Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
492/14.0TVPRT.P2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: CONTRATO DE FACTORING
CESSÃO DE CRÉDITOS
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EFEITOS
DEVEDOR
VALIDADE
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE EMPREITADA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – O contrato de factoring é o contrato pelo qual uma das partes (cessionário financeiro ou factor), adquire créditos a curto prazo que a outra parte (aderente) tem sobre os seus clientes, derivados da venda de produtos ou de prestação de serviços nos mercados, assentando, assim, o seu núcleo central na cessão de créditos com função financeira;

II - A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada (art. 583º do CC), assim se operando uma mudança de credor do aderente para o factor;

III – A validade do contrato de factoring não é afectada pela declaração de nulidade dos contratos de empreitada de onde emergem os créditos cedidos, por  falta de procedimento prévio pré-contratual e por falta de celebração do contrato por escrito, decretada por sentença de tribunal administrativo que por força do regime da nulidade (art. 289º do CC), condenou a Ré (aqui recorrente), no pagamento do preço da obra realizada;

IV – Se na acção administrativa a Ré não impugnou os factos alegados, designadamente a pontual realização dos trabalhos faturados nas faturas cedidas ao factor, e por isso foi condenada no pagamento, a autoridade do caso julgado impede que na presente acção instaurada pelo factor possa discutir a exigibilidade das mesmas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Banco Comercial Português, S.A., demandou o Município de Santarém pedindo a condenação do Réu a pagar ao autor (Banco Comercial Português, S.A.) a quantia de (após redução) de € 662.097,97, fundado na não liquidação das quantias inscritas nas faturas n.os 2 e 11, respeitantes a créditos de que o segundo é titular, por os ter adquirido na execução de um contrato de factoring.

O fundamento da acção é no essencial, o seguinte:

O autor, Banco Comercial Português, S.A. (factor) adquiriu de Sociedade de Construções A..., S.A. (aderente) dois créditos sobre o réu, Município de Santarém (devedor cedido) – tendo já liquidado à aderente o valor de tais créditos, nos limites previstos no contrato de factoring. O objeto da causa encontra-se atualmente reduzido à apreciação do pedido de condenação do réu (Município de Santarém) no pagamento ao autor da quantia de € 662.097,97, fundado na não liquidação das quantias inscritas nas faturas n.os 2 e 11.

Em 18 de Abril de 2016, Apenso A, o Tribunal da Relação do Porto, confirmando decisão de primeira instância, decidiu que o tribunal civil é materialmente para conhecer o pedido formulado.

Em 6 de Dezembro de 2016, o Tribunal da Relação do Porto, revogando decisão de primeira instância, decidiu que, considerando a natureza pública da ré, “a renúncia a excepções e meios de defesa em futura acção não tem cabimento legal, logo é inválida. Na realidade, não pode aplicar-se aos entes públicos os princípios da autonomia da vontade, da liberdade contratual próprios do direito civil sem mais. Deste modo, não pode ter-se como válida a renúncia do Município réu à invocação de quaisquer excepções ou meios de defesa relativamente ao cumprimento da obrigação, havendo de prosseguir o pleito para conhecimento da defesa apresentada”.

A acção esteve suspensa aguardando a sorte da demanda do réu, Município de Santarém, pela aderente no contrato de factoring, Sociedade de Construções A..., S.A. – actualmente pela sua massa insolvente –, perante a jurisdição administrativa (processo n.º 1005/12.4BELRA).

Em face do trânsito em julgado da decisão proferida em tal acção, foram as partes notificadas para produzirem alegações finais por escrito, o que fizeram.

Foi  proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, com os fundamentos invocados, julga-se a ação provada e procedente, condenando-se o réu, Município de Santarém, a pagar ao autor, Banco Comercial Português, S.A., a quantia de 662.097,97 (seiscentos e sessenta e dois mil noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora (vincendos), sobre a quantia de 500.000,00 (quinhentos mil euros), contados desde a data de citação e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento venha a vigorar por força da portaria prevista no § 3.º do art. 102.º, do Cód. Com.”

O Município de Santarém interpôs recurso de apelação visando a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de11.05.2021, por unanimidade e sem diferente fundamentação, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.


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Ainda inconformado, o Réu Município interpôs recurso de revista excepcional, arguindo também a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia,  tendo concluído a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, em 11.05.2021, que decidiu confirmar a Sentença proferida em 31.08.2020.

B) O Recorrente tem legitimidade, está em tempo, e encontram-se reunidos os requisitos estabelecidos na Lei Processual Civil para a interposição de recurso em geral, e de recurso de revista em especial (cf. art. 671.º, n.º 1, e 673.º, CPC).

C) No presente caso encontram-se ainda verificados os pressupostos de que o n.º 1, alíneas a) a c) do artigo 672.º do CPC, faz depender a admissibilidade do Recurso de Revista, justificando, por isso, a intervenção desde Venerando Supremo Tribunal de Justiça,

D) Pois que não só estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, torna a presente revista de importância fundamental,

E) Como perante um quadro em que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito,

F) E, bem assim, perante uma “oposição de julgados”, entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido, por exemplo, pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 28.04.2007, no âmbito do Processo n.º 171/11.0TVPRT.P1 (no que concerne ao Erro de Julgamento de/na apreciação da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring); e no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 26.09.2019, no âmbito do Processo n.º238/17.1T8VLF.C1 (no que concerne ao Erro de Julgamento de/na apreciação da força do caso julgado), como se demonstrou nas presentes Alegações.

G) Neste sentido, e a propósito do pressuposto de existência de “relevância jurídica ou social que torna a revista de importância fundamental”, demonstrou-se que, in casu, se encontra i) uma incorreta decisão relativamente à impugnação da decisão quanto à matéria de facto; ii) uma omissão de pronúncia relativamente à apreciação do Erro de Julgamento de/na apreciação da validade do Contrato de Factoring; iii) e uma incorreta interpretação e aplicação do regime da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring com Recurso e iv) da “força do caso julgado,

H) Que não só suscitam dúvidas na Jurisprudência (v.g. Acórdãos invocados em sede de Recurso que se mostram contraditórios com as decisões proferidas no processo pela 1.ª e 2.ª instâncias),

I) Como apresentam contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasaos limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, podendo representar, assim, uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, já quesemostradeenorme  suscetibilidade a ocorrência de Ações para a apreciação: i) da responsabilidade pelo incumprimento de contrato de factoring com recurso, e ii) da (extensão da) “força de caso julgado”, e mesmo iii) da (manutenção da) validade do contrato de cessão em caso de nulidade do contrato principal; impondo-se, por isso, a precisão dos seus regimes em conformidade com a jurisprudência que tem vindo a ser proferida.

J) A propósito da Revista revistar uma “Necessidade de Melhor Aplicação do Direito”, demonstrou-se que, no presente caso, estamos perante erro(s) “manifesto(s) e grave(s)” de interpretação da prova documental autêntica (certidão da Sentença proferida no Processo n.º 1005/12.4BELRA, já transitada em julgado, e junta aos autos por Ofício de 05/01.2018, e Requerimento sob a Ref.ª ...87, apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, AA, e publicado no portal respetivo), com força probatória plena nos termos do disposto no artigo 371.º, do Código Civil, não ilidida nos termos do artigo 372.º, do mesmo Código;

K) E da prova particular (Contrato de Factoring celebrado entre o Autor/Recorrido e a Aderente, e as missivas de rescisão do mesmo, remetidas por aquele a esta, e juntas aos autos pelo próprio Autor/Recorrente como Documentos n.º 13 e 14, da Petição Inicial) com força probatória plena, nos termos do disposto no artigo 376.º, do Código Civil, porquanto não impugnada e/ou suscitada a sua falsidade, nos termos do artigo 374.º, do mesmo Código.

L) E que, quando devidamente apreciados, sempre ditariam a alteração dos 8.º e 9.º Factos dados como provados, e o aditamento dos 8 Factos cuja inclusão na matéria assente o Recorrente requereu em artigos 11.º a 44.º, das Alegações e alíneas B) a M), das Conclusões do seu Recurso;

M) Mais se demonstrou o erro “manifesto e grave” de/na interpretação da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring, pois que, no contrato de factoring com recurso, os créditos cedidos ao Factor devem considerar-se retransmitidos ao cedente quando, nos termos desse contrato, vencidos e não pagos pelo devedor, o factor os debita ao cedente,

N) O que, devidamente apreciado no presente caso, sempre reconduziria à conclusão de que, em 10.08.2012, existiu uma retransmissão dos créditos cedidos à Aderente, em função da        rescisão do Contrato e do débito do valor dos mesmos na Conta Corrente da Aderente, materializado no acionamento da Livrança em branco subscrita por aquela,

O) E, por conseguinte, à decisão de que o Autor/Recorrido careceria de ilegitimidade ativa ou falta de direito para cobrar a presente divida junto do Réu/Recorrente, devendo este ser absolvido da instância (cf. artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, n.º 1, alínea e), e 578.º, do CPC), ou absolvido do pedido (cf. artigo 576.º, n.º 1 e 3, e 579.º, do CPC), em consequência da procedência daquela exceção dilatória de conhecimento oficioso.

P) Mais se demonstrou o erro “manifesto e grave” de/na interpretação da figura de “autoridade de caso julgado”¸ pois que, esta só ocorre na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não foi definido no caso julgado anterior, assim sucedendo quando na primeira ação não sejam invocados factos e não tenha resultado provado (por não alegado) a fundamentação do direito invocado,

Q) O que, devidamente apreciado no presente caso, sempre reconduziria à conclusão de que, no presente caso, a “autoridade do caso julgado” não pode obstar a que no presente processo seja decidido a questão da sobrefaturação inscrita nas facturas n.º 2 e 11, quando a mesma não ficou definida no caso julgado dos autos n.º 1005/12.4BELRA.

R) Por conseguinte, demonstrou-se existir uma “oposição de julgados” entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 28.04.2011, no âmbito do Processo n.º 171/11.0TVPRT.P1 (1.º Acórdão Fundamento junto como Doc. 1), no que concerne à interpretação e aplicação do regime do incumprimento do Contrato de Factoring Impróprio e/ou com Recurso,

S) Pois que, não obstante comungarem da mesma identidade de objeto e de matéria de facto e de direito, foram díspares na sua decisão,

T) Na medida em que, se naquele Acórdão Fundamento o Venerando Tribunal a quo decidiu que, uma vez debitados os créditos ao aderente nas condições ali referidas, o factor deixou de ser titular/possuidor em nome próprio dos créditos vencidos e não cobrados, sendo deles titular a aderente, permanecendo a mesma, enquanto Requerente naquele Ação, titular de um direito de crédito sobre a ali Requerida, só podendo o factor cobrá-los a título de “caução”, porque contratualmente assim estipulado,

U) No Acórdão ora sob revista o Venerando Tribunal a quo veio antes ignorar a i) rescisão do contrato, a ii) tentativa de cobrança da divida na conta corrente da Aderente, o iii) acionamento da Livrança, e a iv) sua reclamação e confirmação como crédito no Processo de Insolvência da mesma, para depois concluir que o Fator (aqui Autor/Recorrido), permanecia titular do direito de crédito, e que pagamento por parte do Devedor (aqui Réu/Recorrente) teria um efeito liberatório para este, não podendo o Factor (aqui Autor/Recorrido) obter o valor da Aderente sob pena de enriquecimento de causa.

V) Sem prejuízo, demonstrou-se existir também uma “oposição de julgados” entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 26.02.2019, no âmbito do Processo n.º 238/17.1T8VLF.C1 (2.º Acórdão Fundamento junto como Doc. 2), no queconcerne àinterpretação eaplicação do regime da exceção de “autoridade de caso julgado”,

W) Pois que, não obstante comungarem da mesma identidade de objeto e de matéria de facto e de direito, foram díspares na sua decisão,

X) Na medida em que, se naquele Acórdão Fundamento o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra decidiu ser de admitir a supressão, na segunda Ação, da omissão verificada na causa de pedir da primeira Ação, na medida em que realizada através da invocação de novos factos e da identificação do respetivo direito, não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa adequada ou potencialmente conducente à procedência do pedido, como matériadefacto essencial àfixação do objeto dasegundaAção e da sua procedência - permitindo, assim, sustentar a aquisição do direito de propriedade por usucapião, não alegado naquela primeira Ação transitada em julgado.

Y. No Acórdão ora sob revista, o Venerando Tribunal a quo  concluiu pela tríplice identidade por (alegadamente)o A. nesta acção ocupar a mesma posição que o autor naquela acção (P. 1005/12), e o Réu (aqui recorrente) se encontrar a pretender  colocar em causa o pagamento das facturas em cujo pagamento foi (alegadamente) condenado naquela acção por sentença transitado em julgado, impedindo assim que o Recorrente apresente outros meios de defesa ainda que nunca alegados e/ou sequer julgados naquela Ação transitada em julgado, por ausência de Contestação apresentada naquele Processo, em conduta que se encontra a ser criminalmente apreciada no Processo Crime n.º 422/14.... –.

Z) A presente decisão apresenta-se, inclusive, em “oposição” com o julgado no Acórdão proferido pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 06.12.2016, no âmbito do presente Processo, onde se decidiu que os autos deveriam de prosseguir para conhecimento da defesa apresentada pelo Réu/Recorrente, defesa essa relacionada, também com a sobrefacturação inscrita nas facturas n.º 2 e 11 (cf. artigos 74.º a 84.º, da Contestação).

AA)    O presente Recurso de Revista deve, assim, ser admitido, por provado, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 e 672.º, n.º 1 alíneas a), b) e c) do CPC, cumprida que também está a formalidade de junção de cópia, ainda que não certificada, dos Acórdãos Fundamentos, nos termos do n.º 2, do artigo 637.º, do CPC.

BB)    Como motivação da presente Revista, o Recorrente começou por arguir, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 674.º, do CPC, a nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, aplicável, ex vi, do n.º 1, do artigo 666.º, do CPC, relativamente ao Erro de Julgamento de/na apreciação da Validade do Contrato de Factoring, invocado pelo Recorrente em artigos 46.º a 64.º, das suas Alegações, e em alíneas O) a S), das suas Conclusões de Recurso.

CC)    O Recorrente demonstrou que o Venerando Tribunal a quo não se     pronunciou sobre a nulidade do Contrato de Cessão devidamente suscitada pelo Recorrente, que, para além do mais, é de conhecimento oficioso, sem prazo para ser declarada e com efeitos retroativos, e sem fazer aquele Venerando Tribunal a quo incorrer em qualquer nulidade por excesso de pronúncia (cf. artigo 286.º do Código Civil), e que sempre prejudicaria o conhecimento do Erro de Julgamento de/na    apreciação da Responsabilidade pelo Incumprimento do Contrato de Factoring, e não o contrário.

DD)    Pois que, não pode existir obrigação de pagamento decorrente da relação contratual de cessão continuada de créditos com recurso (contrato de factoring), porquanto o Contrato de Factoring em causa encontra-se ferido de nulidade em virtude da declaração de nulidade do(s) contrato(s) que lhe servem de fonte, não tendo a Cedente garantido avalidadedos contratos cedidos, com responsabilidade desta perante o aqui Recorrido cessionário (cf. Acórdão proferido pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 27.06.2018, no âmbito do Processo n.º 891/16.3T8PVZ.P1);

EE)    Nestes termos, deve o Acórdão sob revista ser declarado nulo e substituído por outro que conheça do Erro de Julgamento de/na apreciação da validade do Contrato de Factoring, e o julgue procedente, por provado, nos termos ecom os fundamentos expostos no Recurso de Apelação.

FF)     Para o caso de assim não se entender, o Recorrente veio invocar, nos termos do n.º 3, do artigo 674.º, do CPC, o Erro de/na apreciação da prova e fixação da matéria de facto por ofensa de disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, designadamente artigos 371.º, 372.º, 374.º e 376.º, do Código Civil.

GG)    Nestes termos, demonstrou o Recorrente que da não impugnação do teor do Contrato de Factoring celebrado entre o aqui Autor/Recorrente e a Aderente (dado como provado nos 1.º e 2.º Factos da matéria assente), deveriam ter sido dados como provados, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 374.º e 376.º, do Código Civil, os Factos elencados nas alíneas i. aiv., do artigo 202.º, das Alegações de Recurso e alínea M), das Conclusões de Recurso.

HH)   Por conseguinte, e atendendo à não arguição de falsidade do Requerimento sob a Ref.ª ...87, apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, AA, e publicado no portal respetivo, deveriam ter sido dados como provados, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 371.º e 372.º, do Código Civil, o Facto elencado na alínea vi. do artigo 202.º, das Alegações de Recurso e alínea M), das Conclusões de Recurso.       

II) Por conseguinte, e atendendo à não impugnação e/ou arguição de falsidade dos Documentos n.º 13 e 14, juntos à Petição Inicial, deveria, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 374.º e376.º, do Código Civil, sido alterada a redação do 9.º Facto dado como Provado nos termos elencados na alínea vii. do artigo 202.º, das Alegações e alínea M), das Conclusões de Recurso,

JJ) Da mesma forma que deveria ter sido aditado o Facto descrito na alínea v. do artigo 202.º, das Alegações e alínea M), das Conclusões de Recurso.

KK)   Por último, a alteração da redação do 8.º Facto dado como provado nos termos elencados na alínea viii., e o aditamento dos Factos indicados sob as alíneas ix. e x., do artigo 202.º, das Alegações e alínea M), das Conclusões, deveriam ter sido deferidos, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 371.º e 372.º, do Código Civil, porquanto provenientes da certidão da Sentença proferida no Processo n.º 1005/12.4BELRA, já transitada em julgado, e junta aos autos por Ofício de 05/01/2018.

LL)    Em conclusão, deveriam tersido dados como provados, e não foram, em claro Erro de Julgamento de/na apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa, os Factos elencados de i. a x., no artigo 202.º, das Alegações de Recurso e alínea M), das Conclusões de Recurso.

MM)  Tal decisão, proferida na sequência do julgamento do Erro de Julgamento de/na   apreciação da  responsabilidade pelo incumprimento do Contrato considerada uma oposição entre os factos e a decisão suscetível de inquinar o Acórdão sob revista de nulidade, que desde já se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicável ex vi, artigo 615.º, n.º 1, alínea c), aplicável, ex vi, n.º 1, do artigo 666.º, ambos do CPC, e também arguida pelo Recorrente,

NN)    Na medida em que, o Venerando Tribunal a quo entendeu ser de relevar factos como: i) a rescisão do Contrato de Factoring; ii) a tentativa de cobrança do crédito na conta corrente da Aderente; iii) o acionamento da Livrança e a iv) sua reclamação e reconhecimento como crédito no Processo de Insolvência da Aderente; a v) instauração por esta de Ação Administrativa contra o aqui Réu/Recorrente para cobrança da mesma dívida, e a vi) instauração   da respetiva Ação Executiva sem que o aqui Autor/Recorrido tenha deduzido Embargos, para, então, concluir que o Factor não havia exercido o seu direito dedevolveros créditos àaderente, motivo pelo qual os estaria a cobrar no presente processo, quando o julgamento do objeto deste pressupõe o apuramento da legitimidade do Factor (aqui Autor/Recorrido) para cobrar a presente dívida, tendo a ilegitimidade do mesmo sido suscitada pelo Réu/Recorrente, ainda que sempre devesse ser apreciada em virtude do seu conhecimento oficioso por parte do Tribunal (cf. artigo 577.º, alínea e), e 578.º, do CPC).

OO)    Em face de todo o exposto, deve o Acórdão sob revista ser revogado e substituído por outro que julgue aqueles factos incorretamente julgados em função da prova produzida e não valorada ou erradamente valorada como a alteração e aditamento de tais factos à matéria de facto dada como provada, devendo os mesmos repercutirem-se na apreciação nos Erros de Julgamento de/na apreciação da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring e da “força do caso julgado”.

PP)     Com efeito, e a propósito do invocado Erro de Julgamento de/na apreciação da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring, demonstrou-se que a decisão vertida no Acórdão sob revista se encontrava viciada em função do não aditamento dos Factos i, ii, iii, iv e v, à matéria assente, na mediada em que daquela factualidade resultava que no presente caso existiu, porque contratualmente permitida, uma retransmissão dos créditos cedidos à Aderente, em 10.08.2012, em função da rescisão do Contrato, e do débito do valor dos mesmos na conta corrente da Aderente, materializado no acionamento da Livrança em branco subscrita por aquela.

QQ)    Pelo que, a Aderente passou a ser a única responsável pelo pagamento de tal crédito perante o Recorrido, verificando-se a ilegitimidade ativa ou falta de Direito do Recorrido para com o Recorrente, susceptível de determinar a absolvição da instância (cf. artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, n.º 1, alínea e), e 578.º, do CPC) ou a absolvição do pedido (cf. artigos 576.º, n.º 1 e 3, e 579.º, todos do CPC), conforme se requereu, ainda que também de conhecimento oficioso.

RR. Com efeito, e ao contrário do preconizado pelo Venerando Tribunal a quo, o pagamento por parte do devedor (ora Recorrente) diretamente ao Banco Factor (aqui Recorrido), não teria efeito liberatório nos termos das alíneas a), b), e d), do artigo 770.º, do CC, pois que, tendo o Banco Factor (aqui Recorrido) rescindido que foi o Contrato de Factoring, e acionada que foi a Livrança subscrita pela Aderente, já reconhecida no Processo de Insolvência da mesma, que se encontra em fase de liquidação,

SS) Pois que, é evidente que a mesma tem interesse fundado em não se conformar com tal cumprimento, pelo que também não o irá consentir e/ou ratificar, e nem tal conduta poderá ser considerada como um aproveitamento/exercício abusivo de direito, na medida em que a mesma figura como responsável reconhecida por aqueles valores.

TT)   Nestes termos, deve o Acórdão sob revista ser revogado e substituído por decisão quedecida no mesmo sentido de que naquele Acórdão Fundamento proferido pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 28.04.2011, no âmbito do Processo n.º 171/11.0TVPRT.P1, i.e., de que, in casu, os créditos cedidos ao factor (aqui Autor/Recorrido) se devem considerar retransmitidos ao cedente após a rescisão do Contrato de Factoring, e da tentativa de débito na conta corrente da cedente, com o consequente acionamento da Livrança prestada por esta, e a sua reclamação e reconhecimento como crédito no Processo de Insolvência dessa, concluindo-se pela Ilegitimidade Ativa ou FaltadeDireito do aqui Autor/Recorrido para com o aqui Réu/Recorrido, devendo este ser absolvido da instância (cf. artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, n.º 1, alínea e), e 578.º, do CPC), ou absolvido do pedido (cf. artigo 576.º, n.º 1 e 3, e 579.º, do CPC), conforme desde já se requer com todas as demais consequências legais;

UU)   Sem prejuízo, e para o caso de assim não se entender, demonstrou o Recorrente quanto ao invocado Erro de Julgamento de/na apreciação da “força do caso julgado”, que por intermédio da Sentença proferida nos autos 1005/12.4BELRA, o mesmo não foi condenado no pagamento de quaisquer faturas, mas sim no pagamento integral dos Contratos, não tendo, por isso, tido oportunidade de se pronunciar sobre a sobrefaturação constante nas mesmas.

VV)   Ou seja, o Tribunal Administrativo e Fiscal de ... limitou-se a dar como provado que foram celebrados contratos mediante um determinado preço base e que foram executados trabalhos previstos nos mesmos, não tendo sido apreciada ou decidida a invocada sobrefaturação dos mencionados trabalhos, pelo que tal questão não tem a virtualidade de colocar o juiz na alternativa de contradizer ou apenas confirmar a Sentença anteriormente proferida, não se impondo, por isso, qualquer autoridade de caso julgado (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Processo 238/17.1T8VLF.C1, em 26.02.2019, e aqui 2.º Acórdão Fundamento).

WW)   Mais ficou demonstrado que não se verifica qualquer relação de prejudicialidade entre as causas de pedir dos processos em causa, na medida em que esta apenas se poderia verificar se no processo em que a decisão foi proferida tivessem sido concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no presente processo,

XX)   O que não sucedeu, pois que, o Recorrente não teve oportunidade  de apresentar    defesa naquele Processo n.º 1005/12.4BELRA – omissão que se encontra a ser apreciada em Processo Crime n.º 422/14.... e onde inclusive já foi proferida Acusação –, tendo, inclusive, o Venerando Tribunal a quo decidido, em 06.12.2016, pelo prosseguimento dos autos para conhecimento da defesa apresentada pelo Recorrente, incluindo a matéria da sobrefacturação inscrita nas facturas n.º 2 e 11 (cf. artigos 74.º a 84.º, da Contestação).

YY)    Nestes termos, não pode a figura da “autoridade do caso julgado” obstar a que no presente processo seja decidido a questão da sobrefaturação inscrita nas facturas n.º 2 e 11, quando a mesma não ficou definida no caso julgado dos autos n.º 1005/12.4BELRA.

ZZ)     Nestes termos, deve o Acórdão sob revista ser revogado e substituído por decisão que determine que os créditos titulados nas Facturas n.º 2 e 11 resultam de um caso de sobrefacturação da Sociedade Aderente nas obras referidas (conforme provado pelo Relatório datado de 03.10.2012 junto aos autos, nos termos do qual se demonstrou que apenas foram efetivamente realizados trabalhos valor total de € 207.092,96), correspondendo € 116.578,11 à Factura n.º 11, e € 90.514,85 à Factura n.º 2), absolvendo-se, nessa medida, o Recorrente do pedido;

AAA)  Ou, para o caso de assim não se entender, deve o Acórdão sob revista ser anulado por se considerar que não constam do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, ou por se considerar indispensável a ampliação desta, determinando-se a descida dos presentes autos para que seja produzida a prova requerida pelo aqui Recorrente por relação a esta matéria, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, alínea c) e n.º 3, alíneas c) e d), do artigo 662.º, do CPC.


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Contra alegou o Recorrido pugnando pela inadmissibilidade da revista excepcional; assim não se entendendo deva a mesma ser julgada improcedente.

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Por acórdão da conferência, a Relação indeferiu o requerimento de arguição de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Notificado deste acórdão, veio o Recorrente requerer a ampliação do objecto do recurso, cujo requerimento finaliza com as seguintes conclusões:

A. Tendo sido notificado por Ofício de Ref.ª ...82, datado de 30.09.2021, do Acórdão proferido pela 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, datado de 29.09.2021, a indeferir a invocada arguição da nulidade do Acórdão sob revista por omissão de Pronúncia, vem o Recorrente proceder à ampliação do objeto do seu Recurso de Revista, para o caso de se admitir a fundamentação inovatória onde se refere que quantia em causa dos presentes autos provem do 1.º e único contrato considerado válido na Ação Administrativa Comum que serviu de base ao julgamento da factualidade nos presentes autos.

B. Estima o Recorrente que o Venerando a quo veio indeferir a invocada arguição de nulidade por considerar que nenhuma pronúncia haveria de ser emitida por relação à (in)validade do Contrato de Factoring, já que nos presentes autos não se discutia a (in)validade dos mesmos, mas tão só o pedido de condenação no pagamento das Faturas n.º 2 e 11.

C. Não obstante, veio o Venerando Tribunal a quo acrescentar que a quantia em divida também só se relacionava com o 1.º e único contrato julgado válido, naquela que deve ser encarada como uma supressão da nulidade em causa, e não como um indeferimento da arguição da mesma, já que serve o propósito de afastar a invocada invalidade do Contrato de Factoring atribuindo-lhe uma causa/contrato válida(o).       

D. Sucede que, as Faturas n.º 2 e 11, titulam, precisamente, os “trabalhos efetivamente realizados” ao abrigo do 2.º Contrato que foi declarado nulo naquele Ação Administrativa Comum, conforme resulta da descrição das Faturas (“Valor parcial dos serviços prestados conforme justificação em anexo”), e do alegado em sede de Relatório datado de 03.10.2012, junto à Contestação, pelo que é erróneo este entendimento preconizado pelo Venerando Tribunal a quo.

E. Nestes termos, devem ser julgadas procedentes alegações vertidas nos artigos nos artigos 46.º a 64.º, das Alegações e nas alíneas O) a S), das Conclusões de Recurso de Apelação, com a consequente revogação do Acórdão sob revista e descida dos autos para convite às partes para tomarem posição sobre a presente questão de conhecimento oficioso, caso não seja de proceder o Recurso de Revista a propósito dos demais Erros de Julgamento suscetíveis de culminar na imediata improcedência da Ação e consequente absolvição do Recorrente.


Respondeu o Recorrido pugnando pela indeferimento do pedido de ampliação do recurso.


O Recorrente juntou certidão do acórdão indicado como fundamento, da Relação do Porto de 28.04.2011, proferido no P. nº 171/11.0TVPRT.P1.


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Objecto do recurso:

Estão em causa neste recurso as seguintes questões (nº 4 do art. 635º do CPCivil):

- Não consideração pelo acórdão de factos que devem considerar-se provados;

- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº1, alíneas c) e d));

- legitimidade (substantiva) do Recorrido;

- Autoridade de caso julgado.


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Fundamentação.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1.º  Em 12 de novembro de 2009, o Banco Comercial Português, S.A., e a Sociedade de Construções A..., L.da, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Cessão Continuada de Créditos com Recurso”, conforme documento junto a fls. 11 a 25, que aqui se dá por transcrito.

2.º   Nos termos do mencionado documento, a Sociedade Construções A..., L.da, na qualidade de aderente, declarou obrigar-se a ceder ao Banco Comercial Português, S.A., a totalidade dos seus créditos de curto prazo sobre os seus devedores, ou parte dos mesmos que resultasse do indicado nas condições particulares ou em lista anexa ao contrato, declarando o Banco Comercial Português, S.A., por seu turno, obrigar-se a aceitar a cessão de créditos da aderente sobre os devedores em relação aos quais expressamente o declare, nos termos e condições estabelecidos no contrato, obrigando-se ainda a antecipar os montantes dos créditos cedidos pela aderente e a cobrar os mesmos créditos.

3.º   Visando a execução do conteúdo de tal documento, o Banco Comercial Português, S.A. adiantou à aderente as quantias tituladas na fatura n.º 11, no montante de € 300.000,00, com data de vencimento de 25 de março de 2010 e na fatura n.º 2, no montante de € 200.000,00, com data de vencimento de 27 de maio de 2010.

4.º   Estas faturas foram emitidas pela aderente ao Município de Santarém, nos termos que constam dos documentos juntos a fls. 26 e 27 (fatura n.º 11) e fls. 28 e 29 (fatura n.º 2), que aqui se dão por transcritos.

5.º   A aderente comunicou ao Município de Santarém a cessão de créditos decorrente da subscrição do documento Contrato de Cessão Continuada de Créditos com Recurso”, por referência a cada uma das faturas atrás mencionadas.

6.º   O Município de Santarém emitiu a seguinte declaração, aposta nos documentos de comunicação: “Confirmamos que tomamos conhecimento da cessão dos créditos acima relacionados pela Sociedade de Construções A..., S.A., a V. Exas. e assumimos a obrigação de pagar integralmente os mesmos créditos nas suas datas de vencimento, renunciando, nomeadamente a invocar perante V. Exas. Quaisquer direitos nossos sobe a empresa cedente que pudessem levar a que tais créditos não fossem, total ou parcialmente, devidos”, conforme documentos de fls. 34 e 35 dos autos, que aqui se dão por transcritos.

7.º  Nas respetivas datas de vencimento, o Município de Santarém não procedeu à liquidação ao autor do valor inscrito nas faturas, nem posteriormente, não obstante o enviou pelo autor dos documentos juntos de fls. 38 a 43, que aqui se dão por transcritos.

8.º  Em 28 de agosto de 2012, a aderente, Sociedade de Construções A..., S.A., demandou judicialmente o Município de Santarém, perante a jurisdição administrativa (processo n.º 1005/12.4BELRA), pedindo que o ora réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de €1.600.400,00, por trabalhos si efetuados (integralmente descritos na petição inicial), faturados, designadamente, nas faturas n.os 2 e 11.

9.º  O aderente sustentou ter direito ao pagamento do preço contratualmente estipulado, não obstante a existência do contrato de factoring (arts. 57.º a 59.º).

10.º O ali e aqui réu, Município de Santarém, não impugnou os factos alegados, designadamente a pontual realização dos trabalhos faturados nas faturas n.os 2 e 11.

11.º Em 30 de março de 2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... acolheu as razões de facto e de direito aduzidas, e proferiu saneador-sentença, julgando a ação procedente – decisão que transitou em julgado (fls. 427 e segs).

12.º Em 11 de setembro de 2014, a aderente, Sociedade de Construções A..., S.A., foi declarada insolvente (processo n.º 1136/13....), conforme publicado no portal respetivo.

13.º O Município de Santarém não liquidou à massa insolvente da Sociedade de Construções A..., S.A., as quantias inscritas nas faturas n.os 2 e 11, também objeto da sentença proferida no processo n.º 1005/12.4BELRA, já tendo sido instaurada a execução desta sentença.

Fundamentação de direito.

Se a Relação incorreu em erro na fixação da matéria de facto, por “ofensa de disposição expressa da lei, que fixa a força de determinado meio de prova”, designadamente arts. 371º, 372º, 374º e 376º do CCivil. (sic).

No recurso de apelação, o Recorrente alegou a existência de factos não considerados na sentença que se encontram provados, seja por acordo das partes, seja por resultarem da prova documental, designadamente da certidão da sentença proferida na acção administrativa nº 1005/12.4BELRA, cujo aditamento requereu, a saber:

 

i) A SOCIEDADE ADERENTE assumiu integralmente o risco de não pagamento, total ou parcial, dos créditos cedidos (cf. n.º 1, da Clausula 7.ª do Contrato).

ii. A SOCIEDADE ADERENTE era responsável pelo pagamento ao BANCO de todos os valores que o BANCO lhe adiantasse por conta dos créditos cedidos (cf. n.º 2, da Cláusula 7.ª do Contrato).

iii. O BANCO FACTOR poderia exigir-lhe os valores adiantados por conta dos créditos cedidos e não pagos logo após as respectivas datas de vencimento (cf. n.º 3, da Clausula 7.ª do Contrato).

iv. A SOCIEDADE ADERENTE subscreveu uma Livrança em branco a favor do BANCO FATOR, avalizada por BB, destinada a titular as responsabilidades da ADERENTE perante o FACTOR resultantes do Contrato de Factoring Com Recurso Celebrado (cf. Clausula 8.ª do Contrato e ponto 20 das Condições Particulares anexas ao mesmo).

 v. O BANCO FACTOR rescindiu em 10.08.2012, o Contrato de Factoring celebrado com a Sociedade Aderente, tendo disso informado quer a Aderente quer o seu avalista, tendo-lhes concedido o prazo de 15 (quinze) dias para regularização da responsabilidade originada pela referida rescisão (cf. Documentos n.º 13 e 14, juntos à Petição Inicial).

vi. A Livrança subscrita pela ADERENTE foi efetivamente acionada pelo BANCO FACTOR, e encontra-se reconhecida como crédito no Processo de Insolvência n.º 1136/13...., que, por sua vez, já se encontra em fase de liquidação (cf. Requerimentos apresentados nos presentes autos com a Ref.ª ...21, ...69 e ...46).

vii. O BANCO obrigou a Sociedade a restituir quantia que o Município não pagou, razão pela qual a Sociedade considerou que o Município continua seu devedor da quantia global de € 1.600.400,50 (cf. artigos 59.º e 60.º, da Petição Inicial apresentada no Processo n.º 1005/12.4BELRA).

viii. Em 28 de agosto de 2012, a aderente, Sociedade de Construções A..., S.A., demandou judicialmente o Município de Santarém, perante a jurisdição administrativa (processo n.º 1005/12.4BELRA), pedindo a declaração e nulidade dos contratos verbais celebrados com ora réu e que fosse este condenado a pagar-lhe a quantia de € 1600.400,00, correspondente aos valores dos Contratos n.º 1 (€ 333.000,00); n.º 2 (€ 491.130,00); n.º 3 (€ 679.600,00) e n.º 4 (€ 96.670,50) (cf. Petição Inicial dos autos n.º 1005/12.4BELRA).

ix. Em 31.03.2014, foi proferida Sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., no âmbito do Processo n.º 1005/12.4BELRA nos termos da qual se decidiu declarar a nulidade dos contratos 2.º, 3.º e 4.º e se condenou o aqui Réu/Recorrente no pagamento do valor de € 1.600.400,50 (correspondente à execução do único contrato celebrado por escrito e não pago correspondente à execução dos demais contratos verbais e não pagos), acrescido do valor do IVA à taxa legal, e de juros comerciais no valor de € 188.923,98 (cf. Sentença proferida nos autos n.º 1005/12.4BELRA).

x. O Réu MUNICÍPIO DE SANTARÉM não foi condenado no pagamento quaisquer faturas, mas sim no pagamento do valor integral dos Contratos declarados nulos por intermédio daquela sentença, não tendo, por isso, tido oportunidade de pronunciar-se sobre a sobrefacturação constante nas mesmas.


Apreciando.

Estes factos não têm de ser aditados, nem a Relação incorreu no vício que o Recorrente lhe imputa. O teor das alíneas i), ii), iii) e iv) são cláusulas do/ou integram o “Contrato de Cessão Continuada de Créditos com Recurso”, constituindo o documento 11 a 25, que foi “dado por transcrito”, na matéria de facto.

Os factos constantes das restantes alíneas resultam dos documentos juntos ao autos, ou são juízos conclusivos, como sucede na parte final do alínea x).

O teor das alíneas 8) e 9) da matéria de facto encerram os factos que relevam para a decisão.

Se o acórdão recorrido sofre de nulidade por omissão de pronúncia.

Neste particular, o Recorrente argumenta que a Relação não apreciou a questão que suscitou da nulidade do contrato de factoring, em virtude da declaração de nulidade dos contratos que lhe servem de fonte, por “falta de procedimento prévio pré-contratual e por falta de celebração por escrito, os contratos cujos créditos foram parcialmente cedidos ao recorrido no âmbito do Contrato de Cessão Continuada de Créditos Com Recurso.”

No acórdão proferido em conferência sobre as nulidades invocadas (art. 617º/1), a Relação apreciou expressamente a questão, que indeferiu, pelo que não subsiste qualquer nulidade por omissão de pronúncia que imponha a baixa do processo à 2ª instância (arts. 679º, 684º, nº1 do CPC).


Na conclusão MM), o Recorrente imputa ao acórdão recorrido o vício de nulidade por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão (art. 615º, nº1, c) do CPC), “ na  sequência do julgamento do Erro de Julgamento de/na apreciação da responsabilidade  pelo incumprimento do contrato.”

Como é evidente, não se verifica a apontada nulidade.

Tem sido repetidamente decidido que esta causa de nulidade ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final.

Ora, não é este vício que o Recorrente invoca; do que se trata, como decorre da sua alegação, é de um erro de julgamento, mas este não consubstancia a causa da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º, conforme entendimento pacífico (Ac. STJ de 09.11.2017, P. 9526/10).


Com o que improcede este fundamento da revista, não sofrendo o acórdão recorrido de nulidade.

Posto isto, as questões essenciais suscitadas pelo Recorrente consistem, no essencial, em saber se:

- Se o contrato de factoring está ferido de nulidade;

- O Recorrido BCP tem legitimidade (substantiva) para reclamar do Município de Santarém o pagamento das facturas por ter ocorrido uma retransmissão do crédito ao aderente;

- A decisão proferida no P. nº 1005/12 do Tribunal Administrativo ... impõe-se com “autoridade do caso julgado” no presente processo.


As partes estão de acordo em qualificar como contrato de factoring o acordo escrito celebrado em 12.11.2009 entre o Banco Comercial Português, S.A., e a Sociedade de Construções A..., L.da, intitulado de “Contrato de Cessão Continuada de Créditos com Recurso”.

O contrato de factoring consiste num acordo celebrado entre uma instituição financeira (o factor), e o cliente (também denominado aderente), em que este último transfere ou se obriga a transferir ao factor a totalidade ou parte dos seus créditos presentes ou futuros (Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, “Dos contratos de cessão financeira, Coimbra Editora, 1999, pag. 18).

Nas palavras do acórdão do STJ de 25.05.99, CJ/STJ, 2º, pag. 107, “o contrato de factoring é o contrato pelo qual uma das partes (cessionário financeiro ou factor), adquire créditos a curto prazo que a outra parte tem sobre os seus clientes, derivados da venda de produtos ou de prestação de serviços nos mercados, assentando, assim, o seu núcleo central na cessão de créditos com função financeira.”

O objecto do contrato consiste, do ponto de vista do aderente, na intenção de obter financiamento, o que importará a cessão dos seus créditos que detenha sobre clientes seus, e, do ponto de vista da entidade que presta o serviço de factoring, no propósito de obter uma comissão pelo financiamento ao cliente (aderente).

O DL 56/86 de 18.03, regulou, pela primeira vez, a disciplina jurídica ligada à actividade de factoring, diploma que veio a ser revogado pelo DL nº 171/95 de 18.06, que regula no seu âmbito as sociedades de factoring e o contrato de factoring.

Nos termos do art. 2º, nº1 do DL nº 171/95, este acordo “consiste na aquisição de créditos a curto prazo derivados da venda ou prestação de serviços nos mercado interno ou externo”, acrescentando o nº2 deste preceito que se compreendem na actividade de factoring “acções complementares de colaboração entre as entidades habilitadas a exercer a actividade de factoring nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto Lei nº 298/2, de 31.12., e os seus clientes, designadamente de estudo dos riscos de crédito e de apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos créditos transacionados.”

E segundo o art. 7º do DL nº 171/95, “a transmissão dos créditos ao abrigo de contratos de factoring deve ser acompanhado pelas correspondentes facturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário.”

Este art. 7º tem correspondência com o art. 586º do CCvil – “o cedente é obrigado a entregar ao cessionário os documentos e outros meios probatórios do crédito, que estejam na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo” – mas enquanto este último visa facilitar o exercício do direito cedido (assim, Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado I), o primeiro confere à transmissão das facturas uma função estruturante do negócio.

Como sintetizado no Acórdão do STJ de 04.03.2004, CJ/STJ, I, pag. 105, “a cessão de créditos derivada de um contrato de factoring é, ao fim e ao cabo, uma venda da facturação do aderente ou cedente.”

A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que este a aceite – art. 583º, nº1 do CCivil.

Assim, em termos de natureza jurídica, o contrato de factoring deve ser qualificado como uma cessão de créditos, eventualmente futuros (cf. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, II, pa. 126, e os Acórdãos do STJ de 25/05/99, de 01.06.2000, CJ/STJ, 2º, pag. 87, de 26.09.02. CJ/STJ, 3º, pag. 57, e de 27.05.2004, CJ/STJ).

Após o conhecimento da cessão, o aderente já não é o credor, pois tal posição é ocupada pelo factor.

Foi justamente isto que se passou no caso dos autos.

Os créditos que a “Sociedade de Construções A..., S.A.” tinha sobre o Município de Santarém, titulados pelas facturas n.º11, no montante de €300.000,00, com vencimento em 25 de março de 2010, e fatura n.º2, no montante de € 200.000,00, com data de vencimento de 27 de maio de 2010, foram cedidos ao Autor/recorrido, com isto se operando uma mudança de credor da sociedade aderente para o factor, o Banco BCP, a partir da notificação ao devedor, o Município de Santarém.

Defende o Recorrente que o contrato está ferido de nulidade “em virtude da declaração de nulidade do(s) contratos que lhe servem de fonte (conclusão DD).

Sem razão, no entanto.

A sentença proferida no P. 1005/12.4BELRA, do Tribunal Administrativo e Fiscal ... -  acção intentada pela Sociedade de Construções A..., S.A., contra o Município de Santarém – declarou, é certo, a nulidade dos contratos de empreitada celebrados entre as partes “por falta de procedimento prévio pré-contratual e por falta de celebração do contrato por escrito.”

Todavia, não deixou aquele Tribunal de consignar que “a autora não poderá deixar de ser ressarcida por tais quantias reconhecidas pelo réu, por aplicação do regime legal da nulidade, tanto que os trabalhos por esta realizados em benefício do Réu não se mostram impugnados por ele.”


Diz o nº1 do art. 289º do CCivil que “a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”

O contrato nulo não é um nada jurídico.

Como escreve Maria Clara Sottomayor, anotação ao art. 289º, Comentário ao Código Civil, Universidade Católica Portuguesa, “…não corresponde à realidade jurídica a ideia de que o negócio jurídico nulo nunca produziu efeitos, mesmo antes da sentença de nulidade, ou de que o negócio nulo seria um nada-jurídico. Se nunca for declarada a nulidade, o negócio acabará por ser tratado pelas partes, por terceiros e pela sociedade, como válido. (…) Como facto da vida social e jurídica produz efeitos legais (Oliveira Ascensão), ou efeitos negociais secundários ou indirectos (Rui de Alarcão), decorrentes de situações fácticas, por exemplo (…) de execução voluntária de contrato nulo.”

Palavras com plena aplicação no caso dos autos.

Na execução dos contratos de empreitada que vieram a ser declarados nulos o empreiteiro Construções A…, SA realizou trabalhos, que não podendo ser restituídos, obrigam o dono da obra, o Município de Santarém, pagar àquela o valor correspondente, como decidiu a sentença proferida no P.1005/12.4BELRA.

Entre os trabalhos realizados, “em benefício do Réu”, contam-se os discriminados nas facturas nº 11 e 2, cujos créditos foram cedidos ao Recorrido BCP S.A..

A nulidade dos contratos de empreitada não afectou os créditos que foram objecto do contrato de factoring.

Na conclusão DD), o Recorrente invoca o Acórdão da Relação do Porto de 27/06/2018, P. 891/16, que decidiu que declarada a nulidade do contrato que serve de fonte ao factoring, este fica igualmente ferido de nulidade. As situações apreciadas num e noutro acórdão são substancialmente diferentes. No aresto proferido no P. 891/16, estava em causa a cessão de um crédito “por prestações acessórias”, prestações acessórias que afinal não existiam ou não eram exigíveis, concluindo o acórdão “não ser admissível ceder o que não existe, nem o que não se tem.”

No caso sub judice, ao aderente do factoring, pese embora a nulidade dos contrato de fonte, foi reconhecido um crédito decorrente do direito ao pagamento do preço dos trabalhos efectuados.

Com o que improcede este fundamento da revista, não estando o contrato de factoring celebrado entre o Recorrido e “Construções A..., S.A.”, ferido de nulidade, nem se verifica  a impossibilidade ou inexistência do objecto da cessão.

Sustenta ainda o Recorrente que houve uma retransmissão do crédito para o aderente com a rescisão do contrato de factoring

Se razão, no entanto.

É incontroverso que o Banco factor rescindiu em 10.08.2012, o contrato de factoring celebrado com a Sociedade Aderente, tendo disso informado quer a Aderente quer o seu avalista.

Sucede que a resolução do contrato só produz efeitos entre o Factor e a Aderente, e as suas consequências restringem-se às relações entre ambos.

Assim, porque o Recorrente não interveio no contrato de factoring,  reconheceu a cessão de créditos, mas sobretudo porque à data da resolução estava já consumada a cessão de créditos, com a consequente modificação subjetiva da relação jurídica, a resolução do contrato de factoring não tem qualquer efeito na sua dívida ao aqui Recorrido. (neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães de 29.09.2014, P. 125/13).

Do accionamento da livrança subscrita pela Aderente não é possível deduzir que ocorreu a retransmissão dos créditos cedidos.

Nas condições particulares do contrato de factoring, foi convencionado a emissão de “uma livrança “em branco”, a favor do Banco, subscrita pelo Aderente e avalizada por BB, destinada a titular as responsabilidades do Aderente perante o Banco resultantes deste contrato e que pode ser preenchida e apresentada a pagamento em caso de incumprimento pelo Aderente de qualquer obrigação emergente deste contrato.”

O accionamento da livrança não conduz à extinção da obrigação da Recorrente, pois que se tratou de uma datio pro solvendo (art. 840º do CC), que não extingue a obrigação principal, constituindo-se num acréscimo para facilitar o respectivo cumprimento.

 A posição sustentada pelo Recorrente não é consentânea com a modalidade do contrato de factoring celebrado.

A doutrina e a jurisprudência vêm observando que, segundo o critério do risco,  a prática tem evidenciado as modalidades de factoring próprio e factoring impróprio.

No primeiro, o risco dos créditos cedidos transfere-se para o factor; no segundo, o factor mantém recurso (factoring com recurso) contra o aderente no caso de não cumprimento pelo devedor, ou, então, faz depender o pagamento ao aderente de boa cobrança. (M. Januário da Costa Gomes, Contratos Comerciais, Almedina, 2012, pag. 368, Menezes Cordeiro, Manual de direito bancário, Acórdão da Relação do Porto de 18.06.2007, e do STJ de 21.03.2019, P. 24142/16, e de 26.11.2020, P. 1182/14, entre outros).

Para o factor, o benefício do factoring com recurso é que não corre o risco de incumprimento por parte do devedor, na medida em que o Aderente presta garantias da solvência do devedor.

No caso em apreço, o contrato foi celebrado na modalidade com recurso, como resulta nº7 das Condições Gerais do Contrato de Factoring:

“1.O aderente assume integralmente o risco do não pagamento, total ou parcial dos créditos cedidos.

2. Em consequência do previsto no número anterior, o Aderente será responsável pelo pagamento ao Banco de todos os valores que o Banco lhe adiante por conta dos créditos cedidos.

3. O Banco poderá exigir ao Aderente os valores adiantados por conta dos créditos cedidos e não pagos logo após as respectivas datas de vencimento, a menos que nas Condições Particulares seja fixado prazo diverso.


O que emerge das condições do contrato é que o Autor poderá exigir o pagamento do aderente, está na sua vontade fazê-lo ou não.

Apesar de o factor ter a garantia do aderente, o devedor é o Recorrente.

Não resulta do contrato de factoring que, não pagas as facturas na data seu vencimento, os créditos nelas titulados se consideram retransmitidos para a sociedade factorizada.

Com pertinência escreveu-se na sentença, o que foi transcrito no acórdão:

“A liquidação destas quantias ao factor extinguirá a dívida (e a execução pendente) perante o aderente. Ainda que se entendesse que o direito não se extingue pelo pagamento ao factor, o seu subsequente exercício pelo aderente seria manifestamente abusivo.

Com efeito, se, em resultado da procedência da ação vertente, o Município de Santarém liquidar ao factor o crédito deste, não pode a massa insolvente insistir (designadamente em sede de execução de sentença) no pagamento da quantia objeto da decisão de condenação proferida no processo n.º 1005/12.4BELRA. A quantia exequenda mostrar-se-á liquidada (causa de extinção da execução), por pagamento liberatório feito ao próprio titular do crédito. Ainda que se considere o factor um terceiro, o pagamento será inquestionavelmente liberatório (art. 770.º, als. a), c) e d), do Cód. Civil), causando a extinção da execução.


As implicações da sentença proferida na acção administrativa e o caso julgado.

A expressão “caso julgado” é uma forma de dizer “caso que já foi julgado”, ou seja, caso que foi objecto de pronunciamento judicial.

A doutrina e a jurisprudência concordam que o caso julgado material (arts. 619º e 621º do CPC) implica dois efeitos – um negativo e outro positivo – sendo em face deles que se distingue a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado (cf, o acórdão da Relação de Coimbra de 11.10.2016, P. 2560/19, relatado pelo ora Conselheiro Jorge Arcanjo).

A excepção de caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (arts. 580º e 581º do CPC), o que não se verifica nos presentes autos.

No acórdão referido e citando-se Miguel Teixeira de Sousa, que “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo de decisão anterior e à não contradição no processo posterior de decisão antecedente.”

A jurisprudência tem acolhido esta distinção (cf. os Acórdãos do STJ de 26.01.94, BMJ 433/515, de 10.10.2012, P. 1999/11, de 21.03.2013, P. 3210/07, de 18.06.2014, P. 209/09).

Escreveu-se no citado acórdão da Relação de Coimbra:

“ Neste contexto, pode distinguir-se ambos os institutos da seguinte forma:

A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas.

A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida e acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que relação ou situação jurídica definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica).


Revertendo ao caso dos autos.

O Recorrente pretende discutir o que chama de “sobrefaturação inscrita nas facturas n.º 2 e 11”, por a mesma não ter ficado definida no caso julgado dos autos n.º 1005/12.4BELRA.

Sucede que na acção administrativa o ali réu e ora Recorrente não impugnou os factos alegados, designadamente a pontual realização dos trabalhos faturados nas faturas n.os 2 e 11. (nº 10).

Daí que, em 30 de março de 2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... acolhendo as razões de facto e de direito aduzidas, proferiu saneador-sentença, julgando a ação procedente – decisão que transitou em julgado (nº11) (fls. 427 e segs).

Ora, como bem referiu a sentença:

“A relação material controvertida que integra o objecto da presente acção – trabalhos realizados pelo construtor ( facturas nºs 2 e 11) e seu pagamento – já foi discutida por decisão transitada, em acção em que se enfrentaram os titulares iniciais desta relação.

(…)

O crédito reconhecido por sentença à Sociedade de Construções A... é (não obstante a existência do contrato de factoring) o crédito (ao preço) vertido nas facturas emitidas por esta sociedade.”


Assim também entendeu o acórdão recorrido:

“O recorrente alega haver erro de julgamento na apreciação da “força do caso julgado” mas carece de qualquer razão já que está amplamente constatado que o mesmo foi condenado no pagamento de quantia respeitante à execução de contratos, execução essa onde se inserem as facturas em apreciação.

Deste modo, era nesse processo que o recorrente tinha de exercer todos os seus argumentos de defesa inerentes a esta relação material controvertida, designadamente sobre facturação de que agora vem falar.”


Na conclusão XX alega o Recorrente que “não teve oportunidade de apresentar defesa no P. 1005/21”, mas tal é contrariado pela factualidade apurada: o Recorrente foi citado naquela acção, mas não impugnou os factos alegados, designadamente a pontual realização dos trabalhos faturados nas faturas n.os 2 e 11, que, em consequência, foram considerados confessados.

O Recorrente não pode discutir o direito do Recorrido ao preço do serviço facturado por força de decisão jurisdicional transitada em julgado.

Resta dizer que o acórdão recorrido não está em oposição com o acórdão da Relação do Porto de 6.12.2016, proferido no âmbito do presente processo, por apenas se ter pronunciado pela ineficácia da renúncia abdicativa, atenta a natureza pública do Réu; o acórdão recorrido, fundou-se na autoridade caso julgado da sentença proferida na acção administrativa, não apreciado por aquele acórdão.

Com o que improcedem in totum as conclusões do Recorrente, não merecendo censura o acórdão recorrido.


Decisão.

Pelo exposto, decide-se negar a revista.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 11.05.2023


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Nuno Ataíde das Neves