Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1371/15.0T8VRL.G1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: DESPACHO
Data da Decisão Sumária: 06/22/2023
Votação: ---
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DESPACHO
Sumário :
Decisão Texto Integral:



I –Artebetão- Betão e Rochas. SA, Expropriada nos autos de expropriação em que é Expropriante Auto-Estradas XXI – Subconcessionária Transmontana, SA, nos termos do artigo 643.º, do Código de Processo Civil (doravante CPC), apresentou reclamação do despacho de não admissão do recurso que interpôs do acórdão, de 09-02-2023, proferido pelo tribunal da Relação de Guimarães, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença que, julgando totalmente improcedente o recurso interposto pela Expropriada, fixou a indemnização em €5456,90.

A Reclamante pugna pela admissibilidade do recurso por considerar que constituindo o objecto da revista matéria que, pela primeira vez, foi suscitada na Relação (visando o modo como o tribunal usou os poderes que a lei lhe atribuiu quanto à matéria de facto, violando as normas processuais dos artigos 640.º a 662.º, do CPC), não ocorre qualquer coincidência entre a decisão da 1ª instância e o acórdão recorrido, encontrando-se arredada a dupla conforme impeditiva da revista.

II. A decisão de não admissão do recurso pelo tribunal a quo assentou na existência de dupla conformidade das decisões das instâncias.

           

III. A Reclamada defende a manutenção da decisão de não admissão do recurso de revista face ao regime consagrado no artigo 66.º, n.º5, do Código das Expropriações, que veda o acesso ao Supremo dos acórdãos da Relação que fixem o valor da indemnização devida em processo de expropriação por utilidade pública, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível.

Segundo a Reclamada, não estando em causa nos autos qualquer das situações previstas no n.º2 do artigo 629.º do CPC, mostra-se legalmente inadmissível recurso de revista no presente caso.

IV. A questão colocada na presente reclamação reporta-se, pois, à admissibilidade do recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo tribunal da Relação, no âmbito de processo de expropriação por utilidade pública, que asseverou a sentença de 1.ª instância, que julgou improcedente o recurso interposto do acórdão arbitral, fixando a indemnização num total de €5456,90 (valor de €4365,52 pela parcela expropriada e de €1091,38 pela desvalorização das parcelas sobrantes).

Assim sendo, a decisão de (in)deferimento da admissibilidade do recurso de revista não pode deixar de assentar no disposto no artigo 65.º, do Código das Expropriações, que, expressamente, afasta a possibilidade de recurso para o STJ, excepcionando as situações em que o recurso é sempre admissível, que se mostram configuradas nas várias alíneas do n.º2 do artigo 629.º do CPC.

Vejamos.

1. Conforme constitui entendimento pacífico, designadamente na jurisprudência deste tribunal, o processo de expropriação, enquanto processo especial, constitui uma das situações legais de derrogação do princípio geral da recorribilidade das decisões[1], porquanto, nos casos em que esteja em causa a fixação da indemnização atribuída (independentemente dos fundamentos – de direito ou de facto – em que assenta a discordância do recorrente), encontra-se estabelecida a limitação do recurso para o STJ, funcionando o tribunal da Relação, em princípio, como última instância recursiva[2].

Todavia, na sequência, aliás, de outros casos especiais[3], a lei não deixou de acautelar a viabilidade do recurso para o STJ, restringindo-o para os casos em que, no entender do legislador, se justificava o acesso a este tribunal, reservando a intervenção do mesmo para apreciação de determinadas questões, que elencou nas várias alíneas do n.º2 do artigo 629.º do CPC.

Trata-se de situações especiais de admissibilidade da revista, que a lei prevê a latere da revista normal, mostrando-se, por isso, alheias à existência ou não de conformidade decisória das instâncias (impeditiva da admissibilidade da revista normal), uma vez que escapam ao regime da revista normal.

Assim delineados, estes casos (especiais) de admissibilidade da revista não têm cabimento no fundamento de recurso invocado pela Recorrente consubstanciado em inadequado uso do poder de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação.

Com efeito, ainda que pacificamente aceite (quer na doutrina, quer na jurisprudência) que sempre que esteja em causa na revista a sindicância do (in)adequado uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, inexiste sobreposição decisória caracterizadora da dupla conformidade de julgados impeditiva da revista normal[4], tal entendimento não tem aplicação nas situações em que a admissibilidade da revista se encontra confinada nas alíneas do n.º2 do artigo 629.º do CPC, porquanto, sublinhe-se, tal elenco reporta-se a casos especiais de admissibilidade do recurso de revista fora do âmbito da revista normal[5].

2. Tendo presente que, de acordo com o n.º2 do artigo 65.º do Código das Expropriações, a admissão da revista dependeria da verificação de qualquer das situações em que o recurso para o STJ é sempre admissível, perante o fundamento da pretendida revista, que foi invocado pela Recorrente – errónea aplicação do disposto nos artºs 639 e 640 do CPC, pelo tribunal da Relação –, dado que o mesmo não assume cabimento em nenhuma daquelas situações, não tendo aplicação, no caso, o n.º2 do artigo 629.º do CPC, mostra-se excluída a admissibilidade da revista.

V - Nestes termos, ainda que por fundamento diverso, mantém-se a decisão reclamada de não admissão de recurso.

Custas do incidente pela Reclamante, fixando-se em 3 Uc´s a taxa de justiça.

Lisboa, 22 de Junho de 2022

Graça Amaral

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[1] No caso do processo de expropriação, a limitação do recurso encontra fundamento na estrutura do referido processo, determinada pelo facto de se considerar como verdadeira decisão judicial o acórdão dos árbitros; nessa medida, está garantido às partes o acesso aos normais três graus de jurisdição: decisão arbitral, recurso para o Tribunal da Comarca e recurso para a Relação.
A este respeito, refere o acórdão do STJ de 04-05-2010, proferido no âmbito do Processo n.º3272/04. 8TB.VISC.1.S.1, “é um facto que a Constituição da República Portuguesa não proíbe a consagração de um quarto grau de jurisdição, mas também é verdade que não há na Lei Fundamental disposição alguma que o estabeleça, sendo que nada justifica que em matéria de expropriações - onde estão em jogo meros interesses materiais - houvesse a possibilidade de as partes recorrerem a um quarto grau de jurisdição, quando o mesmo não acontece em ações de indemnização contra a vida, o direito à integridade pessoal ou o direito ao bom nome e reputação, dos mais importantes na hierarquia de valores de valores característica da nossa cultura e civilização (…)”, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[2] Cfr. entre outros, o acórdão deste tribunal de 22-04-2021, Processo n.º 1994/06.8TBVNG.P1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[3] Restrição de recorribilidade prevista no artigo 370.º, n.º 2, do CPC (de acordo com o qual a decisão proferida nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível) determinada não só por questões de celeridade, como pela natureza provisória das respectivas decisões.
[4] Porquanto, a decisão proferida pelo tribunal da Relação reportada ao cumprimento dos requisitos do 640.º do CPC, constitui uma decisão nova não ocorrendo a dupla conformidade decisória das instâncias quanto à mesma questão fundamental de direito.
[5] Cfr. acórdão de 18-01-2022, proferido por este tribunal (1560/13.1TBVRL-M.G1.S2 a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ), em cujo sumário se refere: “Ainda que o fundamento recursivo relativo ao desrespeito do regime adjetivo contido no art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, descaracterize a dupla conformidade decisória, para efeitos de restrição da admissibilidade da revista, a apreciação de tal questão exorbita as situações em que, nos termos do regime previsto no art. 629.º, n.º 2, do CPC, o recurso é sempre admissível”. Embora a norma aplicada neste aresto tenha sido o artigo 370.º, n.º2, do CPC, o entendimento defendido assume pleno cabimento no caso sob apreciação face à norma a considerar: artigo 65.º, n.º2, do Código das Expropriações.