Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2419/21.4T8VNF-A.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
EXCEÇÃO DILATÓRIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CRÉDITO À HABITAÇÃO
CONSUMIDOR
AVALISTA
CONHECIMENTO DO MÉRITO
SANEADOR-SENTENÇA
DUPLA CONFORME
OBJETO DO RECURSO
EMBARGOS DE EXECUTADO
AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 10/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I A verificação da excepção dilatória, atípica e inominada, consistente no incumprimento pela instituição financeira, ora exequente/embargada, dos deveres impostos pelo procedimento extra-judicial previsto no Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, depende da alegação pela parte interessada (o ora embargante/executado) da factualidade que permita concluir estarmos perante qualquer das situações tipo, expressamente consignadas no mesmo diploma legal (artigo 2º), em que o dito procedimento deve obrigatoriamente ser seguido antes de instaurada a respectiva acção judicial (artigo 18º), desde que os autos não forneçam, por si só, elementos inequívocos quanto à aplicação ao caso desse mesmo regime.

II Tratando-se a avalizada de uma sociedade comercial – entretanto declarada insolvente – e o embargante/avalista de um dos seus sócios gerentes, que actuou nessa qualidade no desenvolvimento da sua actividade comercial, sendo ainda a petição de embargos de executado omissa quanto natureza e finalidade concreta da operação, o que igualmente não resulta da decisão de facto que não foi objecto de impugnação nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil, inexistem elementos que permitam fundadamente considerar a integração da situação sub judice na previsão do artigo 2º do Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, designadamente que tivesse sido celebrado um contrato de crédito com um consumidor ou com cliente bancário na acepção prevista no Decreto-Lei nº 133/2009, de 2 de Junho, na redacção aplicável ao tempo da instauração da acção executiva.

III Donde a inevitável improcedência dos embargos de executado que assentavam nesse fundamento, com a consequente confirmação do acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 2419/21.4T8VNF-A.G1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

AA, residente em ..., executado nos autos de execução que CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, lhe instaurou, veio deduzir os presentes embargos de executado, invocando violação do pacto de preenchimento das livranças dadas à execução e preenchimento abusivo das mesmas, bem como e ainda violação do regime das cláusulas contratuais gerais.

A embargada contestou negando a violação desse pacto e pugnando não ser aplicável aos autos o falado regime das cláusulas contratuais gerais, dado que aqui não existiram.

Após os articulados foi proferido despacho do seguinte teor:

«Atenta a natureza do título executivo e os factos alegados pelas partes, é nosso entendimento que já estão reunidas as condições processuais para que o tribunal aprecie o mérito dos presentes embargos.

Não existe, assim, qualquer razão para o agendamento da audiência prévia- cfr. artigo 593.º, n.º 1, do NCPC, por referência aos arts. 591.º, n.º 1, al. d), e 595.º, n.º 1, do CPC, até por força do princípio da proibição da prática de atos inúteis (artigo 130.º do CPC).

Determino, assim, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C., a notificação das partes para os fins tidos por convenientes».

A esta notificação respondeu a embargada dizendo não se opôr à dispensa da Audiência Prévia e à consequente prolação de Saneador Sentença, por a causa já o permitir.

Por seu turno, o embargante declarou não se opôr a que fosse dado sem efeito a audiência prévia, mas opor-se a que fosse logo apreciado o mérito dos autos, requerendo a designação de data e hora para a audiência de discussão e julgamento.

Nessa sequência, foi decidido dispensar a realização de audiência prévia e fixado o valor à acção.

De seguida, foi proferido despacho saneador que apreciou o mérito da causa e, em decorrência, julgou totalmente improcedentes os embargos e determinou a prossecução da execução.

Apresentou o embargante recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 20 de Outubro de 2022, foi decidido julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Apresentou o embargante recurso de revista donde constam as seguintes conclusões:

I. Destina-se o presente recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância, que judiciou como improcedentes o recurso deduzido, porquanto mal andou o Mmo. Juiz ad quem na decisão proferida, mormente na subsunção jurídica da factualidade apurada nos autos, o que conduziu à prolação da decisão de que ora se recorre.

II. O Recorrente está convicto de que Vossas Excelências, subsumindo a factualidade resultante dos autos, em confrontação com o disposto nas normas jurídicas aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida e de a substituir por uma que julgue totalmente procedentes os embargos.

III. Conforme se descreveu, foi proferido despacho saneador nos presentes autos;

IV.Sendo certo, que no nosso entendimento, e ao contrário do entendimento do tribunal a quo bem como do Tribunal ad quem, deveria ter sido produzida melhor prova em sede de audiência de julgamento;

V. Assim, no nosso entendimento o tribunal ad quem violou as disposições constantes dos artigos 3 nº 3 e 595.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil, porquanto não contemplou devidamente o princípio do contraditório e da prova, não sendo possível conhecer logo do mérito da causa;

VI. E no nosso modesto entendimento, violou também o tribunal em primeira instância os princípios da oralidade, imediação e da produção e prova em julgamento;

VII. Ademais, dir-se-á que foi violado o acesso do apelante ao PERSI, circunstânciaobrigatória e impeditivado recurso àaçãojudicial,uma vez que o mesmo seria de conhecimento oficioso, e que na verdade, nunca foi ponderado pelo tribunal em primeira instância ou tão pouco em segunda instância, violando assim, as disposições constantes nos artigos 14/3, 17/3 e 21 do DL 227/2012.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente cuidarão de suprir, deve a presente Revista colher procedência, revogando-se o Acórdão impugnado, substituindo-o por outro que declare totalmente procedente, revogando-se a sentença a quo ora substituindo-a por uma outra que determine a continuação da ação e marcação de audiência de discussão e julgamento, ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mero deverde patrocínio se concebe,poruma outra que determine a procedência dos embargos de executado pela falta de recurso ao PERSI, circunstância obrigatória e de conhecimento oficioso, com as necessárias consequências legais.

Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado nas instâncias:

1.- A exequente é dona e legítima possuidora dos seguintes títulos cambiários:

a) Livrança n.º ................17 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 13.05.2016 e com data de vencimento de 12.04.2021, no valor de 53.481,12€, conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

b) Livrança n.º ................52 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 18.11.2014 e com data de vencimento de 12.04.2021, no valor de 17.920,93€, conforme documento n.º 2 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

c) Livrança n.º ................46 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 11.09.2019 e com data de vencimento de 06.01.2020, no valor de 2.500,00€, conforme documento n.º 3 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

d) Livrança n.º ................38 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 11.09.2019 e com data de vencimento de 06.02.2020, no valor de 2.500,00€, conforme documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

e) Livrança n.º ................89 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 17.10.2019 e com data de vencimento de 15.01.2020, no valor de 3.750,00€, conforme documento n.º 5 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

f) Livrança n.º .................62 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 26.09.2019 e com data de vencimento de 24.02.2020, no valor de 2.000,00€, conforme documento n.º 6 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

g) Livrança n.º ................27 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 30.08.2019 e com data de vencimento de 15.01.2020, no valor de 2.000,00€, conforme documento n.º 7 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

h) Livrança n.º ................70 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 26.09.2019 e com data de vencimento de 06.03.2020, no valor de 2.000,00€, conforme documento n.º 8 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

i) Livrança n.º .................54 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 26.09.2019 e com data de vencimento de 24.01.2020, no valor de 2.000,00€, conforme documento n.º 9 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

j) Livrança n.º ................35 subscrita pela sociedade “N....... ....... . ........., LDA.” já declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2491/20.4..., emitida em 30.08.2019 e com data de vencimento de 15.02.20120, no valor de 2.000,00€, conforme documento n.º 10 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

2.- O embargante escreveu o seu nome no verso das livranças a sua assinatura e declarou, pelo seu punho, dar o seu aval à firma subscritora.

3.- Interpelado para proceder ao seu pagamento, o embargante não o fez até à presente data.

4.- Antes de proceder ao preenchimento dessas livranças, entregues pelo embargante ao banco exequente apenas com o seu aval pessoal, o banco exequente remeteu para a morada indicada pelo embargante nos contratos associados a essas livranças, nos dias 20 de Agosto de 2020, 22 de Setembro de 2020 e de 12 de Abril de 2021, a comunicar-lhe a situação de incumprimento e, depois, a dar-lhe conta do vencimento da dívida e do consequente preenchimento das livranças, conforme se pode comprovar através das missivas, respetivamente, conforme documentos 7, 8 e 9 juntos com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

5.- As missivas foram remetidas para o domicílio convencionado, conforme documento n.º 1 junto com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Conhecimento do mérito da causa na fase de saneamento dos autos. Invocada violação dos princípios do contraditório, imediação e oralidade.

2 – Alegado incumprimento pela exequente, enquanto entidade financeira credora, das disposições impostas pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, relativo ao Regime Geral de Prevenção e Regularização do Incumprimento de Contratos de Crédito.

Passemos à sua análise:

1 – Conhecimento do mérito da causa na fase de saneamento dos autos. Invocada violação dos princípios do contraditório, imediação e oralidade.

Nesta matéria verificou-se coincidência total e absoluta entre a decisão de 1ª instância e o acórdão recorrido (tirado sem qualquer voto de vencido).

Constitui-se assim, neste tocante, dupla conforme impeditiva da interposição de revista normal, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Relembre-se que estava unicamente em causa a impugnação da imediata decisão de conhecimento do fundo da causa em sede de saneador-sentença, havendo o embargante concordado com a dispensa de audiência prévia (conforme consta do requerimento por si apresentado nos autos), apenas manifestando oposição à apreciação desde logo do mérito por alegada violação dos princípios do contraditório, oralidade e imediação, relacionados com a prova, que a ora recorrente entendia tem o direito de realizar na fase de julgamento (não aceitando deste modo o juízo de suficiência dos elementos de facto reunidos extraído pelo juiz de 1ª instância).

Assim sendo, o acórdão recorrido ao confirmar, sem qualquer voto de vencido, a decisão que desatendeu a sua pretensão processual tornou-se definitivo, não admitindo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Pelo que não se conhece do objecto do recurso de revista neste particular.

2 – Alegado incumprimento pela exequente, enquanto entidade financeira credora, das disposições impostas pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, relativo ao Regime Geral de Prevenção e Regularização do Incumprimento de Contratos de Crédito.

Veio o embargante/executado, avalista nas livranças dadas à execução, suscitar (inovatoriamente) no seu recurso de apelação – não obstante a ausência de pronúncia quanto a esta questão na petição de embargos – a excepção dilatória, atípica e inominada, consistente no incumprimento pela exequente, enquanto instituição financeira credora, das obrigações impostas pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, que instituiu o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estribando-se outrossim na natureza oficiosa desse mesmo conhecimento, nos termos dos artigos 576º, nº 2, 577º e 578º do Código de Processo Civil.

Apreciando:

A obrigatoriedade dos procedimentos impostos pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, enquanto procedimento extra-judicial prévio à instauração da acção (declarativa ou executiva) e que corre no quadro da instituição financeira, pressupõe, necessariamente e desde logo, que estejamos perante uma das situações tipo expressamente previstas no artigo 2º do mesmo diploma legal, na redacção vigente ao tempo da instauração da acção (neste caso executiva e que entrou em juízo em 2 de Maio de 2021) a saber:

-contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria (alínea a);

-contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel (alínea b);

-contratos de crédito aos consumidores abrangidos ao abrigo do disposto no Decreto-lei nº 133/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-lei nº 72-A/2010, de 18 de Junho, com excepção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo (alínea c);

-contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-lei nº 359/91, de 21 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 101/2000, de 2 de Junho, e 82/2006, de 3 de Maio, com excepção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato (alínea d);

-contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês (alínea e).

(Esta disposição foi, entretanto, alterada pelo Decreto-lei nº 70-B/2021, de 6 de Agosto, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação nos termos do respectivo artigo 9º, não se aplicando portanto à situação sub judice, havendo sim que atender ao âmbito legal que foi circunscrito pelo artigo 2º, na redacção que existia em 2 de Maio de 2021 – data da instauração da acção executiva).

Ora, face à omissão de alegação por parte do embargante, na sua petição, da factualidade essencial que determinaria a aplicação do regime consignado pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, o mesmo sucedendo na decisão de facto não impugnada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil, e não fornecendo ainda os autos elementos que revelassem inequivocamente a inclusão nesse regime, não é possível concluir que a exequente/embargada houvesse incorrido, enquanto entidade instituição financeira credora, em qualquer tipo de incumprimento legal impeditivo, nos termos do artigo 18º do diploma, da instauração e prosseguimento da acção executiva em causa.

(Sobre a natureza e desideratos do regime instituído pelo Decreto-lei nº 133/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-lei nº 72-A/2010, de 18 de Junho, vide em termos genéricos:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), proferido no processo nº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2023 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 1141/21.6T8LLE-C.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2021 (relator Ferreira Lopes), proferido no processo nº 4734/18.5MAI-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2021 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 21827/17.9T8SNT-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2023 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 7430/19.2T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Como se disse, na situação sub judice, não existe demonstração de que tenha sido celebrado qualquer contrato de crédito para habitação própria em função do qual hajam sido subscritos os títulos de crédito nos quais o embargante é avalista, nem se encontra minimamente indiciada a sua condição de consumidor ou de cliente bancário.

Note-se que o conceito de “contrato de crédito a consumidores” referido no artigo 2º, alínea b), tal como de “cliente bancário” do artigo 3º, alínea a), do citado diploma, remetem para a figura do consumidor na acepção dada, tanto pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, como pelo Decreto-lei nº 133/2009, de 2 de Junho, que o define como “a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objetivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.

In casu, tratando-se a mutuária/avalizada “N....... ....... . .........” de uma sociedade comercial – entretanto declarada insolvente – e o embargante/avalista AA de um dos seus sócios gerentes, sendo omissa a petição de embargos quanto à natureza e finalidade concreta da operação bancária, inexistem elementos que permitam fundadamente considerar a integração do crédito em apreço na previsão de qualquer das alíneas artigo 2º do Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, não sendo possível, para estes efeitos, considerar o recorrente como “consumidor”, uma vez o aval por si prestado se insere no desenvolvimento corrente da sua actividade comercial enquanto sócio-gerente da sociedade avalizada.

(Sobre este ponto, vide BB, in “Crédito Bancário e Prevenção de Risco do Incumprimento: uma visão crítica do novo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento”, publicado no “II Congresso de Direito da Insolvência”, Almedina, Fevereiro de 2014, a páginas 313 a 332, onde o autor frisa a exclusão da abrangência do procedimento previsto pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, quando estiver em causa um crédito relacionado com a actividade profissional do devedor, retirando-lhe dessa forma a qualidade de consumidor (vide, em particular, páginas 321 a 323).

Pelo que não se verifica, – face aos elementos reunidos e, em particular, perante os factos dados como provados e não provados, que não foram objecto de qualquer impugnação nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil –, a excepção dilatória, atípica e inominada, suscitada pelo embargante e do conhecimento oficioso do tribunal.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o acórdão recorrido, cujos fundamentos se corrobora.

(Sobre esta concreta matéria e neste preciso sentido, vide outrossim:

- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2023 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 4354/20.4T8VNF-B.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, que versa aliás sobre uma situação praticamente idêntica à dos presentes autos, onde pode ler-se:

“O facto do Executado/Embargante/Recorrente ser uma pessoa singular é irrelevante, uma vez que ele é apenas demandado na qualidade de avalista da livrança, cuja subscrição garantiu o contrato de mútuo cuja mutuária é uma pessoa coletiva, sendo que a aplicação do regime do PERSI a garantes, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, mesmo para quem considere que ele é aplicável ao avalista de um título de crédito garante, dependerá sempre do contrato garantido se incluir num dos tipos contratuais elencados no artigo 2.º do mesmo diploma”.

- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2022 (relatora Ana Paula Lobo), proferido no processo nº 888/20.9T8GRD-A.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“Quando foram deduzidos os embargos já a jurisprudência das Relações de forma quase unânime convergia no entendimento de que o cliente bancário, fosse em situação de prevenção de situação de incumprimento, fosse já em situação de incumprimento das suas obrigações pecuniárias perante a banca a que se destinava o regime do PERSI, seria apenas o cliente bancário que simultaneamente fosse consumidor dos bens ou serviços adquiridos com os meios financeiros fornecidos pelo sector bancário, deixando fora do âmbito de aplicação do DL 227/2012 de 25 de Outubro todos os clientes bancários que haviam obtido financiamento bancário para actividades profissionais ou empresariais, e se encontravam em situação de incumprimento ou de risco de incumprimento das obrigações assumidas que se integram em diversos modos de apoio à actividade empresarial que desenvolvem.

(…) O acrónimo Persi - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento - apareceu no processo apenas na sentença da 1.ª instância - quando fixou que este diploma tem aplicação neste caso.

Mas não se trata apenas de indagação, interpretação e aplicação de regras de direito em que o juiz, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil não está sujeito à alegação das partes na medida em que tal ocorreu sem que as embargantes houvessem alegado o que quer que fosse sobre a existência/inexistência do PERSI.

Temos alegado como fundamento dos embargos a violação por parte da exequente de um convénio estabelecido entre as partes, por altura da celebração do contrato de mútuo segundo o qual, em caso de alteração das condições sociais, económicas e financeiras gerais existentes quando foi concedido o financiamento e que dessem causa a incumprimento por parte dos mutuantes seriam revistas e adaptadas às circunstâncias contemporâneas do incumprimento as condições de pagamento do mútuo. Tal impede que o tribunal decida os embargos com diverso fundamento, não alegado pelas partes”).

Nega-se, portanto, a revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17 de Outubro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

António Barateiro

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.