómica, apenas entre o tipo fundamental de ilícito (art. 21.º/1, DL 15/93) e o tipo privilegiado em razão da menor gravidade do facto (art. 25.º DL 15/93), mas estender-se ao art. 24.º, que prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto. Mesmo o art. 21.º deve ser considerado na sua completude, pois tem um âmbito de aplicação alargada, com agravação (nºs 2 e 3) e atenuação (n.º 4) de penas. Só uma ponderação global fornece uma visão integrada da resposta legislativa ao fenómeno do tráfico de estupefacientes: o tipo fundamental de tráfico no art. 21.º/1, um tipo de crime privilegiado no art. 25.º, e um tipo de crime qualificado no art. 24.º.”

E como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstrato de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. (cfr acs de 23-11-2000, proc. n.º 2766/00, de 22-02-2001, proc. n.º 4129/00, de 25-01-2001, processos n.º 3710/00 e n.º 3557/00, de 18-10-2001, proc n.º 1188/01, de 23-05-2002, proc. n.º 1687/02 e de 24-10-2002, proc. n.º 3211/02 e de 15.01.2020, proc. nº 23/17.0PEBJA.S1).

Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico instituído no art. 21º, um crime privilegiado, o do art. 25º, e um outro qualificado, o do art. 24º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24º.
O legislador indica taxativamente as situações que merecem a qualificação e, ao contrário do que acontece com o art. 25º, aponta exemplificativamente os fatores que podem justificar a atenuação. (cfr ac STJ 13.09.2018, 184/17.9JELSB.L1.S1, Maia Costa).

Da conjugação das normas ressalta que o crime de tráfico de menor gravidade pressupõe situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude. A título exemplificativo, indicam-se no preceito, art. 25.º, como critério ou índice da ilicitude consideravelmente diminuída as seguintes circunstâncias objetivas «os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

Como se sublinhou no ac. do 15/01/2020, proc. nº 23/17.0PEBJA.S1, Raul Borges, os pressupostos de aplicação da norma respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – ou quantidade do estupefaciente), pelo que não relevam, como diminuindo a ilicitude, fatores atinentes ao juízo sobre a culpa, quer relativos ao desvalor da atitude interna do agente, ou à sua personalidade. Mas o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Significa isso que o crime privilegiado é um minus assente obrigatoriamente na ilicitude “consideravelmente diminuída”.

A pedra de toque, o factor decisivo do privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes é, claramente, a considerável diminuição da ilicitude do facto, olhada de forma global. (cfr ac. STJ de 20/1/2021, Proc. 3/18.9PCELV.S1, Sénio Alves, e de 31/05/2023, 8/22.5GTABF.E1.S1, Sénio Alves). Se operada a análise global da atividade de tráfico se não surpreender a considerável diminuição da ilicitude a incriminação nunca poderá ser a do tipo privilegiado.

Na senda do ac. de 23/11/2011, proc. n.º 127/09.3PEFUN.S1, Santos Carvalho, a “consideravelmente diminuída” ilicitude aferir-se-á, pois, pela ponderação dos meios utilizados e capacidade de movimentação, (tipo de mobilidade, carro próprio, a pé, transporte público, etc), meio de contacto (porta a porta, recebimento e venda em casa, venda na rua, meios eletrónicos, redes sociais, diretamente ou por interposto(s) vendedor(es)), modalidade ou circunstâncias da ação, (período temporal, regularidade e tempo diário dedicado á actividade, espaço de atuação, escolas, rua, nicho privado de clientela, etc), meios de resguardo do local de venda e de proteção de e fuga a intervenção policial (porta blindada, com temporização de abertura, pequena janela gradeada, câmaras e detetor de movimentos, etc), local ou locais de guarda e depósito do estupefaciente, (prevenindo a provável realização de busca no domicílio e anexos), tipo e quantidade de instrumentos detidos e utilizado para operacionalizar a atividade (número de telemóveis, máquinas de pesar a droga e máquina de contar notas, cofres possuídos), e tipo de cliente escolhido, (jovens, alunos de uma escola, várias vendas aos mesmos, etc) qualidade e seu grau de perigosidade intrínseca e social, grau de pureza, grau de nocividade pessoa, de perigosidade e de danosidade social das substâncias ou preparações, quantidades vendidas, expansibilidade em termos de doses, número de pessoas a quem foi realizada a venda ou cedência, o número de vezes em que tal ocorreu em relação à mesma pessoa, grau de adesão e regularidade da atividade, dinheiro movimentado e proventos obtidos, exclusividade do exercício da atividade ou grau de ocupação na mesma, única fonte de proventos ou complemento de rendimentos; grau de sofisticação no concreto da operacionalização da venda. (cfr também ac. de 2/10/2019, Proc. 2/18.0GABJA.S1, Acs. STJ de 23/2/2022, Proc. 4/17.4SFPRT.P1.S1 e de 24/9/2020, Proc. 109/17.1GCMBR.S1).

Neste espírito, a jurisprudência limita o campo de aplicação do art. 25.º, do DL n.º 15/93, aos isolados pequenos retalhistas de rua e pequenos detentores, sem ligações a quaisquer redes e desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes. (v. acs do S.T.J. de 13/02/2003, C.J., n.º 166, pág. 191, de 29/11/2005, C.J., n.º 187, pág. 219, de 30 de Março de 2006( proc. n.º 06P771,de 15 de Fevereiro de 2007, C.J., n.º 198, pág. 191, e de 30 de Abril de 2008, proc. n.º 08P1416).

No caso sub judicio, os arguidos dedicaram-se ao tráfico durante um período de um ano.

Em projetado negócio de casal, com tal regularidade e consistência que, na ausência de adicional atividade profissional, estava a tornar-se em modo de vida.

Nenhum deles sendo consumidor.

Com mero intuito lucrativo.

Vendendo cocaína e heroína, conhecidas “drogas duras”, com elevada perniciosidade pessoal e danosidade social; indiferentes aos prejuízos causados aos consumidores com quem contactavam todos os dias.

Em vários locais da cidade de ....

Tanto nas ruas, em zonas habitacionais, como a partir da sua própria casa.

Deslocando-se os arguidos para os locais de venda no próprio automóvel; nesses locais, vendendo de dia e às claras, com tantas ações levadas a cabo, tanta visibilidade exterior e tanto afluxo de consumidores ao local, que os próprios residentes no Complexo ..., os obrigaram a daí retirar. Na rua permaneciam entre as 10 e as 19 horas, com intervalo para ida à residência entre as 13 e 14, em autêntico horário de trabalho.

O que demonstra ausência de medo. E um assumido modo de vida.

Passando, a seguir, a exporem-se na sua própria casa, daí fazendo local de vendas.

Efetuando várias vendas no mesmo dia; algumas aos mesmos consumidores, bem indiciantes da existência de uma clientela própria.

Vêm dadas como provadas mais de 100 ações de venda, com larga disseminação.

Em quantidade a que acresce a quantidade apreendida. Alguma com resguardo de escondimento fora de casa.

Eram eles próprios que, depois da compra em bruto, procediam ao retalho e doseamento do estupefaciente.

A atividade só terminou com a intervenção da força policial e suas detenções.

Assim, procedendo a uma valorização global da conduta dos arguidos, ponderando o conjunto das ações na sua relação de interdependência, tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstrato) do bem jurídico protegido, saúde pública, face à ausência de circunstâncias provadas que diminuam consideravelmente a ilicitude da ação delituosa do recorrente, não merece reparo a integração das apuradas condutas no tipo fundamental de ilícito do art. 21.º do DL 15/93.

II.5. Da invocada errada consideração e valoração dos seus antecedentes criminais já cancelados

No que toca ao histórico registral do arguido AA, assinalou a Relação: “E ainda, contra o arguido AA, o facto de se ter apresentado em Juízo com um relevante cadastro criminal, mais concretamente com sete condenações penais, conforme discriminado no ponto 26 dos factos dados como assentes, nas quais se incluem uma pena de prisão suspensa na sua execução, e duas penas de prisão substituídas por dias livres. Sendo, pois, manifesto e evidente que nenhuma das condenações penais em causa foi adequada a afastá-lo de voltar a praticar novos ilícitos criminais, o que demonstra uma atitude desconforme ao direito, a carecer de clara ressocialização.”

26. O arguido AA sofreu as seguintes condenações, ainda constantes do seu CRC,:

a) No Proc. Nº 582/04.8..., do .. .. Criminal de ... (doravante designada por ...), a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 16/12/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 16/12/2004, transitada em julgado, em 13/01/2005. A pena foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária, e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

b) No Proc. Nº 404/09.3..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 7/6/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 20/07/2009, transitada em julgado, em 10/08/2009; a pena foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

c) No Proc. Nº 183/09.4..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 13/02/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 30/10/2008, transitada em julgado, em 18/12/2009; a pena foi declarada extinta pelo pagamento e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

d) No Proc. Nº 116/10.5..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 14 meses de prisão suspensa pelo período de 14 meses, pela prática, em 12/02/2010, de um crime condução sem habilitação legal, por sentença datada de 19/02/2010, transitada em julgado, em 17/03/2010; a pena foi declarada extinta, nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal.

e) No Proc. Nº 1629/07.1..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 3 meses de prisão substituída por igual período de tempo e a pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 15/12/2007, de um crime de usurpação, por sentença datada de 09/07/2010, transitada em julgado, em 20/09/2010, e na pena única, nos termos do disposto no art.º 6º do DL 48/95, de 15/03, a pena única de 250 dias de multa a taxa diária de € 5,00; a pena foi declarada extinta pelo pagamento;

f) No Proc. Nº 478/10.4..., do .. ... Criminal de ..., pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 30 períodos, pela prática, em 06/06/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 07/12/2011, transitada em julgado, em 03/09/2012; o arguido cumpriu a pena.

g) No Proc. Nº 29/16.7..., do Juízo Local Criminal de..., a pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 48 períodos, por sentença datada de 26/01/2016, transitada em julgado, em 26/02/2016, pela prática, em 11/01/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, a pena foi declarada extinta pelo pagamento.

Vejamos se, como quer o Recorrente AA, se deve desconsiderar o “relevante cadastro criminal” que o acórdão recorrido considerou.

a) No Proc. Nº 582/04.8..., do .. .. Criminal de ... (doravante designada por ...), a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 16/12/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 16/12/2004, transitada em julgado, em 13/01/2005. A pena foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária, e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

Ocorre que, antes de decorridos 5 anos sobre a extinção da pena antecedente o arguido foi condenado no processo no proc. Nº 404/09.3..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 7/6/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 20/07/2009, transitada em julgado, em 10/08/2009. Com o que, por aqui, não podia essa sua primeira condenação ser desconsiderada.

b) No Proc. Nº 404/09.3..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 7/6/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 20/07/2009, transitada em julgado, em 10/08/2009; a pena foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

Antes de decorridos 5 anos sobre a extinção da pena antecedente ocorreu nova condenação do arguido no processo no Proc. Nº 183/09.4..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 13/02/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 30/10/2008, transitada em julgado, em 18/12/2009; Com o que, por aqui, não podia essa segunda condenação ser desconsiderada.

c) No Proc. Nº 183/09.4..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 13/02/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 30/10/2008, transitada em julgado, em 18/12/2009; a pena foi declarada extinta pelo pagamento e posteriormente, declarada extinta pelo pagamento.

Antes de decorridos 5 anos sobre a extinção da pena antecedente ocorreu nova condenação do arguido no processo no proc. Nº 116/10.5..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 14 meses de prisão suspensa pelo período de 14 meses, pela prática, em 12/02/2010, de um crime condução sem habilitação legal, por sentença datada de 19/02/2010, transitada em julgado, em 17/03/2010. Com o que, por aqui, não podia essa sua terceira condenação ser desconsiderada.

d) No Proc. Nº 116/10.5..., do .. .. Criminal de ..., a pena de 14 meses de prisão suspensa pelo período de 14 meses, pela prática, em 12/02/2010, de um crime condução sem habilitação legal, por sentença datada de 19/02/2010, transitada em julgado, em 17/03/2010; a pena foi declarada extinta, nos termos do disposto no art.º 57º do Código Penal.

Antes de decorridos 5 anos sobre a extinção da pena antecedente ocorreu nova condenação do arguido no processo no Proc. Nº 1629/07.1..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 3 meses de prisão substituída por igual período de tempo e a pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 15/12/2007, de um crime de usurpação, por sentença datada de 09/07/2010, transitada em julgado, em 20/09/2010, e na pena única, nos termos do disposto no art.º 6º do DL 48/95, de 15/03, a pena única de 250 dias de multa a taxa diária de € 5,00; a pena foi declarada extinta pelo pagamento; Com o que, por aqui, não podia essa sua quarta condenação ser desconsiderada.

e) No Proc. Nº 1629/07.1..., do .. ... Criminal de ..., a pena de 3 meses de prisão substituída por igual período de tempo e a pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 15/12/2007, de um crime de usurpação, por sentença datada de 09/07/2010, transitada em julgado, em 20/09/2010, e na pena única, nos termos do disposto no art.º 6º do DL 48/95, de 15/03, a pena única de 250 dias de multa a taxa diária de € 5,00; a pena foi declarada extinta pelo pagamento;

Antes de decorridos 5 anos sobre a extinção da pena antecedente ocorreu nova condenação do arguido no processo nº 478/10.4..., do .. ... Criminal de ..., pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 30 períodos, pela prática, em 06/06/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 07/12/2011, transitada em julgado, em 03/09/2012; o arguido cumpriu a pena. Com o que, por aqui, não podia esta sua quinta condenação ser desconsiderada.

f) No Proc. Nº 478/10.4..., do .. ... Criminal de ..., pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 30 períodos, pela prática, em 06/06/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença datada de 07/12/2011, transitada em julgado, em 03/09/2012; o arguido cumpriu a pena.

Antes de decorridos 5 anos sobre a extinção da pena antecedente ocorreu nova condenação do arguido no processo no proc. Nº 29/16.7..., do Juízo Local Criminal de ..., a pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 48 períodos, por sentença datada de 26/01/2016, transitada em julgado, em 26/02/2016, pela prática, em 11/01/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, a pena foi declarada extinta pelo pagamento. com o que, por aqui, não podia esta sua sexta condenação ser desconsiderada.

g) No Proc. Nº 29/16.7..., do Juízo Local Criminal de ..., a pena de prisão substituída por prisão por dias livres, em 48 períodos, por sentença datada de 26/01/2016, transitada em julgado, em 26/02/2016, pela prática, em 11/01/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, a pena foi declarada extinta pelo pagamento e, 11/03/2017, como se extrai do CRC junto.

A partir desta condenação, transitada em 26/02/2016, decorreram já mais de cinco anos (o acórdão da 1ª instância é aqui de 19/10/2022) sem que sobre tal data tivesse sobrevindo nova condenação por sentença transitada. donde, nos termos do artigo 11º da L. 37/2015, de 05/05, se devem ter como canceladas todas as decisões condenatórias. Considerando o lapso de tempo decorrido e a ausência de decisão condenatória nesse período, deve, por via disso, ser desconsideradas todas as sentenças condenatórias referidas e integrantes do sobredito “relevante cadastro criminal.

Seja, aplicando o critério definido no art. 11.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio (e no art.º 15/1/ a) a c), da Lei n.º 57/98, de 18.8, que precedeu a Lei n.º 37/2015, Leis da Identificação Criminal), conclui-se que no decurso dos 5 anos a contar da data de extinção da pena aplicada por sentença transitada em 26/02/2016, este não foi condenado, por sentença transitada em julgado, por novo crime. Assim, deverão ser consideradas canceladas as múltiplas condenações anteriores e que consideradas foram no acórdão recorrido. Pelo que os antecedentes constantes do CRC não podiam ser valorados.

Tendo-se como canceladas todas as anteriores decisões condenatórias queda sem justificação a sua consideração pela Relação do “relevante cadastro criminal”.

E faz todo o sentido a pretensão do Recorrente de que a sua agora obrigatória desconsideração se reflita na pena aplicada. O que, a final, se fará.

5.3. Medidas das penas

Como vimos não merece censura a qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos.

Nos termos do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade são as finalidades da aplicação das penas. E, nos termos do nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. O art. 40.º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”. (in «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», Anabela Rodrigues, RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155).

Nestes termos, na esteira da esquemática formulação do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Penal Parte Geral”, I, 3ª Edição Gestlegal, 96, recorrentemente citada pelo STJ, “(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.

Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele. Na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.

Ensina Figueiredo Dias, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.” (in “Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993)

Mais à frente, esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.

Acrescenta, também, o mesmo Autor que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Claro que, sempre sem esquecer o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado, nas suas três vertentes, de necessidade, adequação e justa medida e nunca olvidando o princípio da proibição dupla valoração

As exigências de prevenção geral, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e na sua vigência (prevenção geral positiva), são muito elevadas, considerando o aumento exponencial que se tem verificado no consumo de produtos estupefacientes, sobretudo entre a população mais jovem, o qual depende necessariamente do crime de tráfico de estupefacientes. Não sendo de menosprezar o desprezo evidenciado pelos traficantes que de perto e fisicamente conhecem as trágicas consequências de quem consome. E é grande o alarme social e insegurança que nas comunidades gera o tráfico de estupefacientes.

Simas Santos e Leal-Henriques, in “Noções de Direito Penal”, 8ª ed., 187, escrevem: “(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.

No que respeita às exigências de prevenção geral, como se escreveu no acórdão de 05/02/2016, proferido no processo n.º 426/15.5JAPRT, Manuel Augusto de Matos,: “O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstrato e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública»”

São prementes as exigências de prevenção especial positiva, para reintegração dos agentes, uma vez que os arguidos recorrentes se dedicava unicamente à prática de cedência e venda de estupefacientes, actividade que só cessou com a intervenção do órgão de polícia criminal e com as suas detenções.

As exigências de prevenção especial convergem aqui com exigências de prevenção geral.

O acórdão recorrido sopesou

“elevado grau de ilicitude dos factos, indiciado na diversa natureza e na quantidade das substâncias transaccionadas e detidas pelos arguidos (estando em causa duas drogas – heroína e cocaína – com elevado poder aditivo

aferindo-se o desvalor da acção pelo fim da acção criminosa, obtenção do lucro fácil, à custa do sofrimento moral e físico de dezenas de toxicodependentes, e da família destes, ameaçando igualmente a segurança da sociedade

modo de execução do crime por banda dos arguidos

período de tempo

intensidade do dolo com que agiram, dolo directo

A circunstância de não terem revelado qualquer postura de arrependimento e de juízo crítico perante os factos,”

Como assinala o MºPº, “o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico dos recorrentes e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.”

E não deixou de ter em conta aquilo que os favorecia. A seu favor tem o arguido: “Tem evidenciado uma conduta compatível com as regras inerentes à OPHVE em execução desde 27ago2022, por desagravamento da medida de coação de prisão preventiva, aplicada no presente processo judicial.

Ainda que em abstrato, o arguido reconhece a ilicitude e censurabilidade da problemática criminal, subjacente aos presentes autos, expressando conhecimento relativamente a potenciais danos e vítimas.” E a arguida: “Ao nível sociocomunitário não são sinalizados sentimentos de rejeição e/ ou de reatividade social face à arguida. Este constituirá o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, face ao qual a arguida manifestou grande preocupação e, receio quanto ao seu eventual desfecho. Contudo, mostrou ter conhecimento do papel do sistema legal e de administração da justiça e aceitar a sua intervenção, designadamente aderir a eventual execução de medida na comunidade.

Relativamente à natureza dos factos subjacentes a este processo, expressou alguma crítica tendo, no abstrato, reconhecido a sua ilicitude, gravidade e a existência de possíveis lesados”

Assim, mantendo todo o demais, justifica-se, por via da desconsideração dos antecedentes criminais do recorrente AA, a intervenção corretiva do STJ, reduzindo a pena de seis anos para cinco anos e seis meses.

Não se justifica a redução da pena da arguida, uma vez que não se vislumbra justificação para intervenção corretiva do STJ.

Surpreendendo-se que a única diferença entre as atuações de ambos é a posição de liderança do arguido, a diferença de três meses de prisão entre uma e outra pena, satisfaz também o imperativo de justiça relativa entre as penas aplicadas.

Não se mostram violados os artigos 40º, 70º, 71º, 410º, nº 1, al. c), e 379º. al. b) nem o principio in dubio pro reo.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso do arguido AA reduzindo a pena para cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão, e negar provimento ao recurso de BB.

Custas pela Recorrente BB, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UC`s.

STJ, 08 de novembro de 2023


Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Sénio Reis Alves (Juiz Conselheiro Adjunto)

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1. Não se transcreve o não pertinente para aqui, por dizer respeito a outro arguido.

2. Não se transcreve por respeitante a outros arguidos e para aqui não pertinente.