Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1650/18.4JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: BURLA QUALIFICADA
CONCLUSÕES
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO PARCIAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Não é de rejeitar o recurso em que o recorrente formulou conclusões idênticas às que apresentara no recurso da decisão da 1.ª instância para a Relação, repetindo a mesma motivação, não devendo ser equiparada à sua falta.
II - Visto o teor do acórdão do tribunal da Relação, ora recorrido, verifica-se que no mesmo foram analisadas e decididas, as questões colocadas e identificadas pelo recorrente no recurso para aquele tribunal, tendo confirmado integralmente a decisão da 1.ª instância e pronunciando-se sobre todas as questões – incluindo a utilização de prova proibida e o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 1.º e 53.º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017, de 18/08 – que o recorrente também coloca no recurso para o STJ.
III - Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP não é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares aplicadas, porquanto se está perante decisão da Relação confirmativa de condenação proferida na 1.ª instância que aplicou penas de prisão não superiores a 8 anos.
IV - O recurso interposto restringe-se ao conhecimento da pena conjunta (única) de 10 anos de prisão aplicada ao arguido e, não devia ter sido admitido na parte respeitante à medida das penas parcelares que lhes foram aplicadas, verificando-se dupla conforme, pelo que, nessa parte, deve ser rejeitado.
V - O CPP impõe regras de excepção relativamente a casos de não admissão de recurso das decisões proferidas pelas Relações, tal como expressamente dispõe o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, a saber: não é admissível recurso de acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso quando se verifique que a decisão condenatória de 1.ª instância, que aplicou pena de prisão não superior a 8 anos, foi confirmada pelo tribunal da Relação.
VI - O recurso não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões com elas conexas e com os respetivos crimes, designadamente as nulidades, os meios de prova, as inconstitucionalidades, bem com a qualificação jurídica dos factos ou forma do seu cometimento.
VII - Sendo rejeitado o recurso relativamente a esta matéria, fica também precludida a apreciação da questão de aplicação, neste mesmo domínio, dos poderes de cognição correspondentes à chamada “revista alargada”, estabelecidos no art. 410.º do CPP.
VIII - Mantendo a condenação do arguido na pena única de 10 anos de prisão – encontrada numa moldura penal que varia entre os 5 anos e 6 meses e os 25 anos de prisão –, bem andou a Relação, por serem muito elevadas as exigências de prevenção especial, a levar em conta na determinação da pena, dada a evidente propensão criminosa do arguido, assim se concluindo que são muito fortes as exigências da prevenção geral, pela frequência das condutas e a necessidade de salvaguardar os bens jurídicos inerentes aos crimes contra o património.
Decisão Texto Integral:

Recurso Penal


Processo: n.º 1650/18.4JAPRT.P1.S1


5ª Secção Criminal





Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA (AA), foi condenado, por acórdão de 18/05/2022, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - J... ., neste Proc. n.º 1650/18.4JAPRT, nas seguintes penas:


A - Julgar a acusação e a pronúncia procedentes, por provadas, pelo que, consequentemente:


1. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, als. a) e b), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (I);


2. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (II);


3. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (III);


4. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (IV);


5. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (V);


6. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (VI);


7. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (VII);


8. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (VIII);


9. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (IX);


10. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (X);


11. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XI);


12. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (XII);


13. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XIII);


14. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (XIV);


15. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XV);


16. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão (XVI);


17. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (XVII);


18. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (XVIII);


19. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XIX);


20. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XX);


21. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão (XXI);


22. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (XXII);


23. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, als. a) e b), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão (XXIII);


24. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (XXIV);


25. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (XXV);


26. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (XXVI);


27. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (XXVII);


28. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XXVIII);


29. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XXIX);


30. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão (XXX);


31. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos pontos 1º a 30º deste dispositivo, condenam o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão;


32. Condenam o arguido AA no pagamento das custas criminais do processo, com quatro UCs de taxa de justiça,26 ao abrigo do disposto nos artgs 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2; e 524º, todos do CPP, bem como nos termos dos artgs 1º, nº 1; 2º; 3º, nº 1; 5º, nº 1; 8º, nº 9; e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III).”.


Esta decisão condenatória foi confirmada pelo Ac. de 09/11/2022, do Tribunal da Relação do Porto, conforme o acórdão, ora recorrido, Ref.ª Cítius n.º 16280670.

2. Inconformado, o arguido AA vem agora interpor recurso desse aresto condenatório, condensando-se a respectiva motivação nas seguintes conclusões:


I. Da violação da al. c) do n.º 1 do art.º 379.º, aplicável ex vi do disposto no n.º 4 do art.º 425.º, do n.º 3 do art.º 417.º, todos do CPP, e do no n.º 1 do art.º 32.º da CRP:


1. De acordo com o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o Arguido não cumpriu com o dever de alegar com respeito pelo disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do CPP.


2. Percorrido o recurso interposto pelo aqui Arguido, urge salientar que o mesmo cumpriu, em sede de motivação, não só com o ónus que lhe era imposto de especificar as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida, mas também com a obrigação de explicitar por que razão a análise daquela prova impunha uma decisão diversa da recorrida para, mais à frente, agora no âmbito das suas conclusões apenas salientar aquilo que no seu entendimento deveria ter sido a matéria de facto proferida.


3. Se bem interpretamos a fundamentação assente no Acórdão recorrido, aquilo que verdadeiramente determinou o indeferimento liminar do recurso interposto, pelo menos na parte que versou sobre a impugnação da matéria de facto, apresenta como único e exclusivo fundamento a circunstância do dito sujeito processual ter transcrito de forma integral, e não parcial ou limitada, as provas produzidas que invocou.


4. Se o Arguido procedeu à transcrição integral dos depoimentos prestados por diversos ofendidos, assistentes e testemunhas, referenciando não só os respetivos intervenientes e suportes, mas também o início e fim de cada gravação e depoimento, não o fez por lhe ser mais cómodo, mas antes para facilitar o próprio labor do Tribunal da Relação do Porto, bem como para não ser acusado de ter selecionado sagazmente os trechos das gravações que lhe eram mais convenientes.


5. De igual modo, não se pode escamotear que o Tribunal recorrido deixou de praticar determinados atos que lhe eram legalmente impostos, visto que nos termos da primeira parte do n.º 3 do art.º 417.º do CPP, se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art.º 412.º, o relator convida – convite este que foi omitido – o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias.


6. Torna-se assim imperioso concluir no sentido de que o Acórdão aqui posto em crise, ao não conhecer do recurso interposto pelo aqui Arguido na parte referente à impugnação da matéria de facto dada como provada, ou, em alternativa, ao não ter convidado o recorrente a suprir as eventuais falhas das conclusões formuladas, incorreu em omissão de pronúncia, por força da al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, aplicável ex vi do disposto no n.º 4 do art.º 425.º do CPP, violando o direito constitucional do Arguido ao recurso previsto no n.º 1 do art.º 32.º da CRP, tornando, em consequência, o mencionado Acórdão nulo.


II. Da violação da primeira parte da al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP:


7. Uma vez mais, vai invocada a nulidade do Acórdão aqui posto em crise, à luz da primeira parte da al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, isto é, por contradição insanável da fundamentação, entre os factos dados como provados no ponto 158 e 159.


8. Por conseguinte, e apesar da verificação de um dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP desencadear a supressão do mesmo pelo Tribunal de recurso, nos termos do art.º 434.º do CPP, a competência do Supremo Tribunal de Justiça encontra-se restrita à matéria de direito, motivo pelo qual deverá ser anulado o julgamento, bem como ser reenviado o presente processo para novo julgamento que aprecie em concreto a presente questão.


III. Da violação do n.º 1 e 3 do art.º 358.º e, segunda parte da al. b) do n.º 2 do art.º 410.º, ambos do CPP:


9. A fundamentação que o Acórdão da Relação do Porto empregou para confirmar na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância foi bem mais longe do que aquela utilizada por este último, pois se desta resulta que o Arguido foi considerado autor imediato da prática dos ditos crimes, ali, pelo contrário, afirma-se perentoriamente que na prática de dois crimes, verificou-se a instrumentalização de um dos ofendidos, de nome BB, tornando, em consequência, o Arguido, nessas mesmíssimas situações, autor mediato ou instigador dos ditos crimes, e não autor imediato.


10. Deste modo, torna-se imperioso concluir no sentido de que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, não só procedeu a uma alteração da qualificação jurídica dos factos sem comunicar a mesma ao aqui Arguido, como também incorreu numa nulidade insanável, que desde já se invoca, por violação da segunda parte da al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.


IV. Da atipicidade do crime de burla por falta de observação dos deveres de autoproteção por banda dos ofendidos, e da violação do art.º 217.º do CP, conjugado com o n.º 2 do art.º 18.º da CRP:


11. Como bem refere Bernd Schünemann, se o Direito Penal é subsidiário em relação a todas as demais formas jurídicas de proteção de bens jurídicos, então isso tem de começar por valer logo em relação às formas possíveis e exigíveis de autotutela por banda da vítima potencial.


12. Precisamente por este motivo, é que compete em primeira linha às pessoas adotar as cautelas necessárias à defesa dos seus interesses e, por isso, se a vítima tinha ao seu dispor os meios para averiguar a veracidade das informações transmitidas pelo autor ou se, não os tendo deveria ter-se apercebido do perigo de engano, haverá que concluir pelo erro evitável e coresponsabilidade da vítima, suscetível de afastar a responsabilidade do agente pela prática do crime de burla, o que significa que só um descuido leve da vítima no cumprimento das incumbências de autoproteção pode permitir a imputação ao agente do crime doloso, já não se podendo dizer o mesmo naqueles outros casos em que se verifique uma negligência grave, isto é, uma falha da autotutela exigível, sendo esta a interpretação correta do art.º 217.º do CP em conjugação com o n.º 2 e 3 do art.º 18.º da CRP.


13. Em suma, deverá negar-se o engano típico e, por seu turno, a imputação do crime de burla ao agente, quando a pessoa enganada facilmente poderia ter evitado o erro, cumprindo, para o efeito, as medidas de diligência e autoproteção que a sua situação pessoal e/ou económica ou profissional prévia ao negócio jurídico impunham e, mesmo nos casos em que a vítima não tenha qualquer destreza comercial, é-lhe exigível o grau de atenção que se pode esperar da diligência empregue pelo padrão de um bom pai de família.


14. Tudo considerado, impõe-se concluir que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo violou o art.º 217.º do CP, conjugado com o n.º 2 do art.º 18.º da CRP e, por isso, deverá o aqui Arguido ser absolvido da prática dos 30 crimes de burla qualificada, punido e previsto pelo n.º 1 do art.º 217.º e al. b) do n.º 2 do art.º 218, ambos do CP.


15. Mais se requer que seja declarada a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 217.º do CP, quando interpretado no sentido de que a sua consumação não exige que se verifique, por parte da vítima, a obrigação de cumprir os seus deveres autoproteção, por violação do n.º 2 e 3 do art.º 18.º da CRP.


V. Da atipicidade do crime de burla pelo prejuízo patrimonial ter sido produzido na esfera de outrem, e da violação do n.º 1 do art.º 217.º ex vi do disposto do n.º 1 do art.º 218.º, ambos do CP:


16. Nos casos de burla triangular, o agente induz outra pessoa, o enganado, em erro, fazendo com que este pratique atos suscetíveis de causarem ao ofendido um empobrecimento do seu património, isto é, de lesarem o bem jurídico protegido pela incriminação.


17. O crime de burla constitui um crime de dano, cuja consumação apenas se verifica com a ocorrência de um prejuízo efetivo, em virtude da conduta diretamente perpetuada pelo o agente ou mediante a instrumentalização por banda deste último do enganado, no património do ofendido.


18. Deste modo, cumpre advertir que naquilo que concerne aos “ofendidos” (que na realidade são simples enganados ou defraudados) BB, CC, DD, EE e FF, a conduta do Arguido não lhes provocou qualquer prejuízo efetivo na sua esfera patrimonial, pois apenas os induziu a praticar atos que causaram ao verdadeiro ofendido, um prejuízo de caráter patrimonial e, precisamente por este motivo, é que não se pode condenar o Arguido pela prática de qualquer crime de burla perpetrado contra os mencionados ofendidos, visto que a sua conduta, não lhes provocou qualquer prejuízo patrimonial.


19. Por conseguinte, impõe-se concluir que o Tribunal a quo violou o n.º 1 do art.º 217.º ex vi do disposto do n.º 1 do art.º 218.º, ambos do CP.


Da utilização e valoração de um método de prova proibido (metadados) e da violação do art.º 125.º e 126.º, ambos do CPP e do n.º 2 e 3 do art.º 18.º, n.º 8 do art.º 32.º e al. b) do n.º 1 do art.º 165.º, todos da CRP:


20. O Ministério Público, à luz do artigo 4.º e 6.º da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho que o Ministério Público, ordenou a quebra do sigilo das telecomunicações, onde exigiu àquele fornecedor de serviços de comunicações eletrónicas que identificasse o utilizador do cartão telefónico de n.º ... ... .73, designadamente a testemunha GG.


21. Porém, em consequência do Acórdão n.º 268/2022 de 19-04-2022, proferido pelo Tribunal Constitucional, todos os pedidos de informação que tenham sido remetidos às operadoras de comunicações, no âmbito da Lei nº 32/2008 de 17 de julho, foram efetuados ao abrigo de uma norma declarada inconstitucional, com efeitos a partir da entrada em vigor da lei (17.07.2008) e, por isso, os mencionados pedidos constituem um meio de prova ou de obtenção proibida.


22. O Tribunal a quo não podia valorar as declarações prestadas pela testemunha GG em sede de audiência de julgamento, visto que a mesma surge no presente processo por conta da transmissão dos seus dados de base, fundamentada à luz de uma norma que foi declarada inconstitucional e, por isso, proibida por violação do n.º 1 e 4 do art.º 35.º da CRP, art.º 125.º e n.º 3 do art.º 126.º, ambos do CPP.


23. Por conseguinte, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo violou de igual modo o número 8 do artigo 32.º, n.º 2 e 3 do art.º 18.º, e al. b) do n.º 1 do art.º 165.º, todos da CRP.


24. A nulidade da prova proibida prejudica o Acórdão proferido se a prova proibida tiver sido utilizada na fundamentação da decisão, deve, em consequência, ser o acórdão proferido pelo Tribunal a quo declarado nulo, determinando-se o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do n.º 1 do art.º 426.º do CPP.


25. Caso assim não se entenda, urge salientar que a utilização e valoração daquela prova e meio de obtenção proibido, inquina os factos dados como provados nos pontos 93, 94, 95 e 150, por conseguinte, devem aqueles ser retirados da matéria de facto dada como provada, com a consequente repetição do Acórdão pelo Tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida, tudo nos termos do n.º 1 do art.º 426.º do CPP, interpretado a contrario.


VII. Da utilização e valoração de um método de prova proibido (registo de fichas):


26. Não se vislumbra como é que um OPC, fora do âmbito das medidas cautelares de polícia, pode legal e constitucionalmente, por conta da sua dependência funcional perante a Autoridade Judiciária – n.º 1 do art.º 219.º da CRP, art.º 48.º, n.º 1 do art.º 53.º, n.º 2 do art.º 263.º, todos do CPP, al. d) e e) do n.º 1 do art.º 4.º do EMP –, exigir de uma entidade terceira elementos e/ou dados referentes à vida privada do Arguido, sem que para o efeito se verifique qualquer diretriz emanada por aquela Autoridade ou qualquer controlo ulterior exercido por essa mesma Autoridade, que se traduza numa posterior validação e/ou autorização dos ditos elementos e/ou dados carreados para o processo.


27. O entendimento segundo o qual o OPC pode, no âmbito das suas funções de coadjuvação da respetiva Autoridade Judiciária, praticar atos fora dos termos indicados por aquela autoridade judiciária, como ocorreu no caso aqui em apreço, deve ser declarado inconstitucional, por violação do n.º 1 do art.º 219.º da CRP.


28. Acresce que o elemento teleológico que reside por detrás do dever de colaboração, previsto no art.º 53.º, 56.º e 61.º Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto, apenas se impõe quando esteja em causa a estrita e exclusiva investigação de crimes suscetíveis de lesarem a realização da justiça, e não de factos ilícitos e típicos que ofendam o património e, por isso, a referida lei não tem aplicação no caso aqui em apreço.


29. Caso assim não se entenda, urge concluir no sentido de que deve ser declarado a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 53.º, conjugado com o artigo 1.º, ambos da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, quando interpretado no sentido de que as entidades obrigadas prestam a colaboração que lhes for requerida pelas autoridades policiais, para efeitos da investigação criminal de um qualquer crime, por violação do número 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.


30. De igual modo, os elementos constantes nas fls. 295 e seguintes, não podem ser carreados para os autos do presente processo, com fundamento no artigo 125.º do CPP, pois, a utilização de meios de prova ou de obtenção de prova atípicos, apenas são admissíveis desde que não comprimam direitos fundamentais.


31. A reserva da intimidade da vida privada e familiar do Arguido não se reporta apenas a factos ocorridos na privacidade do domicílio, na medida em que apresenta um âmbito geral que abrange o respeito de camadas intermédias e periféricas da vida privada daquele sujeito processual.


32. A transmissão de dados privados inerentes à vida lúdica do Arguido praticada em locais públicos, comprime e limita o seu direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar, sendo que a partilha desses mesmíssimos dados, mediante uma ordem emanada por um OPC, sem que para o efeito se tivesse verificado uma qualquer diretriz proferida pela Autoridade Judiciária competente naquele exato sentido ou qualquer controlo ulterior inerente à sua admissibilidade – rectius, legalidade –, exercido também por aquela mesmíssima Autoridade, não pode deixar de consubstanciar um meio de prova ou de obtenção proibido à luz do n.º 3 do art.º 126.º do CPP e n.º 1 do art.º 26.º da CRP.


33. A utilização de prova proibida em sede de fundamentação da decisão implica a nulidade do Acórdão e determina o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do n.º 1 do art.º 426.º do CPP.


34. Uma vez mais, caso assim não se entenda, urge salientar que a utilização e valoração daquela prova e meio de obtenção proibido, inquina os factos dados como provados nos pontos 93, 94, 95 e 150, por conseguinte, devem aqueles ser retirados da matéria de facto dada como provada, com a consequente repetição do Acórdão pelo Tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida, tudo nos termos do n.º 1 do art.º 426.º do CPP, interpretado a contrario.


35. Sem prescindir, não podemos escamotear que a utilização e valoração daquela prova e meio de obtenção proibido, por se ter demonstrado essencial à prova de que o Arguido fez das burlas denunciadas modo de vida, inquina praticamente todos os factos dados como provados e, por isso, Tribunal recorrido deverá proferir novo Acórdão.


36. Ainda, caso assim não se entenda, apraz advertir que a recolha daqueles elementos, apenas ocorreram por conta das declarações prestadas em sede de inquérito, pela testemunha GG, onde asseverou que terá terminado a relação que mantinha com o Arguido por conta do seu comportamento estranho relacionado com o vício do jogo.


37. Por conseguinte, é manifesta a relação entre os mencionados meios de prova ou de obtenção o que, em consequência, por conta da proibição de utilização e valoração daquele primeiro, verifica-se o vício do segundo, sendo deste modo, também ele proibido, à luz do n.º 1 do art.º 32.º da CRP.


VIII. Da utilização e valoração de um método de prova proibido (perícias).


38. A utilização e valoração em sede de fundamentação de exames periciais onde se concluiu que é muito provável que a assinatura aposta em declarações que se encontravam na posse dos ofendidos sejam da autoria do Arguido, quando para se aferir acerca da mencionada similitude, utilizou-se termos de constituição de Arguido, de identidade e residência, autos de interrogatório e procurações forenses, constitui um meio de prova proibido, nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 126.º do CPP, por consubstanciar não só uma forma de denegação da justiça, mas também por se violar o princípio da lealdade processual.


39. A utilização da assinatura aposta numa procuração Forense para efeitos da realização do dito exame pericial, uma vez que aquela foi conferida ao Defensor por conta da relação de confiança que se estabeleceu entre este e o Arguido, se por um lado, viola o direito deste último à proibição de autoincriminação, na medida em que produziu e forneceu prova contra si mesmo, por outro, apesar de também ali se relacionar, abala a sua confiança na administração da justiça, uma vez que contra ele foi praticado um ato de todo inesperado – artigo 20.º da CRP.


40. Por todos estes motivos, deverá este douto Tribunal concluir no sentido de que a utilização e valoração do exame pericial para efeitos de fundamentação do Acórdão, consubstancia um meio um meio de prova proibido, nos termos da al. d) do n.º 2 do art.º 126.º do CPP, bem como uma violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare conjugado com o princípio da tutela da confiança consagrado no art.º 20.º da CRP e, em consequência, deve ser declarado nulo o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, determinando-se o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do n.º 1 do art.º 426.º do CPP.


IX. Da utilização e valoração de um método de prova proibido (mensagens).


41. A transmissão de mensagens de texto através de telemóveis, constituem dados informáticos para os efeitos da L. Cibercrime, dada a noção ampla daquele conceito, al. b) do art.º 2.º da L. Cibercrime, sendo que idêntica amplitude decorre do conceito de sistema informativo – al. a) do art.º 2.º da L. Cibercrime – e, por isso, o telemóvel constitui um sistema informático.


42. O art.º 17.º da L. Cibercrime, estatuiu que quando no decurso de um acesso legítimo a um sistema informático forem encontrados ou armazenados mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante (SMS), o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, sendo que a preterição desta formalidade legal não pode deixar de ser considerada como proibida à luz do n.º 3 do art.º 126.º do CPP.


43. A transcrição das comunicações eletrónicas efetuadas pelo órgão de polícia criminal aos telemóveis dos ofendidos, onde alegadamente constam comunicações estabelecidas entre eles e o Arguido, quer a transmissão para os presentes autos dessas mesmíssimas comunicações eletrónicas, por banda dos ofendidos, através de denúncia junta com “prints screen’s” daquelas, constitui prova proibida por violação dos art.ºs 26.º, 32.º e 34.º, todos da CRP, bem como do n.º 3 do art.º 126.º do CPP, por preterição do formalismo legal que lhe era subjacente – o art.º 17.º da L. Cibercrime.


44. A valoração destes elementos, determina a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, determinando-se o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do n.º 1 do art.º 426.º do CPP ou, caso assim não se entenda, deve o Tribunal a quo proferir novo Acórdão, sem a ponderação daquela prova proibida, nos termos do n.º 1 do art.º 426.º do CPP, interpretado a contrario.


X. Da utilização e valoração de um método de prova proibido (sigilo bancário).


45. À luz do art.º 78.º e da al. e) do n.º 2 do art.º 79.º, ambos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, as instituições de crédito e seus representantes, empregados ou agentes, passaram a ter que revelar o nome de clientes, assim como as contas destes e respetivos movimentos e outras operações bancárias desde que reunidos três requisitos cumulativos68, designadamente: i) a informação seja solicitada no âmbito de um processo penal; ii) por autoridade judiciária competente; e iii) na sequência de despacho devidamente fundamentado. 46. Conforme se constata mediante cotejo dos despachos proferidos pela Autoridade Judiciária competente para o efeito, os mesmos não foram precedidos de qualquer fundamentação, ou autorização, suscetível de configurar a dita quebra do sigilo bancário, impondo-se, em consequência, e por violação do direito fundamental do Arguido previsto no n.º 1 do art.º 26.º da CRP, concluir que aqueles elementos69 constituem prova proibida, nos termos do n.º 3 do art.º 126.º do CPP.


47. Deve ser declarado nulo o Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação do Porto, determinando-se o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do n.º 1 do art.º 426.º do CPP ou, caso assim não se entenda, deve o Tribunal a quo proferir novo Acórdão, sem a ponderação daquela prova proibida, nos termos do n.º 1 do art.º 426.º do CPP, interpretado a contrario.


XI. Da utilização e valoração de um método de prova proibido (reconhecimento):


48. Conforme cotejo com as fls. 136 e seguintes, designadamente as declarações prestadas pelo ofendido HH e II, estes foram confrontados com fotografias do Arguido à revelia do disposto no n.º 1, 2 e 5 do art.º 147.º do CPP.


49. Deste modo, deverá concluir-se no sentido de que a utilização e valoração das declarações prestadas pelos ofendidos HH e II, para efeitos de fundamentação do Acórdão, consubstancia um meio um meio de prova proibido, por violação do disposto no n.º 8 do art.º 32.º da CRP e n.º 2 do art.º 147.º do CPP e, em consequência, deve ser declarado nulo o Acórdão proferido pelo Tribunal recorrido, determinando-se o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do n.º 1 do art.º 426.º do CPP ou, caso assim não se entenda, deve o Tribunal a quo proferir novo Acórdão, sem a ponderação daquela prova proibida, nos termos do n.º 1 do art.º 426.º do CPP, interpretado a contrario.


XII. Da violação do princípio do acusatório desembocando na utilização de uma prova proibida e da omissão de pronúncia.


50. A possibilidade que é legalmente conferida ao Juiz Presidente no sentido de, em sede de audiência de julgamento, formular a qualquer momento perguntas sobre o depoimento prestado pelos ofendidos na qualidade de testemunhas, implica que se verifique o início do interrogatório direto por banda do Ministério Público, sendo que a violação daquilo que acaba de ser dito, traduz uma perversão a um modelo de processo penal de tipo acusatório, ainda que temperado por um princípio de investigação, suscetível, em consequência, de violar o n.º 5 do art.º 32.º da CRP e, por isso, a utilização e valoração de prova obtida através desta violação, constitui prova proibida nos termos do mencionado normativo.


51. Porém, se por um lado o Tribunal recorrido entendeu que a utilização e valoração da alegada prova proibida consubstancia uma questão nova que está subtraída à apreciação do Tribunal de recurso, por outro, olvidou que a nulidade de qualquer prova proibida pode ser alegada e conhecida em qualquer fase do processo, incorrendo, em consequência, em omissão de pronúncia, por força da al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, aplicável ex vi do disposto no n.º 4 do art.º 425.º do CPP, violando ainda o direito constitucional do Arguido ao recurso previsto no n.º 1 do art.º 32.º da CRP e, por isso, deve o mencionado Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação do Porto, ser substituído por outro que se pronuncie sobre a questão formulada.


52. Deve ainda ser declarado inconstitucional o n.º 4 do art.º 348.º do CPP, por violação do n.º 5 do art.º 32.º da CRP, quando interpretado no sentido de que o início da inquirição da testemunha pelo Tribunal constitui uma mera irregularidade.


XIII. Da violação do princípio da lealdade. 53. O Ministério Público ao assumir expressamente uma posição de direito donde deriva a inculpabilidade do arguido ou a sua menor culpabilidade, não pode, em momento posterior, modificar essa sua posição, alegando melhor juízo, em desfavor, ainda que só eventual, da posição do arguido.


54. A atuação do Ministério Público violou o princípio da lealdade processual, bem como o direito do Arguido ser submetido a um processo equitativo na dimensão de justo processo, à luz do art.º 6.º da CEDH e parte final do n.º 4 do art.º 20.º da CRP, tornando quer a acusação pública deduzida, quer o acórdão proferido, nulo por força daqueles dispositivos e, por isso, deve o Arguido ser absolvido da prática dos crimes em que foi julgado em conformidade.


XIV. Da (alteração) da qualificação jurídica dos factos descritos nos pontos 194 a 198 da matéria de facto dada como provada.


55. Tendo em conta a factualidade apurada (pontos 194 a 198), resulta da mesma apenas e tão-só que o ofendido se dirigiu ao estabelecimento comercial do Arguido a fim de adquirir determinados equipamentos eletrónicos para o seu veículo, sendo que este último terá apresentado o preço, e exigido um sinal, que efetivamente foi entregue para, posteriormente, ser devolvido.


56. Isto posto, entende o Arguido que ao não ser absolvido pela factualidade aqui posta em crise, por conta da atipicidade da sua conduta, apenas poderá ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 205.º do CP e, por isso, deve este douto Supremo Tribunal de Justiça proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais o Arguido veio condenado.


57. De resto, procedendo-se à alteração da qualificação jurídica dos factos mencionados, e por força da desistência de queixa subscrita pelo ofendido, associada ainda à restituição total do valor, deverá o presente procedimento criminal aqui posto em crise, ser declarado extinto, bem como ser declarada extinta a responsabilidade criminal do Arguido, tudo à luz do art.º 49.º e 51.º do CPP e número 1 do art.º 206.º do CP.


XV. Da (alteração) da qualificação jurídica dos factos descritos nos pontos 207 a 213 da matéria de facto dada como provada.


58. Por todos os motivos adiantados no capítulo precedente, urge salientar que tendo em conta a matéria de facto dada como provada nos pontos 207 a 213, entende o aqui Arguido que ao não ser absolvido por aquela factualidade, por conta da atipicidade da sua conduta, apenas poderá ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 205.º do CP e, por isso, deve este douto Supremo Tribunal de Justiça proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais o Arguido veio condenado.


59. Procedendo-se à alteração da qualificação jurídica dos factos mencionados, e por força da desistência de queixa subscrita pelo ofendido, associada ainda à restituição total do valor, deverá o presente procedimento criminal aqui posto em crise, ser declarado extinto, bem como ser declarada extinta a responsabilidade criminal do Arguido, tudo à luz do art.º 49.º e 51.º do CPP e n.º 1 do art.º 206.º do CP.


XVI. Da pluralidade e unidade de infrações:


60. A doutrina de Eduardo Correia, encontra-se vertida no art.º 30.º do CP, sendo que segundo o pensamento do mencionado Autor, seguido de perto pela jurisprudência dos nosso Tribunais superiores, verificar-se-á o concurso efetivo de crimes quando estejam reunidos dois critérios cumulativos, designadamente a diferença do bem jurídico protegido pelo tipo; e a pluralidade de resoluções criminosas do agente, no sentido de determinações de vontade ou de realizações de projetos criminosos.


61. O concurso efetivo de crimes, distingue-se do crime continuado, sendo que ambos não se confundem com o crime único constituído por uma pluralidade de atos.


62. O crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efetivo de crimes, onde se verificam várias resoluções criminosas, que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída.


63. Aquilo que na continuação criminosa arrasta o agente para a reiteração é o facto de, com a primeira conduta, se amolecerem e relaxarem as reações morais ou jurídicas que o frenavam e inibiam, isto é, o agente é arrastado e solicitado para a prática das atividades sucessivas através de um certo estado de coisas criado pela primeira conduta ou por ele utilizado com sucessos.


64. Assim quando o delinquente se encontra de novo ante uma determinada situação que, convidando à realização de um certo crime, já uma vez foi por ela aproveitada com êxito, há de, sem duvida, sentir-se fortemente solicitado a reiterar a sua conduta criminosa e só muito dificilmente se manterá no caminho direito.


65. O Arguido adotou ao longo do lapso temporal mencionado na matéria de facto dada como provada uma atividade criminosa que para além de ter violado de forma plúrima o mesmo bem jurídico, foi ainda executada de forma essencialmente homogénea, ou seja, mediante o “engodo” de que conseguiria adquirir automóveis a preços mais baixos, por conta dos conhecimentos especiais que apresentava junto de uma sociedade comercial.


66. Acresce que para a continuação da alegada atividade criminosa, revelou-se desmedidamente essencial o papel desempenhado por vários ofendidos que de moro reiterado e constante encaminharam outros ofendidos ao encontro do Arguido, colocando-o, diversas vezes, perante aquela primeira resolução criminosa que, por seu turno, já tinha sido aproveitada com sucesso


67. Portanto, é fácil de se concluir que o aqui Arguido foi colocado por diversas vezes perante a possibilidade de adotar novas resoluções criminosas, por força do papel desempenhado por aqueles ofendidos, na medida em que transmitiram a outros o alegado negócio por ele desenvolvido, revelando-se toda esta “intermediação em cadeia” essencial par a adoção daquelas novas resoluções, até porque o Arguido delas já se tinha aproveitado com sucesso e, por isso, o Tribunal a quo, ao não punir o aqui Arguido pela prática de 30 crimes de burla qualificada, na forma continuada, violou o n.º 1 e 2 do art.º 30.º do CP.


68. Deste modo, deve este Douto Supremo Tribunal de Justiça proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos no Acórdão, condenando o Arguido pela prática de 30 crimes de burla previstos e punidos pelo n.º 1 do art.º 217.º, em conjugação com a al. a) e b) do n.º 2 do art.º 218.º do CP, na forma continuada, procedendo ainda, e em conformidade, à alteração da medida da pena única resultante do concurso de crimes na forma continuada.


69. Caso assim não se entenda, temos para nós como boa, para aquilo que diz respeito ao concurso homogéneo, isto é, em que o mesmo tipo é preenchido várias vezes, e por conducente a resultado justo por via de correta interpretação da lei, a solução proposta por Figueiredo Dias para problema da clarificação da unidade ou pluralidade de infrações.


70. Na esteira do Autor, nos casos em que o mesmo tipo é varias vezes preenchido pelo comportamento do agente, podem distinguir-se duas situações, uma delas, em que se verifica uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude típica que leva à punição do agente em concurso efetivo, e outra, onde se verifica um sentido ou juízo de ilicitude dominante ou um único sentido de ilicitude, que leva à condenação do agente por um único crime.


71. Vistas as coisas desta perspetiva, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada, torna-se evidente que o aqui Arguido ao longo de um extenso lapso temporal adotou um desígnio criminoso que foi posto em prática de modo reiterado e constante, o que por si só, e considerado isoladamente, demonstra que o aqui Arguido nunca renovou o seu sentido de ilicitude e, por isso, salvo o muito e devido respeito por melhor opinião, deverá este douto Supremo Tribunal de Justiça, condenar o aqui Arguido pela prática de um único crime de burla qualificada, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. a) e b) do n.º 2 do art.º 218.º do CP procedendo ainda, e em conformidade, à alteração da medida da pena única.


72. Por conseguinte, o Tribunal a quo ao não condenar o aqui Arguido por um único crime de burla previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. a) e b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP, violou o número 1 do artigo 30.º do mesmo instrumento legal.


73. De resto, e uma vez mais, caso assim não se entenda, deve o Arguido ser condenado pela prática:


- naquilo que diz respeito aos ofendidos HH e II, por um único crime de burla qualificada previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. a) e b) do n.º 2 do art.º 218.º do CP; - naquilo que diz respeito aos ofendidos BB, JJ, KK, DD, EE, LL e MM, por um único crime de burla qualificada previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP; - naquilo que diz respeito aos ofendidos NN, OO, PP, QQ e RR, por um único crime de burla qualificada previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. b) do n.º 2 do art.º 218.º do CP;


- naquilo que diz respeito aos ofendidos SS e TT, por um único crime de burla qualificada previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. a) e b) do n.º 2 do art.º 218.º do CP;


naquilo que diz respeito aos ofendidos UU e VV, por um único crime de burla qualificada previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 217.º, conjugado com a al. a) e b) do n.º 2 do art.º 218.º do CP; e,


- pelos restantes crimes em que veio condenado, procedendo-se à alteração da medida da pena única.


XVII. Da determinação da medida da pena aplicável ao concurso de crimes:


74. Não podemos escamotear que deveria ter sido tomado em consideração para efeitos da determinação da medida da pena aplicada ao concurso de crimes pelo qual o Arguido veio condenado, não só a sua idade, como também o facto deste se encontrar infetado pelo vírus do HIV, pois, da conjugação das daquelas duas circunstâncias, poderá resultar que – na prática – foi aplicada uma pena de prisão perpétua ao Arguido.


75. A somar a isto, a operação de determinação da medida da pena que atende às condições daquele a quem se dirige, consubstancia uma das maiores reivindicações dos princípios humanistas o que, por seu turno, levou a que próprio legislador italiano, pela sua especial relevância, consagrasse no n.º 3 do art.º 146.º Codice Penale, o diferimento da pena de prisão quando a mesma se dirige contra pessoa infetada pelo HIV ou imunodeficiência grave.


76. Apesar do legislador português não ter consagrado no sistema vigente uma solução idêntica, certo é que a segunda parte do n.º 1 do art.º 72.º do CP, dispõe que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilica necessidade da pena, pelo que deveria ter sido tomado em consideração para efeitos da determinação da medida da pena o facto do Arguido ser portador do vírus do HIV e, não o fazendo incorreu em violação do n.º 1 e 2 do art.º 71.º e n.º 1 e 2 do art.º 77.º, ambos do CP.


77. Em face do exposto, entende o aqui Arguido que parece adequado, proporcional e necessário a alteração da pena única de 10 (dez) anos de prisão, pela qual vem condenado, para outra de 8 (oito) anos de prisão.”.

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto respondeu ao recurso, concluindo “Em jeito conclusivo, com o devido respeito, que para além de sincero é superlativo, os elementos de racionalidade jurídica, factual e intelectual em que se apoiam os alicerces da retórica argumentativa utilizada pelo recorrente na presente instância recursória, não obstante a inteligência, argúcia, elegância e erudição que manifestamente apresentam, são francamente assépticos, estruturalmente frágeis, globalmente estéreis, tendencialmente omissos e todos sem cabimento legal, razões pelas quais, o recurso está votado ao insucesso e não merece provimento.


Nessa conformidade, essencialmente pelo exposto, sem necessidade de mais aturadas considerações, tudo visto, analisado e ponderado, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, à reflexão doutrinária e jurisprudencial que as questões equacionadas tem merecido, à plêiade, força e validade dos argumentos aduzidos, à dogmática vigente, numa interpretação sistémica, integrada e entrelaçada das normas legais pertinentes, compatibilizando o que é conciliável, não desvalorizando o que deve ser valorizável e face à altíssima complexidade de tudo o que é humano, bem como, no empoderamento de um acto prudencial de eliminação, esbatimento ou minimização do risco para patamares socialmente suportáveis inerente a qualquer decisão judicial cujo objecto diga directamente respeito aos direitos, liberdades e garantias como aquela que criteriosamente se proferirá, afigura-se-me que se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se o Acórdão recorrido nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas.”.

4. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pugnando pela rejeição do recurso, emitiu parecer, essencialmente defendendo que não merece provimento o recurso na parte não rejeitável, sendo de manter os termos da decisão recorrida e “(…) Em síntese: Deve o recorrente ser notificado para formular conclusões, sob pena de rejeição do recurso; Deve ser rejeitado o presente recurso, salvo no que respeita à impugnação da condenação pelo facto-crime XXIII; Deve ser julgada improvida a peticionada declaração da nulidade das provas, da sentença e do julgamento, assim como a deduzida impugnação da questão-de-direito.…”, terminando a afirmar que:


(…)


-Deverá o recorrente ser notificado para formular conclusões, sob pena de rejeição do recurso (I);


-Deverá, se assim, não se entender, ser rejeitado o recurso interposto, salvo no que respeita à impugnação da condenação pelo facto-crime XXIII (II);


-Não merece provimento o recurso na parte não rejeitável, sendo de manter os termos da decisão recorrida (III)..”.

5. Notificado deste parecer, o ora recorrente nada respondeu.

6. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTO

1. De facto


Com relevância para esta decisão, o acórdão recorrido considerou a seguinte a matéria de facto, dada como provada:


I - Fundamentação de facto: A) Factos provados:4


Da acusação e dos PICs:


1. O arguido AA, durante vários anos e pelo menos até 2018, explorou um estabelecimento comercial denominado E............ . ........... situado na Rua ..., em ..., ..., prestando serviços de reparações elétricas em automóveis.


2. Entretanto, o arguido encerrou aquele estabelecimento e abriu uma oficina em ..., na Avenida ...-....


3. No decurso desta sua atividade o arguido conheceu várias pessoas que se dirigiram ao seu estabelecimento para reparações automóveis, tendo em virtude da sua disponibilidade e desse relacionamento granjeado a sua confiança.


4. De facto, o arguido apresentava-se a estas pessoas, que se deslocavam ao seu estabelecimento e que não o conheciam pessoalmente, como pessoa honesta e tendo especiais conhecimentos com pessoas que conseguiam obter eletrodomésticos e, principalmente, automóveis usados, a preços muito mais baixos do que os normais de mercado, .


5. Para tanto, fingia contactar com pessoas que dirigiam empresas que, efetivamente existem e são reconhecidas no mercado, como sucede com a C...... e a L......., entregando por vezes aos ofendidos listas com os bens que tinha em carteira para venda, com as suas caraterísticas e valor, o que não correspondia à verdade, apenas para os fazer crer que os negócios que lhes propunha existiam.


6. As pessoas a quem o arguido se dirigiu, perante a aparência que o arguido lhes criou e a confiança que este lhes incutiu, confiaram que o arguido lhes venderia os eletrodomésticos, peças e automóveis que o arguido lhes mencionou que conseguiria arranjar, tendo para o efeito e para não perderem a oportunidade do vantajoso negócio, entregue ao arguido as quantias monetárias que este lhes solicitou em troca dessas vendas que, por não existirem aqueles bens, nem aquelas pessoas a que o arguido aludia, nunca se chegaram a realizar, tendo o arguido se apropriado dos vários montantes que lhe foram entregues, fazendo-os seus, usando-o em seu proveito, nomeadamente gastando-o em jogo no Casino de ....


I


7. No ano de 2017, o ofendido HH deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma reparação de um automóvel.


8. Fruto dessa relação, em setembro de 2017, o arguido, em jeito de confidência, para incutir ao ofendido a sensação de especial confiança e oportunidade de negócio, disse a HH que tinha um cunhado que trabalhava na empresa ....... . ...... ....... .. ................., Lda, situada na Rua ..., no..., e que, através deste, conseguia arranjar eletrodomésticos a preços muito baixos.


9. O arguido disse a HH que quando os eletrodomésticos se encontravam em transporte, se a embalagem fosse de algum modo danificada, eram rejeitados pelas grandes superfícies comerciais a que se destinavam e encaminhados pelas seguradoras para aquela empresa C......, que posteriormente os vendia a preços muito mais baixos do que os seus preços normais de mercado.


10. Para conferir credibilidade a esta revelação, o arguido disse ainda a HH que este processo era legal e que os aparelhos eram vendidos com fatura e garantia prestada pela C.......


11. Porém, tal não correspondia à verdade, dado que a C...... à data não vendia eletrodomésticos, nem procedia ao seu transporte, apenas procedia a serviços de reparação de eletrodomésticos, o que HH desconhecia.


12. Perante a oportunidade de negócio e crendo que aquilo que o arguido lhe dizia correspondia à verdade, HH mostrou interesse em adquirir vários eletrodomésticos no valor global de €2.520,00 (dois mil quinhentos e vinte euros), quantia que entregou ao arguido, nos seguintes moldes:


- para aquisição de uma máquina de secar roupa, uma smart tv de 50’’, um sistema de som e uma câmara Canon 7D Mark II, o valor de €820,00, dinheiro entregue no dia 18 de setembro de 2017 por transferência bancária para a conta do arguido com o IBAN PT.. .... .... .... .... .... 3, correspondendo à conta n.º .... .... ..42 do Novo Banco, titulada pelo arguido;


- para aquisição de uma smart tv de 50’’, uma PS4, um sistema de som e uma câmara Canon 7D Mark II o valor de €500,00, dinheiro entregue no dia 21 de setembro de 2017;


- para aquisição de uma smart tv de 50’’, uma PS4, um sistema de som e uma câmara Canon 7D Mark II e uma máquina de lavar roupa o valor de €500,00, dinheiro entregue no dia 23 de setembro de 2017;


- para aquisição de uma arca vertical, um frigorífico americano, uma smart tv de 27’’ e uma câmara Canon 5D Mark IV o valor de €700,00, dinheiro entregue no dia 29 de setembro de 2017.


13. Apesar disso, o arguido nunca entregou a HH qualquer eletrodoméstico, nem nunca foi sua intenção fazê-lo porque não tinha qualquer possibilidade de proceder à sua venda através daquela empresa pelos valores indicados, tendo apenas dito ao ofendido que o faria, para o levar a entregar-lhe as quantias acima referidas, de modo a poder apropriar-se indevidamente das mesmas, como era sua intenção e veio a suceder.


14. Na mesma altura, isto é, em setembro de 2017, o arguido propôs também ao ofendido HH a aquisição de viaturas automóveis por preços muito inferiores aos seus valores de mercado.


15. Para explicar esse valor reduzido, o arguido disse-lhe que conhecia um indivíduo de nome WW, gerente da empresa denominada L......., que se dedicava à venda de automóveis em leilões na sequência de penhoras judiciais e que, por ser seu amigo, lhe permitia adquirir as viaturas que lhe eram entregues para venda pelo preço da dívida antes mesmo de serem vendidas em hasta pública, desde que o valor lhe fosse entregue num curto período de tempo.


16. Para conferir credibilidade a esta história, no dia 10 de outubro de 2017, o arguido levou HH até às instalações daquela empresa situadas na Estrada ..., ..., em ..., ..., para que o ofendido visse as viaturas que ali estavam em exposição e propôs-lhe que fizessem um investimento em conjunto e que consistia na aquisição de diversas viaturas a preço reduzido com intenção de, posteriormente, as revenderem por um preço mais elevado correspondente ao de mercado e, assim, obterem lucro.


17. O ofendido HH, acreditando que o que lhe foi dito correspondia à verdade, solicitou ao arguido que, junto do seu amigo na L......., tratasse da aquisição de várias viaturas automóveis tendo para pagamento das mesmas entregue ao arguido, entre setembro e novembro de 2017, a quantia global de €72.572,00 (setenta e dois mil euros e quinhentos e setenta e dois euros), que lhe foi entregando do modo a seguir descrito.


18. No dia 02 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Peugeot, modelo 3008, de cor branca, entregou ao arguido em dinheiro o montante de €5.951,00, valor pelo qual o arguido lhe disse que aquela viatura seria vendida.


19. No dia 03 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Volkswagen, modelo Sharan (que, segundo o arguido, integrava-se num lote, com a viatura referida no ponto 20º), entregou ao arguido em dinheiro o montante de €8.830,00, valor pelo qual o arguido lhe disse que aquela viatura seria vendida. Como tal viatura seria destinada ao ofendido II, HH procedeu ao pagamento daquele valor ao arguido contra o compromisso de II lhe devolver essa quantia, o que viria a suceder quando este conseguiu vender a viatura que na altura dispunha.


20. No dia 04 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma segunda viatura de marca Volkswagen, modelo Sharan (que, segundo o arguido, integrava-se num lote, com a viatura referida no ponto 19º), entregou ao arguido o montante de €6.021,00, em dinheiro, quantia pela qual o arguido lhe disse que aquela viatura seria vendida.


21. No dia 11 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de um lote composto por uma viatura de marca BMW, modelo 525d, de uma viatura de marca Volkswagen, modelo Sirocco, de uma viatura de marca Audi, modelo A3 Sportback, de uma viatura de marca Renault, modelo Megane GT Line, de uma viatura de marca Volvo, modelo V40 e de uma viatura de marca Peugeot, modelo 3008 preto, entregou ao arguido em dinheiro o montante de €11.750,00, para pagamento de metade do valor pelo qual o arguido lhe disse que aquele lote de viaturas seria vendido, ou seja, €23.500, tendo a 16 de outubro entregue mais €4.000,00 em dinheiro por conta desse negócio.


22. No dia 13 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Nissan, modelo Qashqai, pelo valor de €3.000,00, entregou ao arguido a quantia de €1.500,00 por transferência bancária efetuada para a conta do arguido com o IBAN PT.. .... .... .... .... .... 3, acima identificada.


23. No dia 12 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo SL 63 AMG pelo valor de €16.700,00, entregou ao arguido o montante de €8.350, por transferência bancária para a conta do arguido.


24. No dia 16 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Audi, modelo R8, pelo valor de €14.000, entregou ao arguido o montante de €7.000.00 em dinheiro.


25. No dia 19 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Ferrari, modelo 348, pelo valor de €32.000, entregou ao arguido o montante de €16.000 00 em dinheiro.


26. No dia 26 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de duas viaturas de marca Maserati pelo valor de €22.000, entregou ao arguido o montante de €10.000,00 em dinheiro.


27. No dia 10 de novembro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Mercedes pelo valor de €16.000, entregou ao arguido o valor de €2.000 00 por transferência bancária efetuada para a conta do arguido com o IBAN PT.. .... .... .... .... .... 3, acima identificada.


28. Para conferir credibilidade aos negócios, o arguido solicitou mesmo a HH uma cópia do cartão de cidadão da esposa deste, em nome de quem seria registada uma das viaturas, bem como do cartão de cidadão do ofendido, ambos os documentos para realizar o registo de propriedade dos automóveis em favor dos mesmos.


29. Para além disso, após o pagamento, o arguido enviou ao ofendido mensagens de telemóvel provenientes do n.º .......22 informando-o de que o valor oferecido para compra das viaturas tinha sido aceite e agendando data para ser efetuada vistoria à viatura e seu levantamento.


30. Apesar disso, o ofendido nunca recebeu nenhuma das viaturas, por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela sua venda, nem nunca o arguido lhe devolveu o dinheiro que lhe foi entregue, apesar de isso lhe ter sido solicitado por diversas vezes pelo ofendido, apropriando-se daquele dinheiro que fez seu usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


31. De facto, a L....... não efetua vendas antecipadas pelo valor da dívida, o arguido não tinha qualquer conhecimento especial naquela empresa e a pessoa que identificou como WW, não existe.


32. Do mesmo modo, o arguido nunca teve intenção de, através de qualquer especial ligação na empresa C......, diligenciar pela compra por parte do ofendido a essa empresa dos eletrodomésticos cuja aquisição lhe propôs, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, indicando nomes de empresas que efetivamente existiam, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhes propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu.


II


33. Fruto da proposta vantajosa que lhe foi apresentada, o ofendido HH, sabendo que o seu amigo II queria comprar uma carinha monovolume, deu-lhe a conhecer o arguido.


34. Assim, em setembro de 2017, os ofendidos HH e II reuniram-se com o arguido na sua oficina, tendo II manifestado interesse na aquisição de uma viatura de marca Volkswagen, modelo Sharan, pelo valor de €8.830,00 (mencionada no ponto 19º e que, segundo o arguido, viria integrada num lote com a viatura mencionada no ponto 20º), quantia que o arguido lhe disse que a viatura custaria e que teria de ser entregue no prazo máximo de alguns dias.


35. Como o ofendido II para pagar essa quantia teria de vender o seu automóvel, o que não conseguiu fazer naquele período de tempo, o ofendido HH emprestou-lhe a quantia de €8.830,00, que foi entregue ao arguido em dinheiro nesse mês de setembro de 2017.


36. Entretanto, o arguido continuou a protelar a entrega da viatura, informando o ofendido da existência de vários entraves e, em dezembro de 2017, o arguido pediu ao ofendido II para entregar a quantia adicional de €825, dizendo que seria para entregar ao solicitador de execução e, assim, acelerar o processo de entrega da viatura, tendo II, por acreditar que o que lhe era dito era verdade, entregue aquela quantia em dinheiro ao arguido em duas tranches, uma de €550,00 e outra de €275.


37. Apesar disso, o ofendido II nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde Fevereiro de 2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


III


38. No ano de 2018, o ofendido XX deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma reparação de um automóvel.


39. Fruto dessa relação, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse ao ofendido que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de uma leiloeira e exibiu ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e, no dia 03 de agosto de 2018, propôs ao ofendido a aquisição de uma viatura de marca Nissan, modelo Qashqai, do ano de 2015, pelo valor de €5.100,00, o que o ofendido, por lhe parecer um bom negócio, aceitou.


40. Para tanto, o arguido disse-lhe que tinha de lhe entregar essa quantia no próprio dia, garantindo que a viatura lhe seria entregue no dia 27.09.2018.


41. XX, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, nesse mesmo dia, efetuou três transferências bancárias para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB .... .... .... .... .... 8 nos valores de €2.500,00, €2.500,00 e de €100, no montante global de €5.100,00.


42. Esta conta é titulada por YY - dono do café “P…”, sito ao lado do estabelecimento do arguido -, a quem este, nessa ocasião, pediu para usar a sua conta para receber transferências bancárias, no que este assentiu, tendo logo que as mesmas foram recebidas procedido ao seu levantamento e entrega ao arguido do seu valor, descontando do mesmo a quantia de €3.100,00 que o arguido lhe devia.


43. No dia previsto para a entrega a viatura não foi entregue e, como o ofendido exigia a sua entrega, o arguido, em 30 de outubro de 2018, disse ao ofendido que lhe se entregasse mais €700,00, o automóvel ser-lhe-ia entregue no dia 29.11.2018, quantia que o ofendido lhe entregou em dinheiro para que o negócio se concretizasse.


44. Apesar disso, o ofendido XX nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde 29.11.2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


IV


45. No ano de 2015, o ofendido ZZ conheceu o arguido, tendo o mesmo, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, lhe proposto em novembro de 2015 a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo CLA 200 AMG, pelo valor de €4.100,00, acrescida do montante de €224,00 para despesas de averbamento, o que o ofendido, por lhe parecer um bom negócio, aceitou.


46. ZZ, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, no dia 09 de novembro de 2015, entregou-lhe a quantia de €4.324,00 em dinheiro, tendo acompanhado o arguido à Caixa Geral de Depósitos de ..., local onde o arguido procedeu ao depósito do valor de €4.100 na conta com o NIB ...............00 titulada pelo arguido naquela instituição bancária, guardando o arguido o remanescente em dinheiro consigo.


47. Após, o arguido entregou ao ofendido o comprovativo desse depósito e uma declaração através da qual se comprometia a entregar a viatura aludida a 09.01.2016.


48. Alguns dias depois, no dia 11 de novembro de 2015, o arguido entrou em contacto com o ofendido ZZ dizendo-lhe que tinha um lote composto por quatro veículos (um mercedes CLS 350, um BMW 120 Pack M, um Seat Ibiza e uma moto-quatro Polaris) para venda pelo valor de €7.261, acrescido de €369 por despesas dos respetivos averbamentos, viaturas a ser entregues no dia 09.01.2016.


49. Novamente, ZZ, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, efetuou quatro depósitos em dinheiro na conta bancária do arguido acima identificada nos seguintes moldes:


- no dia 11.11.2015 no valor de €1.300; - no dia 12.11.2015 no valor de €2.380; - no dia 18.11.2015 no valor de €500;


- no dia 04.12.2015 no valor de €1.300.


50. Finalmente, no dia 09.12.2015, pelas 16h30m, no casino de ..., o ofendido ZZ entregou ao arguido em dinheiro a quantia de €2.150,00 que ainda estava em falta.


51. Apesar disso, o ofendido ZZ nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde fevereiro de 2016, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


52. Entretanto, o arguido, em datas não apuradas, procedeu à devolução de €6.000,00, em duas tranches de €3.000,00.


V


53. Nos anos de 2015 e 2016, o arguido era cliente habitual da padaria... situada em ..., local onde trabalhava o ofendido AAA.


54. Como o arguido ali se deslocava diariamente, altura em que o arguido e AAA costumavam conversar, gerou-se uma relação de confiança, tendo o arguido dito àquele, a dada altura, que vendia veículos automóveis que estavam penhorados e iriam ser vendidos em hasta pública, conseguindo preços muito inferiores aos de mercado, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento.


55. Em março de 2016, quando AAA se encontrava naquela padaria e ali surgiu o arguido, a dada altura aquele disse-lhe que tinha adquirido uma viatura Volkswagen, mas a viatura que gostaria de adquirir era uma de modelo Passat CC, tendo o arguido lhe respondido que tinha uma viatura dessa marca e modelo para venda.


56. Dias mais tarde, no dia 20 de março de 2016, o arguido surgiu naquela padaria e exibiu ao ofendido fotografias de uma viatura de marca Volkswagen, modelo Passat CC, dizendo-lhe que estava para venda pelo valor de €9.800, o que o ofendido, por lhe parecer um bom negócio aceitou.


57. AAA, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, no dia 21 de março de 2016 entregou cheque titulando o valor de €1.100,00 e que o arguido depositou na sua conta, tendo o arguido lhe dito que poderia fazer o pagamento em várias tranches nos valores que lhe iria solicitando e que no dia da entrega da viatura – 23.05.2016 – teria de fazer o pagamento do remanescente em falta.


58. Assim, o ofendido entregou ao arguido, para além dos referidos €1.100, a quantia de €326,00 em cheque no dia 24.03.2016, de €918,00, em cheque entregue no dia 05.04.2016 e um cheque no valor de €700,00 no dia 06.04.2016, cheques estes que o arguido depositou em conta por si titulada, tendo ainda o ofendido transferido em 05.04.2016 a quantia de €918 para a conta do arguido com o n.º ...........00.


59. Apesar disso, o ofendido AAA nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 05 de maio de 2016, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


VI


60. No ano de 2015, o ofendido BB deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma revisão de um automóvel.


61. Fruto dessa relação, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, no dia 15 de maio de 2015 propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas de marcas como BMW e Mercedes, com entre 2 a 4 anos e a preços entre os 5 e 6 mil euros, dizendo que tinha contactos com a referida empresa L......., nomeadamente através de pessoa que identificou por WW e por Dr.ª BBB.


62. Para tanto, o arguido exibiu ao ofendido fotos das viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição, teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


63. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. Essa declaração de dívida, todavia, nunca viria a ser assinada pelo arguido.


64. Garantiu-lhe o arguido que todo o processo era legal, que seria emitida fatura e determinada a entrega da viatura por decisão de um juiz.


65. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir dois automóveis, o ofendido BB no dia 02 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou, com o NIB ...................76, do montante global de €3.600,00 para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo 200 CLA AMG, do ano de 2014.


66. No dia 08 de julho de 2015, o ofendido BB efetuou outra transferência bancária para aquela conta no montante global de €6.000,00, para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo SLS.


67. Apesar disso, o ofendido BB nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


VII


68. Da mesma forma, o ofendido JJ teve conhecimento do arguido através de BB que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L......., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura.


69. Para tanto, teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


70. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue.


71. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido JJ no dia 08 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ...................76 do montante global de €3.600,00 para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo 200 CLA AMG, do ano de 2013; tendo em 15.06.2015 efetuado nova transferência do valor de €419,00 e que, de acordo com o arguido, se destinava ao averbamento do registo da viatura.


72. Apesar disso, o ofendido JJ nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015 – por intermédio do ofendido BB -, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


VIII


73. Da mesma forma, o ofendido KK teve conhecimento do arguido através de BB, que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L......., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura.


74. Para tanto, o arguido – através do ofendido BB - exibiu ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


75. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, este chegou a equacionar a emissão pelo arguido de uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. Todavia, tal nunca foi transmitido ao arguido.


76. Através do ofendido BB, garantiu o arguido que todo o processo era legal, que seria emitida fatura e determinada a entrega da viatura por decisão de um juiz.


77. Perante estas garantias que lhe foram dadas, com a confiança que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido KK no dia 29 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ...................76 do montante global de €5.000,00 para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo C250 cdi, do ano de 2010; tendo em 30.09.2015 efetuado nova transferência do valor de €807,00 e que, de acordo com o arguido, se destinava ao averbamento do registo da viatura.


78. Apesar disso, o ofendido KK nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015 através do ofendido BB, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


IX


79. Da mesma forma, o ofendido DD teve conhecimento do arguido através de BB, seu cunhado, que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos provindos de massas insolventes a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L......., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura, o que posteriormente foi confirmado


pelo arguido.


80. Para tanto, o arguido exibiu ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


81. Garantiu-lhe o arguido que todo o processo era legal, que seria emitida fatura e determinada a entrega da viatura por decisão de administrador de insolvência.


82. Foi garantido ao ofendido que caso se arrependesse o dinheiro ser-lhe-ia devolvido.


83. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiança que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir automóveis, o ofendido DD efetuou várias transferências para o arguido para aquisição de viaturas nos seguintes moldes:


- no dia 20 de maio de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ...................76 do montante de €3.000,00 para compra de uma viatura de marca BMW, modelo X5;


- no dia 22 de maio de 2015 efetuou transferência bancária para aquela conta do montante de €7.400,00 para compra de uma viatura de marca BMW, modelo X6 e de uma viatura de marca Audi, modelo Q7;


- no dia 12 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou do montante de €1.300,00 destinados, de acordo com o que lhe disse o arguido, ao averbamento do registo dos automóveis;


- no dia 17 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou do montante de €1.100,00 destinados, de acordo com o que lhe disse o arguido, ao averbamento do registo dos automóveis de modelo X6 e Audi Q7;


- no dia 05 de agosto de 2015 efetuou transferência bancária para aquela conta do montante de €1.500,00 como entrada para compra de uma viatura de marca BMW, modelo 640d;


- no dia 21 de agosto de 2015 efetuou transferência bancária para aquela conta do montante de €3.900,00, valor que o arguido AA lhe disse que seria necessária para a libertação definitiva do BMW X5.


84. Apesar disso, o ofendido DD nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


X


85. O ofendido EE teve conhecimento de AA através de DD, que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L......., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura, o que posteriormente foi confirmado pelo arguido.


86. Para tanto, o arguido indicou-lhe várias viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


87. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar - o que fez - uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue.


88. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiança que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir automóveis, no dia 20 de maio de 2015, o ofendido EE efetuou uma transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ...................76 do montante de €3.200,00 para compra de uma viatura de marca Volkswagen, modelo Touareg.


89. Apesar disso, o ofendido EE nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


90. No mês de setembro de 2015, o ofendido BB deu conhecimento ao ofendido MM, seu colega de trabalho, que o arguido adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L......., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura.


91. Assim, o ofendido, por estar interessado em adquirir uma viatura automóvel, no dia 04 de setembro de 2015, o ofendido solicitou ao seu amigo BB, ponto de contacto com o arguido, que averiguasse se tinha uma viatura com as características que lhe interessassem tendo aquele contactado o arguido que, por sua vez, informou o ofendido por email que tinha para venda uma carrinha de marca Mercedes, modelo C250 blue efficiency, de maio de 2014, com 7.300km, pelo valor de €14.600, com entrega de €4.500 de entrada a efetuar no próprio dia, juntando fotografia da dita carrinha.


92. MM, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, nesse mesmo dia efetuou uma transferência bancária no valor de €1.000,00 para a conta titulada pelo arguido com o NIB ...................76, tendo-se comprometido a, no início da semana seguinte, pagar o remanescente do sinal.


93. No dia 08 de setembro de 2015, o arguido deslocou-se ao local de trabalho do ofendido MM e pediu-lhe para efetuar o pagamento do remanescente do sinal para outra conta, desta feita no Banco Popular com o NIB ...................55.


94. Para concretizar o negócio, nessa tarde, o ofendido efetuou transferência bancária no valor de €3.931,00 para aquela conta que lhe tinha sido indicada pelo arguido e que era titulada por GG, companheira do arguido.


95. Logo após a transferência, o arguido solicitou a GG que procedesse ao levantamento daquele dinheiro daquela conta, o que esta fez, entregando-o ao arguido.


96. Apesar disso, o ofendido MM nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XI


97. MM, por força dos factos descritos experienciou momentos de hostilidade e desconfiança nas suas relações laborais e com vergonha perante familiares e pessoas mais chegadas.


98. Experienciou momentos de insatisfação pessoal por não conseguir concretizar a expectativa de adquirir a viatura automóvel acima referenciada.


99. Vive desde pelo menos outubro de 2015 até à presente data com momentos de ansiedade pela falta de resposta do arguido.


XII


100. No ano de 2015, o ofendido LL teve conhecimento, através de BB, seu cunhado, que o arguido dizia conseguir adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L........


101. Como o ofendido LL estava interessado em adquirir automóvel dirigiu-se até ao arguido, tendo este confirmado aqueles factos e, exibido ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira, pagando um sinal e o custo do averbamento da viatura.


102. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue.


103. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido LL, no dia 19 de junho de 2015, efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ...................76 do montante global de €4.000,00 para compra de uma viatura de marca BMW, de modelo 530D Pack M e uma moto 4, veículos a entregar no dia 16.09.2015.


104. No dia 25 de junho de 2015, o ofendido, a pedido do arguido, efetuou nova transferência no valor de €419,00, para alegadamente pagar o averbamento da viatura.


105. Todavia, na data prevista, as viaturas não foram entregues, tendo o arguido no dia 29 de setembro de 2015 assegurado ao ofendido que as mesmas seriam entregues no dia 29.10.2015, desde que ele efetuasse um pagamento adicional de €3.100 para resolução de um problema administrativo.


106. Como o ofendido continuava interessado naquela aquisição e crendo ser verdade o que o arguido lhe dizia, no dia 05 de outubro de 2015, LL efetuou nova transferência bancária no valor pedido para a conta de AA.


107. Apesar disso, o ofendido LL nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 17.12.2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XIII


108. No ano de 2015, o ofendido CCC deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma reparação de automóvel.


109. Fruto dessa relação, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L........


110. Como o ofendido CCC estava interessado em adquirir automóvel dirigiu-se até ao arguido, tendo este confirmado aqueles factos, esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


111. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, no dia 04 de julho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o n.º ...........00 da Caixa Geral de Depósitos do montante global de €3.583,00 para compra de uma viatura de marca Mini, modelo Cooper, serie C, veículo a entregar no prazo de um a dois meses.


112. Todavia, três dias depois, o arguido contactou o ofendido e disse-lhe que havia outra pessoa interessada naquele veículo por isso, se o queria adquirir teria de cobrir a oferta apresentada no valor de €1.400,00, o que o ofendido, por crer ser verdade o que lhe foi dito e ter interesse na viatura, fez por transferência bancária no dia 08 de julho de 2015.


113. Apesar disso, o ofendido CCC nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 10.10.2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XIV


114. No ano de 2016, o ofendido DDD teve conhecimento que o arguido explorava o estabelecimento acima identificado, ao qual se dirigiu, tendo o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, proposto ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L........


115. Como o ofendido DDD estava interessado em adquirir automóvel Audi A4, o arguido enviou-lhe várias fotos desse tipo de viaturas e que estariam disponíveis, esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


116. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, no dia 17 de fevereiro de 2016 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o IBAN PT.... .... .............23, correspondendo à conta n.º .... .... ..42 do Novo Banco titulada pelo arguido, dos montantes de €1.100,00 e de €150,19 para compra de uma viatura de marca Audi, modelo A4, do ano de 2014, veículo a entregar a 06.04.2016.


117. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido entregou-lhe uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue.


118. Apesar disso, o ofendido DDD nunca recebeu a viatura, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 06.04.2016, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


119. Entretanto, já depois de ter efetuado a respetiva queixa, o arguido devolveu ao ofendido a quantia que este lhe entregara.


XV


120. No ano de 2017, o ofendido EEE trabalhava como inspetor técnico de veículos no Centro de Inspeções situado na ..., em ..., ..., quando tomou conhecimento do estabelecimento do arguido, ao qual ali se dirigiu como cliente.


121. No decurso da conversa, o arguido disse-lhe que explorava o estabelecimento acima identificado e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse ainda ao ofendido que se dedicava também à aquisição de viaturas usadas, mais lhe dizendo que conseguia adquirir para terceiros veículos a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L........


122. Como o ofendido EEE estava interessado em adquirir automóvel perguntou ao arguido se este não teria para venda um Peugeot, 3008, tendo o arguido respondido afirmativamente e trocaram contactos tendo em vista eventual negócio.


123. Nesse mesmo dia, o arguido enviou um email para o ofendido propondo a aquisição de uma viatura daquela marca e modelo mediante o pagamento do valor de €4.100,00 pela abertura do processo, custando a mesma, já com averbamento e valor final o montante de €6.100,00, viatura a ser entregue em 11 semanas, indicando-lhe também o NIB para onde devia efetuar a transferência do montante de abertura do processo, caso estivesse interessado.


124. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, no dia 21 de abril de 2017 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ...................05, titulada por FFF, do montante de €4.100,00.


125. Na verdade, o arguido tinha pedido a FFF, que na altura o ajudava na sua oficina, dizendo que não podia usar a sua conta bancária por ter sido congelada e pedindo-lhe para usar a sua para ali ser efetuado um depósito, no que FFF consentiu.


126. Após receber o dinheiro na conta, FFF procedeu ao levantamento dos €4.100 e entregou-os em dinheiro ao arguido.


127. Quando o prazo de 11 semanas chegou, o ofendido começou a insistir junto do arguido sobre o estado da compra, momento em que o arguido disse que a viatura apenas seria entregue no dia 18.07.2017, caso o ofendido fizesse o pagamento do valor para fecho de compra no montante de €1.420,00, o que o ofendido, por estar interessado, fez naquele dia para a conta indicada pelo arguido, desta feita com o NIB ...................67, que corresponde à conta PT...00 de GGG.


128. Também nessa ocasião, o arguido, que conhecia GGG, pediu a esta se podia usar a sua conta para receber dinheiro para pagamento de um automóvel, com o que GGG concordou consentindo que o arguido indicasse a sua conta para recebimento do dinheiro, tendo, no mesmo dia, procedido ao seu levantamento e entrega do dinheiro respetivo ao arguido.


129. Apesar disso, o ofendido EEE nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos julho de 2017, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XVI – XVII - XVIII


130. Em agosto de 2018, o arguido esteve internado no Hospital d. ... ........., em ..., na sequência de acidente que sofreu.


131. Enquanto ali esteve internado, o arguido conheceu o ofendido HHH, enfermeiro que trabalhava naquele hospital.


132. No decurso das conversas que mantiveram, o arguido deu conhecimento ao ofendido que explorava o estabelecimento acima identificado e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira denominada L..... ........., Lda.


133. Como o ofendido HHH e a sua esposa OO estavam interessados em adquirir automóvel em setembro de 2018 dirigiram-se até ao arguido que lhes exibiu uma lista das viaturas disponíveis dizendo que, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


134. Assim, o arguido propôs aos ofendidos a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo A200, pelo valor de €6.430,00, dos quais €6.200,00 seriam para pagar a viatura e €230,00 para pagar os custos.


135. Os ofendidos, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, no dia seguinte entregaram ao arguido, em dinheiro, tal como solicitado pelo arguido, da quantia de €6.430,00.


136. Para efetuar a entrega deste dinheiro ao arguido, os ofendidos tiveram de contrair um crédito pessoal no valor de €6.000.


137. Perante a oportunidade de negócio, a ofendida OO deu conhecimento da mesma à sua irmã III que, por também estar interessada em adquirir automóvel, em setembro de 2018, dirigiu-se, juntamente com o seu marido QQ ao estabelecimento do arguido.


138. Também a estes o arguido propôs a aquisição de viaturas usadas, nos mesmos termos acima referidos propondo-lhes a venda de uma viatura de marca Mercedes, modelo CLA, pelo valor de €9.800, dizendo que após o pagamento daquela quantia poderiam ver a viatura e o seu estado e, se não tivessem interesse nela poderiam escolher outra ou reaver o dinheiro.


139. Os ofendidos, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, entregaram ao arguido aquela quantia em dinheiro.


140. Cerca de um mês mais tarde, o arguido disse-lhes que tinha existido uma proposta por um valor superior para aquela viatura e, por isso, se a queriam teriam de cobrir essa proposta entregando do valor adicional de €850, o que os ofendidos por manterem interesse no negócio entregaram ao arguido em dinheiro.


141. Também o ofendido JJJ, colega de trabalho de NN no Hospital S.. ........., tomou conhecimento da atividade do arguido e, crendo ser verdadeira, em outubro de 2018, dirigiu-se até ao seu estabelecimento para adquirir várias viaturas automóveis.


142. Nessa ocasião, o arguido propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, nos mesmos termos acima referidos, propondo-lhe a venda de uma viatura de marca Mercedes, modelo A200, do ano de 2017, pelo valor de €6.900,00.


143. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, no dia seguinte entregou ao arguido aquela quantia de dinheiro em mão.


144. Cerca de uma semana e meia mais tarde, o arguido pediu ao ofendido para ir à sua oficina local onde lhe deu conhecimento que tinha existido uma proposta mais alta sobre a viatura e que para manter o negócio teria de pagar a quantia adicional de €1.100, o que o ofendido, por acreditar ser verdade fez, tendo levantado aquela quantia e entregue em dinheiro ao arguido.


145. No início do mês de novembro, o arguido pediu novamente ao ofendido JJJ para ir ao seu estabelecimento levar-lhe uma cópia do seu cartão de cidadão, o que este fez.


146. Nessa ocasião, o arguido disse-lhe que tinha um automóvel de marca Tesla e outro de marca Maserati para serem vendidos por um preço muito baixo, viaturas que depois poderiam ser vendidas a preço elevado, gerando grande margem de lucro.


147. Porém, o arguido disse que não tinha dinheiro suficiente para concluir esse negócio sozinho e, por isso, convenceu o ofendido a entrar nesse negócio consigo suportando este parte do valor de aquisição e depois dividindo entre eles o lucro obtido.


148. O ofendido JJJ, acreditando que aquele negócio era verdadeiro, entregou ao arguido naquela data a quantia de €5.000, tendo o arguido lhe dito que o negócio seria concluído em 24.01.2019, altura em que o ofendido teria de lhe entregar mais €4.500.


149. Porém, em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre 1 e 14 de novembro de 2018, o arguido chamou novamente o ofendido JJJ ao seu estabelecimento e disse-lhe que se entregasse naquela altura a quantia de €4.500,00 o negócio ficaria concluído até ao final de dezembro de 2018, pelo que o ofendido, para que isso sucedesse e conforme lhe foi dito pelo arguido, entregou-lhe naquela data a referida quantia.


150. No dia 15 de novembro de 2018, o arguido enviou ao ofendido uma SMS dizendo-lhe que, para aquele negócio se concluir, teria de ser paga a quantia de €4.000, pelo que, uma vez que alegadamente estavam a pagar os gastos a meias, o ofendido teria de lhe entregar a quantia de €2.000, o que o ofendido fez por transferência bancária para conta com o NIB .... .... .... .... ..82, que o arguido lhe indicou, pertencente à sua então companheira GG.


151. Apesar disso, os ofendidos OO, NN, QQ, III e JJJ nunca receberam as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos janeiro de 2019, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar os ofendidos a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de os convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XIX


152. No ano de 2017, o ofendido SS deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, por ter chegado ao seu conhecimento que o arguido se dedicava à venda de viaturas usadas a preços muito baixos.


153. Aí chegado, o arguido disse-lhe que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.


154. Para tanto, o arguido disse ao ofendido que tinha uma lista das viaturas disponíveis, exibindo-lhe fotografias de uma viatura de marca Mercedes, modelo CLK, do ano de 2010 e, para que conseguisse a sua aquisição, teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


155. Confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido SS no dia 23 de maio de 2017 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou, com o n.º PT...00, do montante global de €4.230,00, pertencente a GGG, e, em 01.06.2017, nova transferência, desta feita para conta com o n.º PT.....................23 do valor de €1.420 para compra da viatura acima aludida e que seria entregue dentro de três meses.


156. De facto, no dia 23 de maio de 2017 o arguido, que conhecia GGG pediu a esta se podia usar a sua conta para receber dinheiro para pagamento de um automóvel, dizendo-lhe que, para tanto, precisava de ter uma conta na Caixa Geral de Depósitos e não tinha.


157. Perante a explicação que lhe foi dada, GGG consentiu que o arguido indicasse a sua conta para recebimento do dinheiro, tendo, no mesmo dia, procedido ao seu levantamento e entrega do dinheiro respetivo ao arguido.


158. Como a viatura não foi entregue na data indicada, o ofendido contactou várias vezes o arguido pedindo a sua entrega, o que o arguido foi adiando apresentando várias desculpas, até que deixou de atender o telefone durante vários dias.


159. Porém, perante a insistência do ofendido o arguido propôs-lhe a aquisição de outro automóvel mediante o pagamento adicional da quantia de €800,00 dizendo que tinha outra viatura a muito bom preço.


160. Por o ofendido estar interessado naquela viatura para a sua filha, entregou ao arguido em dinheiro a quantia adicional de €400,00, tendo em vista a compra daquele segundo veículo.


161. Apesar disso, o ofendido SS nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos julho de 2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


162. Em face dos factos supra descritos, o ofendido sentiu-se enganado, humilhado e angustiado.


XX


163. No ano de 2018, o ofendido FF deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, no âmbito da sua atividade como comercial da empresa NOS.


164. No decorrer desse contacto, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.


165. Como o ofendido FF estava interessado em adquirir automóvel o arguido exibiu-lhe uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


166. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, nesse mesmo dia, entregou ao arguido a quantia de €6.200 em dinheiro para compra de uma viatura de marca Mercedes, de modelo CLS220, do ano de 2015, veículo que lhe seria entregue no prazo de dois meses.


167. Apesar disso, o ofendido FF nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 22.01.2019, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XXI


168. A ofendida KKK conhecia o arguido por o mesmo frequentar o Casino de ..., conhecendo-o por o mesmo costumar jogar nas máquinas do casino e por efetuar apostas altas.


169. Em março de 2019, a ofendida ganhou dois jackpots no casino de ... recebendo a quantia de €20.000, facto de que o arguido se apercebeu.


170. Dias depois, no dia 13 de março de 2019, cerca das 22h00, quando estavam naquele casino, o arguido abordou a ofendida e, no decorrer da conversa, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse-lhe que adquiria viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de solicitadores de execução em ....


171. Como a ofendida KKK estava interessada em adquirir um automóvel de marca Porsche, o arguido disse-lhe que conseguia vender-lhe um Porsche Cayenne por aproximadamente €40.000 ou um Porsche Macan por €11.800, tendo a ofendida demonstrado interesse em adquirir esta última viatura.


172. No dia seguinte, o arguido ligou à ofendida e exibiu-lhe uma lista, carimbada com selo branco e que continha a descrição das viaturas disponíveis e seus valores, esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido, nesse mesmo dia, até às 17h00, para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


173. A ofendida, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, nesse mesmo dia, entregou ao arguido a quantia de €11.800 em dinheiro, tendo em vista a entrega da viatura.


174. Apesar disso, a ofendida KKK nunca recebeu a viatura, , apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos março de 2019, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantia em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


175. Entretanto, em junho de 2020, agosto de 2020 e novembro de 2021, o arguido devolveu à ofendida as quantias de €3.000,00 em cada uma dessas ocasiões, num total de €9.000,00.


XXII


176. No ano de 2018, o ofendido LLL deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado.


177. No decorrer desse contacto, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.


178. Como o ofendido LLL estava interessado em adquirir automóvel o arguido exibiu-lhe uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


179. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir dois automóveis, no dia 02 de julho de 2018, entregou ao arguido a quantia de €7.400,00 em dinheiro para compra de uma viatura de marca Mercedes, modelo A 200 AMG, e de outro da mesma marca, modelo CLA 220, veículos que lhe seriam entregues no dia 27.07.2018.


180. Porém, na data não foi recebida a viatura, tendo o ofendido contactado o arguido que, em 02.08.2018, lhe solicitou a entrega de mais €3.250,00 de forma a não perder o negócio, o que o ofendido fez, por continuar interessado na compra, entregando aquela quantia em dinheiro ao arguido.


181. Nessa ocasião, o arguido propôs-lhe ainda a aquisição em parceria de uma terceira viatura (Tesla), cabendo ao ofendido o pagamento de €5.000,00, destinada à revenda, dividindo depois entre si os lucros, quantia que o ofendido, por acreditar ser verdadeiro o negócio, entregou em dinheiro ao arguido.


182. Apesar disso, o ofendido LLL nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos março de 2019 o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XXIII


183. No ano de 2018, o ofendido MMM deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, para realização de trabalhos de reparação de automóveis.


184. No decorrer desse contacto, em março de 2018, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira denominada L........


185. Como o ofendido MMM tinha aberto um stand de automóveis e estava interessado em adquirir automóveis o arguido exibiu-lhe uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


186. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir automóveis, nesse mesmo dia, entregou ao arguido a quantia de €8.100 em dinheiro para compra de uma viatura de marca BMW, modelo X5 e de outra de marca BMW, modelo 530, veículos que lhe seriam entregues no prazo de oito semanas.


187. Uma semana depois, o arguido ligou a MMM e disse-lhe que tinha uma série de viaturas a bom preço, propondo-lhe a aquisição a meias, depois dividindo entre eles o lucro, no que MMM acedeu por se tratar de um bom negócio.


188. De facto, no decurso de oito semanas até à entrega das viaturas BMW X5 e BMW 530, o ofendido foi sucessivamente encomendando mais viaturas e entregando ao arguido, por diversas vezes, as seguintes quantias: €5.000, €8.000, €9.000, €1.000, €6.000, €7.675, €5.000, €7.500, €14.000, €6.000 e €11.000, em dinheiro.


189. Finalmente, na última vez o arguido pediu-lhe a entrega imediata da quantia de €10.000 ao arguido para finalizar os negócios, pelo que MMM, na presença do arguido, deslocou-se ao seu banco onde fez um crédito pessoal nesse valor por dois meses, para entregar aquele dinheiro ao arguido, como veio a suceder.


190. Para conferir credibilidade ao negócio, o arguido levou o ofendido por três vezes às instalações da L....... onde estiveram a ver carros aparcados, dizendo o arguido que seria para o ofendido os escolher.


191. Ao entregar aquelas quantias ao arguido, o ofendido ficou sem as poupanças que tinha feito durante o período em que esteve emigrado na ..., teve de vender um apartamento e contrair empréstimo bancário, ficando em situação económica difícil por força da atuação do arguido.


192. Apesar disso, o ofendido MMM nunca recebeu as viaturas, nem a devolução total do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos desde o final do ano de 2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


193. Entretanto, o arguido devolveu ao ofendido várias quantias em dinheiro que totalizaram €8.100,00.


XXIV


194. No ano de 2018, o ofendido NNN deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado em ..., para adquirir um autorrádio e duas câmaras de estacionamento, equipamentos a instalar na viatura de sua propriedade.


195. No decorrer desse contacto, o arguido disse-lhe que conseguia arranjar o equipamento que pretendia e proceder à sua instalação, dizendo-lhe que custaria €700,00, mas que, para assegurar o negócio, teria de lhe entregar de imediato e em dinheiro, a quantia de €350,00 como sinal.


196. O ofendido, como seria uma boa proposta, procedeu ao levantamento da quantia solicitada que entregou em mãos ao arguido, tendo este lhe dito que a entrega e instalação dos equipamentos seria feita até ao dia 10.11.2018.


197. Apesar disso, o ofendido NNN nunca recebeu os equipamentos, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 11.12.2018 o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daqueles bens, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantia em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


198. Em 2019, o arguido devolveu ao ofendido a quantia de €350,00.


199. No ano de 2017, o ofendido TT deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado.


200. No decorrer desse contacto, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.


201. Como o ofendido TT estava interessado em adquirir automóvel o arguido esclareceu-o que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


202. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, no dia 24 de junho de 2017 efetuou transferência bancária para a conta com o n.º PT .....................23, indicada pelo arguido, da quantia de €3.320,00, para compra de uma viatura de marca Nissan, modelo Qashqai, veículo que lhe seria entregue quinze dias depois.


203. Porém, no mesmo dia, o arguido enviou ao ofendido uma mensagem pedindo que efetuasse nova transferência de dinheiro, pelo que TT, para não perder a oportunidade de negócio, no mesmo dia fez nova transferência para aquela conta no valor de €3.000.


204. Logo após, o arguido disse ao ofendido que havia outros interessados naquele veículo e que estavam a oferecer montantes mais elevados pela mesma, pelo que, se ele continuasse interessado, teria de cobrir a proposta e efetuar nova transferência bancária no valor de €4.818,00, o que o ofendido fez por continuar interessado e crer ser verdadeiro o negócio, efetuando no dia 27.06.2017 uma transferência para a conta acima identificada no valor de €1.618 e outras duas transferências no dia 10.07.2017, uma no valor de €1.200 e outra de €2.000.


205. Apesar disso, o ofendido TT nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos agosto de 2017 o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


206. Em face dos factos descritos, o ofendido sentiu-se profundamente humilhado, vexado, preocupado, nervoso, angustiado, inquieto e aflito.


XXVI


207. Em agosto de 2019, OOO e PPP, legais representantes da sociedade “O .......... ......... .. ........ ........, Lda”, dirigiram-se ao stand “A... ......”, situado em ..., tendo entregue ao arguido a viatura de matrícula ..-..-UU a fim de o mesmo conseguir comprador.


208. O arguido acordou com as legais representantes da sociedade proprietária da viatura que o seu lucro corresponderia a tudo o que conseguisse acima dos €2.500,00, valor que elas pretendiam receber pela venda do veículo.


209. Entretanto, em data não apurada, o arguido disse-lhes que a viatura em causa se destinava a ser entregue a uma coletividade, para transporte de uma equipa feminina de andebol, que estava interessada na sua compra.


210. Nessa altura, para que o arguido diligenciasse pela venda acordada, foi-lhe entregue o respetivo documento único automóvel e declaração de venda assinada pela gerente daquela sociedade, tendo o arguido lhes dito que, posteriormente, entraria em contacto com as mesmas para lhes entregar a respetiva documentação e os €2.500 acordados.


211. Porém, decorrido o tempo fixado o arguido nada disse, tendo deixado de receber as chamadas das mesmas e retirando o automóvel que lhe foi entregue para venda para parte incerta, usando-o do modo que quis, tanto que a ofendida recebeu notificações para pagamento de portagens e apropriando-se do mesmo.


212. Entretanto, em 22.07.2020, o arguido, usando os documentos que lhe foram entregues pela ofendida, nomeadamente a declaração de venda devidamente assinada, formalizou a vendeu daquela viatura a QQQ, que procedeu ao registo do veículo em nome da sua companheira RRR, recebendo o arguido das mãos de QQQ o preço de €2.000, mas sem que o tenha entregue às ofendidas legais representantes, da sociedade proprietária daquele automóvel.


213. Ou seja, a ofendida não recebeu o dinheiro que lhe foi prometido pelo arguido, nem devolveu a viatura que lhe foi entregue, apesar de isso lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos junho de 2020, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar a ofendida a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de a convencer a entregar-lhe aquela viatura sem receber qualquer contrapartida em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se da mesma, usando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que a mesma não lhe pertencia.


214. A 27.01.2021, o arguido entregou a OOO e a PPP, representantes legais da sociedade “O .......... ......... .. ........ ........, Ldª”, a quantia de €2.500,00.


XXVII


215. Em janeiro de 2020, o arguido dirigiu-se à oficina N........ em ..., local de trabalho do ofendido SSS, tendo-lhe dito que é proprietário de uma oficina automóvel situada na Avenida ..., em ..., ... e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viatura usada, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.


216. Como o ofendido SSS estava interessado em adquirir automóvel da marca Mercedes o arguido esclareceu-o que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar o pagamento em dinheiro para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


217. Confiando SSS que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir tal automóvel, o arguido conseguiu convencê-lo a que o pagamento fosse efetuado por transferência bancária e, assim, no dia 06 de fevereiro de 2020, efetuou transferência bancária para a conta com o n.º PT .....................23, indicada pelo arguido, da quantia de €3.600, para compra de uma viatura de marca Mercedes, modelo AMG, do ano de 2018, veículo que lhe seria entregue semanas depois.


218. Apesar disso, o ofendido SSS nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantia em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


219. Com efeito, o ofendido tentou por diversas vezes falar e contactar telefonicamente o arguido, para o número de contacto móvel que este lhe tinha indicado (.......73), a fim de saber sobre os desenvolvimentos do negócio de aquisição da viatura, mas este deixou de atender as suas chamadas telefónicas.


220. Sem notícias do arguido, a 04 de maio de 2020 enviou-lhe um um e-mail para o endereço de e-mail que aquele lhe havia indicado (...) questionando-o, mais uma vez, sobre o ponto da situação, ao qual não obteve qualquer resposta.


XXVIII


221. Na mesma ocasião e lugar, o arguido dirigiu-se ao ofendido VV, também funcionário da N........, tendo-lhe dito que é proprietário de uma oficina automóvel situada na Avenida ..., em..., ... e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viatura usada, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.


222. Como o ofendido VV estava interessado em adquirir automóvel da marca Mercedes o arguido esclareceu-o que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar o pagamento em dinheiro para que este desse início ao processo junto da leiloeira.


223. Confiando VV que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir o dito automóvel, o arguido logrou convencê-lo a que o pagamento fosse efetuado por transferência bancária e, assim, no dia 05 de fevereiro de 2020, efetuou transferência bancária para a conta com o n.º PT .....................23, indicada pelo arguido, da quantia de €2500, e no dia seguinte uma segunda transferência de €2.500 para a mesma conta, para compra de uma viatura de marca Mercedes, modelo CLA AMG, do ano de 2018, veículo que lhe seria entregue semanas depois.


224. Apesar disso, o ofendido VV nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo AA apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XXIX


225. No ano de 2020, o ofendido TTT entrou em contacto com o arguido tendo este, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse-lhe que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de uma leiloeira, sendo que mais tarde, conforme infra referido, enviou ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e seus valores.


226. Como não tinha liquidez para sozinho adquirir qualquer viatura, que perspetivava revender, o ofendido UUU mostrou-se interessado em entrar no negócio, financiando-o, perspetivando ambos repartir entre si os respetivos lucros aquando da revenda da viatura que iriam adquirir ao arguido;


227. No dia 05 de maio de 2020, o arguido enviou ao ofendido TTT uma mensagem com uma listagem de viaturas que tinha para venda, tendo os ofendidos ficado interessados na aquisição de uma viatura de marca Mercedes CLA 220 de 2019.


228. Para tanto, o arguido disse a TTT que tinham de lhe entregar a quantia de €5.480,00 para início do processo de compra, o que este transmitiu a UUU.


229. Acreditando que o que o arguido lhes tinha transmitido correspondia à verdade, para concretizar o negócio, nesse mesmo dia, UUU efetuou a entrega daquele montante.


230. Porém, após receber o dinheiro, o arguido nunca entregou a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde maio de 2020, tendo deixado de atender os seus telefonemas, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


XXX


231. Em setembro ou outubro de 2020, o AA dirigiu-se ao ofendido VVV, dono de uma barbearia utilizada pelo arguido e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse-lhe que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de uma leiloeira.


232. Nessa altura, o arguido propôs-lhe a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo A200 AMG, pelo valor de €6.280, tendo o ofendido ficado interessado na aquisição dessa viatura e, em consequência, por estar convencido que seria verdade, entregou esse valor em dinheiro ao arguido nessa data em duas tranches, sendo a primeira de €3.000,00 e a segunda de €3.280,00.


233. Porém, após receber o dinheiro, o arguido nunca entregou a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde outubro de 2020, tendo deixado de atender os seus telefonemas, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.


*


234. O arguido usou as quantias acima referidas para os seus gastos diários, bem como para suportar gastos com jogo, dedicando-se o arguido com regularidade e de forma reiterada à prática de factos como os acima descritos para desse modo obter um rendimento regular com o qual provia à sua subsistência e de forma a obter o dinheiro que necessitava para as suas despesas, fazendo da prática deste crime modo de vida.


235. Com esta conduta o arguido apropriou-se do montante global de €365.615,19 que fez seu, gastando-o em seu proveito.


236. O arguido atuou, em cada uma das situações descritas, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de enganar os ofendidos convencendo-os de que iria entregar-lhes os automóveis, eletrodomésticos, equipamentos e, o dinheiro, tal como com eles acordado, o que nunca teve intenção de fazer, tendo apenas agido daquele modo para levar os ofendidos a entregar-lhe dinheiro e a viatura acima identificada, como foi feito, valores e bem que o arguido fez seu, retirando-os do património dos ofendidos e integrando-o no seu património pessoal, bem sabendo que os mesmos não lhes eram devidos e que, nessa conformidade, causava, como causou, um prejuízo no património dos ofendidos no mesmo valor.


237. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.


Do percurso de vida do arguido AA, sua condição socioeconómica e antecedentes criminais:


238. À data dos factos constantes da acusação AA residia com a companheira (relacionamento que mantinha há cerca de 2 anos), profissionalmente ativa, sendo o núcleo familiar constituído pelo próprio, pela companheira e o filho do arguido de 16 anos, a frequentar o sistema de ensino. Residiam numa habitação com razoáveis condições de habitabilidade cedida, a título gratuito, pelos pais do arguido, contigua à residência destes, em ... - .... Trata-se de uma zona residencial onde as relações de rede vacinal são caraterizadas pela proximidade.


239. A dinâmica familiar era normativa, pese embora a relação com a companheira tenha findado em novembro de 2021. O arguido manteve sempre proximidade afectiva e relacional com os pais, residentes em habitação contígua.


240. A sua subsistência era assegurada pelos rendimentos que auferia, em média, no valor correspondente ao salário mínimo nacional. A companheira trabalhava no Casino ..., onde auferia um salário de €800 por mês. Como encargos mensais suporta os decorrentes da manutenção da habitação, nomeadamente o fornecimento de energia eléctrica, água e telecomunicações no valor cerca de €180 mensais.


241. Ao nível laboral encontrava-se inserido no sector da mecânica-auto, por conta própria, como eletricista de automóveis, numa oficina em ..., desde finais de 2018. Na sequência da escassez de trabalho decorrente da pandemia de Covid19, esta atividade deixou de ser rentável, vindo a encerrar em outubro de 2020, contudo, o arguido criou na garagem da habitação onde reside uma oficina improvisada, onde efetuava trabalhos em regime de biscates no mesmo sector. Atualmente a “oficina/garagem” está a ser explorada por um amigo, auferindo o arguido um rendimento mensal variável, mas situado em torno de €400 po mês, rendimento que, a par do apoio prestado pelos pais, lhe permite assegurar as despesas mensais e garantir a subsistência.


242. AA nasceu na ..., onde os pais se encontravam emigrados e onde permaneceu até aos 19 anos, quando regressaram a Portugal e fixaram residência na morada atual. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem constituído pelos pais e 3 irmãos. A dinâmica familiar era estruturada e afetivamente investida, beneficiando a família de situação económica humilde, decorrente da atividade do pai, operário da construção civil, sendo a mãe costureira. Os pais encontram-se reformados, com idade de 89 e 88 anos e com algumas limitações ao nível da saúde inerentes à idade.


243. AA iniciou o seu percurso escolar em idade normal, na ..., frequentando o sistema de ensino até à conclusão do 9º ano de escolaridade, aos 14 anos, altura em que iniciou atividade laboral no setor da mecânico-auto, atividade que exerceu ao longo dos anos, numa fase inicial por conta de outrem e, mais tarde, por conta própria. Em 2015 criou o seu próprio negocio, no mesmo sector em ..., ..., que manteve até 2018. Nesta altura abriu nova oficina em ..., atividade que manteve até outubro de 2020.


244. Constituiu agregado familiar próprio aos 32 anos, relação que perdurou cerca de 6/7 anos e que findou na sequência de problemas de saúde (doente bipolar) da ex-companheira. Desta relação existe um filho de 16 anos, tendo-lhe sido entregue a guarda do mesmo, que mantém. O arguido vivencia com significativo sofrimento os problemas de saúde de que o filho padece (do foro cardíaco e de ansiedade) e no âmbito dos quais é clinicamente acompanhado no Hospital de .. .... (…).


245. Na sequência desta relação, o arguido contraiu doença infetocontagiosa (HIV), sendo acompanhado em consultas periódicas, no Hospital de A...... (…).


246. Entre 2014 e 2017 estabeleceu novo relacionamento, existindo uma filha desta união, atualmente com 5 anos, a residir com a mãe, com quem o arguido mantém uma relação de proximidade. A filha quinzenalmente passa o fim-de-semana com o pai.


247. Em finais de 2018 estabeleceu novo relacionamento afetivo, com uma senhora de nacionalidade ucraniana e com a qual coabitou até novembro de 2021, altura em que ocorreu a separação.


248. Encontra-se desde 24 de dezembro de 2021 sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância eletrónica à ordem dos presentes autos.


249. AA apresenta-se apreensivo e ansioso, tendo consciência das consequências que poderão resultar do presente processo, sendo capaz de, perante os factos pelos quais está acusado, formular, em abstrato, juízo de censura, com capacidade para se posicionar criticamente quanto aos valores jurídicos violados.


250. Beneficia a nível familiar do apoio dos pais e irmãos, os quais se mostram solidários e disponíveis para colaborar no seu processo de ressocialização, perspetivando que este tempo se constitua como uma oportunidade de mudança do se percurso de vida. O apoio familiar de que beneficia e o projeto de se manter ativo laboralmente na área da mecânica automóvel são âncoras estruturantes do seu projeto de vida.


251. Tem os seguintes antecedentes criminais:


- No âmbito do PCS nº 649/02.7..., do extinto .. .. Criminal do T.J. da Comarca …, por sentença datada de 19.04.2016, transitada em julgado a 04.05.2006, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €3,5, o que perfaz o total de €420, pela prática a 25.06.2002 de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205º, nº 1, do Código Penal. Pelo seu pagamento, tal pena foi declarada extinta;


- No âmbito do PCS nº 255/12.8..., do extinto .. .. .. T.J. da Comarca …, por sentença de 19.12.2013, transitada em julgado a 31.01.2014, foi o arguido condenado na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de €6, o que perfaz um total de €1.500,00, pela prática a 11.05.2012 de um crime de burla simples, p. e p. pelo artº 217º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º do Código Penal. Pelo seu pagamento, tal pena foi declarada extinta;


- No âmbito do proc. sumaríssimo nº 455/16.1..., do Juízo Local de Competência Genérica … – .... ., por decisão de 11.05.2017, transitada em julgado a 11.09.2017, foi o arguido condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €6, o que perfaz um total de €6, o que perfaz um total de €1.800,00, pela prática a 21.12.2015 de um crime de burla simples, p. e p. pelo artº 217º, nº 1, do Código Penal. Pelo seu pagamento, tal pena foi declarada extinta;


- No âmbito do PCS nº 144/18.2..., do Juízo Local Criminal de..., do T.J. da Comarca …, por sentença de 19.04.2021, transitada em julgado a 14.12.2021, foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,5, o que perfaz um total de €440, pela prática a 06.12.2018 de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artgs 153º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), do Código Penal.”.

2. Recorde-se que a decisão recorrida que aqui está em causa é o acórdão de 09/11/2022, proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação do Porto, e que julgou não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmou totalmente a decisão de 18/05/2022, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Central Criminal de ... - J... ..


Nos termos desta decisão efectuou-se o cúmulo das respectivas penas parcelares impostas nos pontos 1.º a 22.º e 24.º a 30.º, do dispositivo daquele aresto – todas inferiores a 5 (cinco) anos de prisão, com excepção da condenação constante do ponto 23 do dispositivo, relativamente aos factos descritos sob o ponto XXIII, da matéria de facto provada –, e o arguido recorrente foi condenado pela prática de 30 crimes de burla qualificada, p. e p. nos termos dos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

3. Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a jurisprudência deste Supremo Tribunal é pacífica em afirmar que “(…) é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.” – Ac. do STJ de 17/06/2020, Proc. n.º 91/18.8JALRA.E1.S1, em www.dgsi.pt.


No caso, o Ministério Público junto deste STJ pugnou pela rejeição do recurso por o recorrente ter apresentado extensa motivação e ter concluído de forma abundante. Apesar de notificado para o efeito, o recorrente continuou a apresentar extensas conclusões (77 pontos), repetindo quer na motivação quer nas conclusões, essencialmente, o que já havia apresentado junto do Tribunal da Relação.


Efectivamente, o recorrente pretende que sejam apreciadas as questões seguintes:

a. Nulidade do acórdão recorrido, por:

i. omissão de pronúncia por força da al. c), do n.º 1, do art.º 379.º, do CPP, porquanto em seu entendimento o tribunal a quo não apreciou a impugnação da matéria de facto que havia efectuado – conclusões 1 a 6;

ii. violação da primeira parte da al. b), do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP, verificando-se contradição insanável da fundamentação e por violação da segunda parte da al. b), do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP, por o Tribunal ter procedido a uma alteração da qualificação jurídica dos factos sem comunicar a mesma ao arguido – conclusões 7 a 10;

iii. recurso a utilização e valoração de prova proibida e meio de obtenção proibido, (metadados) conforme apontado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 268/2022, publicado no DR n.º 108/2022, Série I, de 03/06/2022 – conclusões 20 a 25;

iv. recurso a utilização e valoração de um método de prova proibido – registo de fichas, perícias, mensagens, sigilo bancário e reconhecimento – conclusões 26 a 49;

v. violação do princípio do acusatório, por o Juiz Presidente ter inquirido testemunhas indicadas pelas partes – conclusões 50 a 52 ;

vi. violação do princípio da lealdade, por actuação do Ministério Público que “(…) violou o direito do Arguido a ser submetido a um processo equitativo na dimensão de justo processo, à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e parte final do número 4 do artigo 20.º e número 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa” – conclusões 53 e 54;

b. A absolvição do arguido:

i. da prática dos crimes de Burla, p. e p. nos termos dos art.ºs 217.º e 218.º do CP, (violação do art.º 217.º do CP, conjugado com o n.º 2 do art.º 18.º da CRP) porquanto não cometeu qualquer infracção criminal, antes foram os ofendidos que não exerceram os seus deveres de diligência e de autoprotecção perante os termos dos negócios de venda de automóveis topo de gama por si propostos, a preços “preços absurdamente ridículos”, sem se preocuparem em verificar a proveniência dos veículos, o seu estado ou a sua quilometragem, designadamente, colocando-se numa situação de ignorância “(…), na medida em que tinham ao seu dispor os meios para averiguar a veracidade das informações transmitidas pelo o autor ou se, não os tinham, certo é que pela natureza praticamente absurda do negócio por conta dos seus valores e modo de pagamento, deveriam ter-se apercebido do perigo do engano.”, devendo ser declarada a inconstitucionalidade da norma preceituada pelo n.º 1, do art.º 217.º, do CP, quando interpretada “(…), no sentido de que a sua consumação não exige que se verifique, por parte da vítima, a obrigação de cumprir os seus deveres autoproteção, por violação do número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.” – conclusões 11 a 19;

ii. por conta da atipicidade da sua conduta, apenas poderá ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo n.º 1, do art.º 205.º, do CP, e dever ser alterada a qualificação jurídica dos factos mencionados,(…) e por força da desistência de queixa subscrita pelo ofendido, associada ainda à restituição total do valor, deverá o presente procedimento criminal aqui posto em crise, ser declarado extinto, bem como ser declarada extinta a responsabilidade criminal do Arguido” – conclusões 55 a 59;

c. Assim não se entendendo, deve o arguido ser condenado pela prática de um único crime de burla qualificada – conclusões 60 a 73;

d. E, caso, ainda, assim não se entenda, o tribunal a quo deveria ter sido considerado “(…) para efeitos da determinação da medida da pena o facto do Arguido ser portador do vírus do HIV e, não o fazendo incorreu em violação do número 1 e 2 do artigo 71 e número 1 e 2 do artigo 77.º, ambos do Código Penal.” – conclusões 74 a 77.

2. Vistas as questões assim suscitadas, pelo recorrente, neste recurso, fácil é concluir que o mesmo, apesar de saber que o recurso para o Supremo Tribunal versa matéria de direito, essencialmente insiste na i) na nulidade da decisão, agora do acórdão da Relação que confirmou integralmente a decisão da 1ª instância – imputando à decisão recorrida omissão de pronúncia –, bem como insiste na ii) impugnação da matéria de facto e da qualificação jurídica dos factos – violação do disposto na al. b), do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP pedindo que deve o arguido ser condenado pela prática de um único crime de burla qualificada – e iii) na revisão da pena única que lhe foi aplicada – pedindo que a pena única aplicada seja reduzida para outra de 8 (oito) anos de prisão – , repetindo os argumentos que apresentou em sede de recurso para a Relação, bastando para o efeito comparar os textos, da motivação e das conclusões, apresentados junto daquela instância e junto deste STJ, – vd. Requerimento interposição de recurso para a Relação do Porto, Ref.ª n.º 13170435, Acórdão do TRP, Ref.ª n.º 16280670 e Requerimento interposição de recurso para o STJ, Ref.ª n.º 353193.


Como se referiu no citado Ac. do STJ de 17/06/2020, em caso semelhante “Em termos globais, o presente recurso mais não é do que a mera repetição do recurso anterior, sem qualquer inovação, melhoria ou significativo acrescento, sem o recorrente ter a mínima preocupação de introduzir, aqui e agora, neste novo palco de apresentação/representação do feito a decidir, qualquer mais-valia, outro elemento, quiçá, novo, relevante, pertinente, útil, uma diversa perspectiva de observação e análise, quase parecendo esquecer que o acórdão a impugnar é agora outro, que se debruçou sobre um acórdão do Colectivo de …, ora, retomando a letra, o tom e o ritmo da primeira impugnação, nada alterando, como se tudo fosse exactamente igual, quando efectivamente o não é, justamente em função da intervenção correctiva operada pelo ora acórdão recorrido.”.


Neste arresto faz-se uma breve exposição sobre a orientação jurisprudencial do STJ em face do entendimento sobre se se deveria ter sido admitido o recurso – por carência absoluta de motivação – art.ºs. 411.º, n.º 3, 414.º, n.º 2 e 417.º, n.º 3, al. a), do CPP.


Note-se que, no recurso que o mesmo arguido apresentara da decisão da 1ª instância para o Tribunal da Relação, formulou conclusões idênticas focando-se nas questões da contradição na fundamentação da matéria de facto provada, do erro de julgamento e do excesso da pena única que lhe foi aplicada, tal como resulta da transcrição das suas alegações no acórdão recorrido.


Com efeito, visto o teor do acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido, verifica-se que no mesmo foram analisadas e decididas, as questões colocadas e identificadas pelo recorrente no recurso para aquele tribunal, tendo confirmado integralmente a decisão da 1ª instância e pronunciando-se sobre todas as questões – incluindo a utilização de prova proibida e o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos arts.ºs 1.º e 53.º, n.º 1, da Lei 83/2017, de 18/08 – que o recorrente também coloca no recurso para o STJ.


Porém tal como se decidiu no citado Ac. do STJ de 17/06/2020, “Em caso de reedição da motivação e conclusões do anterior recurso interposto para o Tribunal da Relação é de entender que a repetição/renovação de motivação não deve ser equiparada à sua falta, não estando prevista a possibilidade de rejeição de recurso para os casos em que o recorrente se limita a repetir a argumentação já apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação. Pelo exposto, entende-se não ser de rejeitar o recurso, não sendo de colocar o óbice da inadmissibilidade do recurso por esta razão.”.


Tanto basta para que, com base nesse fundamento, no caso, não se rejeite o presente recurso.

2. Todavia, ainda há que resolver a segunda questão que se coloca que é a de saber se o Ac. do TRP, de 09/11/2022 é irrecorrível e em que medida, por falta de pressupostos para a sua admissão, conforme art.ºs 432.°, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2 e 400.º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal (CPP). Importa ter presente que o acórdão recorrido objecto do presente recurso, confirmando a decisão da 1ª instância, manteve a condenação do ora recorrente quer no que concerne às penas parcelares aplicadas, todas inferiores a 8 (oito) anos de prisão, quer quanto à dosimetria da pena única dela resultante e aplicada ao arguido.


Efectivamente, no acórdão sob recurso, e na parte respeitante, o TRP decidiu manter o Ac. de 18/05/2022, proferido pelo tribunal de 1ª instância – cuja condenação se transcreveu no ponto I do relatório –, julgando improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e confirmar totalmente a decisão recorrida – conforme o dispositivo do acórdão recorrido.


Para tanto, no que concerne à medida concreta das penas, e tendo em consideração o peticionado pelo arguido recorrente – conforme pontos 128 a 131, das suas conclusões de recurso, transcritas no relatório – no acórdão recorrido, considerou-se o seguinte:


A última questão suscitada pelo recorrente em sede de erro de julgamento em sede de direito respeita à questão da pluralidade ou unidade de infracções.


Pugna o recorrente para que o comportamento do arguido seja considerado crime continuado ou, caso assim não se entenda, que se considere que actuou sempre ao abrigo de uma única resolução criminosa, devendo ser-lhe imputada a prática de um crime único de burla qualificada.


(…)


Já deixámos supratranscrita a solução jurídica adoptada pelo Tribunal a quo quanto à questão do crime continuado, com a qual concordamos.


Com efeito, o ordenamento jurídico nacional aborda a temática da unidade ou pluralidade de crimes no art. 30.º do CPenal, sob a epígrafe Concurso de crimes e crime continuado, norma tributária na sua essência da doutrina de Eduardo Correia.


Estabelece o n.º 1 deste preceito que «[o] número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.»


De acordo com este preceito, e uma vez que da actuação do arguido, aqui recorrente, resultou, por trinta vezes, o preenchimento do tipo de crime em análise (burla qualificada) o mesmo incorreu, em princípio, à luz daquele art. 30.º, n.º 1, do CPenal na prática de trinta crimes de burla.


(…) não podemos deixar de considerar que a mesma reflecte uma pluralidade de resoluções criminosas, tantas quanto os ofendidos ali identificados, desde logo, porque os factos se prolongaram ao longo dos anos de 2015 a 2020 e porque, apesar da utilização do idêntico modus operandi, cada negócio estabelecido tinha as suas próprias características, como o modo de pagamento, as contas para as quais eram feitas as transferências, os valores ou objectos negociados, obrigando o recorrente a renovar relativamente a cada um deles a sua resolução criminosa, mesmo naquelas situações em que os ofendidos o contactaram por conhecimento ou intermédio de outros ofendidos.


Mostra-se, pois, de afastar a solução proposta de verificação de um único crime de burla qualificada, com fundamento na circunstância alegada de toda a actuação do arguido ter subjacente uma única resolução criminosa, assim como é também de afastar o entendimento de que se deve considerar parcialmente verificado este entendimento relativamente a alguns grupos de ofendidos.


E quanto a uma solução de unificação das condutas do arguido numa continuação criminosa – fundamentada no n.º 2 do art. 30.º do CPenal segundo o qual constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente –, para além do que ficou apreciado pelo Tribunal a quo, importa salientar que a questão do período de tempo em que decorreu a acção aqui apreciada não é inócua, também nesta perspectiva, pois a continuação criminosa pressupõe igualmente uma concentração temporal das condutas, só assim podendo ser avaliadas no quadro da mesma solicitação exterior, circunstância dificilmente verificável ao longo de cinco anos.


Essa solicitação não pode bastar-se com a circunstância de o arguido ter um modus operandi semelhante, aproveitando também a exploração de estabelecimento comercial, pois, nesta perspectiva, o arguido podia estar a vida toda a cometer os mesmos actos e ser-lhe imputado um único crime [continuado], o que não é concebível, pois, isso seria premiar a reiteração de actos criminosos.


Na verdade, a solicitação tem de ser exterior. O arguido tinha de se ter deparado simplesmente com ela. Quando é o próprio a criar todas as condições para que possa beneficiar do património alheio, são as condições endógenas do mesmo que levam à criação do contexto em que são praticados os crimes. Por isso, também a circunstância de o arguido manter enganado um ofendido que por sua vez facilita o engano de terceiros só a si se deve, não sendo algo que surja inadvertidamente.


(…)


A matéria de facto provada revela que o arguido não se deparou com qualquer situação exterior que lhe diminuísse a culpa na repetição criminosa quanto ao cometimento dos crimes de burla, antes que criou activamente e ao longo de período prolongado as condições necessárias para obter através do engano de terceiros vantagens patrimoniais à custa do empobrecimento alheio.


Em suma, está em causa uma pluralidade de resoluções criminosos e uma pluralidade de infracções, tantas quantas as resoluções, nenhuma censura devendo recair sobre o acórdão recorrido.” – negrito nosso.


Com esta fundamentação o TRP manteve a decisão condenatória proferida na 1ª instância e a respectiva condenação por cada um dos 30 (trinta) crimes de burla qualificada imputado ao arguido ora recorrente, quer relativamente às penas parcelares aplicadas, quer relativamente ao cúmulo jurídico efectuado, condenando-o na pena única de 10 (dez) anos de prisão.


Por isso, nos termos do art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP não é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares aplicadas, porquanto se está perante decisão da Relação confirmativa de condenação proferida na 1.ª instância que aplicou penas de prisão não superiores a 8 anos. Assim, o recurso interposto restringe-se ao conhecimento da pena conjunta (única) de 10 (dez) anos de prisão aplicada ao arguido e, o recurso não devia ter sido admitido na parte respeitante à medida das penas parcelares que lhes foram aplicadas, verificando-se dupla conforme, pelo que, nessa parte, deve ser rejeitado.


Efectivamente, nos termos do art.º 432.º, n.º 1, do CPP, das decisões proferidas pelas relações recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), se forem “a) (…) proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; e “b) (…) que não sejam irrecorríveis …” quando proferidas “(…) em recurso, nos termos do artigo 400.º;”.


Não obstante o disposto no art.º 399.º, do CPP, que indica ser “(…) permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.”, a verdade é que, o CPP impõe regras de excepção relativamente a casos de não admissão de recurso das decisões proferidas pelas Relações, tal como expressamente dispõe o art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, a saber: não é admissível recurso de acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso quando se verifique que a decisão condenatória de 1ª instância, que aplicou pena de prisão não superior a 8 anos, foi confirmada pelo Tribunal da Relação.


É o caso sob recurso, porquanto o TRP não efectuou qualquer alteração dos pressupostos a partir dos quais a 1ª instância aplicou as penas concretas, parcelares e única. Assim sendo, está excluída a apreciação da matéria que respeita à dosimetria das penas parcelares aplicadas. O recurso não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões com elas conexas e com os respetivos crimes, designadamente as nulidades, os meios de prova, as inconstitucionalidades, bem com a qualificação jurídica dos factos ou forma do seu cometimento.


Como se pode constatar as penas parcelares aplicadas ao arguido AA não ultrapassaram os 8 anos de prisão, pelo que nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 432.º, n.º 1, al. b) – recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º – e do art.º 400.º n.º 1, al. f) – não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos – ambos os artigos do CPP. Ou seja, no caso, o TRL manteve a decisão condenatória proferida na 1ª instância e a respectiva condenação por cada crime imputado ao arguido ora recorrente, quer relativamente às penas parcelares aplicadas, quer relativamente ao cúmulo jurídico. Por isso, como supra se disse, o recurso não devia ter sido admitido na parte respeitante à medida das penas parcelares que lhe foram aplicadas, por serem inferiores a oito anos de prisão, verificando-se dupla conforme, ficando precludido o acesso ao STJ – neste sentido Ac. do STJ de 29/03/2012, Proc. n.º 18/10.5GBTNV.C1.S1, em www.dgsi.pt.


E, mesmo que o recurso tenha sido admitido, como o foi por despacho do TRP, de 20/12/2022, tal facto “(…) não vincula o tribunal superior.”, conforme art.º 414.º, n.º 3, do CPP.


Com efeito, conforme o Ac. do STJ de 24/02/2022, Proc. 1735/16.1T9STB.E1.S1, também em www.dgsi.pt, constitui jurisprudência firme deste Supremo Tribunal que “(…) relativamente à al. f), do nº 1, do art. 400º, do Cod. Proc. Penal, torna-se necessária a verificação de dois requisitos cumulativos para que os acórdãos condenatórios proferidos pela Relação sejam irrecorríveis, a saber: que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação confirme a decisão proferida em 1ª Instância (situação de dupla conforme), e que a pena de prisão aplicada não seja superior a 8 anos.


Com efeito, com a alteração do art. 400º do Cod. Proc. Penal (introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/02), o legislador pretendeu reduzir a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, constituindo jurisprudência sedimentada que ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas, por crimes em concurso, que foram objecto da aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico (nos termos do art. 77º do Cod. Penal), só será admissível recurso para este Supremo Tribunal quanto à pena única que for superior a 8 anos de prisão e quanto aos crimes punidos também com penas desta dimensão.


Constitui jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal, que o recurso não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões com elas conexas e com os respetivos crimes, designadamente as nulidades, os meios de prova, as inconstitucionalidades, bem com o a qualificação jurídica dos factos ou forma do seu cometimento.(…)


O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre esta questão e decidiu, no seu Ac. nº 186/2013, “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”.” – negrito nosso.


No mesmo sentido, mais recentemente, vd. o Ac. de 06/04/2022, Proc. 85/15.5GEBRG.G1.S1, no mesmo sítio da DGSI.


Trata-se de jurisprudência uniforme e reiterada deste Supremo Tribunal, da qual não se vê razão para divergir. Tanto basta para que o recurso, nessa parte, deva ser rejeitado.


2.1. Antes de prosseguir, convém esclarecer que, sendo rejeitado o recurso relativamente a esta matéria, fica também precludida a apreciação da questão de aplicação, neste mesmo domínio, dos poderes de cognição correspondentes à chamada “revista alargada”, estabelecidos no art.º 410.º do CPP. Independentemente de outras razões, a extensão de poderes cognitivos outorgada por esta norma legal só é possível no domínio em que é possível no âmbito em que o recurso é admissível. A norma não estabelece uma nova causa de recorribilidade, mas a extensão da abrangência de fundamentos ou de apreciação nos casos em que a lei restrinja os poderes de cognição do tribunal de recurso a matéria de direito.


E que, face à rejeição parcial do recurso, fica prejudicada ou esvaziada de sentido a questão, suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, de saber se as conclusões satisfazem as exigências dos art.ºs 412º/1 e 414º/2, do CPP. Na verdade, só por referência a essa parte do recurso seria razoável colocar o problema do excesso ou prolixidade das conclusões. No que respeita à parte do recurso que subsiste, nenhum reparo merece a peça processual.

3. Da medida concreta da pena única


Nos termos do art.º 71.º, do CP, a medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, em especial, verificadas todas as circunstâncias, referidas expressamente no fundamento da sentença que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente: “a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.


Ou seja, a determinação da medida da pena é fixada dentro dos limites da moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e de critérios de prevenção geral e especial, visando-se com a sua aplicação “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, conforme art.º 40.º, n.º 1, do CP.


3.1. Das conclusões do recurso apresentado pelo arguido ora recorrente ressalta, inovadoramente, que o mesmo considera que “ Não podemos escamotear que deveria ter sido tomado em consideração para efeitos da determinação da medida da pena aplicada ao concurso de crimes pelo qual o Arguido veio condenado, não só a sua idade, como também o facto deste se encontrar infetado pelo vírus do HIV, pois, da conjugação das daquelas duas circunstâncias, poderá resultar que – na prática – foi aplicada uma pena de prisão perpétua ao Arguido.” e que “(…) quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilica necessidade da pena, pelo que deveria ter sido tomado em consideração para efeitos da determinação da medida da pena o facto do Arguido ser portador do vírus do HIV e, não o fazendo incorreu em violação do n.º 1 e 2 do art.º 71.º e n.º 1 e 2 do art.º 77.º, ambos do CP.”, pelo que, “(…) entende o aqui Arguido que parece adequado, proporcional e necessário a alteração da pena única de 10 (dez) anos de prisão, pela qual vem condenado, para outra de 8 (oito) anos de prisão.” – conclusões 74 e 77, do recurso.


Note-se que, no recurso que o mesmo arguido apresentara da decisão da 1ª instância para o Tribunal da Relação, não formulou conclusões idênticas antes focando-se nas questões da nulidade do acórdão, insuficiência da matéria de facto provada, do erro de julgamento e da qualificação jurídica dos factos, tal como resulta da transcrição das suas alegações no acórdão recorrido e como já apreciado.


Com efeito, visto o teor do acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido, verifica-se que no mesmo foram analisadas e decididas, as questões colocadas e identificadas pelo recorrente no recurso para aquele tribunal, tendo confirmado integralmente a decisão da 1ª instância e não se tendo pronunciado sobre esta questão nova – a do excesso da pena única aplicada em cúmulo das penas parcelares – e que agora o recorrente coloca apenas no recurso para o STJ.


Importa ter presente, como já referido, que o acórdão recorrido objecto do presente recurso, confirmando a decisão da 1ª instância, manteve a condenação do ora recorrente quer no que concerne às penas parcelares aplicadas, todas inferiores a 8 (oito) anos de prisão, quer quanto à dosimetria da pena única delas resultante, de 10 (dez) anos de prisão. Efectivamente, no acórdão sob recurso, o TRL decidiu manter o Ac. de 18/05/2022, proferido pelo tribunal de 1ª instância, confirmando integralmente aquela decisão, incluindo, portanto, as penas parcelares e a pena única.


Refira-se que, no recurso que interpôs do acórdão da 1ª instância, o arguido não questionou a medida concreta da pena única, sequer, considerando-a excessiva, nem colocou em crise a medida das penas parcelares aplicadas por cada um dos 30 crimes de burla qualificada por que foi condenado e que integraram o concurso. E, neste recurso, nem sequer colocou em crise qualquer uma das penas parcelares, limitando-se a recorrer do acórdão da Relação questionando a medida da pena única aplicada por, em seu entendimento não ter sido atendido o facto de “(…) não só a sua idade, como também o facto deste se encontrar infetado pelo vírus do HIV…”.

2. Não obstante, conhecendo da questão, sempre se dirá que “A pena conjunta ou única, pena através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, (…). Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena única são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas” e “(…) que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente, sendo que a “autoria em série” deve considerar-se, em princípio, como factor agravante da pena.” – Ac. do STJ de 02/12/2013, Proc. 742/11.5TACTX.E1.S1, em www.dgsi.pt.


Na fixação concreta da pena única, não há dúvida que, pelo tribunal recorrido, a mesma foi cuidadosamente ponderada e analisada com pormenor, depois de graduadas as penas parcelares aplicadas por cada infracção em que foi condenado – vd. pontos 2.1 e 2.2, do acórdão confirmado –, e atendeu-se ao grau de ilicitude colocado na comissão de cada ilícito, revelada no modo da sua execução, persistência de prosseguimento da acção e intensidade do propósito de concretizar o desígnio criminoso, circunstâncias estas apuradas em sede de audiência de julgamento – vd. factos provados nos ponto 234 a 251, com relevo para o facto sob o ponto 245, da matéria de facto provada.


A forma como os crimes foram cometidos, em execução de actos de preparação e planeamento, revelando engenho e premeditação na prática dos crimes de burla, o facto de o arguidos não ter revelado qualquer interiorização da sua conduta ou qualquer expressão reveladora de consciência crítica sobre os actos cometidos (sendo disso sintomática a tentativa de desvalorizar a sua conduta imputando responsabilidades aos ofendidos), o facto de já possuir antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, mostram bem que o arguido revela dificuldades em conduzir a sua vida de modo, pessoal e socialmente integrado.


Por isso, mantendo o decidido quanto a esta questão e mantendo a condenação do arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão – encontrada numa moldura penal que varia entre os 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses e os 25 anos de prisão –, bem andou o TRP, ao manter tal condenação por serem muito elevadas as exigências de prevenção especial, a levar em conta na determinação da pena, dada a evidente propensão criminosa do arguido, assim se concluindo que são muito fortes as exigências da prevenção geral, pela frequência das condutas e a necessidade de salvaguardar os bens jurídicos inerentes aos crimes contra o património. E, nenhuma circunstância atenuante relevante se apurou, sendo evidente que a sua idade ou a natureza da doença de que o arguido padece (facto provado sob o ponto 245) não o impediram de continuar a praticar a actividade ilícita a que se dedicou e pela qual foi condenado, pelo que são circunstâncias irrelevantes para a fixação da pena de concurso.


Assim sendo, a pena única de 10 (dez) anos, de prisão, aplicada ao arguido AA, não pode considerar-se excessiva face aos critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação, ponderados na condenação da pena única ou conjunta, em cúmulo jurídico para o concurso de crimes praticados pelo Recorrente, conforme art.º 77.º, n.º 2, do CP.


Por esse motivo improcedem as alegações do recorrente e se impõe nesta parte, negar provimento ao recurso, nos termos do art.º 420.º, n.º 1 al. a), do CPP, não havendo com isso violação do direito ao recurso consagrado no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República.


Termos em que, improcedem a totalidade das alegações do arguido ora recorrente.

III. DECISÃO


Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a. Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, em tudo o que excede o que respeita à determinação da pena única.

b. Negar provimento ao recurso na parte em que dele se conhece, confirmando o acórdão recorrido.

c. Condenar o Recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 26 de Outubro de 2023 (processado e revisto pelo relator)


Leonor Furtado (Relator)


Agostinho Torres (Adjunto)


António Latas (Adjunto)