Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1033/20.6T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
IDENTIDADE SUBJETIVA
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
PRESSUPOSTOS
DEVEDOR
HIPOTECA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Ocorre a excepção de caso julgado quando se verifica uma tríplice identidade entre sujeitos processuais, pedidos e causa de pedir.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA, BB e Estudotécnico- Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Lda, intentaram acção declarativa sob processo comum contra CC, DD e EE, peticionando que seja declarada:

A - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3) da quantia de 5.800.000$00- €28.930,28 celebrado em 20 de Fevereiro de 1997.

B - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3), da quantia de 6.000.000$00- €29.927,87 celebrado em 14 de Fevereiro de 2000.

C - Em consequência deve ordenar-se o cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo nº 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Gaveto ..., nºs 12, 16 e ..., nºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

D - Em alternativa deve declarar-se a prescrição do direito sobre os mencionados créditos e a consequente extinção da obrigação dos 1ª AA e 2ªA:

E - Em consequência da extinção da obrigação deve ordenar-se a extinção e cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo nº 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Gaveto ..., nºs 12, 16 e ..., nºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da maia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

2. Como fundamento da referida pretensão, os Autores alegaram, em síntese que, por escritura de 19/10/1993 os 1ºAA declararam adquirir a FF a fração identificada nos autos, venda essa que veio a ser declarada nula por simulação, com consequente destruição dos seus efeitos e cancelamento dos registos, porém, o 1ª A. dera-a em hipoteca a GG, tendo celebrado com este escritura de Reconhecimento de Dívida e Hipoteca, de forma simulada, sem que alguma vez tenha havido qualquer entrega ou empréstimo de quaisquer quantias, tendo sido celebrada apenas para forçar FF a liquidar os valores que devia à 2ª A.

Concluem que como a escritura de Reconhecimento de Dívida e Hipoteca foi um acto simulado, é nulo e não produz quaisquer efeitos, devendo ser cancelado o registo daquela hipoteca.

Posteriormente, foi ainda celebrado uma outra escritura de Reconhecimento de Dívida e hipoteca, também simulada, a favor de HH, ao qual foi também cedidos os alegados créditos de GG, sem que tenha comprado, nem querido comprar os alegados créditos, nem tendo pago qualquer quantia pelos mesmos.

Sem prescindir, e em alternativa, os AA alegaram a prescrição do direito, porque sobre a constituição dos alegados créditos já passaram mais de vinte anos, quer quanto ao alegado crédito do GG cuja escritura de reconhecimento de dívida e hipoteca foi celebrada em 20/2/1997, quer do crédito cuja escritura de confissão de dívida e hipoteca foi celebrada a 14/2/2000.

3. Os Réus deduziram contestação conjunta, invocando a excepção do caso julgado face à sentença transitada em julgado proferida no Proc. Nº 1883/13.0... e, impugnaram os factos alegados pelos AA por os desconhecerem, sendo os herdeiros de HH e não tendo tido intervenção ou conhecimento daqueles negócios.

Mais peticionaram a condenação dos AA como litigantes de má-fé, em multa e indemnização condignas.

4. Foi proferido despacho a admitir a intervenção principal provocada de II, herdeiro de GG e de JJ, ao lado dos Réus.

5. Dispensada a realização de audiência prévia, exercido o contraditório por escrito, foi elaborado despacho saneador, com conhecimento da excepção do caso julgado, tendo sido proferida a seguinte decisão final:

“Pelo exposto, o Tribunal:

a) nos termos dos artigos 278º nº 1 alínea e), 576º nºs 2 e 3, 577º alínea i), 580º, 581º e 595º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, absolve da instância os Réus CC, DD, e EE;

b) julga improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelos Réus.

Nos termos dos artigos 297º nºs 1, 2, 301º nº 1 e 306º do mesmo diploma, fixo o valor da ação em € 67.537,23 (por referência ao valor máximo das hipotecas).

Custas a cargo dos Autores.

Registe e notifique.”

6. Inconformados, os Autores/Apelantes interpuseram recurso de apelação da sentença final.

7. O recurso foi conhecido no Tribunal da Relação do Porto, que decidiu:

“Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelos Apelantes/Autores, mantendo-se o saneador/ sentença recorrido.”

8. Foi interposto recurso de revista excepcional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 28/2/2023, o qual foi objecto de despacho de admissão no referido tribunal, dizendo:

“Sendo tempestivo o requerimento de interposição de recurso de Revista Excepcional e tendo os Recorrentes para o efeito legitimidade, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça para que a Formação de Juizes prevista no art. 672º nº 3 do CPC conheça da verificação dos pressupostos da mesma.”

9. A revista excepcional veio assim justificada: “…presente recurso de revista excepcional ser admitido, por se verificar, no caso concreto, os requisitos previstos no artigo 672º n.º1 alínea a) e alínea c) do Código de Processo Civil: “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e “O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.”

10. Nas conclusões do recurso diz o recorrente (transcrição):

I - O Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, e vem da mesma recorrer.

II - No caso sub júdice, as questões em análise são:

A) Quanto ao Caso Julgado, saber se existem identidade de sujeitos quando ocupam posições diferentes no processo e se existe identidade de pedido quando em processos diferentes se requerem a nulidade de realidades jurídicas de natureza diferente, pois num processo requer-se a nulidade das hipotecas (uma garantia real) e no outro requer-se a nulidade dos reconhecimentos de dívida (títulos de crédito).

B) Quanto à Prescrição, se deve esta operar pelo decurso do tempo ou se pode ocorrer a interrupção sem que esta tenha sido promovida pelo credor.

III - Na primeira questão, Quanto à exceção e à autoridade do caso julgado é imperioso estabelecer uma interpretação da exceção do caso julgado e da autoridade do caso julgado quando em processos diferentes se requerem a nulidade de realidades jurídicas de natureza diferente, pois num processo requer-se a nulidade das hipotecas (uma garantia real) e no outro requer-se a nulidade dos reconhecimentos de dívida (títulos de crédito).

IV - Se por um lado, para parecer haver identidade, no nosso humilde entender essa identidade não existe, tanto que a decisão no processo 1883/13.0... tem como finalidade libertar o imóvel dos ali autores FF e KK da hipoteca e aqui pretende-se discutir a nulidade do direito de crédito,

V - Além de que nos presentes autos também se invoca a prescrição do direito de crédito, pedido que nada tem a ver com a primeira ação.

VI - Assim, como é sabido, para existir a exceção do caso julgado é necessário estarmos perante ações que tenham as mesmas partes, os mesmos pedidos e as mesmas causas de pedir.

VII - Ora, confrontando a presente ação judicial com a do processo que correu termos sob o nº 1883/13.0..., verificamos que estamos perante ações que não têm as mesmas partes, não têm os mesmos pedidos, nem têm as mesmas causas de pedir.

VIII - Desde logo, as partes num e noutro processo, ocupam posições diferentes.

IX - Quanto aos pedidos, nos presentes autos pede-se que se declare:

A - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3), da quantia de 5.800.000$00 - € 28.930,28, celebrado em 20 de Fevereiro de 1997.

B - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3), da quantia de 6.000.000$00 - € 29.927,87, celebrado em 14 de Fevereiro de 2000.

C - Em consequência deve ordenar-se o cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo n.º 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Gaveto ..., n.ºs 12, 16 e ..., n.ºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da ..., descrito na 1ª Conservatória do Registro Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

D - Em alternativa deve declarar-se a prescrição do direito sobre os mencionados créditos e a consequente extinção da obrigação dos 1ºs AA e 2ª A;

E - Em consequência da extinção da obrigação deve ordenar-se a extinção e cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo n.º 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no ... e ..., n.ºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da ..., descrito na 1ª Conservatória do Registro Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

X - Já na ação nº 1883/13.0... os pedidos foram os seguintes:

a) Se declare que a venda referida em 1) da Petição Inicial é nula por simulada;

b) Se declare que são nulas, por simuladas, as hipotecas constituídas sobre a fracção e referidas em 23) da Petição Inicial, bem como a cessão de crédito e transmissão de garantia entre os 2º e 3º Réus referida em 24) da Petição Inicial;

c) Sejam cancelados os registos lavrados com base na escritura de compra e venda referida em 1) da Petição Inicial, nas escrituras de constituição de hipoteca referidas em 23) da Petição Inicial e na escritura de transmissão de crédito referida em 24) da Petição Inicial;

d) Subsidiariamente, para a hipótese de não proceder o pedido da alínea b), que se condenem os 1º Réus a pagar-lhes o valor das hipotecas que oneram a fracção, bem como os juros das dívidas e outros encargos inerentes.

XI - Se nesta última era pedido que se considerassem nulas as hipotecas, nos presentes autos pede-se a nulidade das escrituras de reconhecimento de dívida, além de outros pedidos como o pedido de prescrição do direito de crédito.

XII - Assim, havendo pedidos como a prescrição do direito de crédito, faz com estejamos perante pedidos diferentes.

XIII - Mas vejamos a sentença proferida nos autos nº 1883/13.0..., onde foi decretado o seguinte:

“a) a venda identificada supra em A) foi declarada nula, por simulada, com a consequente destruição dos respetivos efeitos e cancelamento dos registos lavrados com base na escritura;

b) os ali Réus AA e mulher BB foram condenados a pagar aos ali Autores FF e KK o valor das dívidas subjacentes à constituição das hipotecas, para que os mesmos as pudessem extinguir;

c) os Réus foram absolvidos do demais contra si peticionado.”

XIV - De salientar que a decisão proferida em b), tem como finalidade libertar o imóvel dos ali Autores FF e KK das hipotecas que sobre o mesmo incidem.

XV - A intenção foi no sentido de desonerar o imóvel dos ali Autores, não propriamente pronunciar-se quanto ao direito de crédito dos aqui RR.

XVI - Naquela ação ataca-se as hipotecas, ou seja, um direito real de garantia,

XVII - Nesta ação ataca-se o direito de crédito e a sua validade.

XVIII - Naquela ação não foram carreados para os autos todos os elementos essenciais á descoberta da verdade, porque o foco naquela ação era outro.

XIX - Pelo que, estamos perante duas ações, onde não existe identidade entre as partes, os pedidos ou as causas de pedir,

XX - Não pode, por isso, ocorrer uma exceção de caso julgado, nem a autoridade do caso julgado.

XXI - Por outro lado, é certo que se exige segurança jurídica e coerência das decisões judiciais definitivas, porém, não podemos permitir que essa segurança e coerência dê cobertura a situações ilegais.

XXII - A principal função dos Tribunais é garantir a defesa dos direitos e dos interesses dos cidadãos, protegidos por lei, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.

XXIII - É o que decorre do Artigo 202º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 2º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO):

XXIV - Assim, no nosso sistema democrático temos os Tribunais como garante da administração e aplicação da Justiça e não podemos aceitar que os Tribunais deem cobertura a situações ilegais e injustas.

XXV - Não podemos esquecer que de acordo com o nº 2 do artigo 240º do Código Civil,

“O negócio simulado é nulo.”, sendo nulo, ao abrigo do artigo 286º do CC considera-se que “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.”

XXVI - E quanto aos efeitos da declaração de nulidade, prescreve o nº 1 do artigo 289º do CC que “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”

XXVII - Pelo que não podemos permitir que o Tribunal dê cobertura a um negócio nulo que na sua essência e natureza não produziu quaisquer efeitos.

XXVIII - Salienta-se que nos presentes autos são juntos elementos probatórios, que não haviam sido analisados no processo 1883/13.0..., nomeadamente o recibo emitido por GG e junto sob o Doc 5 com a PI.

XXIX - Pelo que não pode operar, nem a exceção do caso julgado, nem a autoridade do caso julgado.

XXX - Em segundo lugar, Quanto à prescrição, no caso sub Júdice é necessário definir a interpretação dos artigos 304º, 323º e 327º ambos do Código Civil, quanto ao facto de decretar a prescrição e se para operar a interrupção da prescrição tem de haver um intenção do titular do direito de crédito exercer o seu direito, devendo promover por sua iniciativa a instauração de uma ação, seja declarativa ou executiva, para fazer valer esse seu direito.

XXXI - Assim, esta questão reveste-se de uma importante relevância para propiciar uma melhor aplicação do direito, nomeadamente quanto aos factos que permitem tirar a conclusão de quando deve operar a interrupção da prescrição, bem como a exigência dessa interrupção ser promovida pelo titular do direito do qual se pretende invocar a prescrição.

XXXII - E, essa necessidade de melhor apreciação para uma boa aplicação do direito, emerge na medida em que se trata de uma questão que surge com frequência e que é debatida e controversa na doutrina e na jurisprudência, sendo que levanta dúvidas susceptíveis de afectar relevantes interesses gerais de uma comunidade, por se tratar de uma questão de elevado carácter pragmático e exemplar, existindo, portanto, um interesse geral na boa aplicação do direito.

XXXIII - Uma vez que se trata de uma questão do foro civil obrigacional, que está inserida no dia-a-dia da comunidade jurídica e é necessário criar na comunidade uma segurança e estabilidade quanto às normas que regem todo este instituto,

XXXIV - Sendo a certeza ou segurança jurídicas um dos fundamentos do instituto da prescrição, a sua interrupção reveste carácter excepcional.

XXXV - Pelo que, importa definir em que termos pode ser interrompido o prazo de prescrição e quem tem de promover ações que levem a essa interrupção.

XXXVI - No caso em apreço já decorreram mais de vinte anos sobre a data de constituição dos créditos dos RR, pelo que já estão os mesmos prescritos.

XXXVII - Sucede ainda que, durante este período os RR nunca intentaram qualquer ação com a intenção de exercer o seu direito, pelo que, nunca promoveram a interrupção da prescrição.

XXXVIII - Não podendo beneficiar do instituto da interrupção da prescrição.

XXXIX - Posição esta que tem sido unanime na nossa jurisprudência, como consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 04-03-2010 no âmbito do processo 1472/04.OTVPRT-C.S1, in www.dgsi.pt, que postula: "O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito.", "A interrupção da prescrição constitui um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, pelo que a respectiva alegação e prova incumbirá ao credor.”; “A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção (ou execução) em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor..".

XL - Por outro lado, a prescrição da hipoteca é diferente da extinção da obrigação principal.

XLI - Nos autos que correram termos na ... discutia-se o cancelamento das hipotecas para desonerar o imóvel, aqui discute-se o direito de crédito e a sua prescrição.

XLII - Posição esta que tem sido unanime na nossa jurisprudência, como consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 07-12-2016 no âmbito do processo 512/14.9TBTNV.E1.S1, in www.dgsi.pt, que postula:

“A prescrição como causa de extinção da hipoteca é independente da extinção da obrigação principal e, por isso, não constitui ato interruptivo da prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente do imóvel hipotecado, a interrupção da prescrição relativamente à obrigação contraída com garantia real pelo devedor junto da instituição de crédito, interrupção que decorreu da reclamação de créditos que a instituição de crédito deduziu em execução instaurada contra o devedor”

XLIII - No douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto ficou estabelecido que: “Não obstante, proferida a referida sentença na acção nº 1883/13.0... em 16/8/2016, deixou de poder ser invocada a prescrição dos créditos subjacentes à constituição das hipotecas, créditos esses que são, nem mais nem menos, os valores das dívidas que os Apelantes foram condenados a pagar naquela acção, tendo começado a correr, após o trânsito em julgado daquela sentença, novo prazo de prescrição ordinário de 20 anos que ainda não se completou.

Isto mesmo resulta da conjugação do disposto no art. 327º nº 1 do CC com o disposto no art. 311º nº 1 do CC, de acordo com os quais, com o reconhecimento judicial do direito, após o trânsito em julgado, recomeça um novo prazo prescricional ordinário.”

XLIV - Ora, com o devido respeito, não podemos aceitar a decisão plasmada no Douto Acórdão, que está ferida de errada interpretação da lei.

XLV - Conforme referido na Petição Inicial, a contagem do prazo prescricional conta-se desde a data de constituição dos créditos, e, assim, o suposto direito de crédito dos Réus está prescrito, pois sobre a constituição dos mesmos já passaram mais de vinte anos.

XLVI - A escritura de Reconhecimento de Dívida e Hipoteca da quantia € 28.930,28, foi celebrada em 20 de Fevereiro de 1997, e a escritura de Confissão de Dívida e Hipoteca no montante de € 29.927,87, foi celebrada no dia 14 de Fevereiro de 2000.

XLVII -O prazo de prescrição ordinário é de vinte anos, conforme estabelecido no artigo 309º do CC e de acordo com o nº 1 do artigo 304º do Código Civil: “Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.”

XLVIII -Quanto à interrupção da prescrição estabelece o nº 1 do artigo 323º do C.C. o seguinte: “1 - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”

XLIX - Esta norma estabelece que a interrupção da prescrição deve ser promovida pelo titular do direito contra quem foi ou pode ser invocada a prescrição.

L - Pelo que, desde logo se exige que o mecanismo de interrupção da prescrição seja promovido pelo titular do crédito, que deve exprimir a intenção de exercer o direito.

LI - Ora, os aqui RR, nunca exprimiram a intenção de exercer o seu direito, pois nunca intentaram uma ação declarativa para reconhecer o seu direito de crédito, nem intentaram ação executiva para executar qualquer título, contra os aqui Autores.

LII - Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 04-03-2010 no âmbito do processo 1472/04.O...-C.S1, estabelece que:

“1 – O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.

Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar liberto de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito.

(…)

5 – A interrupção da prescrição constitui um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, pelo que a respectiva alegação e prova incumbirá ao credor.

6 – A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção (ou execução) em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor.

LIII - Quem promoveu a ação com o processo 1883/13.0... foram FF e mulher KK, onde apenas pretendiam que o seu imóvel fosse desonerado das hipotecas.

LIV - Não se discutiu em concreto a relação material dos aqui Autores e RR, nomeadamente da constituição dos direitos de crédito.

LV - A sentença do processo 1883/13.0... condena os ali Réus AA e mulher BB a pagar aos ali Autores FF e KK o valor das dívidas subjacentes à constituição das hipotecas, para que os mesmos as pudessem extinguir.

LVI - Não declara que os aqui RR são credores dos aqui Autores, nem tão pouco declara a obrigação dos aqui Autores pagarem os eventuais direitos de créditos dos aqui RR.

LVII - Saliente-se que, o direito de crédito é diferente da garantia real de hipoteca.

LVIII - Na ação 1883/13.0... pretendia-se libertar o imóvel, que pertenciam a outras pessoas, das hipotecas que sobre o mesmo incidem, aqui nestes autos pretendemos discutir a prescrição do direito de crédito e o não exercício pelo credor do seu direito de crédito.

LIX - A prescrição da hipoteca é diferente da extinção da obrigação principal.

LX - Posição esta que tem sido unanime na nossa jurisprudência, como consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 07-12-2016 no âmbito do processo 512/14.9TBTNV.E1.S1, in www.dgsi.pt, que postula:

“A prescrição como causa de extinção da hipoteca é independente da extinção da obrigação principal e, por isso, não constitui ato interruptivo da prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente do imóvel hipotecado, a interrupção da prescrição relativamente à obrigação contraída com garantia real pelo devedor junto da instituição de crédito, interrupção que decorreu da reclamação de créditos que a instituição de crédito deduziu em execução instaurada contra o devedor”

LXI - O credor está há mais de vinte anos sem exigir o seu direito de crédito

LXII - Pelo que prescreveu o direito dos RR sobre os alegados créditos, sendo que estes nada fizeram para interromper a prescrição.

LXIII - Com a prescrição do direito extingue-se a obrigação.

LXIV De acordo com o disposto na al. a) do artigo 730º do CC “A Hipoteca extingue-se: a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia;”

LXV - O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado.

LXVI - Negligência que faz presumir ter o credor querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna indigno de proteção jurídica.

LXVII -A prescrição deve ser reclamada pela boa organização das sociedades civilizadas, apresentando-se como uma excepção não privativa dos direitos de crédito (art.º 298º do Cód. Civil) e, por isso mesmo, inserida na sua parte geral, no capítulo relativo ao tempo e à sua repercussão sobre as relações jurídicas (art.ºs 296º a 327º do Cód. Civil).

LXVIII - À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art.º 298º, n.º 1, do Cód. Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (art.º 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).

LXIX - Isso mesmo, pretendem os Autores seja declarado.

NESTES TERMOS,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando o Acórdão recorrido e fixando-se a interpretação no sentido de que,

A) Não estão preenchidos os requisitos para operar a exceção ou a autoridade do caso julgado

B) interpretação dos artigos 304º, 323º e 327º ambos do Código Civil, quanto ao facto de decretar a prescrição e se para operar a interrupção da prescrição tem de haver um intenção do titular do direito de crédito exercer o seu direito, devendo promover por sua iniciativa a instauração de uma ação, seja declarativa ou executiva, para fazer valer esse seu direito.

C) Consideram-se prescritos os créditos dos réus e consequentemente extingue-se a obrigação dos autores, ordenando-se o cancelamento das hipotecas,

D) Para haver interrupção da prescrição tem de haver uma intenção do titular do direito de crédito exercer essa interrupção promovendo ações para fazer valer o seu direito.

E) A causa de extinção da hipoteca é independente da extinção da obrigação principal.

F) O Acórdão de que agora se recorre está em contradição com outros:

- O do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 04-03-2010 no âmbito do processo 1472/04.OTVPRT-C.S1, estabelece que:

“1 – O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.

Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar liberto de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito (…)

5 – A interrupção da prescrição constitui um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, pelo que a respectiva alegação e prova incumbirá ao credor.

6 – A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção (ou execução) em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor.”

- O do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 07-12-2016 no âmbito do processo 512/14.9TBTNV.E1.S1, in www.dgsi.pt, que postula:

“A prescrição como causa de extinção da hipoteca é independente da extinção da obrigação principal e, por isso, não constitui ato interruptivo da prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente do imóvel hipotecado, a interrupção da prescrição relativamente à obrigação contraída com garantia real pelo devedor junto da instituição de crédito, interrupção que decorreu da reclamação de créditos que a instituição de crédito deduziu em execução instaurada contra o devedor”.

11. Não foram oferecidas contra-alegações.

12. A relatora, junto do STJ, confirmando a verificação da dupla conformidade impeditiva da revista normal, remeteu os autos à formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC.

13. Por acórdão de 6 de Setembro de 2023, a formação admitiu o recurso nos seguintes termos:

Decisão

Pelo exposto, admite-se a revista excecional interposta pelos Autores, com fundamento em relevância jurídica, no que concerne à apreciação da verificação da figura do caso julgado.”

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir

II. Fundamentação

De Facto

14. Conforme havia sucedido com o acórdão recorrido, também para efeitos do presente recurso o que releva é o aí afirmado – que se reproduz:

Para a decisão a proferir releva o conteúdo da petição inicial destes autos, bem como as peças processuais do Processo nº 1883/13.0... e respectiva sentença transitada em julgado, considerados os necessários à prolação da presente Decisão.”

De Direito

15. O acórdão da formação admitiu o recurso de revista para análise da questão relativa à figura do caso julgado, delimitando assim o objecto do recurso, por redução, face ao que vinha solicitado pelo recorrente, e impondo que apenas se possa conhecer dessa problemática.

16. Para se compreender o que é pedido pelos recorrentes, vejamos o que o acórdão disse:

“Nos presentes autos foi proferida sentença em sede de despacho saneador, tendo sido absolvidos da instância os Réus, nos termos dos arts. 278º nº 1 al. e), 576º nºs 2 e 3, 577º al. i), 580º, 581º e 595º nº 1 al. a) do CPC, não tendo ficado explícito, como seria conveniente, se os RR foram absolvidos da instância por verificação da excepção dilatória do caso julgado, ou pela autoridade do caso julgado, em função do já decidido no Proc. Nº 1883/13.0..., por sentença transitada em julgado.

No entanto, devidamente interpretados os termos da sentença recorrida não temos dúvidas que o tribunal a quo julgou procedente a excepção da autoridade do caso, desde logo porque prescindiu de analisar se se verificava a tríplice identidade exigida pelo art. 581º do CPC para a verificação da excepção do caso julgado- mesmos sujeitos, mesma causa de pedir e mesmo pedido- dela constando a devida e fundamentada abordagem dos aspectos essenciais para a verificação dos efeitos da autoridade do caso julgado, a qual prescinde da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

Em função dos argumentos recursivos vertidos nas Conclusões de recurso, as quais balizam o conhecimento deste Tribunal, conclui-se que os Apelantes centraram este recurso apenas e só na excepção do caso julgado propriamente dito, restringindo os argumentos recursivos ao facto de considerarem que “confrontando a presente acção judicial com a do processo que correu termos sob o nº 1883/13.0..., verificamos que estamos perante acções que não têm as mesmas partes, não têm os mesmos pedidos, nem têm as mesmas causas de pedir”.

Em momento algum os Apelantes puseram em causa a argumentação vertida na sentença recorrida relativa à verificação da autoridade do caso julgado no caso concreto, o que, desde logo, conduziria à manifesta improcedência do presente recurso.

Não obstante, afigura-se-nos que, contrariamente ao defendido pelos Apelantes, no caso sub judice verifica-se efectivamente a excepção do caso julgado, ocorrendo a tríplice identidade entre as duas acções, sem prejuízo do efeito da autoridade do caso julgado sustentada na sentença recorrida.

Antes de abordarmos os argumentos recursivos, tenhamos presente a pretensão formulada pelos Apelantes na petição dos presentes autos e, o objecto do litígio apreciado na ação nº 1883/13.0... por sentença transitada em julgado, seguindo de perto o referido na sentença recorrida a esse propósito:

“Na análise das certidões judiciais referentes aos processos nº 1883/13.0... e 1883/13.0...-B extrai-se que essa ação foi proposta por FF e KK contra:

- os aqui Autores AA e mulher BB;

- JJ e marido GG, falecidos, sendo habilitados como herdeiros a aqui Autora BB e seu irmão II;

- HH e mulher, a primeira Ré CC, o primeiro falecido na pendência da ação, com habilitação da viúva e dos filhos também aqui Réus DD e EE;

- a aqui Autora Estudotécnico - Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Ld.ª.

Os ali demandantes pediram:

» a título principal:

A) a declaração de nulidade, por simulação, da venda outorgada em 19 de Novembro de 1993, no Cartório Notarial de ..., onde haviam declarado vender aos ali Réus AA e mulher BB, que declararam comprar, a fração autónoma, designada pela letra “A”, destinada a comércio, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia e concelho da ..., descrito na Conservatória sob o nº 193 e inscrito na matriz no artigo 944;

B) a declaração de nulidade, por simulação:

a) das duas hipotecas que oneravam a dita fração:

i) constituída por escritura pública celebrada no 1º Cartório Notarial de ... em 20 de Fevereiro de 1997, pelos ali Réus AA e mulher BB, no valor de Esc. 5.800.000$00 ou € 28.930,28, com o montante máximo assegurado de Esc. 7.540.000$00 ou € 37.609,36, para garantia de uma dívida da ali Ré Estudotécnico - Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Ld.ª, de que eram sócios, a favor dos ali Réus JJ e marido GG;

ii) constituída por escritura de pública celebrada no 6º Cartório Notarial do Porto em 27 de Março de 2000, pelos ali Réus AA e mulher BB, no valor de Esc. 6.000.000$00 ou € 29.927,87, com o montante máximo assegurado de Esc. 7.070.280$00 ou € 35.266,41, a favor dos ali Réus HH e mulher para garantia de uma dívida sua;

b) da cessão de crédito e transmissão de garantia identificados em a) i), formalizada por escritura pública em 14 de Fevereiro de 2020 no 1º Cartório Notarial de ... pelos Réus JJ e marido GG a favor dos Réus HH e mulher.

C) o cancelamento dos registos lavrados com base nas escrituras de compra e venda, constituição de hipotecas e transmissão de crédito;

»» subsidiariamente, na hipótese de improcedência dos pedidos supra identificados em B), a condenação dos ali Réus AA e mulher BB a pagar-lhes o valor das hipotecas que oneram a fração, bem como os juros das dívidas e outros encargos inerentes.

Por sentença proferida em 16 de Agosto de 2016, transitada em julgado:

a) a venda identificada supra em A) foi declarada nula, por simulada, com a consequente destruição dos respetivos efeitos e cancelamento dos registos lavrados com base na escritura;

b) os ali Réus AA e mulher BB foram condenados a pagar aos ali Autores FF e KK o valor das dívidas subjacentes à constituição das hipotecas, para que os mesmos as pudessem extinguir;

c) os Réus foram absolvidos do demais contra si peticionado.

Encontra-se a correr termos, sob o nº 1883/13.0...-B, incidente de liquidação para determinar os montantes que decorrem da condenação identificada no anterior parágrafo sob a alínea b).

Na contestação então apresentada pelos aqui Autores no processo nº 1883/13.0... – que integra as peças processuais juntas por cópia na contestação da presente ação – estes alegaram que “constituíram as hipotecas para garantia de empréstimos realizados à 4ª Ré, empréstimos esses que entraram realmente nas contas bancárias da 4ª R”.

Na presente ação os Autores AA e mulher BB e Estudotécnico - Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Ld.ª pretendem:

A) a declaração de nulidade, por simulação, do reconhecimento de dívida e hipoteca da quantia de Esc. 5.800.000$00 - € 28.930,28, celebrada em 20 de Fevereiro de 1997;

B) a declaração de nulidade, por simulação, do reconhecimento de dívida e hipoteca da quantia de Esc. 6.000.000$00 - € 29.927,87, celebrada em 14 de Fevereiro de 2000;

C) o cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A” integrada no prédio submetido ao regime da propriedade horizontal descrito na Conservatória de Registo Predial da ... sob o nº 00193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

D) em alternativa, a declaração de prescrição do direito sobre os mencionados créditos e a consequente extinção da sua obrigação e das hipotecas.

Alegam agora os Autores que GG nunca foi credor da sociedade Autora Estudo-técnico, nem seu, não houve entrega ou empréstimo de quaisquer quantias por aquele e que a escritura de cessão de créditos foi igualmente simulada para que LL pagasse ao casal demandante a dívida de FF, não tendo o marido e pai dos Réus querido comprar tais créditos, nem pago a GG qualquer quantia pela cessão, acrescentando que a segunda hipoteca sobre a fração em causa ficou a dever-se à circunstância de, entretanto, o prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 568-Vila Chã, abrangido na cessão, ter regressado à esfera jurídica de FF e mulher, impedindo o registo da hipoteca constituída em 14 de Fevereiro de 2000.

Note-se que no incidente de liquidação os ali Réus e aqui Autores AA e mulher, na oposição, usaram os mesmos argumentos invocados na petição inicial, para que aquela instância fosse suspensa por causa prejudicial, invocando, ainda, a prescrição do crédito e dos juros, o que lhes foi negado com fundamento no caso julgado formado pela sentença em liquidação.”

Vejamos, então, se, como sustentam os Apelantes, inexiste a tríplice identidade exigida pelo art. 581º do CPC:

1. Alegam os Apelantes que os sujeitos, nas duas acções, não são os mesmos, porquanto nem os Autores são os mesmos, nem o são os Réus.

Como é bom de ver, da análise dos dois processos em confronto, os sujeitos da presente acção foram também partes na acção nº 1883/13.0..., apenas não assumem a mesma posição na lide, porquanto naquela acção eram todos Réus e agora os ali Réus AA, BB e Estudotécnico- Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Lda passaram a assumir a posição de Autores mantendo-se os restantes como Réus, tendo sido inclusivamente chamado o herdeiro do falecido GG ao lado dos aqui RR para ser assegurada a legitimidade passiva.

O que assume relevância jurídica para a identidade de sujeitos é que os sujeitos titulares da concreta relação material controvertida numa e noutra acção sejam partes, assumindo a mesma qualidade jurídica nas duas acções (neste caso a qualidade de devedores e credores garantidos pelas hipotecas).

Quer os aqui Apelantes, quer os aqui Apelados, são os titulares da relação material controvertida dos dois negócios de reconhecimento de dívida e constituição de hipoteca cuja declaração de nulidade por simulação foi questionada na acção nº 1883/13.0... e é novamente questionada nesta acção.

Apelantes e Apelados, em ambos os processos judiciais, assumem o mesmo interesse substancial quanto às relações jurídicas em causa, e ambos ficaram vinculados pela decisão judicial proferida na acção nº 1883/13.0...

Tanto basta, a nosso ver, para se ter por verificada a identidade de sujeitos, não se exigindo que assumam nas duas acções a mesma posição processual (activa/passiva), pois o que releva é que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que estejam em ambas as acções os portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa(segundo palavras de Alberto dos Reis)2, os titulares da mesma relação material controvertida, não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções3 e sendo indiferente a posição que assumam em ambos os processos, não ficando tal identidade comprometida ou destruída pelo facto de ocuparem as partes posições opostas (ou distintas) em cada um dos processos4.

2. Mais alegaram os Apelantes que não existe identidade nos pedidos.

Como resulta inegável do art. 581º nº 3 do CPC, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, não sendo necessário que todos os pedidos se repitam de igual forma nas duas acções, basta que, pelo menos um dos pedidos seja idêntico ou, sendo diferente, com ele se pretenda obter o mesmo efeito do pretendido na acção já julgada anteriormente.

“A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as acções se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões (STJ 14-12-16, 219/14, STJ 24-2-15, 015/09 e STJ 6-6-00, 00A327; cf. Nota 5 ao art. 3º). Assim, se a forma como o autor se expressou na petição inicial e o modo como tal se reflectiu na sentença são importantes para a aferição da identidade do pedido que foi formulado e apreciado, não deixa de ser importante o que, numa perspectiva substancial, está contido explicitamente e, por vezes, até implicitamente nessas formulações, seguindo sempre um critério orientador segundo o qual, para além de ser dispensável a repetição da mesma causa entre os mesmos sujeitos, deve vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória.”5

O caso sub judice é paradigmático da identidade de pedido, porquanto os pedidos formulados nesta acção sob as alíneas A), B) e C) já foram anteriormente formulados na acção nº 1883/13.0...:

i)- pede-se nos presentes autos que seja declarada a nulidade, por simulação, do reconhecimento de dívida e hipoteca da quantia de 5.800.000$00 -€28.930,28 celebrado em 20/2/1997 e, nulidade, por simulação, do reconhecimento de dívida e hipoteca da quantia de 6.000.000$00 -€29.927,87 celebrado em 14/2/2000;

ii)-pedia-se na acção nº 1883/13.0... que fossem declaradas nulas, por simuladas, as hipotecas constituídas sobre a fração e referidas em 23) da petição inicial, bem como a cessão de crédito e transmissão de garantia entre os 2º e 3º RR referida em 24) da petição inicial.

Basicamente, o que pretendem os Apelantes com a presente acção é novamente a declaração de nulidade por simulação dos negócios subjacentes à constituição das mesmas duas hipotecas, pedido que já havia sido formulado na acção nº 1883/13.0... e que foi devidamente apreciado e julgado improcedente por sentença transitada em julgado naquela acção.

“Ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as acções é substancialmente o mesmo”.6

Nesta acção e na acção nº 1883/13.0..., o efeito jurídico pretendido quanto aos referidos negócios subjacentes à constituição das duas hipotecas que oneram o mesmo prédio, é exatamente o mesmo, num e noutro processo- a declaração de nulidade, por simulação, com consequente cancelamento das hipotecas.

Existe, pois, identidade de pedidos.

3. Finalmente alegaram os Apelantes que não há identidade de causa de pedir. Salvo o devido respeito, não podem os Apelantes ignorar que, nos termos do art. 581º nº 4 do CPC há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, facto esse que nas acções de anulação é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido- no caso em apreço, a pretensão de declaração de nulidade procede unicamente da alegada simulação, quer nesta acção, quer na acção nº 1883/13.0...

Declarar nulas, por simuladas, as duas hipotecas constituídas nos negócios de reconhecimento de divida e constituição de hipoteca ( pedidos formulados na acção nº 1883/13.0...), ou declarar a nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (no valor de €28.930,28) e da Confissão de Dívida e Hipoteca (no valor de €29.927,87) é exactamente o mesmo efeito jurídico, porquanto a nulidade peticionada em ambos as acções baseia-se no mesmo vício da simulação e diz respeito aos mesmos negócios subjacentes à constituição das mesmas hipotecas.

Resulta, assim, evidente, que o efeito realmente pretendido pelos aqui Apelantes é pura e simplesmente destruir a sentença proferida naquele outro processo, que os condenou a pagar o valor das dívidas subjacentes à constituição das referidas hipotecas, decisão à qual ficaram vinculados por força do caso julgado.

Com a almejada procedência dos pedidos formulados na presente acção, os aqui Apelantes conseguiriam, nada mais nada menos, do que obter o cancelamento das hipotecas sem terem de efectuar o pagamento dos valores em que foram condenados na acção nº 1883/13.0..., em claro desrespeito pela sentença judicial transitada em julgado.

Sem prejuízo, para a hipótese de se entender não estar devidamente comprovada a tríplice identidade exigida pelo caso julgado, o que não concedemos, a pretensão formulada pelos Apelantes sempre soçobraria pela autoridade do caso julgado, como se aflorou, assertivamente, na sentença recorrida. O instituto do caso julgado realiza dois efeitos: um efeito negativo; e um efeito positivo.

O efeito negativo é exercido através da exceção dilatória do caso julgado, visando evitar a repetição de causas (art.º 497º, nºs 1 e 2 do C.P.C.), conduzindo a um não pronunciamento sobre a mesma questão.

O efeito positivo é exercido através da autoridade do caso julgado e resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão ou outros tribunais ao que nela foi decidido ou estabelecido.7

A autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial, constituindo, assim, uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior.8

Segundo Manuel de Andrade, o caso julgado material “Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.”

Como defende ainda o mesmo Autor, “O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.”9

Igualmente Lebre de Freitas sustenta que, o caso julgado manifesta-se de dois modos:

«- Entre as mesmas partes e com o mesmo objecto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir) não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma excepção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado).

- Entre as mesmas partes mas com objectos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da acção, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado).» 10

De igual modo refere Rui Pinto que a força obrigatória do caso julgado desdobra-se numa dupla eficácia, assim definida:

«O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577º, alínea i), segunda parte, 580º e 581º. (…)

O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. (…)

Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.» 11

Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente pela jurisprudência, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “(...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas”12

Como realça Miguel Teixeira de Sousa, a propósito dos limites objetivos do caso julgado: “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.13

Ora, aplicando estes ensinamentos ao caso sub judice, devidamente interpretada a sentença proferida na acção nº 1883/13.0..., já transitada em julgado, para além de resultar explicitamente da parte decisória que os aqui Apelantes foram condenados a pagar aos ali Autores o valor das dívidas subjacentes à constituição das hipotecas, tendo sido julgado improcedente o pedido de nulidade por simulação dos negócios de constituição das mesmas, também resulta implicitamente da sua fundamentação que o tribunal para proferir tal condenação e julgar improcedente a declaração de nulidade por simulação dos negócios de onde resulta a constituição das referidas hipotecas, reconheceu a existência e validade daqueles negócios.

E é esse pressuposto que não pode voltar a ser aqui discutido, porquanto, tendo sido os aqui Apelantes condenados a pagar o valor das dívidas subjacentes à constituição das hipotecas para que as mesmas possam ser extintas, partindo-se do pressuposto de que a sua constituição não é nula por simulação, não pode agora voltar a discutir-se a alegada nulidade por simulação das dívidas subjacentes à constituição das referidas hipotecas, devendo vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que viesse a ser proferida, uma contradição decisória.

A existência e validade dos negócios subjacentes à constituição das referidas hipotecas e, por inerência a validade das próprias hipotecas, consubstancia uma questão necessariamente preliminar que foi antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva da sentença proferida na acção nº 1883/13.0..., estando abrangida pela autoridade do caso julgado.

Conforme se pode ler do Ac STJ de 15/12/2020, “No que diz respeito ao pedido e à causa de pedir, há também entendimento, ao que se crê unânime, no sentido de que a autoridade de caso julgado pode estender-se a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado. Ponto é que a concreta questão suscitada tenha sido objecto da decisão judicial”, o que, como vimos, ocorreu.

O mesmo se pode ler do recente Ac STJ de 2/2/2023, “O caso julgado estende a sua relevância para além do conteúdo decisório expresso, abrangendo fenómenos de inferência, quando uma determinada decisão expressa pressuponha ou imponha, necessariamente, uma outra decisão implícita.”14

A instauração da presente acção não é mais do que uma tentativa por parte dos Apelantes de anularem o efeito prático-jurídico da sentença proferida na acção nº 1883/13.0..., já transitada em julgado e, sua liquidação em curso, objectivo esse que a autoridade de caso julgado se destina a impedir.

Os Apelantes insurgem-se quanto ao facto de o tribunal a quo dar primazia à segurança jurídica e coerência das decisões judiciais definitivas em detrimento da validade dos negócios, alegando que os tribunais não devem dar cobertura a situações ilegais e injustas, contudo, não podemos deixar de mencionar que foram os próprios Apelantes que pugnaram pela validade dos negócios cuja nulidade por simulação era invocada na anterior acção e, cuja nulidade agora reclamam, numa postura manifestamente abusiva e contraditória, só se podendo queixar de si mesmos por terem contribuído decisivamente para o desfecho da acção nº 1883/13.0... com a defesa por si apresentada, já que se os negócios eram ilegais bastava-lhes terem confessado a simulação desses negócios cuja nulidade estava a ser peticionada.

Concluindo, a nulidade por simulação agora invocada pelos Apelantes aos negócios subjacentes à constituição das hipotecas já foi objecto de apreciação na acção anterior e foi julgada improcedente e, assim ficou decidido definitivamente.

Por conseguinte, entendemos que se verifica a excepção do caso julgado, sem prejuízo de sempre improceder o recurso também pela autoridade do caso julgado.”

17. Por seu turno na sentença foi dito:

“Na análise das certidões judiciais referentes aos processos nº 1883/13.0... e 1883/13.0...-B extrai-se que essa ação foi proposta por FF e KK contra:

- os aqui Autores AA e mulher BB;

- JJ e marido GG, falecidos, sendo habilitados como herdeiros a aqui Autora BB e seu irmão II;

- HH e mulher, a primeira Ré CC, o primeiro falecido na pendência da ação, com habilitação da viúva e dos filhos também aqui Réus DD e EE;

- a aqui Autora Estudotécnico - Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Ld.ª. Os ali demandantes pediram:

» a título principal:

A) a declaração de nulidade, por simulação, da venda outorgada em 19 de Novembro de 1993, no Cartório Notarial de ... onde haviam declarado vender aos ali Réus AA e mulher BB, que declararam comprar, a fração autónoma, designada pela letra “A”, destinada a comércio, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia e concelho da ..., descrito na Conservatória sob o nº 193 e inscrito na matriz no artigo 944;

B) a declaração de nulidade, por simulação:

a) das duas hipotecas que oneravam a dita fração:

i. constituída por escritura pública celebrada no 1º Cartório Notarial de ... em 20 de Fevereiro de 1997, pelos ali Réus AA e mulher BB, no valor de Esc. 5.800.000$00 ou € 28.930,28, com o montante máximo assegurado de Esc. 7.540.000$00 ou € 37.609,36, para garantia de uma dívida da ali Ré Estudotécnico - Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Ld.ª, de que eram sócios, a favor dos ali Réus JJ e marido GG;

ii) constituída por escritura de pública celebrada no 6º Cartório Notarial do Porto em 27 de Março de 2000, pelos ali Réus AA e mulher BB, no valor de Esc. 6.000.000$00 ou € 29.927,87, com o montante máximo assegurado de Esc. 7.070.280$00 ou € 35.266,41, a favor dos ali Réus HH e mulher para garantia de uma dívida sua;

b) da cessão de crédito e transmissão de garantia identificados em a) i), formalizada por escritura pública em 14 de Fevereiro de 2020 no 1º Cartório Notarial de ..., pelos Réus JJ e marido GG a favor dos Réus HH e mulher.

C) o cancelamento dos registos lavrados com base nas escrituras de compra e venda, constituição de hipotecas e transmissão de crédito;

»» subsidiariamente, na hipótese de improcedência dos pedidos supra identificados em B), a condenação dos ali Réus AA e mulher BB a pagar-lhes o valor das hipotecas que oneram a fração, bem como os juros das dívidas e outros encargos inerentes.

Por sentença proferida em 16 de Agosto de 2016, transitada em julgado:

a) a venda identificada supra em A) foi declarada nula, por simulada, com a consequente destruição dos respetivos efeitos e cancelamento dos registos lavrados com base na escritura;

b) os ali Réus AA e mulher BB foram condenados a pagar aos ali Autores FF e KK o valor das dívidas subjacentes à constituição das hipotecas, para que os mesmos as pudessem extinguir;

c) os Réus foram absolvidos do demais contra si peticionado.

Encontra-se a correr termos, sob o nº 1883/13.0...-B, incidente de liquidação para determinar os montantes que decorrem da condenação identificada no anterior parágrafo sob a alínea b).

Na contestação então apresentada pelos aqui Autores no processo nº 1883/13.0... – que integra as peças processuais juntas por cópia na contestação da presente ação – estes alegaram que “constituíram as hipotecas para garantia de empréstimos realizados à 4ª Ré, empréstimos esses que entraram realmente nas contas bancárias da 4ª R”.

Na presente ação os Autores AA e mulher BB e Estudotécnico - Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Ld.ª pretendem:

A) a declaração de nulidade, por simulação, do reconhecimento de dívida e hipoteca da quantia de Esc. 5.800.000$00 - € 28.930,28, celebrada em 20 de Fevereiro de 1997;

B) a declaração de nulidade, por simulação, do reconhecimento de dívida e hipoteca da quantia de Esc. 6.000.000$00 - € 29.927,87, celebrada em 14 de Fevereiro de 200012;

C) o cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A” integrada no prédio submetido ao regime da propriedade horizontal descrito na Conservatória de Registo Predial da ... sob o nº 00193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

D) em alternativa, a declaração de prescrição do direito sobre os mencionados créditos e a consequente extinção da sua obrigação e das hipotecas.

Alegam agora os Autores que GG nunca foi credor da sociedade Autora Estudo-técnico, nem seu, não houve entrega ou empréstimo de quaisquer quantias por aquele e que a escritura de cessão de créditos foi igualmente simulada para que LL pagasse ao casal demandante a dívida de FF, não tendo o marido e pai dos Réus querido comprar tais créditos, nem pago a GG qualquer quantia pela cessão, acrescentando que a segunda hipoteca sobre a fração em causa ficou a dever-se à circunstância de, entretanto, o prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 568-Vila Chã, abrangido na cessão, ter regressado à esfera jurídica de FF e mulher, impedindo o registo da hipoteca constituída em 14 de Fevereiro de 2000.

Note-se que no incidente de liquidação os ali Réus e aqui Autores AA e mulher, na oposição, usaram os mesmos argumentos invocados na petição inicial, para que aquela instância fosse suspensa por causa prejudicial, invocando, ainda, a prescrição do crédito e dos juros, o que lhes foi negado com fundamento no caso julgado formado pela sentença em liquidação.

Como referimos anteriormente, a autoridade do caso julgado implica que, apreciada uma determinada questão de mérito entre os mesmos sujeitos processuais, independentemente da posição que tenham tido ou venham a ter, os efeitos da decisão sobre determinado objeto como que irradiam em ações posteriores para impedirem que o Tribunal venha a repetir-se ou contradizer-se.

No processo nº 1883/13.0... esteve em apreciação a invalidade, por simulação, das hipotecas e da cessão de créditos com transmissão de garantias que agora os Autores novamente pretendem

discutir. Se estes tivessem ali alegado os factos que agora invocam, essas nulidades teriam sido declaradas com alguma probabilidade (se não tivessem vencimento os argumentos apresentados por falecido marido e pai dos aqui Réus) e não teriam sido condenados no pagamento dos valores necessários à sua expurgação. Porém, então, optaram por outra versão, mantendo-se firmes na confissão das dívidas.

(…)

Da mesma forma, proferida sentença no processo nº 1883/13.0... condenando os aqui Autores no pagamento dos montantes necessários ao distrate das hipotecas, não podem estes agora escusar-se invocando a prescrição, por ser contrária ao facto em aquela assentou, ou seja, a validade das declarações de vontade inerentes ao reconhecimento das dívidas e prestação de garantia real – diferente seria o decurso do prazo de vinte anos desde a data do trânsito em julgado, em 30 de Setembro de 2016, pois então, a inércia dos credores FF e mulher permitiria que se defendessem com esse facto extintivo ou que propusessem uma ação com vista à sua declaração, o que não é manifestamente o caso, tanto que o incidente de liquidação está pendente para fixar o montante das dívidas a expurgar.”

18. Os argumentos dos recorrentes são, na sua essência os seguintes, na parte relativa à identidade dos pedidos nas acções em confronto:

“XI - Se nesta última era pedido que se considerassem nulas as hipotecas, nos presentes autos pede-se a nulidade das escrituras de reconhecimento de dívida, além de outros pedidos como o pedido de prescrição do direito de crédito.

XII - Assim, havendo pedidos como a prescrição do direito de crédito, faz com estejamos perante pedidos diferentes.

XVI - Naquela ação ataca-se as hipotecas, ou seja, um direito real de garantia,

XVII - Nesta ação ataca-se o direito de crédito e a sua validade.”

Vejamos.

19. Estão já identificados pela sentença e pelo acórdão recorrido os elementos essenciais da análise que se impõe fazer, em termos comparativos, da tríplice identidade existente entre os processos.

Partindo desses elementos, e sem que se apresentem argumentos que contrariem a argumentação do tribunal, dir-se-ia que os recorrentes, na verdade, não concordam com a solução – e isto mais confirma a ideia veiculada no acórdão recorrido.

O principal objectivo da presente acção seria, nas palavras do tribunal recorrido, “Resulta, assim, evidente, que o efeito realmente pretendido pelos aqui Apelantes é pura e simplesmente destruir a sentença proferida naquele outro processo, que os condenou a pagar o valor das dívidas subjacentes à constituição das referidas hipotecas, decisão à qual ficaram vinculados por força do caso julgado.

Com a almejada procedência dos pedidos formulados na presente acção, os aqui Apelantes conseguiriam, nada mais nada menos, do que obter o cancelamento das hipotecas sem terem de efectuar o pagamento dos valores em que foram condenados na acção nº 1883/13.0..., em claro desrespeito pela sentença judicial transitada em julgado.”

Ao indicarem que aqui está em causa a validade da confissão de dívida e nos outros processos a validade das hipotecas, os recorrentes esquecem que se as hipotecas não foram consideradas inválidas foi porque existiam motivos para afirmar a validade das dívidas que as suportavam (ou que as invalidades das dívidas não seriam oponíveis, o que também seria uma possibilidade), o que significava que os devedores se manteriam obrigados pelo cumprimento da obrigação.

Por outro lado, uma vez que o presente recurso não abrange a problemática da prescrição – nessa parte a formação não admitiu o recurso – cai também o argumento dos recorrentes de que invocação da prescrição na presente acção não permite suportar a ideia de os pedidos em confronto serem diversos, para efeitos de se entender que não há excepção de caso julgado porque os pedidos são diversos.

Quanto aos demais argumentos: o Tribunal da Relação fundamentou com suficiente profundidade e respondeu aos apelantes às mesmas questões que os recorrentes agora colocam na revista. Isso significa que não será necessário a este tribunal - nem possível – encontrar mais justificações, pelo que nos limitamos a repetir as ideias principais advogadas no acórdão recorrido, já supra reproduzidas, no sentido de se verificar a excepção de caso julgado:

“O que assume relevância jurídica para a identidade de sujeitos é que os sujeitos titulares da concreta relação material controvertida numa e noutra acção sejam partes, assumindo a mesma qualidade jurídica nas duas acções (neste caso a qualidade de devedores e credores garantidos pelas hipotecas).

Quer os aqui Apelantes, quer os aqui Apelados, são os titulares da relação material controvertida dos dois negócios de reconhecimento de dívida e constituição de hipoteca cuja declaração de nulidade por simulação foi questionada na acção nº 1883/13.0... e é novamente questionada nesta acção.

Apelantes e Apelados, em ambos os processos judiciais, assumem o mesmo interesse substancial quanto às relações jurídicas em causa, e ambos ficaram vinculados pela decisão judicial proferida na acção nº 1883/13.0...

(…)

Nesta acção e na acção nº 1883/13.0..., o efeito jurídico pretendido quanto aos referidos negócios subjacentes à constituição das duas hipotecas que oneram o mesmo prédio, é exatamente o mesmo, num e noutro processo- a declaração de nulidade, por simulação, com consequente cancelamento das hipotecas.

Existe, pois, identidade de pedidos.

(…)

Salvo o devido respeito, não podem os Apelantes ignorar que, nos termos do art. 581º nº 4 do CPC há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, facto esse que nas acções de anulação é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido- no caso em apreço, a pretensão de declaração de nulidade procede unicamente da alegada simulação, quer nesta acção, quer na acção nº 1883/13.0...

Declarar nulas, por simuladas, as duas hipotecas constituídas nos negócios de reconhecimento de divida e constituição de hipoteca ( pedidos formulados na acção nº 1883/13.0...), ou declarar a nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (no valor de €28.930,28) e da Confissão de Dívida e Hipoteca (no valor de €29.927,87) é exactamente o mesmo efeito jurídico, porquanto a nulidade peticionada em ambos as acções baseia-se no mesmo vício da simulação e diz respeito aos mesmos negócios subjacentes à constituição das mesmas hipotecas.

Resulta, assim, evidente, que o efeito realmente pretendido pelos aqui Apelantes é pura e simplesmente destruir a sentença proferida naquele outro processo, que os condenou a pagar o valor das dívidas subjacentes à constituição das referidas hipotecas, decisão à qual ficaram vinculados por força do caso julgado.”

A não se entender que existe excepção de caso julgado, também se acompanha a justificação das instâncias – haveria autoridade de caso julgado.

Pelo que improcede a revista.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Outubro de 2023

Relatora: Fátima Gomes

1º adjunto: Dr Nuno Ataíde das Neves;

2ª adjunta - Dra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza