Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1310/20.6YRLSB-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
NOVA REVISÃO
NOVOS FACTOS
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - O presente recurso extraordinário de revisão de sentença não é o primeiro recurso de revisão interposto, pois, já em 28/01/2022 fora apresentada uma outra revisão, a qual foi negada, depois do TC, por decisão sumária de 19/9/2022, não ter conhecido do recurso que para ele fora interposto.
II - Perante a existência desse anterior acórdão do STJ impõe-se atender ao disposto no art. 465.º, do CPP, nos termos do qual, tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento.
III - Se os elementos concretos invocados na nova revisão não são em tudo diferentes dos anteriormente invocados, mas antes correspondem materialmente aos mesmos, então está-se perante o “mesmo fundamento” a que alude o art. 465.º do CPP e, consequentemente, deve negar-se a admissibilidade da nova revisão
Decisão Texto Integral:

Recurso de Revisão


Proc. n.º 1310/20.6YRLSB-B.S1


5ª Secção Criminal


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I- Relatório


1. O Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do proc. n.º 1310/20.6YRLSB, de reconhecimento de sentença estrangeira, para efeitos de execução em Portugal da pena em que foi condenado AA, decidiu, por acórdão de 13 de outubro de 2020, já transitado em julgado, reconhecer a sentença n.º .......99, proferida pelo Tribunal da Coroa de... – ..., em 5-10-2018, transitada em julgado em 9 de novembro de 2018, “com a alteração de que a condenação do Arguido AA, ficará em 12 (doze) anos de prisão, e assim será executada em Portugal.”.


2. Invocando como fundamento de revisão, o previsto na alínea d), n.º 1, do art.º449.º e o art.º465.º, a contrario, ambos do CPP, vem o condenado AA, em 26 de maio de 2023, interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, apresentando a seguinte petição


II. Motivações


No Proc. Nº 1310/20.6YRLSB-5 da ... secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa foi requerida pelo Ministério Público junto desse tribunal, a Revisão da Sentença Penal Estrangeira n.º .......99 proferida em 5-10-2018 pelo Tribunal da Coroa de ... – ..., que condenou o agora recorrente na pena única de 15 anos (5479 dias) de prisão pela prática de 6 crimes de “PROVOCAR QUE UMA PESSOA SE ENVOLVA EM ATIVIDADE SEXUAL SEM CONSENTIMENTO, em violação do n.º 1 do artigo 4.º da Lei dos Crimes Sexuais, a vigorar no Reino Unido, de 2003”, transitada em julgado em 9-11-2018.


Como requerido pelo Ministério Público junto do Tribunal a quo, o reconhecimento da sentença penal seria em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro.


Ora, “tendo o tribunal da condenação (Tribunal Inglês) perante a matéria de facto dada como provada em Audiência de Julgamento condenado o então arguido ora recorrente, pela prática de 6 crimes de PROVOCAR QUE UMA PESSOA SE ENVOLVA EM ATIVIDADE SEXUAL SEM CONSENTIMENTO, em violação do n.º 1 do artigo 4.º da Lei dos Crimes Sexuais, de 2003, nas penas de 11 anos + 11 anos (Incidente 1.º) 4 anos (Incidente 2.º) 4 anos (Incidente 3.º) 6 anos + 6 anos (Incidente 4.º) apontando, como base de condenação das 6 penas descritas, os 6 atos sexuais havidos em 4 Incidentes ou em 4 situações de crime e, portanto, relacionados com “apenas” 4 vitimas e, “apenas” em 4 momentos temporais distintos, ou, 4 situações passiveis de serem consideradas crime segundo o direito material português.


Havendo, portanto, nos moldes em que foi feita a transcrição da sentença inglesa com aplicação da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro, erro intolerável na aplicação do direito interno português, contribuindo de forma grosseira para grave injustiça sobre o ora recorrente, desde logo, quando o tribunal a quo reconheceu ter havido dupla incriminação para os 6 crimes apontados na sentença inglesa, quando, na realidade, tendo em conta a lei material portuguesa, a dupla incriminação existe apenas para 4 dos 6 crimes a que foi o ora recorrente condenado pelo tribunal de emissão, com violação do artigo 1.º, n.º 1 e artigo 167.º, n.º 2, ambos do Código Penal.


Uma vez que, segundo o Sistema Jurídico Penal Português, comete um só crime de burla sexual o agente que, na mesma ocasião, realiza mais do que um ato sexual de relevo em relação à mesma vítima. A pluralidade de atos sexuais de relevo em relação à mesma vítima é ponderada apenas na determinação da medida da pena. (Cf. Anotação 12 - ao art. 167.º do Código Penal, de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE à luz da Constituição da Républica e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª Edição)


Aliás, tendo em conta o pensamento do legislador nacional, não faria sentido se fosse de outra forma, o crime em si, é cometido no momento do aproveitamento por erro e com a prática efetiva de coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos.


Para haver concretização do crime, deverá, portanto, em simultâneo, haver ligação entre o erro sobre a identidade do agente e a prática efetiva de atos sexuais de relevo. Por outro lado, não é dito, em parte alguma da norma incriminadora, ou em lei especial, que é punido com a pena de até 2 anos de prisão, por cada acto de relevo praticado. Tal juízo poderia levar-nos a um entendimento perverso e contra a natureza da política criminal portuguesa em que a lei criminal terá que ser explicita e de texto acessível e compreensível por qualquer pessoa comum.


O tribunal inglês considerou a prática de 6 crimes, exclusivamente com base nos factos ocorridos em 4 Incidentes, isto é, em 4 situações ilícitas previstas e puníveis pelo n.º 2, do artigo 167.º do Código Penal.


Como se passa a demonstrar:


Transcrição do Acórdão TRL


Circunstâncias em que, segundo a condenação inglesa, aconteceram os crimes:


- Incidente 1 2016 // Crimes 1.º e 2.º


- (CB Vítima) (D Suspeito)


“Comunicação entre a vítima (que deseja permanecer anónima) e o suspeito foi iniciada através do site de encontros "Tinder".


A 10.2.16 na .... A vítima compareceu à morada de D., acreditando que se ia encontrar com uma pessoa do sexo feminino que ele conheceu no Tinder e com quem tinha vindo a falar através do Watts App, com o nome de A.


Eles combinaram encontrar-se e estabeleceram certas regras para que ambos soubessem exactamente o que ia acontecer.


A A. disse à vítima que ele não iria vê-la.


A vítima seguiu as instruções da A. e entrou na propriedade, subiu as escadas e encontrou uma pequena toalha e uma venda dos olhos.


A vítima ouviu a A. a chamar o nome dele e a instruí-lo para tirar as calças, o que ele fez. O acordo era sexo oral e depois seguido de penetração, se a vítima quisesse.


A A. fez sexo oral com a vítima por cerca de 5 minutos, e depois perguntou à vítima se queria sexo.


A A. colocou um preservativo no pénis da vítima e levou a cabo uma relação sexual com ele.


A A. estava constantemente a pressionar os olhos da vítima para reforçar a venda nos olhos.


A vítima não tinha direito de tocar na A. e esteve deitado no chão o tempo todo com as mãos do lado do corpo. A vítima começou a achar que algo não estava bem pois "ela" era forte demais para uma mulher. A vítima removeu a mão da A. e tirou a venda.


A vítima percebeu que era um homem, e tirou-o de cima dele e disse à A. "Tu percebeste o que é que tu fizeste" ao que a A. respondeu "Desculpa, achei que eras gay" a vítima disse "Tu sabes o que é que a maior parte dos homens faria nesta situação? Ao que a A. respondeu "Sim, provavelmente matavam-me".


A vítima saiu da propriedade e quando chegou a casa viu uma mensagem da A. que dizia, "Desculpa"”.


No Incidente 1- (O que para o tribunal inglês são 2 crimes, segundo a lei penal portuguesa, nomeadamente, pelo artigo 1.º, n.º 1 e artigo 167.º, n.º 2, do CP, só foi consumado um crime, só acontece uma situação passível de enquadrar o previsto e punível pelo artigo incriminador).


- Incidente 2 2017 // Crime 3.º


(FR Vítima) (D Suspeito)


“Pelas 1:12h do 15.10.2017, O FR mandou mensagem a alguém que ele acreditava ser uma mulher com o nome de A. numa app de encontros chamada Lovoo, a dizer "olá xxx " a "A. " enviou mensagem de volta, pelas 12:11, a dizer "Olá, espero que estejas bem. Eu fiquei solteira recentemente e estou somente à procura de me divertir um pouco. Queres ser o meu brinquedo obediente? Manda WhatsApp e continua a conversa tu agora, se quiseres. .........61.


A "A. " e o FR combinaram no WhatsApp encontrarem-se para ter relações, no Fiat 33, ..., ..., ..., .... Eles enviaram mensagens um ao outro, enviando mensagens explicitas, e fizeram uma chamada de vídeo por WhatsApp.


O FR chegou ao flat pelas 14:22h. A "A. " pediu-lhe que entrasse no flat e pusesse uma venda nos olhos quando chegasse. Ele assim o fez, antes mesmo de ver a "A. ". Ele ouviu o que ele acreditou ser uma voz de mulher a dizer "Fica aí, não tires a máscara e não te mexas. Alguém veio por traz dele e apertou a máscara ainda mais. Ele foi depois levado, ainda com a máscara, para outro quarto, onde uma pessoa lhe abriu o cinto das calças, baixou as calças e roupa interior e começou a fazer-lhe sexo oral por aproximadamente 1 minuto.


O FR tirou a máscara para ver quem é que lhe estava a fazer sexo oral e, e viu o D.


O FR protestou e deu-lhe dois estalos, depois vestiu-se e saiu do apartamento de imediato. Ele não esteve no flat por mais de 5 minutos”.


No Incidente 2 -Para o tribunal inglês é cometido um crime e, efetivamente, segundo alei penal portuguesa, também, há um crime previsto e punível pelo artigo 167.º, n.º 2, do CP, isto é, dupla incriminação nos dois sistemas jurídico-penais.


- Incidente 3 - 2018 // Crime 4.º


- (RSBB” Vítima) (D Suspeito)


“Na quarta feira, 4 de abril de 2018 a vítima postou um anúncio na C..... ..... a procurar uma mulher à procura de "divertimento com direito a recompensa", onde dizia que era um jovem de 25 anos, à procura de uma mulher para se divertir um pouco, no ..., e colocou uma foto de si próprio.


O D. respondeu ao seu email, dizendo:


"Olá, ainda andas por aqui? Eu estou em ..., 35 anos, mulher, atrevida, excitada, adoro oral e engulo. .........61 WhatsApp para verificação por vídeo chamada.


A vítima usou depois o WhatsApp para enviar mensagem ao suspeito e recebe a sua morada, para se encontrarem. Eles tiveram uma conversa por vídeo chamada onde o suspeito diz à vítima que irá ocultar a sua identidade, alegando que é casada e por esse motivo tem de ser discreta até à sua chegada.


Quando a vítima chegou à morada, a porta da frente estava aberta, e a casa estava às escuras.


A vítima entrou na propriedade e disse "Olá" ele foi instruído para subir para o andar de cima e fechar a porta.


A vítima acreditava que estava a falar com a mesma pessoa com quem falou no telefone e que esta era uma pessoa do sexo feminino.


Conforme a vítima subiu as escadas ele foi agarrado pela área das coxas e as suas calças removidas, antes de ele ter oportunidade de ver o que se estava a passar as calças dele foram baixadas.


A vítima alega que algo lhe foi colocado pela cabeça abaixo, possivelmente uma fronha.


Ele removeu-a e pediu para ver se o suspeito era de facto uma mulher.


O suspeito disse que não e passou de imediato a fazer-lhe sexo oral, a vítima continuava a acreditar que se tratava de uma mulher. A vítima começou a sentir que algo de errado se passava, puxou pelas calças e alcançou o seu telemóvel. Ao ligar a lanterna do telemóvel percebeu que o suspeito era, de facto um homem. Ele gritou-lhe e saiu porta fora dizendo que ia chamar a polícia, ao que o suspeito respondeu, "Ainda bem, eu também vou".


A vítima esperou no exterior da casa do suspeito pela chegada da polícia, o suspeito foi detido no local do crime, e antes de detido divulgou que já algo similar tinha acontecido no passado.”


No Incidente 3 - Para o tribunal inglês é cometido um crime e, efetivamente, segundo a lei penal portuguesa, também, há um crime previsto e punível pelo artigo 167.º, n.º 2, do CP, isto é, dupla incriminação nos dois sistemas jurídico-penais.


- Incidente 4 - Dezembro 2016 // Crime 5.º e 6.º


- (AH Vítima) (D Suspeito)


“O AH foi identificado no seguimento de uma conversa de descoberta AHO/1.


Resumidamente o AH apareceu como compatível com uma mulher num site de encontros, que acreditamos que seja o Tinder, eles trocaram números e continuaram as conversas através do WhatsApp.


A 5 de Dezembro de 2016, o AH e a "A. " tiveram uma conversa. A A. explicou que ela estava à procura de cumprir uma fantasia, que envolvia o AH usar uma venda e em essência, permitir à A. ser a Dominatrix. Inicialmente a A. convidou o AH para ir para a sua casa onde lhe foi dito que colocaria uma venda, se sentaria numa cadeira e lhe fariam sexo oral. As conversas passaram a ser de teor sexual e ambos trocaram fotos. O D. enviou fotos de uma pessoa do sexo feminino, a mesma mulher que aparecia, no site de encontros amorosos. O AH não tinha qualquer razão para duvidar que esta não era a pessoa com quem ele estava a falar e continuou a fazer planos para virem a encontrar-se pessoalmente.


A A. disse ao AH que já não o poderia receber de visita lá em casa pois a senhoria dela estava em casa, mas ela ainda assim ofereceu ao AH a opção de ir lá a casa, colocar a venda nos olhos e ela iria fazer-lhe sexo oral a ele, nas escadas do flat. Ela disse que o apartamento era no último andar, por isso ninguém passaria por ali ou os veria juntos.


A A. deu o código postal da sua morada como sendo ... e foi dito ao AH que ela lhe daria o número quando ele chegasse.


No dia seguinte, 6 de dezembro de 2016, o AH questionou a A. se estava livre naquela noite para se encontrarem, A A. respondeu que se poderia encontrar com ele nas escadas ou no parque local, uma vez mais confirmando que em qualquer uma das situações ele teria de estar com a venda colocada.


A A. sugeriu que eles se encontrassem no parque oposto ao Centro Comercial ..., no ..., e enviou fotos da área do parque para onde o AH deveria ir. As instruções da A. eram que ele teria de esperar sentado num banco, com a cara coberta, e ela iria chupar, manusear e engolir. O AH não tinha de fazer nada pois fazia tudo parte da fantasia do show que ela estava a representar.


A A. disse que não apareceria até que ele estivesse com a venda colocada.


Ele tinha de trazer preservativos e eles iriam encontrar-se às 19h no parque.


O AH foi para o parque, contudo não conseguiu localizar a área onde eles ficaram de se encontrar.


Houve uma pequena conversa entre a A. e o AH, onde ele continuava a achar que estava a falar com uma mulher. Ele disse que ela tinha sotaque de quem era estrangeira, o que condizia com a foto, pois dava a entender que ela era asiática na foto de perfil.


Ele foi para o local e seguiu as instruções que a A. lhe deu, que foi as de colocar a venda nos olhos, e ficar virado para o arvoredo, numa área discreta do parque.


O D. apareceu, fingindo ser a A., e fez-lhe sexo oral e de seguida eles tiveram relações sexuais de penetração total.


O AH e a A. continuaram a enviar mensagens um ao outro depois deste encontro, e a A. informou o AH que eles tinham feito sexo A.l, algo que o AH desconhecia, e pediu se da próxima vez lhe podia "comer a rata". Em ponto algum o D. confirmou a sua verdadeira identidade ou divulgou quem ele verdadeiramente era.


O casal combinou de se encontrar novamente uns dias mais tarde, uma vez mais a A. estabeleceu os mesmos termos. Eles iriam encontrar-se no mesmo local, o AH iria colocar a venda nos olhos e ela iria fazer então a representação. O AH compareceu, mas estava curioso de ver quem é que ele iria encontrar e não colocou a venda, como combinado.


Ele informou a A. que estava pronto e com a venda nos olhos, pouco tempo depois o D. apareceu. O AH e o D. olharam-se mutuamente, e o D. tentou esconder-se nos arbustos. Foi-lhe perguntado quem ele era e porque estava ali. Ele disse que achava que AH era bissexual, e que não havia qualquer problema. O AH não tinha dito, em momento algum que era bissexual e nem nunca aceitou encontrar-se com um homem.”


No Incidente 4- (O que para o tribunal inglês são 2 crimes, segundo a lei penal portuguesa, nomeadamente, pelo artigo 167.º, n.º 2, do CP, só há um crime, só acontece uma situação passível de enquadrar o previsto e punível pelo artigo incriminador). A dupla incriminação só acontece para 1 crime, havendo discordância entre os dois sistemas jurídico-penais, prevalece, neste caso, o sistema jurídico-criminal português, observando-se o disposto no n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 158/2015 de 17 de setembro


- Transcrição n.º 2, do artigo 3.º - “No caso de infrações não referidas no número anterior, o reconhecimento da sentença e a execução da pena de prisão ou medida privativa da liberdade, da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, bem como o reconhecimento da decisão relativa à liberdade condicional pela autoridade judiciária portuguesa competente ficam sujeitos à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infração punível pela lei interna, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação na legislação do Estado de emissão”.


- Destarte, feitas as contas, só será possível no presente caso, segundo o Sistema Jurídico Penal Português, como acima referido, acusar e condenar por 4 crimes previstos e puníveis pelo art. 167.º n.º 2, art. 1.º, n.º 1, do CP.


Porquanto:


O Tribunal recorrido, certamente por lapso de interpretação, deixou factos de relevo por apreciar, cometendo assim, erros judiciários de extrema gravidade, que, por si só, é geradora de indubitável e flagrante injustiça pelo menos em duas ocasiões.


A primeira – Ao considerar que há dupla incriminação em todos os crimes alvo de condenação pelo tribunal de emissão,


A segunda – Ao condenar pelos mesmos factos que o Tribunal Inglês, ao invés de condenar exclusivamente por factos considerados crime em Portugal, em violação ao previsto no n.º 2, do art. 3.º, e dos n.ºs 4 e 5, do art. 16.º, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro e art. 1.º, n.º 1 e art. 167.º, n.º 2, do CP.


No entanto:


Na ótica do ora recorrente, esteve bem o Tribunal Recorrido, ao desconsiderar as sanções/proibições impostas pelo tribunal de emissão complementares à pena de prisão, pela circunstância de não estarem previstas na lei portuguesa para o crime de fraude sexual, retirando as mesmas da Sentença reconhecida. (Cfr. Ponto 2. fundamentos na decisão do Acórdão recorrido Transcrição “2. No que concerne às demais sanções/proibições, não estão previstas na lei portuguesa para o crime de fraude sexual, pelo que deixarão de fazer parte da Sentença reconhecida”. (Itálico e sublinhado nosso)


Com efeito, o Acórdão do Tribunal recorrido, desconsiderando as sanções acessórias com o fundamento de não estarem previstas na lei portuguesa para o crime de fraude sexual, também, seguindo o mesmo critério de Legalidade aplicado, descrito no artigo 1.º, n.º 1, do CP, deveria ter eliminado da sentença reconhecida, 2 das 6 condenações que recaem sobre o recorrente na sentença N.º .......99 proferida pelo Tribunal da Coroa de...-... em 05.10.2018, exatamente, com a mesma fundamentação utilizada em relação às sanções/proibições.


Ao condenar nos mesmo termos, sem verificar se todos os 6 crimes considerados na condenação do tribunal de emissão se adaptavam à legalidade dos princípios do direito penal nacional e ao não verificar se havia dupla incriminação em todos os 6 crimes, portanto, ser cada crime individualmente falando, previsto e punível também no estado de execução, houve, efetivamente, erro fundamental de julgamento que contribuiu claramente para grave injustiça na decisão


O tribunal a quo ao transcrever a sentença estrangeira com a adequação e reconhecimento dos 6 crimes da legislação inglesa de PROVOCAR QUE UMA PESSOA SE ENVOLVA EM ATIVIDADE SEXUAL SEM CONSENTIMENTO, do n.º 1, do artigo 4.º, da Lei dos Crimes Sexuais, de 2003, em 6 crimes de burla sexual, previstos e puníveis pelo artigo 167.º n.º 2, do CP, não se apercebeu, na altura do reconhecimento do erro indubitável quanto ao número de crimes reconhecidos, não tendo, por isso, o condenado ora recorrente, a oportunidade de exercer o seu direito ao recurso ordinário, pela simples razão de desconhecimento.


Da mesma forma, julga-se, que, com base no erro de interpretação da Lei, nomeadamente, do n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 158/2015 de 17 de setembro, os factos em que não havia dupla incriminação não foram apreciados e valorados na decisão de reconhecimento pelo tribunal aqui recorrido.


Admitindo o recorrente, também, que ignorava os factos ou tratamento dos mesmos, segundo a lei nacional ao tempo do julgamento que reconheceu a sentença estrangeira e, por isso, não pôde, então, exercer a sua defesa.


Não sabendo, assim, nem soube o tribunal recorrido, qual teria sido a sua reação aos factos, caso tivesse tido conhecimento de que não tinha sido respeitada a legalidade da lei penal portuguesa no reconhecimento aqui em recurso.


O reconhecimento assentou unicamente na análise que o tribunal fez ao crime em si, e não, quantas vezes o crime descrito na norma incriminadora do artigo 167.º, n.º 2, aconteceu efetivamente, ou, se, os 6 crimes apontados pelo tribunal inglês correspondiam ao mesmo número de crimes na aplicação da lei portuguesa. Contrariando o n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 158/2015 de 17 de setembro e, o artigo 1.º, n.º 1 e artigo 167.º, n.º 2, do CP.


Sendo de realçar, que, apesar do Tribunal Britânico condenar a 6 crimes com base no número de atos sexuais praticados em cada incidente ou circunstância criminosa, é, para nós, claro e sem margem para dúvidas, que, segundo o sistema jurídico nacional e respetiva legislação penal, a condenação adaptada tem erro grave, não poderia ter condenado em mais de 4 crimes, não havendo mais do que 4 situações em que o crime se efetivou.


Neste sentido:


O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art.29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui o meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. É assim que a segurança do direito e a força do caso julgado, valores essenciais do Estado de direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11-02-2021, in P. 75/15.8PJAMD (sublinhado nosso)


Tratando-se de reconhecimento de sentença estrangeira, como dispõe o artigo 100.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, o tribunal do estado de execução ao se pronunciar pela revisão e confirmação, está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, mas, no entanto, essa vinculação só deve abranger a matéria de facto dada como provada, não abrange os factos considerados criminosos no estado de emissão, que não sejam considerados crimes na lei interna portuguesa. (Cf. Artigo 96.º, n.º 1, alínea e) à contrário, da supracitada Lei; última parte, do n.º 2, do artigo 3.º, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro; artigo 1.º, n.º 1 e artigo 167.º, n.º 2, do Código Penal e, alínea e) do n.º 1, do artigo 3.º, da Convenção Relativa a Transferência de Pessoas Condenadas que foi adotada em Estrasburgo, a21 de março de 1983 e à qual a República Portuguesa se vinculou por ratificação pelo Decreto do Presidente da República n.º 8/93, de 24 de março)


III Do Direito


1- No Proc. Nº 1310/20.6YRLSB-5 da ... secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa foi requerida a Revisão da Sentença Penal Estrangeira n.º .......99 proferida em 5-10-2018 pelo Tribunal da Coroa de... – ..., condenando o aqui recorrente na pena única de 15 anos (5479 dias) de prisão pela prática de 6 crimes de “PROVOCAR QUE UMA PESSOA SE ENVOLVA EM ATIVIDADE SEXUAL SEM CONSENTIMENTO, em violação do n.º 1 do artigo 4.º da Lei dos Crimes Sexuais, a vigorar no Reino Unido, de 2003”, transitada em julgado em 9-11-2018.


2- Como requerido junto do Tribunal a quo pelo Ministério Público, o reconhecimento da sentença penal de condenação obedeceria aos termos dispostos na Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro.


3- O tribunal da condenação, perante a matéria de facto dada como provada condenou o então arguido pela prática de seis crimes de PROVOCAR QUE UMA PESSOA SE ENVOLVA EM ATIVIDADE SEXUAL SEM CONSENTIMENTO, em violação do n.º 1 do artigo 4.º da Lei dos Crimes Sexuais, de 2003, de 11 anos + 11 anos + 4 anos + 4 anos + 6 anos + 6 anos, num total de 42 anos de prisão.


4- O tribunal recorrido, sem mais, isto é, sem fazer um enquadramento fático ou outras considerações entre os crimes constantes na condenação e os factos efetivamente dados como provados, reconheceu a sentença adaptando tout court as mesmas 6 condenações,


5- moldadas ao crime previsto e punível pelo art. 167.º n.º 2 (Burla sexual agravada) aplicando 6 penas de prisão da pena máxima permitida, isto é, 6 x 2 anos = a 12 anos de prisão.


6- Com efeito, o Acórdão do Tribunal recorrido limitou-se, considerando as seis condenações que recaem sobre o recorrente na sentença N.º .......99, proferida, pelo Tribunal da Coroa de ...-..., em 05.10.2018, a condenar pelo mesmo número de crimes.


7- Ao mesmo tempo desconsiderou as sanções/proibições acessórias aplicadas na sentença inglesa, por não estarem previstas na lei portuguesa para o crime de fraude sexual, que deixaram de fazer parte da Sentença reconhecida.


8- Critério de desaplicação das sanções/proibições, que não foi verificado em relação à contagem dos crimes, tendo em conta a matéria de facto dada como provada constante da sentença em reconhecimento e efetivamente cometidos pelo condenado, ora recorrente.


9- Verificou-se a transcrição e reconhecimento desprovidos de qualquer apreciação crítica dos elementos atinentes ao agente e aos factos considerados provados pelo tribunal de condenação, multiplicando apenas, a pena máxima aplicável prevista e punível pelo art. 167.º do CP, pelo número de condenações proferidas na sentença estrangeira, isto é, 2 anos x 6 crimes = 12 anos.


10- Olvidando por completo, tendo em conta a matéria de facto dada como provada na sentença do tribunal de emissão, qual o número de crimes efetivamente praticados pelo condenado em Inglaterra, ou, na transposição, quais os factos que constituem infração penal face à lei do Estado Português. Em violação do art. 1.º, n.º 1 e art. 167.º, n.º 2, do CP.


11- Não seguindo os requisitos e condições especiais de admissibilidade contidos no artigo 96.º, n.º 1, alínea e) nem tendo em conta o artigo 101.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, atualizada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro.


12- Indo contra, também, ao requisito de transferência disposto na alínea e) do n.º 1, do art. 3.º, da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas que foi adotada em Estrasburgo, a 21 de março de 1983 e à qual a República Portuguesa se vinculou por ratificação pelo Decreto do Presidente da República n.º 8/93, de 24 de março e, pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/93 de 20 de abril.


Como também:


13- A Convenção referida no ponto anterior, manda aplicar o processo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, nos casos em que Portugal seja o Estado de execução;


14- Caso em que se aplica o artigo 10.º, n.º 2, 1.ª parte “se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução, ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infrações da mesma natureza”.


15- Está explícito, portanto, que no caso em concreto, devido a incompatibilidade entre a sentença inglesa e a legislação nacional, se aplica a legislação do Estado Português.


16- Entendendo-se que na aplicação da lei portuguesa, têm de ser considerados os requisitos da confirmação dispostos no artigo 237.º, nomeadamente o n.º 1, alíneas a) b) e c) n.º 2 e n.º 3, do CPP.


17- Isto é, que os factos que motivaram a condenação sejam também puníveis na legislação portuguesa, o que não acontece em pelo menos 2 dos crimes.


18- Tendo em conta a matéria de facto dada como provada na sentença estrangeira, só se vislumbram provados 4 crimes pp pelo art. 167.º do CP e não 6 crimes, como transcrição efetuada pelo tribunal recorrido.


19- Com base nos incidentes transcritos, e os crimes que constam da sentença inglesa, esta condenou por cada ato sexual praticado no mesmo momento e com a mesma vítima.


20- Caso em que, no incidente 1, condena por 2 crimes, cabendo uma pena de 11 anos de prisão pelo sexo oral e a mesma pena de 11 anos de prisão pela penetração anal, isto é, a 22 anos de prisão pelos atos praticados no mesmo incidente.


21- O mesmo aconteceu com o incidente 4, cabendo uma pena de 6 anos de prisão pelo sexo oral e a mesma pena de 6 anos de prisão pela penetração anal, no total de 12 anos de prisão devido a esse incidente.


22- E, em relação aos incidentes 3 e 4, a 4 anos de prisão por cada um, num total dos 2 incidentes de 8 anos de prisão.


23- Diferente, do que acontece no Sistema Jurídico Penal Português, uma vez que, segundo o mesmo, comete um só crime de burla sexual o agente que, na mesma ocasião, realiza mais do que um ato sexual de relevo em relação à mesma vítima.


24- A pluralidade de atos sexuais de relevo em relação à mesma vítima é ponderada apenas na determinação da medida da pena. (Cf. Anotação 12 - ao art. 167.º do Código Penal, de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE à luz da Constituição da Républica e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª Edição)


25- Tendo em conta o pensamento maioritário do legislador nacional não faria sentido se fosse de outra forma,


26- o crime previsto e punível pelo artigo 167.º, n.º 2, é cometido no momento do aproveitamento por erro, seguido pela prática efetiva de coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos.


27- Não é dito em parte alguma da norma incriminadora ou em lei especial, que é punido com a pena de até 2 anos de prisão, por cada acto de relevo praticado.


Assim:


28- Os crimes efetivamente cometidos pelo recorrente, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, transpostos para o sistema jurídico português, não podem ser considerados mais do que 4 crimes, sob pena de violação do art.1.º, n.º 1, art.40.º, n.º 2 e art.167.º, n.º 2, do Código Penal; art.237.º, n.º 1, alínea b) do CPP; art.96.º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro; e art.3.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro.


29- Com base nos incidentes transcritos nas motivações, e tendo em conta o sistema jurídico português, estaremos, assim, no máximo, perante quatro crimes previstos e puníveis pelo artigo 167.º, n.º 2, do Código Penal Português,


30- Ocorrendo neste caso em concreto de revisão e confirmação da sentença condenatória, uma das hipóteses previstas no n.º 3 do art. 237.º, do CPP.


31- O douto tribunal a quo, para além de não fazer qualquer analise critica conforme o aqui descrito, olvidou, também, o facto de os crimes condenatórios terem de corresponder na íntegra e estarem contidos na matéria de facto dada como provada, sob pena de violação do princípio disposto no art.29.º n.º 5, da CRP


32- Condenando, pelo menos, por 2 crimes que não constituem ilícito criminal segundo a nossa legislação, violando o n.º 4 do artigo 29.º da CRP.


33- Tratando-se de reconhecimento de sentença estrangeira, como dispõe o artigo 100.º,n.º 2,alínea a) da Lei n.º 144/99,de 31de agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, o tribunal do estado de execução ao se pronunciar pela revisão e confirmação, está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira.


34- No entanto, essa vinculação só abrange a matéria de facto dada como provada, não abrange os factos considerados criminosos no estado de emissão, que não sejam considerados como tal na lei interna portuguesa. (Cf. Artigo 237.º, n.º 3, do CPP; artigo 96.º, n.º 1, alínea e) à contrário, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, artigo 29.º, n.º 4, da CRP e última parte, do n.º 2, do artigo 3.º, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro)


35- Como também, havendo vinculação à matéria de facto dada como provada pela sentença estrangeira e tendo em conta os factos nela constantes, verifica-se, como acima já referido, que o reconhecimento e execução terá de ser feito segundo a legislação portuguesa.


36- Com efeito, o Acórdão recorrido ao omitir pressupostos fundamentais da Lei Internacional Penal do Estado Português na aplicação e contagem do número de crimes e, depois,


37- fixar uma pena única com base no somatório das penas parcelares, ou seja, pegar na pena máxima abstratamente aplicável ao crime de Burla Sexual e multiplicar por 6 crimes x 2 anos = a 12 anos,


38- violou regras imperativas da Legislação Penal Portuguesa contidas nos artigos, 29.º, n.º 4, da CRP e artigos, 40.º n.º 2; 71.º e 77.º do Código Penal, que exigem, estes últimos, como norma imperativa, a aplicação de uma pena única determinada pelas disposições conjugadas do artº 100º, nº 1, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro; pelo artº 237º, nº 3, do Código de Processo Penal e pela alínea f) do artigo 980.º do Código de Processo Civil.


39- Ambos os tribunais condenam por 6 crimes, o tribunal inglês condena a 11+11+4+4+6+6 e o tribunal a quo, condena a 2+2+2+2+2+2. Pelo que, não releva saber ou entender, quais os critérios usados pelo tribunal inglês, interessando apenas, que,


40- em relação à matéria de facto dada como provada na sentença do tribunal estrangeiro, segundo o direito material interno do estado português, disposto no artigo 167.º, n.º 2, do CP, há apenas 4 crimes consumados.


Termos em que:


41- O Acórdão recorrido ao condenar para além da culpa, em violação do artigo 40.º, n.º 2, do CP e do artigo 29.º, n.º 4, da CRP, e não adaptar a pena constante da sentença inglesa à pena aplicável em Portugal, segundo a lei portuguesa, reduzindo-a, ao limite adequado, nos termos do artigo, 237º, nº 3 do CPP, padece de nulidade nos termos do art.379.º, n.º 1, alínea c) e, em consequência, deve ser substituído por outro que considere 4 crimes de (burla sexual) previstos e puníveis pelo artigo 167.º, n.º 2 do CP.


42- Pelos fundamentos expostos, requer-se que a revisão do Acórdão recorrido seja concedida devido a nulidade no reconhecimento da sentença estrangeira e, nos termos do n.º 3, do artigo 379.º do CPP, ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, que não contenha erros fundamentais de julgamento que ponham em causa a justiça da decisão e, ou, nulidades insanáveis, que por si só, tornem a decisão injusta.”.


3. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, não respondeu ao recurso.


4. Sobre o mérito do pedido formulado pelo condenado, pronunciou-se o Exmo Juiz Desembargador, na Relação de Lisboa, nos termos do art.º 454.º, do CPP, informando o seguinte:


Por acórdão deste Tribunal da Relação, datado de 13-10-2020 foi reconhecida a sentença n.º .......99 proferida pelo tribunal da Coroa de...-..., em 05-10-2018, transitada em julgado em 09-11-2018, com a alteração respeitante à condenação do arguido AA que ficará em 12 anos de prisão e, assim, será executada em Portugal.


Entendeu-se que o privilégio da nacionalidade tem em vista a defesa dos interesses dos portugueses contra as sentenças proferidas no estrangeiro que contenham decisão menos favorável do que aquela a que conduziria a aplicação do direito material português.


Nessa medida, considerando o direito material português, mais concretamente o artigo 167º, n.º 2 do Código Penal português, haveria que aplicar a pena de 2 anos de prisão (máximo previsto) a cada um dos 6 crimes cometidos pelo arguido AA, ficando a condenação do mesmo em 12 anos de prisão, limite consentido pela lei portuguesa, o que foi feito.


Transitado em julgado o predito aresto, foi o mesmo comunicado às autoridades inglesas que procederam à transferência do arguido em causa, o qual deu entrada no estabelecimento Prisional d… em 19-11-2020, tendo sido posteriormente transferido para o Estabelecimento Prisional d. ........... em 15-12-2020.


Com data de 28-01-2022 veio o supra mencionado arguido apresentar recurso extraordinário de revisão, a qual foi negada por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 19-05-2022.


Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nele se decidiu, em 19-09-2022, não conhecer do mesmo.


Tal decisão sumária transitou em julgado no dia 12-10-2022.


Mais uma vez, com data de 10-05-2023, veio o arguido AA apresentar recurso extraordinário de revisão, alegando, in fine, que o acórdão recorrido ao condenar para além da culpa, em violação do Art.º 40º , n.º 2, do C.P.Penal e do Art.º 29º , n.º 4 da C.R.P., e não adaptar a pena constante da sentença inglesa à pena aplicável em Portugal, segundo a Lei portuguesa, reduzindo-se ao limite adequado, nos termos do Art.º 237º, n.º 3 do C.P.Penal, padece de nulidade nos termos do Art.º 379º , n.º 1 alínea c) do C.P.Penal e, em consequência, deve ser substituído por outro que considere 4 crimes de (burla sexual) previstos e puníveis pelo Art.º 167º, n.º 2 do C. Penal.


Pelos fundamentos expostos, requer que a revisão do predito acórdão seja concedida devido a nulidade do reconhecimento da sentença estrangeira e, nos termos do n.º 3, do Art.º 379º do C.P.Penal, se profira nova decisão do tribunal recorrido que não contenha erros fundamentais de julgamento que ponham em causa a justiça da decisão elou nulidades insanáveis, que por si só, tornam a decisão injusta.


Ora, não se vislumbra que as razões invocadas consubstanciem fundamento do recurso interposto, tendo em conta o disposto no artigo 449º, nº 1 do C. P. Penal.


E que, assim, haja lugar, no caso concreto, à admissibilidade do supra mencionado recurso, uma vez que se revela patente a respectiva falta do fundamento legal.


De todo o modo, importa salientar que, mesmo que assim não se entenda, o pedido carece de mérito, já que o aresto proferido neste tribunal da Relação de Lisboa não padece de qualquer vício, designadamente o de nulidade previsto nos termos do Art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do C.P.Penal.


Contudo, Vossas Excelências melhor decidirão.”


5. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, no visto a que alude o art.º 445.º, n.º1, do CPP, emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência da pretensão do condenado/recorrente, por não se verificarem os requisitos a que se refere a norma do art.º 449.º, n.º 1, do CPP, o que deverá determinar a negação da pretendida revisão de sentença.


6. Notificado o requerente do pedido de revisão da posição assumida pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, veio responder mantendo o entendimento de que cumpre os requisitos da alínea d), n.º 1, do art.º 449.º, do CPP e que deve ser substituída a pena de prisão aplicada por uma outra pena não privativa da liberdade.


7. O presente relator ordenou a junção aos presentes autos de cópia do acórdão do STJ de 19/05/2022, com nota de trânsito em julgado.


8. Realizada a Conferência, nos termos do art.º 455.º, n.º 3 do CPP, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A factualidade dada como provada no acórdão recorrido é a seguinte:


«1) AA, no dia 17 de fevereiro de 2016, provocou intencionalmente que CC se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de AA com o pénis de CC, quando CC não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e AA não tinha razões para acreditar que CC consentisse;


2) AA, no dia 17 de fevereiro de 2016, provocou intencionalmente que CC se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração do ânus de AA com o pénis de CC, quando CC não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e AA não tinha razões para acreditar que CC consentisse;


3) AA, no dia 15 de outubro de 2017, provocou intencionalmente que DD se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de AA com o pénis de DD, quando DD não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e AA não tinha razões para acreditar que DD consentisse;


4) AA, no dia 6 de dezembro de 2016, provocou intencionalmente que BB se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de AA com o pénis de BB, quando BB não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e não tinha razões para acreditar que BB consentisse.


5) AA, no dia 6 de dezembro de 2016, provocou intencionalmente que EE se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de AA com o pénis de EE, quando EE não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e AA não tinha razões para acreditar que EE consentisse.


6) AA, no dia 6 de dezembro de 2016, provocou intencionalmente que EE se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração do ânus de AA com o pénis de EE, quando EE não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e AA não tinha razões para acreditar que EE consentisse".


8. E resulta ainda que estas atividades ilícitas se reportam às circunstâncias seguintes:


Incidente 1 -2016


CC – Vítima, AA - Suspeito


“Comunicação entre a vítima (que deseja permanecer anónima) e o suspeito foi iniciada através do site de encontros "Tinder".


A 10.2.16 na .... A vítima compareceu à morada de AA, acreditando que se ia encontrar com uma pessoa do sexo feminino que ele conheceu no Tinder e com quem tinha vindo a falar através do Whats App, com o nome de FF.


Eles combinaram encontrar-se e estabeleceram certas regras para que ambos soubessem exactamente o que ia acontecer. A FF disse à vítima que ele não iria vê-la.


A vítima seguiu as instruções da FF e entrou na propriedade, subiu as escadas e encontrou uma pequena toalha e uma venda dos olhos. A vítima ouviu a FF a chamar o nome dele e a instruí-lo para tirar as calças, o que ele fez. O acordo era sexo oral e depois seguido de penetração, se a vítima quisesse. A FF fez sexo oral com a vítima por cerca de 5 minutos, e depois perguntou à vítima se queria sexo. A FF colocou um preservativo no pénis da vítima e levou a cabo uma relação sexual com ele.


A FF estava constantemente a pressionar os olhos da vítima para reforçar a venda nos olhos.


A vítima não tinha direito de tocar na FF e esteve deitado no chão o tempo todo com as mãos do lado do corpo.


A vítima começou a achar que algo não estava bem pois "ela" era forte demais para uma mulher. A vítima removeu a mão da FF e tirou a venda.


A vítima percebeu que era um homem, e tirou-o de cima dele e disse à FF "Tu percebeste o que é que tu fizeste" ao que a FF respondeu "Desculpa, achei que eras gay" a vítima disse "Tu sabes o que é que a maior parte dos homens faria nesta situação? Ao que a FF respondeu "Sim, provavelmente matavam-me".


A vítima saiu da propriedade e quando chegou a casa viu uma mensagem da FF que dizia, "Desculpa".


Incidente 2 - 2017


DD RUIVO – Vítima, AA - Suspeito


"Pelas 11:12h do 15.10.2017, O DD mandou mensagem a alguém que ele acreditava ser uma mulher com o nome de FF, numa app de encontros chamada Lovoo, a dizer "olá xxx " a "FF" enviou mensagem de volta, pelas 12:11, a dizer "Olá, espero que estejas bem. Eu fiquei solteira recentemente e estou somente à procura de me divertir um pouco. Queres ser o meu brinquedo obediente? Manda WhatsApp e continua a conversa tu agora, se quiseres.


.........61.


A "FF" e o DD combinaram no WhatsApp encontrarem-se para ter relações, no Fiat 33, 27 ..., ..., .... Eles enviaram mensagens um ao outro, enviando mensagens explicitas, e fizeram uma chamada de vídeo por WhatsApp.


O DD chegou ao flat pelas 14:22h. A "FF" pediu-lhe que entrasse no flat e pusesse uma venda nos olhos quando chegasse. Ele assim o fez, antes mesmo de ver a "FF". Ele ouviu o que ele acreditou ser uma voz de mulher a dizer "Fica aí, não tires a máscara e não te mexas.


Alguém veio por traz dele e apertou a máscara ainda mais. Ele foi depois levado, ainda com a máscara, para outro quarto, onde uma pessoa lhe abriu o cinto das calças, baixou as calças e roupa interior e começou a fazer-lhe sexo oral por aproximadamente 1 minuto.


O DD tirou a máscara para ver quem é que lhe estava a fazer sexo oral e, e viu o AA. O DD protestou e deu-lhe dois estalos, depois vestiu-se e saiu do apartamento de imediato. Ele não esteve no flat por mais de 5 minutos".


Incidente 3-2018


BB – Vítima, AA - Suspeito


"Na quarta feira, 4 de Abril de 2018 a vítima postou um anúncio na C..... ..... a procurar uma mulher à procura de "divertimento com direito a recompensa", onde dizia que era um jovem de 25 anos, à procura de uma mulher para se divertir um pouco, no ... Park, e colocou uma foto de si próprio.


O AA respondeu ao seu email, dizendo:


"Olá, ainda andas por aqui? Eu estou em ..., 35 anos, mulher, atrevida, excitada, adoro oral e engulo.


.........61


WhatsApp para verificação por vídeo chamada.


A vítima usou depois o WhatsApp para enviar mensagem ao suspeito e recebe a sua morada, para se encontrarem. Eles tiveram uma conversa por vídeo chamada onde o suspeito diz à vítima que irá ocultar a sua identidade, alegando que é casada e por esse motivo tem de ser discreta até à sua chegada.


Quando a vítima chegou à morada, a porta da frente estava aberta, e a casa estava às escuras.


A vítima entrou na propriedade e disse "Olá" ele foi instruído para subir para o andar de cima e fechar a porta. A vítima acreditava que estava a falar com a mesma pessoa com quem falou no telefone e que esta era uma pessoa do sexo feminino. Conforme a vítima subiu as escadas ele foi agarrado pela área das coxas e as suas calças removidas, antes de ele ter oportunidade de ver o que se estava a passar as calças dele foram baixadas. A vítima alega que algo lhe foi colocado pela cabeça abaixo, possivelmente uma fronha. Ele removeu-a e pediu para ver se o suspeito era de facto uma mulher. O suspeito disse que não e passou de imediato a fazer-lhe sexo oral, a vítima continuava a acreditar que se tratava de uma mulher. A vítima começou a sentir que algo de errado se passava, puxou pelas calças e alcançou o seu telemóvel. Ao ligar a lanterna do telemóvel percebeu que o suspeito era, de facto um homem. Ele gritou-lhe e saiu porta fora dizendo que ia chamar a polícia, ao que o suspeito respondeu, "Ainda bem, eu também vou".


A vítima esperou no exterior da casa do suspeito pela chegada da polícia, o suspeito foi detido no local do crime, e antes de detido divulgou que já algo similar tinha acontecido no passado."


Incidente 4 - Dezembro 2016


EE – Vítima, AA - Suspeito


"O Adrain foi identificado no seguimento de uma conversa de descoberta AHO/1.


Resumidamente o EE apareceu como compatível com uma mulher num site de encontros, que acreditamos que seja o Tinder, Eles trocaram números e continuaram as conversas através do WhatsApp.


a 5 de Dezembro de 2016, o EE e a "FF" tiveram uma conversa. A FF explicou que ela estava à procura de cumprir uma fantasia, que envolvia o EE usar uma venda e em essência, permitir à FF ser a Dominatrix. Inicialmente a FF convidou o EE para ir para


a sua casa onde lhe foi dito que colocaria uma venda, se sentaria numa cadeira e lhe fariam sexo oral. As conversas passaram a ser de teor sexual e ambos trocaram fotos. O AA enviou fotos de uma pessoa do sexo feminino, a mesma mulher que aparecia, no site de encontros amorosos. O EE. não tinha qualquer razão para duvidar que esta não era a pessoa com quem ele estava a falar e continuou a fazer planos para virem a encontrar-se pessoalmente.


A FF disse ao EE que já não o poderia receber de visita lá em casa pois a senhoria dela estava em casa mas ela ainda assim ofereceu ao EE a opção de ir lá a casa, colocar a venda nos olhos e ela iria fazer-lhe sexo oral a ele, nas escadas do flat. Ela disse que o apartamento era no último andar, por isso ninguém passaria por ali ou os veria juntos. A FF deu o código postal da sua morada como sendo SW18 4JF e foi dito ao EE que ela lhe daria o número quando ele chegasse.


No dia seguinte, 6 de Dezembro de 2016, o EE questionou a FF se estava livre naquela noite para se encontrarem, A FF respondeu que se poderia encontrar com ele nas escadas ou no parque local, uma vez mais confirmando que em qualquer uma das situações ele teria de estar com a venda colocada.


A FF sugeriu que eles se encontrassem no parque oposto ao Centro Comercial ..., no


...'s Park, e enviou fotos da área do parque para onde o EE deveria ir. As instruções da FF eram que ele teria de esperar sentado num banco, com a cara coberta, e ela iria chupar, manusear e engolir. O EE não tinha de fazer nada pois fazia tudo parte da fantasia do show que ela estava a representar. A FF disse que não apareceria até que ele estivesse com a venda colocada.


Ele tinha de trazer preservativos e eles iriam encontrar-se às 19h no parque.


O EE foi para o parque, contudo não conseguiu localizar a área onde eles ficaram de se encontrar. Ouve uma pequena conversa entre a FF e o EE, onde ele continuava a achar que estava a falar com uma mulher. Ele disse que ela tinha sotaque de quem era estrangeira, o que condizia com a foto, pois dava a entender que ela era asiática na foto de perfil.


Ele foi para o local e seguiu as instruções que a FF lhe deu, que foi as de colocar a venda nos olhos, e ficar virado para o arvoredo, numa área discreta do parque. O AA apareceu, fingindo ser a FF, e fez-lhe sexo oral e de seguida eles tiveram relações sexuais de penetração total.


O EE e a FF continuaram a enviar mensagens um ao outro depois deste encontro, e a FF informou o EE que eles tinham feito sexo anal, algo que o EE desconhecia, e pediu se da próxima vez lhe podia "comer a rata". Em ponto algum o AA confirmou a sua verdadeira identidade ou divulgou quem ele verdadeiramente era.


O casal combinou de se encontrar novamente uns dias mais tarde, uma vez mais a FF estabeleceu os mesmos termos. Eles iriam encontrar-se no mesmo local, o EE iria colocar a venda nos olhos e ela iria fazer então a representação. O EE compareceu, mas estava curioso de ver quem é que ele iria encontrar e não colocou a venda, como combinado.


Ele informou a FF que estava pronto e com a venda nos olhos, pouco tempo depois o AA apareceu. O EE e o AA olharam-se mutuamente, e o AA tentou esconder-se nos arbustos. Foi-lhe perguntado quem ele era e porque estava ali. Ele disse que achava que EE era bissexual, e que não havia qualquer problema. O EE não tinha dito, em momento algum que era bissexual e nem nunca aceitou encontrar-se com um homem».

2. Âmbito do recurso:

1. O pedido de revisão de sentença tem o âmbito decorrente do requerimento inicial apresentado.


No caso, o recorrente peticiona a revisão do acórdão proferido no proc. n.º 1310/20.6YRLSB, de reconhecimento de sentença penal estrangeira para efeitos de execução em Portugal da pena em que foi condenado, “com fundamento na alínea d) do n.º 1, do artigo 449.º, e artigo 465.º (à contrário) ambos do Código de Processo Penal”.~

2. Previamente à apreciação da pretensão e argumentos apresentados pelo recorrente, impõe-se fixar, sinteticamente, os fundamentos e os pressupostos da revisão de sentença, ou seja, o regime legal que lhe subjaz.


O art.29.º da Constituição da República Portuguesa, inserido no Título II, epigrafado de «Direitos, liberdades e garantias» consagra, no seu n.º5, o princípio ne bis in idem e, assim, ainda que de forma implícita, a figura do caso julgado.


O fundamento central do caso julgado é uma concessão prática à necessidade de garantir a segurança e a certeza do direito.


Como assertivamente esclarece Eduardo Correia, com o caso julgado “…ainda mesmo com possível, sacrifício da justiça material, quere-se assegurar através dele aos cidadãos a paz; quere-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto.”.1


Porém, embora a segurança seja um dos fins do processo penal, não é o único, como acentua Cavaleiro de Ferreira:


A justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações; o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade das decisões judiciais a garantia dum mal invocado prestígio ou infabilidade do juízo humano, à custa de postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, transformados então cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa da lei e do direito.” – Cf. In “Scientia Iuridica”, tomo XIV, n.ºs 75/76, págs. 520-521.


O caso julgado não pode, pois, ser um dogma absoluto face à injustiça patente. E a nossa lei fundamental não deixa de o reconhecer, privilegiando a justiça material em detrimento da segurança e da certeza que resulta da autoridade do caso julgado, ao estabelecer no art.29.º. n.º 6 da Constituição da República Portuguesa, que «os cidadãos injustamente condenados o direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença é á indemnização pelos danos sofridos».


Com o recurso de revisão consegue o legislador obter o equilíbrio entre a imutabilidade da sentença ditada pelo caso julgado (vertente da segurança) e a necessidade de assegurar o respeito pela verdade material (vertente da Justiça).


No mesmo sentido esclarece José Alberto dos Reis, no âmbito do processo civil, que “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas suscetíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça” – Cf. “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, vol. V, pág. 158.


A revisão de sentença criminal, densificada no art.º 449.º e seguintes do CPP, é um recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.


Comporta, no entendimento generalizado da doutrina, duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório.


A primeira fase abrange a tramitação desde a apresentação do pedido até à decisão que concede ou denegue a revisão; a segunda fase – do juízo rescisório – só existe se a revisão for concedida e inicia-se com a baixa do processo e termina com um novo julgamento – Cf. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal",3º Vol., pág. 364 e Maia Gonçalves, "Código de Processo Penal Anotado", 17ª Ed., pág.644).


O requerimento a pedir a revisão, contendo os fundamentos e as provas, é apresentado no tribunal que proferiu a decisão que deve ser revista (art.º 451.º do CPP) e, se o fundamento for a descoberta de novos factos ou meios de prova, o juiz procede às diligências que considera indispensáveis, mandando documentar as declarações prestadas (art.453.º do CPP).


Os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão da sentença penal transitada em julgado, em que seria injusto e intolerável manter a sentença transitada em julgado, constam das alíneas a) a g) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP.


São elas, taxativamente, as seguintes:

i. Falsidade dos meios de prova, verificada por outra sentença transitada em julgado - alínea a);

ii. Dolo de julgamento, decorrente de crime cometido pelo juiz ou por jurado relacionado com o exercício da sua função no processo - alínea b);

iii. Inconciliabilidade de decisões, entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, resultando graves dúvidas sobre a justiça da condenação - alínea c);

iv. Descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação - alínea d);

v. Condenação com recurso a provas proibidas - alínea e);

vi. Declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação - alínea f); e

vii. Sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça - alínea g).


O fundamento da revisão da sentença transitada em julgado previsto na alínea d) do n.º1 do art.449.º do CPP, que o recorrente traz à colação, exige a verificação cumulativa de dois pressupostos:

i. a descoberta de novos factos ou novos meios de prova; e

ii. que esses novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


No que respeita ao primeiro destes pressupostos, importa, antes do mais, saber para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença, é uma das questões que esta norma coloca.


São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito:

i. Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou novos os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura pudessem ser do conhecimento do condenado.


Este entendimento foi partilhado durante um largo lapso de tempo pelo S.T.J, designadamente nos acórdãos de 3/7/1997, Proc. n.º 485/97 e de 1/7/2009 Proc. n.º319/04.1GBTMR-B.S1 em www.dgsi.pt.

ii. Uma outra, mais restritiva, defende que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento.


Apela para o efeito, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais.


Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2013, Proc. n.º 198/10.0TAGRD-A-S1 e de 25/06/2013, Proc. n.º 51/09.0PABMAI-B.S1;

iii. E, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, apresente uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).


É a posição defendida no recente acórdão do STJ de 11/11/2021 Proc. n.º769/17.3 PBAMD-B.S1, onde se escreve: “Na sua aceção mais comum – e, por assim dizer, mais tradicional – «[a] expressão “factos ou meios de prova novos”, constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão».


Concede, todavia, alguma jurisprudência mais recente – aliás, hoje, predominante e com que se concorda – que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal»” – no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 17/12/2009, Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1), e de 03/11/2016, publicados na C.J. ASTJ, n.º 275, pág. 178 e, ainda, o mais recente acórdão do STJ do ora relator, de 09/12/2021, proferido no Proc. n.º3103/15.3TDLSB-E.S1, todos os acórdãos em www.dgsi.pt.


É esta última orientação, que vai no sentido de que os novos factos ou novos meios de prova invocáveis em sede de recurso de revisão, são os desconhecidos pelo tribunal e ainda os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, apresente uma justificação bastante para a omissão verificada.


Como se consignou no acórdão do STJ de 06/10/2022, Proc. n.º 1106/19.8PAOLH-A.S1, EM www.dgsi.pt, “É uma posição equilibrada, que tem em consideração, por um lado, a natureza extraordinária do recurso de revisão, preservando o caso julgado como fator estabilizador das relações jurídicas e, por outro, o interesse na efetiva realização da verdade material, permitindo ao recorrente justificar porque não alegou os novos factos ou meios de prova no momento em que o julgamento teve lugar.”.


Para a procedência do recurso de revisão não basta, como vimos, a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se ainda necessário, um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Como se decidiu, entre outros, no Ac. do STJ, de 01/07/2009, Proc. n.º 319/04.1GBTMR-B.S1, para efeitos do disposto no art.º 449.º, n.º1, al. d), do CPP, “A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e ou provas de assumir o qualificativo da “gravidade” da dúvida”. Não é, consequentemente, admissível revisão de sentença penal com o único objetivo de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.”. Neste último sentido estabelece o n.º 3 do art.º 449.º do CPP, que “Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.”.


3. Retomando o caso concreto.


3.1. O recorrente AA requer que seja concedida a revisão do acórdão recorrido por nulidade no reconhecimento da sentença estrangeira, nos termos do art.379.º, n.º1, alínea c), do CPP, e que, nos termos do n.º 3, do art.379.º, do mesmo Código, seja proferida nova decisão no tribunal recorrido que não contenha erros fundamentais de julgamento que ponham em causa a justiça da decisão e, ou, nulidades insanáveis, que por si só, tornem a decisão injusta.


Os argumentos apresentados para o efeito pelo recorrente, no seu requerimento são, em muito breve síntese, os seguintes: (i) o Tribunal inglês considerou a prática de 6 “crimes de provocar que uma pessoa se envolva em atividade sexual sem consentimento, em violação do n.º1 do art.4.º da Lei dos Crimes Sexuais, de 2003”, exclusivamente com base nos factos ocorridos em 4 incidentes e condenou o então arguido nas penas de 11 anos + 11 anos + 4 anos + 4 anos + 6 e + 6, num total de 42 anos de prisão e, sem especificar como, fixou a pena única em 15 anos de prisão e, o Tribunal recorrido, sem fazer um enquadramento fático ou outras considerações entre os crimes constantes das condenações e os factos dados como provados, reconheceu a sentença adaptando tout court as mesmas condenações, moldadas ao crime de burla sexual agravada, punível pelo art.167.º, n.º2 do Código Penal, quando os crimes transpostos para o sistema jurídico português não podem ser mais do que 4, sob pena de violação dos artigos 1.º, n.º 1, 40.º, n.º 2 e 167.º, n.º 2, do Código Penal; art.237.º, n.º 1, alínea b) do CPP; art.96.º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, e art.3.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro; (ii) o Tribunal recorrido, para além de condenar, pelo menos, por 2 crimes que não constituem ilícito criminal segundo a legislação portuguesa, aplicou 2 anos de prisão por cada um dos 6 crimes e fixar a pena única em 12 anos de prisão, em violação do disposto no art.29.º, n.º 4, da C.R.P. e nos artigos 40.º, n.º 2, 71.º e 77.º do Código Penal, que exigem, estes últimos, a aplicação de uma pena única determinada pelas disposições conjugadas do art.100.º, n.º 1, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, pelo art.237.º, n.º 3, do CPP e pela alínea f) do art.980.º do Código de Processo Civil; (iii) o acórdão recorrido ao condenar para além da culpa, em violação do artigo 40.º, n.º 2, do CP e do artigo 29.º, n.º 4, da CRP, e não adaptar a pena constante da sentença inglesa à pena aplicável em Portugal, segundo a lei portuguesa, reduzindo-a, ao limite adequado, nos termos do artigo, 237º, nº 3 do CPP, incorreu em nulidade nos termos do art.379.º, n.º 1, alínea c) do CPP


3.2. Face aos argumentos apresentados pelo recorrente, prima facie, a questão a decidir na presente revisão de sentença traduzir-se-ia apenas em saber se, no caso, se verifica o fundamento de revisão previsto na alínea d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP.


Mas assim não é.


Quando o recorrente formula a revisão de sentença, ainda que de modo fugaz, faz referência ao “fundamento” previsto “no artigo 465.º (à contrário) do Código de Processo Penal”, que estabelece que «Tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento.».


Ao invocar esta norma legal o recorrente deixa implícita a existência de uma anterior revisão, que terá sido negada ou tendo sido autorizada foi mantida pelo juízo rescisório. Resulta da informação prestada ao abrigo do disposto no art.º 454.º do CPP, pelo Exmo. Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, que, efetivamente, o presente recurso extraordinário de revisão de sentença não é o primeiro recurso de revisão interposto por AA, pois, já em 28/01/2022 apresentara uma outra revisão, a qual foi negada por acórdão do STJ de 19/05/2022, transitado em julgado no dia 12/10/2022, depois do Tribunal Constitucional, por decisão sumária de 19/9/2022, não ter conhecido do recurso que para ele fora interposto.


Também o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Supremo Tribunal, afirma no seu parecer que o presente pedido de revisão é similar ao pedido de revisão formulado pelo recorrente no proc. n.º 1310/20.6YRLSB-A.S1, que correu termos nesta 5.ª Secção, transcrevendo parcialmente o teor do acórdão do STJ de 19/05/2022.


3.3. Perante a existência deste acórdão do STJ de 19/05/2022 – que o recorrente não refere nem identifica quer no presente pedido de revisão de sentença, quer na resposta ao parecer do Ministério Público –, impõe-se atender ao disposto no art.º 465.º, do CPP, que, sob a epígrafe «Legitimidade para novo pedido de revisão», dispõe que, tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento.


Esta versão actual da norma resulta da Lei n.º 48/2007, de 28 de Agosto, e substituiu a primitiva redação, que estabelecia que «Tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão se a não requerer o Procurador-Geral da República».


A opção legislativa de alteração do art.º 465.º do CPP teve em consideração o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 301/2006, que julgou inconstitucional “a norma do art.465.º do CPP por violação do art.29.º, n.º 6, da Constituição, na dimensão de que não pode haver um segundo pedido de revisão com novos fundamentos de facto, não anteriormente invocados, se o não requerer o Procurador‑Geral da República.”.


Com esta alteração legislativa foi alargada a legitimidade para formulação de novo pedido de revisão, mas não só.


Enquanto na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 28 de Agosto, o art.º 465.º, do CPP, permitia ao Procurador-Geral da República, e não ao Ministério Público em geral ou a outros sujeitos processuais, a formulação de um segundo pedido de revisão, sem qualquer limitação quanto ao fundamento, quando já se havia esgotado a possibilidade oferecida por uma 1.ª revisão indeferida, com a nova redação é alargada essa legitimidade de formulação de revisão a todos aqueles que podiam formular um primeiro pedido, mas não haverá nova revisão com o «mesmo fundamento».


Segundo Maia Gonçalves, na origem do art.º465.º do CPP está a constatação de que “Quando a revisão não é autorizada ou, sendo autorizada, a decisão revista é mantida pelo juízo rescisório, normalmente um segundo pedido de revisão é infundado.” – CF. “Código de Processo Penal anotado”, 17.ª edição. Pág. 1086.


Relevante é agora determinar quando estamos perante o «mesmo fundamento», como limite
à admissibilidade da nova revisão .



A questão foi já equacionada pelo STJ e pela doutrina.


Assim, no acórdão de 12/03/2009, Proc. n.º09P316, em www.dgsi.pt, considerou-se: “É defensável, face à actual redacção do art.465.º do CPP, que “o mesmo fundamento”, que inviabiliza um novo pedido de revisão, se refira ao “fundamento”, por referência às diversas alíneas do n.º 1 do art.449.º do CPP. Significaria esse entendimento que, uma vez interposto o recurso de revisão com base no fundamento previsto numa determinada alínea [v.g., da al. d)] já não poderia ser interposto novo recurso com fundamento na mesma alínea.


Mas também se pode entender que o “mesmo fundamento” se refere ao complexo concretos novos factos e/ou novos meios de prova. Só se estaria perante o mesmo fundamento quando se verificasse a coincidência do fundamento “normativo” (por referência à mesma alínea) e a coincidência dos fundamentos concretos, coincidência nos novos factos e/ou as novas provas.


Também está aqui presente a tensão que se viu existir, em geral, no recurso de revisão entre a segurança jurídica e a justiça. Se se compreende a necessidade de prevenir uma sucessão inesgotável de recursos de revisão, como se de recursos ordinários se tratasse, a fim de fazer vingar a tese do recorrente, como génese da introdução do limite especial à admissibilidade de nova revisão, pela Lei n.º 48/2007, alargada a todos aqueles que podiam formular o primeiro pedido (e já não só o Procurador-Geral da República, sem limitações de fundamento, o que era anteriormente à vigência daquela lei), a negação da admissibilidade de nova revisão, com base em elementos concretos em tudo diferentes dos anteriormente invocados, salvo a alocação à mesma alínea, pode ferir inadequadamente a justiça.


Assim, considera-se que a mera invocação da mesma alínea não permite afirmar, por si, só que se trata do “mesmo fundamento” inviabilizando nova revisão. Para que tal sucede importa ainda que seja o mesmo o fundamento concreto em ambos casos, elemento a avaliar com rigor, por forma a prevenir evitável e indesejável transtorno da segurança jurídica que o caso julgado deve garantir, através de perpetuação de sucessivos pedidos de revisão com pequenas variações do mesmo fundamento.”.


No mesmo sentido, sumariou-se no acórdão do STJ de 25/06/2009, Proc. n.º 97/01.06JELSB-L.S1: “ Não deve ser negado ao condenado requerer uma segunda revisão com base no mesmo fundamento legal, o que não pode é fazê-lo com base nos mesmos factos e indicando as mesmas provas, repetindo o procedimento e violando o caso julgado.” – Cf. “Código de Processo Penal comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2014. Almedina, pág. 1668.


Ainda nesta perspetiva, assinala Pereira Madeira, que “Não pode haver novo pedido de revisão com o mesmo fundamento mas tal não implica que com base em novos factos, se não possa pedir essa revisão, se esses factos forem mesmo novos e a sua invocação obedeça às condições exigidas para o efeito.”.


3.4. Do teor do Ac. do STJ de 19/05/2022, junto oficiosamente aos autos, transitado em julgado, resulta, designadamente, o seguinte:


- O arguido AA interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de outubro de 2020, que reconheceu a sentença n.º .......99, proferida pelo Tribunal da Coroa de ... – ..., em 5-10-2018, concluindo o requerimento de revisão nos seguintes termos:


O Acórdão recorrido ao condenar para além da culpa, em violação do artigo 40.º, n.º 2, do CP e do artigo 29.º, n.º 4, da CRP, e não adaptar a pena constante da sentença inglesa à pena aplicável em Portugal, segundo a lei portuguesa, reduzindo-a, ao limite adequado, nos termos do artigo, 237º, nº 3 do CPP, 71.º e 77.º , n.º1 e 2 do CP, padece de nulidade nos termos do art.379.º, n.º 1, alíneas b) e c) e, em consequência, deve ser substituído por outro que considere 4 crimes de (burla sexual) previstos e puníveis pelo artigo 167.º, n.º 2, e a final, numa pena única calculada em cúmulo jurídico, nos termos dos artigos 30.º, 71.º e 77.º , do CP. Assim decidindo, farão Vossas Excelencias Inteira Justiça.”;


Em breve síntese, o recorrente fundamentou o pedido de revisão, nos termos seguintes: o Tribunal da condenação, perante a matéria de facto dada como provada, condenou o arguido pela prática de seis “crimes de provocar que uma pessoa se envolva em atividade sexual sem consentimento, em violação do n.º1 do art.º 4.º da Lei dos Crimes Sexuais, de 2003”, por 4 incidentes, nas penas de 11 anos + 11 anos + 4 anos + 4 anos + 6 e + 6, num total de 42 anos de prisão; e o acórdão do Tribunal recorrido limitou-se, sem fazer um enquadramento fáctico ou outras considerações entre os crimes constantes das condenações e os factos dados como provados, a reconhecer a sentença, adaptando tout court as mesmas condenações, moldadas ao crime de burla sexual agravada, punível pelo art.º 167.º, n.º 2 do Código Penal, quando os crimes transpostos para o sistema jurídico português não podem ser mais do que 4, sob pena de violação dos artigos 1.º, n.º 1, 40.º, n.º 2 e 167.º, n.º 2, do Código Penal; art.º237.º, n.º 1, al. b) do CPP; art.º 96.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, e art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, atualizada pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro; o Tribunal recorrido, para além de condenar, pelo menos, por 2 crimes que não constituem ilícito criminal segundo a legislação portuguesa, aplicou ao arguido 2 anos de prisão por cada um dos 6 crimes e fixou a pena única em 12 anos de prisão, violando o disposto no art.º 29.º, n.º 4, da CRP. e nos arts.º 40.º, n.º 2, 71.º e 77.º do Código Penal, que exigem, estes últimos, a aplicação de uma pena única determinada pelas disposições conjugadas do art.º 100.º, n.º 1, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, pelo art.º 237.º, n.º 3, do CPP e pela al. f), do art.º 980.º do Código de Processo Civil;


- O pedido de revisão de sentença foi negado com a seguinte fundamentação de direito (transcrição): “ (…)


2. O recurso extraordinário de revisão é o último remédio processual para ultrapassar erros judiciários dando primazia à justiça material, nos casos tipificados pelo legislador, em detrimento da segurança do direito e a força do caso julgado.


3. O condenado não funda a sua pretensão em qualquer dos casos previstos no art.449.º, CPP, que aliás não cita sequer na sua alegação. Não cita a norma e também não alega um único facto fundamento do pedido de revisão.


4. Lida a sua alegação, verifica-se que não foi invocada outra sentença transitada em julgado que tenha considerado falsos os meios de prova determinantes para a decisão; uma outra sentença transitada em julgado que tenha dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; que os factos que serviram de fundamento à condenação são inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; não foi alegado que se descobriram novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; não foi alegado nem se descobriu que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; não foi declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; não há sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.


5. E não foram alegados factos suscetíveis de preencher qualquer dos fundamentos do art.449.º, CPP, pela simples razão de o requerente suscitar meras questões de direito. Concretizando: o alegado pelo requerente – sem cuidar do seu mérito – porque atinente à qualificação jurídica dos factos e à medida da pena, poderia ser eventual fundamento de recurso ordinário, se tempestivamente interposto. Como recurso extraordinário, atendendo aos pressupostos de admissibilidade do art.449.º, CPP, que nem sequer foram alegados e não se verificam, é manifestamente infundado.”.


3.5. Posto isto, considerando a atual redação do art.º 465.º do CPP, conjugado como o disposto no art.º 450.º, do mesmo Código, entende-se que o recorrente AA, enquanto condenado, tem legitimidade para formular o novo pedido de revisão de sentença. Necessário é determinar, agora, se o fundamento indicado no novo pedido de revisão é o mesmo anteriormente apresentado, caso em que a nova revisão não será admissível, nos termos do art.º465.º do CPP.


Para decidir se o primeiro e o novo pedido de revisão assentam, ou não, no “mesmo fundamento”, impõe-se comparar os dois pedidos de revisão.


Como ora se expôs, o primeiro pedido de revisão - formulado pelo condenado AA, no proc. n.º 1310/20.6YRLSB-A.S1, que correu termos nesta 5.ª Secção do STJ, e deu lugar ao Ac. do STJ, de 19/05/2022 – não indicando um concreto fundamento dos taxativamente previstos no art.º 449.º, do CPP, assenta a revisão, essencialmente, em dois elementos: erro na aplicação do direito interno português aquando do reconhecimento da sentença estrangeira, pois, no seu entender, os factos dados como provados integram na lei portuguesa 4 crimes, e não 6 crimes, de burla sexual, p. e p. pelo art.º 167.º, n.º 2, do Código Penal, como foi qualificado na decisão revidenda e, ainda, incorreu em erro na determinação da medida da pena única, pois não obedeceu aos critérios enunciados no Código Penal português.


Mais defende, que a decisão revidenda, face aos erros enunciados em que incorreu, padecerá de nulidade nos termos do art.º 379.º, n.º 1, als. b) e c), do CPP, pelo que deverá ser substituído por outro que considere a existência de 4 crimes de burla sexual, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 2 do Código Penal e, afinal, o condene numa outra pena única, calculada em cúmulo jurídico.


Neste novo pedido de revisão, formulado no presente Proc. n.º 1310/20.6YRLSB-B.S1, o condenadoAA invoca como fundamento o caso da alínea d), n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, por considerar que a decisão revidenda cometeu flagrante injustiça, da qual não interpôs recurso ordinário por dela não se ter apercebido e, como elementos concretos que o fundamentam indica, essencialmente, dois elementos: erro na aplicação do direito interno português aquando do reconhecimento da sentença estrangeira, pois, no seu entender, os factos dados como provados integram na lei portuguesa 4 crimes, e não 6 crimes, de burla sexual, p. e p. pelo art.º 167.º, n.º 2, do Código Penal, como foi qualificado na decisão revidenda e, ainda, em erro na determinação da medida da pena única, pois não obedeceu aos critérios enunciados no Código Penal português.


Mais defende, que a decisão revidenda, face aos erros enunciados em que incorreu, padecerá de nulidade nos termos do art.º 379.º, n.º1, al. c), do CPP, pelo que deverá ser substituído por outro que considere a existência de 4 crimes de burla sexual, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 2 do Código Penal e, afinal, o condene em nova decisão que não contenha erros fundamentais de julgamento que ponham em causa a justiça da decisão e, ou, nulidades insanáveis, que por si só, tornem a decisão injusta.


Da comparação entre os dois pedidos de revisão resulta, em primeiro lugar, que o ora recorrente na nova revisão, indicou um concreto fundamento de revisão previsto no art.º 449.º, n.º1, do CPP - mais especificamente a al. d) - o que não aconteceu no primeiro pedido de revisão, em que não concretizou nenhum caso dentro daqueles em que norma permite taxativamente a revisão.


Será que que a omissão de invocação de uma concreta alínea do art.º 449.º, do CPP, na primeira revisão impõe, por si só, uma decisão no sentido de que a alínea invocada na nova revisão não pode corresponder ao “mesmo fundamento”, viabilizando, assim, a nova revisão?


A resposta só pode ser negativa.


Tal como a mera invocação da mesma alínea do art.º 449.º, do CPP, não permite afirmar, por si só, que se trata do “mesmo fundamento”, inviabilizando nova revisão, também a omissão de invocação de uma concreta alínea do art.º 449.º, do CPP, na anterior revisão não permite afirmar, por si só, que o fundamento da alínea invocada na nova revisão não pode corresponder ao “mesmo fundamento”, viabilizando a nova revisão. Os elementos concretos são, em tudo, diferentes dos anteriormente invocados que relevam na admissibilidade da nova revisão. Se os elementos concretos invocados na nova revisão não são em tudo diferentes dos anteriormente invocados, mas antes correspondem materialmente aos mesmos, então está-se perante o “mesmo fundamento” e, consequentemente, deve negar-se a admissibilidade da nova revisão.


No caso em apreciação, o recorrenteAA repete, no essencial, do seu requerimento a argumentação do pedido anterior, expõe os mesmos elementos analisados e considerados infundados no anterior acórdão de revisão, que decidiu não integrarem nenhum dos casos previstos no art.º 449.º, do CPP, designadamente, a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a injustiça da condenação.


Invocando o recorrente na nova revisão, essencialmente, os mesmos elementos concretos que invocou na primeira revisão, concluímos que a nova revisão assenta materialmente no “mesmo fundamento” a que alude o art.º465.º, do CPP, o que torna inadmissível a revisão da sentença.


Dir-se-á, ainda assim, a título obiter dictum:


Como bem nota o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, no seu parecer, “(…) as razões invocadas pelo recorrente na sua motivação de recurso extraordinário em apreço poderiam alicerçar a impugnação do acórdão recorrido em sede de recurso ordinário a coberto do disposto no artigo 16.º-A, n.º 5, da Lei n.º 158/2015, de 17.09, não se ajustando aquelas razões a nenhum dos fundamentos taxativos previstos no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.


Ora, a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa ou, como se diz no acórdão do TC n.º 376/2000, “no novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias” (…). Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.”.


Acresce, a esta argumentação, que o núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão, precipitada na al. d), do n.º 1, do art.º 449º, do CPP, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram levados à decisão revidenda. Ora, o que o recorrente invoca são alegados erros de direito, de interpretação e aplicação da lei, que terá levado a uma incorreta qualificação jurídica dos factos e de determinação da medida da pena aquando do reconhecimento da sentença estrangeira, de que terá resultado, no seu entender, uma grave injustiça, na medida em que a redução da pena para 12 anos de prisão efectuada no acórdão revidendo, deveria ainda ter sido mais reduzida face ao direito interno.


Na nova revisão, como na anterior revisão negada ao recorrenteAA, este não indica no requerimento novos factos ou novos meios de prova, que combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


O recorrente acaba por reconhecer, de algum modo, o que ora se deixa expresso, quando na resposta ao parecer do Ministério Público afirma no ponto 13: “Não havendo novos factos palpáveis, há, contudo, a constatação inequívoca da existência de erro na aplicação dos crimes efetivamente cometidos, erro esse, que, de per si ou combinados com os que forma apreciados no processo suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”.


III - DECISÃO


Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Negar a revisão de sentença, por inadmissível, nos termos do art.º 465.º do CPP;

b. Custas pelo recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de justiça (art.º 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 11 de Outubro de 2023


Leonor Furtado ( Relator)


António Latas (Adjunto)


Agostinho Torres (Adjunto)


Helena Moniz (Presidente)

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1. Cf. “II - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, Coimbra Editora, 1983, pág.7↩︎