Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A3836
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO POR IPP.
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ20071204038361
Data do Acordão: 12/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Na determinação da indemnização compensatória por danos patrimoniais futuros, as fórmulas financeiras ou tabelas de cálculo habitualmente utilizadas para a determinação do capital necessário que, diluído ao longo de tempo da vida activa e juntamente com o respectivo rendimento proporcione à vítima o rendimento perdido, não satisfazem o objectivo de indemnização reparadora, por levarem a resultados francamente insuficientes e que a realidade desmente, havendo por isso que recorrer, em último grau, à equidade.

II. Tais fórmulas ou tabelas não contemplam a tendência de melhoria do nível de vida, a ascensão da produtividade, o aumento progressivo dos salários, as despesas que por via das incapacidades geradas o lesado vai ter que efectuar e não efectuaria se não fosse a lesão, não conta com a inflação nem com o aumento da longevidade, e parte do pressuposto que a situação profissional do lesado se manteria definitivamente estática, sem progressões na carreira, e não contempla também os danos que se projectam para além da idade de reforma, designadamente aqueles em que o lesado ainda poderia continuar a trabalhar se assim o desejasse.

III. Tais tabelas ou fórmulas são no entanto úteis pela indicação do valor base a partir do qual a indemnização deve começar por ser aferida.

IV. Para quem não é Perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no Ac. de 1994.05.05 ou da Rel. de Coimbra de 1995.04.04, colocamos ao seu dispor uma tabela simples e rápida, a que se chegou pela simples aplicação do programa informático Excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo e que pode ser consultada no corpo do Acórdão.

V. A partir daí, para determinação do valor base onde deve começar a assentar a indemnização, há que multiplicar o valor índice da tabela (indicado por referência aos anos que ainda faltem para se atingir a idade de reforma) pelo rendimento anual perdido à data do acidente (grau de incapacidade no caso de IPP), vezes a percentagem de responsabilidade do lesante na produção do acidente.

VI. Nesse valor base devem deduzir-se as despesas que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse.

VII. Devem depois, numa terceira fase, entrar em equação todos os factores não contemplados nas fórmulas ou tabelas, e que são os acima indicados em II, definindo então o Juiz o montante de indemnização a fixar com recurso à equidade.

VIII. Fixados em € 110.000,00 os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma IPP de 47% a vítima de acidente de viação de 44 anos e que auferia € 698,32 mensais.

IX. O montante compensatório por danos não patrimoniais deve ser calculado em função das dores físicas e psíquicas sofridas, seu grau de profundidade e duração.

X. Atribuída uma indemnização compensatória de € 35.000,00 por danos não patrimoniais decorrentes de ter estado a vítima em situação comatosa, com grave perigo de vida durante vários dias, submetido a várias operações, internamentos, tratamentos e sequelas que se foram prolongando ao longo de meses.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório
AA intentou acção declarativa com processo ordinário contra BB , Fundo de Garantia Automóvel. pedindo - a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia global de € 232.001,31, bem como juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito alegou que no dia 8-02-1998 ocorreu um acidente de viação na E.N. 10-3, ao Km 1,300, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula QX-00-00, sua propriedade e por ele conduzido, o veículo 00-00-GV, propriedade de SI, e por este conduzido, e o veículo 00-00-GO, propriedade do 1.º R., cujo condutor após o acidente fugiu do local, não tendo sido possível proceder á sua identificação.
O 1.º R. não tinha à data do acidente qualquer seguro, sendo o respectivo condutor o único e exclusivo culpado do mesmo.
O A. sofreu traumatismos em várias partes do corpo e foi submetido a várias intervenções cirúrgicas e a dolorosos tratamentos; sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais especificando, designadamente, os danos futuros emergentes da perda de capacidade de ganho pelos quais reclama € 150.000 e os danos não patrimoniais pelos quais reclama a quantia de € 75.000.
Contestou o R. Fundo de Garantia Automóvel, tendo o processo prosseguido.
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social veio requerer a sua intervenção, deduzindo contra o FGA pedido de reembolso das prestações de segurança social pagas ao A., seu beneficiário, reclamando a quantia global de € 5.974,58
O FGA contestou também essa pretensão.
A final foi proferida sentença que condenou os RR. a pagarem ao A. a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos a quantia global de € 152.737,95, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e que condenou o FGA a pagar ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social a quantia global de € 5.974,58.
Da sentença apelou o FGA tendo o Tribunal da Relação vindo a julgar o recurso improcedente, mantendo a sentença recorrida.
De novo inconformado, pede agora o FGA Revista, vindo a apresentar as respectivas alegações.

II. Âmbito do recurso

Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC., passam a transcrever-se as conclusões das alegações de recurso do recorrente já que é aí que este deve indicar as questões a tratar e condensar os argumentos utilizados, e onde fica delimitado o âmbito do recurso:

“I - Vem o douto Acórdão recorrido confirmar a douta sentença da primeira instância que arbitrou a título de danos patrimoniais futuros, o montante de 110.000 euros, montante que se revela manifestamente excessivo para o caso em apreço.
II - Tal decisão foi fundamentada com o entendimento pelo Tribunal recorrido de que a indemnização por dano patrimonial futuro não deve ter por base, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, qualquer tabela ou cálculo aritmético, mas tão só a equidade, entendimento com o qual não se conforma o Recorrente.
III- Efectivamente, sendo verdade que o lesado ficou afectado de uma incapacidade parcial para desenvolver a sua actividade profissional, tal dano deve ser ressarcido, pois merece a tutela do direito; contudo, esta indemnização deve tomar como ponto de partida critérios objectivos sobre os quais foi produzida prova, nomeadamente o salário que auferia, os anos de vida activa restantes, a inflação, as taxas de juro, etc. caso contrário, bastaria alegar a incapacidade de que o lesado ficou a padecer e com base, unicamente, nesse dado se chegaria a um valor indemnizatório.
IV - Mas não é assim. Ao lesado compete alegar e provar que desenvolvia uma actividade antes do acidente, que auferia um salário, que idade tinha, e que, em virtude do acidente sofreu danos corporais, dos quais resultou uma incapacidade para o trabalho.
V - Razão pela qual estes dados têm que ser tomados em conta para o cálculo da indemnização a atribuir, caso contrário, de nada serviriam, pois a equidade, tudo cobre. Entende o Recorrente que, sob o escudo da equidade se atribui um valor indemnizatório que em nada tem a ver com o dano efectivamente demonstrado, sendo um valor atribuído discricionariamente.
VI – É que a fórmula matemática cuja aplicação é defendida pelo Recorrente não é uma formula descabida, desapropriada, antes partindo de critérios objectivos, válidos, e que melhor se coadunam com os princípios do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente o princípio da segurança jurídica, o tratar de forma idêntica aquilo que é idêntico.
VII - O montante atribuído começa por ser calculado na douta sentença da primeira instância, tomando com base os critérios referidos, mas, todos esses critérios são, subitamente preteridos, para, sob a capa do conceito onde tudo cabe - a equidade - ser ampliada a indemnização.
VIII - O Dano Patrimonial Futuro é quantificável, e demonstrável por cálculos, não bastando para fundamentar o montante arbitrado o recurso à equidade.
IX - Embora a Jurisprudência venha corrigindo as fórmulas de cálculo, com recurso a essa mesma equidade, a verdade é que a fórmula de cálculo é um ponto de partida e de chegada essencial, sob pena de grave injustiça relativa consoante o critério de cada julgador.
X - O simples cálculo aritmético - a utilização de uma regra de três simples, não toma em conta que o montante recebido de uma só vez gera frutos, i.e., o Autor receberá um acréscimo anual por virtude das aplicações financeiras a longo prazo.
XI - Por essa razão, a Jurisprudência tem utilizado, como fórmula de cálculo das indemnizações - para que o montante se esgote no período determinado - a que consta do Acórdão da Relação de Coimbra de 4/4/1995.
XII - Assim, adaptando aquela fórmula à nova realidade, i.e., tomando como taxa de juros a das Obrigações do Tesouro a Longo Prazo, o montante a indemnizar não é superior a 60.753,80€.
XIII - Até porque o Meritíssimo Juiz a quo, considera que o lesado tem, à sua frente, como limite de vida activa 10 anos, o que ainda limitaria o montante a atribuir, uma vez que nos cálculos que se apresenta se toma por base 20 anos até ao limite de vida activa. Partindo da premissa que o Tribunal partiu, então o montante seria de apenas metade do supra indicado, não sendo verdade o vertido na pág. 12 do douto Acórdão recorrido, pois na sentença da primeira instância a f1s. 511 é dito:
" O lesado tem à sua frente mais alguns anos (cerca de 10 anos), tendo em conta a esperança média do tempo de vida para os homens."
XIV - O que o Tribunal deve ter em conta para atribuir uma indemnização por dano patrimonial futuro é a vida activa do lesado e não a vida, pura e simples, pois, após a sua vida activa, o lesado não irá desempenhar qualquer actividade profissional, e irá receber uma pensão do organismo para o qual efectuou contribuições.
XV - Ao contrário do que vem expendido no douto Acórdão recorrido, o Recorrente encontrou vários Acórdãos deste Venerando Tribunal, onde constata que o entendimento é contrário ao defendido no Acórdão recorrido.
XVI - A título exemplificativo, o Acórdão datado de 25/05/2004, in www.dgsi.pt/:
I - A indemnização por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente deve ser avaliada como dano patrimonial e corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do tempo provável da sua vida activa.
II - No cálculo dessa indemnização a equidade funciona como elemento corrector do resultado que se atinja com base nos factos provados, eventualmente trabalhados com o recurso a tabelas financeiras ou outros elementos adjuvantes.
XVII - É que, ao atribuir o montante que atribui, verifica-se um enriquecimento injustificado do Autor, que, continuando a trabalhar, como se provou, recebe em dobro as quantias referentes ao seu salário, e ainda recebe uma indemnização por danos não patrimoniais, em virtude das dores que sofreu e ainda continua a sofrer, sendo, assim, este, um caso de enriquecimento sem causa.
XVIII - Atribui o douto Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais, o montante de 35.000 euros, montante com o qual não se conforma o Recorrente, por se manifestar desadequado e excessivo.
XIX - É que, ao comparar este, a casos de indemnização por morte, em que a jurisprudência tem entendido adequado fixar montantes da ordem dos 40.000/50.000 euros, não pode deixar de considerar-se a quantia aqui atribuída manifestamente excessiva.
XX - Conforme jurisprudência deste Venerando Tribunal datado de 12/09/2006, in www.dgsi.pt:

"Assim deverá tomar-se em conta a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a posição social deste e também a intensidade do dolo ou grau de culpa, mas nunca deve proporcionar um enriquecimento sem causa da vítima."

XXI - Deve, assim, em razão dos danos não patrimoniais sofridos pelo A., ser fixado, montante indemnizatório não superior a 20.000 euros.

XXII - O douto Acórdão condena os RR. no pagamento de juros, contados desde a citação, com o que se não conforma o Recorrente, pois entende que tal indemnização já se encontra actualizada.
XXIII - Efectivamente, consta da fundamentação da sentença, na parte em que são elencados os critérios segundo os quais deve obedecer a atribuição de tal indemnização, o seguinte:
"Conforme vem sendo entendimento da jurisprudência nos últimos anos a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do art. 496..º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar."
Ora, uma vez que existia margem relativamente ao valor total do pedido para o fazer, alcança-se que o montante indemnizatório se encontra devidamente actualizado, resultando assim, violado o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002, publicado no DR-.I-A, n.º 146, de 27-06-2002:
"Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n. o 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º n.º1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”
……………………….

Vemos assim que as questões a tratar são as seguintes:
a) determinação da indemnização por danos patrimoniais futuros;
b) determinação da indemnização por danos não patrimoniais;
c) incidência dos juros de mora
……………..

III. Fundamentação

III-A) Os factos:
Foram considerados assentes e/ou provados pelas instâncias os factos seguintes:

“1. No dia 8 de Fevereiro de 1998, cerca das 17H30 ocorreu um acidente de viação ao km 1,300 da Estrada Nacional (E.N.) 10-3, Barreiro, em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com as matrículas 00-00-GO, QX­-00-00, propriedade do autor e o seu condutor, e o veículo 00-00-GV, propriedade de SI e o seu condutor.
2. Após o acidente o condutor do veículo de matrícula 00-00-GO abandonou-­o, fugindo do local, não tendo sido possível proceder á sua identificação.
3. Foi instaurado Inquérito nos Serviços do Ministério Público do Barreiro que correu termos com o n.º 71/98.8 que terminou com despacho de arquivamento devido ao facto de não ter sido possível identificar o condutor do veículo 00-00-GO, o qual foi notificado ao autor por oficio datado de 4 de Janeiro de 2001.
4. O veículo 00-00-GO circulava na E.N. 10-3, no sentido Barreiro-Coina e os outros dois veículos, QX e GV circulavam a mesma via, este atrás daquele, no sentido oposto.
5. Ao chegar ao Km 1,300 no sentido Barreiro-Coina, o condutor do veículo GO entrou em derrapagem, despistou-se, invadindo a meia-faixa esquerda considerando o seu sentido de marcha e por onde circulavam os veículos QX e GV.
6. Os embates deram-se dentro da faixa direita da estrada, considerando o sentido de marcha Coina-Barreiro.
7. O veículo GO embateu com a frente na frente do lado esquerdo do QX e de seguida embateu na parte lateral do veículo GV.
8. Após os embates o veículo ficou com a frente virada para o delimitador da berma, no sentido Barreiro-Coina e com a traseira oblíqua ao eixo da via, cerca de trinta metros do local do embate.
9. O veículo QX ficou fora da estrada, mesmo em frente ao local do primeiro embate, com a frente virada para a estrada.
10. O veículo GV ficou na faixa direita da estrada, no sentido Coina-Barreiro, em posição paralela ao eixo da via e junto da berma desse lado.
11. O embate entre os veículos GO e QX foi violento, tendo resultado danos que tomaram a reparação inviável, com perda total, não tendo sido atribuído valor aos salvados.
12. Quando o acidente ocorreu o veículo G0 não se encontrava coberto por seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
13. O veículo G0 encontrava-se registado, á data do acidente, na Conservatória do Registo Automóvel em nome do 2° R. BB.
14. No dia do acidente chovia ou tinha chovido horas antes e o piso tinha más condições de aderência.
15. O condutor do G0 não teve cuidado na sua condução e não moderou a velocidade, não conseguindo manter o veículo na meia faixa de rodagem por onde seguia.
16. Em derrapagem e sem controlo veio invadir a faixa esquerda da mesma via, considerando o seu sentido de marcha.
17. Aí embatendo os veículos QX e GV que circulavam na sua faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha Coina-Barreiro.
18. O autor foi socorrido ainda no local do acidente por uma viatura do INEM.
19. De seguida foi levado para o Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, dando entrada inanimado nos Serviços de Urgência, pelas 18H43, onde lhe foi diagnosticado o seguinte:
- Traumatismo craniano com perda de conhecimento.
- Traumatismo do tórax com fractura do sétimo arco costal esquerdo e hemotórax.
- Traumatismo abdominal fechado com esfacelo do mesentério e hemoperitoneu.
- Traumatismo retroperitoneal com contusão do rim e hematoma retroperineal.
- Traumatismo do braço esquerdo com fractura supra e intercondiliana do úmero exposta.
- Traumatismo da mão direita com fracturas várias.
- Traumatismo do pé esquerdo com fracturas várias.
20. Na urgência o autor foi reanimado e drenado do derrame pleural.
21. Ainda no serviço de urgência foi submetido ás seguintes intervenções cirúrgicas:
-Evacuação do hemoperitoneu.
- Laparotomia com laqueação de vasos do mesentério.
- Ressecção de cerca de 30 em de intestino delgado.
- Exploração do hematoma retroperitoneal.
22. Foi tratado das feridas dos membros e colocada tracção esquelética (Tíbia).
23.No dia 8 de Fevereiro de 1998 o autor foi transferido do Serviço de Urgência para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do mesmo Hospital devido a insuficiência respiratória.
24. Na UCI estue ligado a prótese ventilatória durante 18 dias.
25. Aí fez reacção anafilática após administração de antibiótico e de concentrado eritricitário, tomografia axial computorizada crânio-encefálica que evidenciou higroma bifrontal, pequeno, e pneumonia a Stapliylococus.
26. Em 17 de Fevereiro de 1998, na UCI foi submetido a nova intervenção cirúrgica: torocotomia e fixação da fractura do 7° arco costal esquerdo.
27. No dia 18 de Fevereiro, na UCI, foi submetido a outra intervenção cirúrgica ao cotovelo esquerdo, com fixação com fios de Kirschener e a osteossíntese com DCS da fractura cominutiva supra intercondiliana de fémur esquerdo.
28. No décimo quarto dia de internamento na UCI o autor foi submetido a broncofibroscopia que evidenciou alterações inflamatórias acentuadas.
29. O autor esteve internado na UCI durante 22 dias, e em 3 de Março de 1998 o autor teve alta da UCI e foi transferido para o recobro de Serviço Geral de Cirurgia.
30. Neste serviço o autor continuou a sua recuperação com tratamento diário de fisioterapia e apoio continuado por Pneumologia e Ortopedia.
31.O autor voltou á sua actividade profissional de empregado de comércio em 20 de Janeiro de 2000.
32. O FGA avaliou o veículo do autor em 450.000$00, não atribuindo qualquer valor aos salvados, o que foi aceite pelo autor.
33. Por carta de 26 de Novembro de 1999, o FGA enviou ao autor um recibo de indemnização no valor de 390.000$00, correspondente ao valor do veículo deduzido do valor de 60.000$00 de franquia, que o autor aceitou.
34. O autor como resultado do acidente ficou com uma consolidação viciosa da fractura supra e intercondiliana do úmero com destruição das superfícies articulares e desvio em varo, da fractura supra e intercondiliana do fémur esquerdo com DCS, paquipleurite residual do hemitórax esquerdo e pé cavo à esquerda por consolidação viciosa da mediotársica.
35. O autor á data do acidente tinha 44 anos de idade.
36. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou ao autor subsídio de doença no valor de 5.795,01€ no período compreendido entre 8/02/1998 e 24/04/1999, e pagou de subsídio de Natal a quantia de 179,57€.
37. A velocidade do veículo GO, nos momentos que antecederam o acidente, era superior a 90 Km/hora.
38.O veículo GO circulava numa curva para esquerda.
39. A via no local tem 7,5 m de largura.
40. O piso estava molhado.
41.Havia trânsito em sentido contrário.
42. O A. teve alta hospitalar no dia 1 de Abril de 1998.
43. O A. esteve no Serviço de Ortopedia, em consulta externa, nos dias 8/05, 19/06 e 6/11 de 1998, e nos dias 7/04, 5/05 e 24/11 de 2000.
44. O autor submeteu-se a várias consultas, em regime ambulatório de Cirurgia Geral, Pneumologia e Neurologia.
45. Até ao início de Maio de 1998 o A. só se deslocava de cadeiras de rodas.
46.A partir do início de Junho de 1998 o autor passou a deslocar-se com o auxílio de canadianas e assim andou durante mais de um mês.
47.O A. passou a usar bengala que só deixou em Agosto de 2000.
48.As fracturas que o autor sofreu consolidaram em 20 de Janeiro de 2000.
49. Em 30 de Março de 2000 o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica para remoção do material de osteosíntese.
50. De 8/02/1998 a 20/04/1999 o autor não exerceu qualquer tarefa profissional.
51. Só conseguia fazer a sua higiene pessoal com a ajuda da mulher.
52. Durante esse período o autor esteve quase sempre acamado ou em repouso absoluto, apenas dando pequenos passos com a ajuda de outra pessoa.
53. No Hospital de Nossa Senhora do Rosário o autor submeteu-se a 206 tratamentos de medicina fisica e de reabilitação.
54. No que gastou 21.950$00.
55. E compareceu a 21 consultas de Fisiatria, na Urgência, de Ortopedia, de Cirurgia, de Medicina Interna, de Neurologia e Pneumologia.
56. No que gastou 9.200$00.
57. O autor deslocou-se ao Hospital de S. José para duas consultas externas, em 22/04 e 18/05 de 1999, no que gastou 1.200$00.
58. No HNSR o autor submeteu-se a exames complementares de diagnóstico e terapêutica, no que gastou 10.300$00.
59. O autor fez tratamentos de Fisiatria na Clínica Fisiátrica da Quinta Pequena no Barreiro, no que gastou a quantia de 64.600$00.
60. O autor fez várias consultas no Centro de Saúde da Graça da Associação Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, no que gastou 6.000$00.
61. O autor deslocou-se de táxi e de outros meios de transporte de sua casa para locais onde tinha de se apresentar ás consultas, exames ou tratamentos, e regresso a casa, no que gastou 22.675$00.
62. Com o aluguer de uma cadeira de rodas o autor gastou 25.398$00.
63. Com a aquisição de uma arrastadeira o A. gastou 1.700$00.
64. Com a compra das canadianas o autor gastou 4.800$00.
65. Em produtos ortopédicos para recuperação dos movimentos e funções dos membros afectados e em medicamentos, o autor gastou 137.673$00.
66. Por uma consulta de Ortopedia o autor gastou 10.000$00.
67. E por um relatório clínico de avaliação dos danos resultantes do acidente o autor pagou 30.000$00.
68. O autor pagou a J. Lopes pela guarda do seu veículo acidentado, em parque fechado, desde 8/02/1998 até Setembro de 1999, a quantia de 111.150$00.
69. O autor trabalhava como empregado de comércio auferindo mensalmente a quantia de 120.000$00, a que acresciam 20.000$00 de gratificação certa e permanente.
70. No período compreendido entre 8/02/1998 e 24/04/1999 a Segurança Social pagou ao autor 65% do seu vencimento (deixou de auferir a quantia de 653.000$00).
71. No mesmo período o autor não recebeu a sua gratificação mensal (deixou de receber).
72. O autor ainda hoje apresenta anquilose do cotovelo esquerdo a 1300 com desvio em varo.
73. As sequelas permanentes do acidente determinaram-lhe uma incapacidade geral permanente parcial de 47%.
74. O autor sofreu dores e temor quanto á sua sobrevivência.
75. Teve várias lesões, todas de grande gravidade.
76. Suportou um longo e incómodo período de internamento hospitalar, assim como múltiplos e dolorosos tratamentos ambulatórios, nomeadamente de fisioterapia.
77. Foi submetido a pelo menos oito cirurgias todas com anestesia geral.
78. O autor esteve em perigo de vida.
79.O autor até então era pessoa saudável.
80. Praticava desporto, designadamente, futebol e corrida.
81. Em consequência das lesões sofridas ficou fisicamente limitado para sempre.
82. O autor perdeu a alegria de viver.
83. Cansa-se facilmente, e o andar provoca-lhe dores no pé esquerdo. 84. Custa-lhe a ficar de pé.
85.O autor receia que as lesões se agravem com o passar dos anos.
86. Do acidente resultaram para o autor as seguintes sequelas permanentes:
- Paquipleurite á esquerda com dispneia de esforço.
- Cicatriz de laparotomia ediana dolorosa.
- Consolidação viciosa da fractura supra e inter condiliana do fémur esquerdo com hidartrose do joelho.
87. E mostra hoje:
- Cicatriz externa da toracotomia esquerda
- Cicatriz da laparotomia mediana
- Cicatriz incisicional da face anterior externa da coxa esquerda
- Dismetria de 2,5 cm por encurtamento do membro inferior esquerdo
- Pé cavo à esquerda com rigidez não redutível.
III. –B) Análise do recurso

III-B)-a) Da indemnização por danos patrimoniais futuros

O Acórdão recorrido confirmou a Sentença da Primeira instância onde fora fixada, a título de danos patrimoniais futuros, a indemnização de € 110.000,00.
O recorrente FGA entende que tal montante é largamente excessivo, entendendo-o até como um enriquecimento injustificado, na medida em que substancialmente se afasta do montante objectivo a que chegaria através das fórmulas de cálculo ou tabelas financeiras, que, para o caso em presença se traduziria, segundo refere, no montante de € 60.753,80.
Pois bem:
Refere-nos o art. 564.º-1 do CC. que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
De acordo com o disposto no art. 564.º-4 do CC. o dano ressarcível é também o dano futuro, desde que previsível, pelo que não é apenas o prejuízo causado a nível de repercussão de perda de rendimentos de trabalho até se atingir a idade de reforma, mas todos os outros danos para além dela.
Daí que, mesmo naquelas situações em que a IPP se não traduza na perda de remuneração efectiva no momento, nem por isso deixe de ser contemplada em termos de danos futuros (Ac. do STJ de 2004.05.27, Revista n.º 1720/04, 2.ª secção) (1), pelas necessárias repercussões que o esforço suplementar exigido irá trazer em termos de desgaste, limitações e condições de saúde previsíveis, como também pelas consequências decorrentes de ver mais ameaçada a progressão na carreira e a protecção ao emprego, assim como aqueloutras, pela negativa, de ficar o lesado impedido/obrigado a privar-se de efectuar serviços ou tarefas que ele próprio efectuaria se não tivesse ocorrido o acidente, para passar a ter de os solicitar, gratificar ou pagar a terceiros, em termos futuros – o que tudo se traduz em perdas patrimonais.

Ora, em termos de danos futuros atinge especial relevância a incapacidade parcial permanente, quando esta assume uma taxa elevada.
Podemos pois dizer que as linhas vectoriais da jurisprudência aqui reinante, em matéria de indemnização por IPP, assenta de forma bastante generalizada, nas seguintes ideias:
a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido;
b) a esse valor deve ser deduzido uma parte correspondente àquela que o lesado já despendia consigo próprio antes da lesão;
c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade.
Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC.
Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo) , à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes.

Pois bem:

Começando pela aplicação de métodos objectivos, como primeiro vector, tem sido proposta a fórmula matemática utilizada pelo Ac. do STJ de 1994.05.05,(2) ou o Ac. da Relação de Coimbra de 1995.04.04,(3) mas cuja aplicabilidade prática tem sido dificultada pelo facto de serem poucos os Juízes ou Advogados que têm os conhecimentos matemáticos suficientes para lidar com a complexidade de tais fórmulas.

Apresentou, por isso, o aqui Relator, há vários anos, quando ainda estava na Relação do Porto, um trabalho prático, com uma tabela acessível a qualquer jurista ou cidadão, que, em seu entender permite através de operações aritméticas simples, chegar a resultados muito semelhantes na determinação da indemnização da IPP, como dano patrimonial futuro, tendo apenas como suporte a aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05, (já acima citado), e que foi construída tendo como referência a atribuição de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo e prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro.(4)
Apesar de estar já publicada em vários outros Acórdãos e divulgada noutros locais, aqui se transcreverá a tabela, resultado dessa aplicação informática, indicando-se, num lado, a idade que ainda falta para ser atingido o fim previsível para se atingir a idade de reforma, e do outro o factor índice.
Pegando pois no factor índice correspondente, deve ser ele multiplicado pelo rendimento anualmente auferido à data do acidente e novamente multiplicado pela percentagem de IPP, e, assim, de uma forma simples e expedita, se obtém o capital necessário que, diluído com os rendimentos que ele próprio for gerando, proporcione ao lesado, até à sua idade de reforma, o valor correspondente ao valor perdido.
No caso de haver concorrência de culpas entre lesante e lesado, haverá no entanto que dividir as responsabilidades consoante a respectiva proporção. (5)

A) ---- B)
(anos) ---- (factor)

1 ----- 0,97087
2 ----- 1,91347
3 ----- 2,82861
4 ----- 3,71710
5 ----- 4,57971
6 ----- 5,41719
7 ----- 6,23028
8 ------ 7,01969
9 ----- 7,78611
10 ----- 8,53020
11 ----- 9,25262
12 ----- 9,95400
13 ----- 10,63496
14 ----- 11,29607
15 ----- 11,93794
16 ----- 12,56110
17 ----- 13,16612
18 ----- 13,75351
19 ----- 14,32380
20 ----- 14,87747
21 ----- 15,41502
22 ----- 15,93,692
23 ----- 16,44361
24 ----- 16,93554
25 ----- 17,41315
26 ----- 17,87684
27 ----- 18,32703
28 ----- 18,76411
29 ----- 19,18845
30 ----- 19,60044
31 ----- 20,00043
32 ----- 20,38877
33 ----- 20,76579
34 ----- 21,13184
35 ----- 21,48722
36 ----- 21,83225
37 ----- 22,16724
38 ----- 22,49246
39 ----- 22,80822
40 ----- 23,11477
41 ----- 23,41240
42 ----- 23,70136
43 ----- 23,98190
44 ----- 24,25427
45 ------ 24,51871
46 ----- 24,77545
47 ------ 25,02471
48 ----- 25,26671
49 ----- 25,50166
50 ----- 25,72976

Debrucemo-nos então sobre o caso concreto:

Dados a considerar:

Idade da vítima: 44 anos.
Anos até atingir a reforma: 65-44= 21 anos
Factor correspondente na tabela indicada, aos 21 anos = 15,41502
Rendimento anual auferido pelo A., à data do acidente: 140.000$00 x 14 = 1.960.000$00
Taxa de IPP: 47%
Grau de concorrência da vítima para a lesão : Nenhuma

Operações a realizar:

Apenas estas:

1.960.000$00 x 15,41502 x 47%, o que vem a dar 14.200.482$00, ou seja, € 70.831,71
……………..

Atingida esta primeira fase, há que descontar a importância que o lesado gastaria com ele próprio, mesmo não havendo acidente.
Tem-se vindo a entender que, à falta de dados objectivos que suportem melhor critério, esse valor deve corresponder a uma percentagem que se situe entre o 1/3 e 1/4 dos rendimentos, consoante a pessoa em causa seja solteira ou casada.
Assim, tendo em conta que o A. é casado, fazemos incidir a percentagem de 1/4 de dedução sobre aquele valor, o que vem a dar
€ 53.123,782 [(€70.831,71-( € 70.831,71 x ¼ )]

………………

Aqui chegados, entramos na 3.ª fase, ou seja, naquela em que há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo:
- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma; (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela);
- o de ela não contemplar a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
- o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade.;
- o de não contar com a inflação;
- o de não contemplar as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;
- e o facto de todo o cálculo ser feito na base de que o trabalhador ficaria sempre a auferir aquele salário e que não teria progressão na carreira, ou seja, num completo congelamento da progressão profissional.

Daí que, como dissemos, a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório.

Tendo em conta que na sociedade portuguesa a perspectiva de longevidade dos homens está neste momento nos 73/74 anos, com tendência para subir(6) conclui-se que, para além da idade de reforma aos 65 anos, pela ordem natural das coisas, e a seguir essa tendência, viva o lesado por mais 9 ou 10 anos, período em que as suas limitações e situações de dependência mais se acentuarão.
Considerando que o lesado em nada contribuiu para o acidente de que foi vítima, consideramos que o montante de indemnização atribuído a título de danos futuros (€ 110.000,00 ) foi um valor equilibrado, e que não foge aos padrões que têm vindo a ser utilizados em recente Jurisprudência deste Tribunal para situações semelhantes.

III-B)-b) Dos danos não patrimoniais

O Acórdão recorrido fixou em € 35.000,00 o montante da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, confirmando o decidido na primeira instância.
O recorrente, no entanto, entende que deveria essa indemnização ficar-se num valor não superior a € 20.000,00

Também aqui não reconhecemos razão ao recorrente, dada a extensão dos sofrimentos e a gravidade das sequelas, que, vão muito para além do que é habitual, quando o lesado sobrevive:
Os sofrimentos e as sequelas foram enormes e prolongados, indo várias delas acompanhar o A. ao longo da sua vida e com grande intensidade.

Tal como referido no Ac. deste Tribunal de 19-10-2004 - Revista n.o 2897/04 - 6.a Secção (7), II. “As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, "valem" hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tomam mais próximos toda a sorte de riscos - riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, particularmente a do art. o 70 do Código Civil.”
Bem sabemos que nesta matéria, tal como observado no Acórdão citado, “ É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes.”

Tendo em conta que o Autor esteve em perigo de vida, entrou já inanimado nos Serviços de Urgência, com
- traumatismo craniano com perda de conhecimento,
- traumatismo do tórax com fractura do sétimo arco costal esquerdo e hemotórax,
- traumatismo abdominal fechado com esfacelo do mesentério e hemoperitoneu,
- traumatismo retroperitoneal com contusão do rim e hematoma retroperineal, - traumatismo do braço esquerdo com fractura supra intercondiliana exposta do úmero,
- traumatismo da mão direita com fracturas várias,
- traumatismo do pé esquerdo com fracturas várias;
Tendo em conta que
- foi drenado do derrame pleural,
- foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas,
- submetido a mais de duas centenas de múltiplos e dolorosos tratamentos,
- que esteve larguíssimo tempo acamado, para só depois passar a andar em cadeira de rodas, depois apoiado por pessoas, só depois com canadianas e por fim de bengala , ficando com gravíssimas lesões que o acompanharão ao longo da vida;
Tendo em conta que em consequência das lesões sofridas
- ficou visivelmente limitado para sempre,
- perdendo a alegria de viver,
- cansando-se facilmente
- deixando de praticar futebol, que antes lhe dava prazer
- e receando que as lesões se agravem com o tempo,
não podemos de forma alguma considerar exagerado o montante atribuído de € 35.000,00 por referência à data da Sentença, para de algum modo compensar os danos não patrimoniais (absolutamente insusceptíveis de reparação). (8)
É que na verdade, são raras as situações em que morte rondou tão perto e em que o grau de sofrimento pela vitória sobre ela foi tão custosa.
Nada de admirar, portanto que o montante compensatório (não reparatório – porque esse nada há que pague) tenha sido colocado num valor muito próximo daquele que tem vindo a ser atribuído pelo dano morte.

………………………

III-B)-c) Da incidência de juros moratórios

Na petição inicial o A. formulou o pedido de condenação dos RR. em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

A Sentença, no entanto, nada referiu quanto à actualização ou não dos danos de natureza não patrimonial, fixando juros a contar da citação, tal como fora pedido.

A Relação aceitou essa decisão (ocorrida em 2003).

Tendo em conta que foi esse o pedido formulado (art. 660.º-1 do CPC) e que inexiste fundamento legal para se presumir judicialmente que tenha havido actualização,(9).
O Acórdão uniformizador de Jurisprudência . n.º 4/2002, de 2002.05.09, publicado no DR-I-A de 2002.06.27, não está assim posto em causa, pela simples razão de que nada permite concluir por ter sido efectuada actualização.(10)
Os valores encontrados estão de resto de acordo com os montantes de indemnização a atribuir tendo como referência o pedido nos termos em que foi formulado.

Vencem portanto juros desde a citação- art. 805.º-3 do CPC. (11).

Nenhuma censura temos portanto a fazer ao douto Acórdão recorrido, que interpretou e aplicou correctamente o Direito.

Em face do exposto, a Revista terá de ser negada.


IV. Decisão.

Na negação da revista, confirma-se o douto Acórdão recorrido.
Sem custas na apelação, por delas estar isento o FGA.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2007

Mário Cruz ( relator)
Garcia Calejo
Faria Antunes

________________________________
(1) Noronha Nascimento, Ferreira de Almeida, e Abílio Vasconcelos, in www.STJ.pt/Jurisprudência temática/danos futuros
(2) Costa Raposo (Relator), Mário Cancela e Figueiredo de Sousa, in Colectânea de Jurisprudência do STJ , ano II, tomo II, pg. 86 e ss
(3) Silva Graça (Relator), Varela Rodrigues e Francisco Lourenço, in Colectânea de Jurisprudência, 1995, tomo II, pag.26
(4)Esta tabela foi construída com o apoio do Eng.º Pedro Cruz, licenciado em Gestão Industrial, pela FEUP
(5)Publicamos abaixo o resultado a que se chegou, depois da aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ, no Acórdão de 1994.05.05
[Na coluna A) vão indicados os anos em falta para se atingir a idade de reforma; Na coluna B) vai indicado o Factor índice respectivo]
(6) De acordo com as estatísticas produzidas pela ONU a expectativa de vida para os nascidos em Portugal entre 2000 e 2005 é de 73 anos para os homens e de 80 para as mulheres. No cimo da tabela estava a Islândia, a Suécia e o Japão, onde a esperança de vida para os homens se situava nos 78 anos – referência retirada do Ac do STJ de 2006.11.07, Revista n.º 3349/06-1.ª, Sebastião Povoas, Moreira Alves e Alves Velho.
(7) Nuno Cameira (Relator), Sousa Leite e Salreta Pereira, in www.STJ.pt./Jurisprudência temátiva/danos futuros
(8)Ac STJ de 2006.12.19, Revista n.º 4204/06, 2.ª, Oliveira Rocha, Duarte Soares e Ferreira Girão
(9) Ac. de 2004.01.22, Revista n.º 3704/03-2.ª, Bettencourt de Faria, Moitinho de Almeida e Ferreira de Almeida;
(10) Ac. STJ de 2004.02.26, Revista n.º 410/04-7.ª, Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís;
Concluía pela forma seguinte:
“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou por risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art. 566.º do CC., vence juros de mora por efeito das disposições conjugadas dos arts. 805.º-3 (interpretado restritivamente) e 806.º-1, também do CC., a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
(11) Ac do STJ de 2004.07.13, Revista n.º 2616/04-7.ª Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís.