Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2809/19.2T8PTM.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE DESVINCULAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ATAS
ANALOGIA
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
SOCIEDADE COMERCIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
REQUISITOS
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Em ação em que o Autor pede uma indemnização por destituição da administração de condomínio, por a considerar sem justa causa, o condomínio pode alegar e deve provar que existia uma justa causa para a destituição, que torne impeditivo o direito à indemnização.
Decisão Texto Integral:

Acórdão



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Questões & Sugestões, Lda. propôs a presente ação contra o Condomínio do Clube ... - Bloco II, relativo ao prédio urbano descrito e inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha ...89, da freguesia de ..., sito na Avenida ..., com sede e endereço postal neste mesmo local, representado em juízo pela sua administradora A..., Lda., com fundamento em destituição da Autora do exercício da administração do condomínio Réu sem justa causa para o efeito, privando a Autora de receber até final os montantes que tinha contratualizado para o desempenho dessa função de administradora.

Concluiu, pedindo seja a presente ação julgada provada e procedente, e o condomínio Réu condenado a pagar à Autora a quantia de €119 925,00, acrescida de juros calculados desde o dia em que for efetuada a citação, contados à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, por o Réu ser uma pessoa equiparada a uma pessoa coletiva, e contados até ao dia em que o pagamento da dívida for integralmente efetuado.

2. Citado, o Réu veio contestar, alegando ter existido justa causa para a exoneração da Autora, em virtude do deficiente desempenho das suas funções, sendo que, mais considerou, nem sequer ser exigível justa causa e ainda alegou que a Autora não teve real prejuízo com essa destituição.

Mais alegou que a Autora, em virtude desse seu desempenho negligente, fez o Réu perder diversas receitas, por não cobrança atempada de dívidas ou por celebração de contrato com a empresa Al... que se mostrou desfavorável aos interesses do condomínio. Acrescentou ainda que a Autora se apropriou indevidamente de montantes do fundo de reserva do condomínio. Em conformidade, deduziu pedido reconvencional.

Concluiu pela improcedência da ação intentada pela Autora e pela procedência da reconvenção, e, em consequência, pediu que seja a reconvinda condenada:

- a pagar ao Réu a quantia global de €211 799,46 pelos danos patrimoniais que lhe foram causados pela Autora;

- a pagar ao Réu os prejuízos que vierem a resultar da improcedência dos processos executivos devido à prescrição verificada pelo não cumprimento da sua função de cobrar as receitas, como determina a primeira parta da al. h) do artigo 1436.º do Código Civil, cujo apuramento do valor concreto dos danos será feita em sede de liquidação de sentença.

3. A Autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.

4. Realizada a audiência final foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido e julgou e a reconvenção parcialmente procedente, condenando, a Autora/reconvinda a pagar ao Réu/reconvinte a quantia de €9 225,00, absolvendo-a do demais peticionado.

5. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.

6. O Tribunal da Relação de Évora veio a proferir Acórdão, sendo o dispositivo do seguinte teor: “Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação e, consequentemente, em manter a sentença apelada.”

7. Novamente inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista normal – e se o mesmo não for admitido, de revista excecional (art.º 672.º, n.º1, al. a) e b) do CPC) , recurso de revista que foi admitido, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I - Estão verificados os pressupostos do artigo 671.°, n.os 1 e 3, 674.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Civil, que permitem a admissão da presente REVISTA, por ser possível indicar um erro de interpretação ou de aplicação da norma aplicável, mormente do princípio do ónus da prova e das regras para a sua distribuição.

II - Verifica-se a existência do erro de interpretação e de aplicação na fundamentação empregue para justificar a distribuição do ónus da prova da alegada justa causa para a destituição, quando é referido o seguinte:

«Entende a autora que da ata não consta a factualidade da qual se extraia a existência de justa causa para a destituição.

Porém, não cremos que, na perspetiva que temos da correta distribuição do ónus da prova, nos termos assinalados, tal tenha qualquer relevância.

Com efeito, na ata da assembleia em que destituiu a autora, o condomínio fez constar a referência a que ali foram enunciadas «várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada».

Cremos ser bastante, porquanto, aquando da notificação da sua exoneração, a autora ficou a conhecer que o condomínio considerava ter motivos para deliberar a extinção do contrato entre ambos vigente, desde logo pelo segmento final vertido na ata a respeito da avaliação que os condóminos faziam do (pelo menos) defeituoso cumprimento do contrato.

Não se conformando com a imputação genérica efetuada, a Autora, sem qualquer prejuízo para a sua posição jurídica, instaurou a ação com a simples menção acima reproduzida, devolvendo à ré, o ónus de alegação e prova da factualidade integrante da invocada justa causa.».

III - A RECORRENTE, aquando da notificação da sua exoneração, apenas tomou conhecimento de que fora exonerada sem que da Ata da Deliberação conste a discriminação de uma “justa causa” de exoneração, porque os Condóminos consideravam existir razões para tal exoneração, considerando o Tribunal da Relação de Évora que assim se considera respeitado o ónus da prova, já que entende não existir qualquer prejuízo jurídico para a RECORRENTE.

IV - A exoneração da RECORRENTE foi efetuada sem justa causa ou fundamento, uma vez que da natureza genérica das imputações que são efetuadas à RECORRENTE na Ata da Assembleia de Condóminos não lhe permite sequer aferir quais as concretas violações dos deveres que sobre si impendem enquanto Administradora do Condomínio e, muito menos, aferir da exequibilidade ou probabilidade de sucesso da contestação judicial da decisão de exoneração tomada em Assembleia de Condóminos.

V - Tal distribuição do ónus da prova é violadora do disposto nos artigos 342.° a
344.°, do Código Civil, já que caso os Condóminos pretendessem obter a exoneração
judicialmente teriam, de forma clara e inequívoca, de alegar e provar os factos que
fundamentam a exoneração. Nesse sentido, vide, a título meramente exemplificativo, o
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.°141/16.2T8AMD. L1-8, de
12/04/2018:

«IV- Incumbe ao Autor o ónus de alegar a pessoa ou as pessoas que, em concreto, exercem essa função no período reportado e bem assim os atos concretos realizados por essas ou essas pessoas, passíveis de determinar a sua exoneração.

V- Não há uma espécie de culpa coletiva do órgão administrador, uma vez que não é o órgão que é exonerado, mas o seu titular.».

VI - A justa causa da exoneração deliberada por Assembleia Extraordinária de
Condóminos deveria constar na referida Ata, por forma a comunicar à Administração
exonerada os concretos factos que lhe são imputados (sem que da Ata conste a descriminação de uma "justa causa"), permitindo-lhe assim sindicar tal decisão judicialmente, o que não é possível quando lhe são efetuadas imputações genéricas.

VII - À semelhança do que sucede com os procedimentos disciplinares
instaurados pelas Entidades Patronais com vista ao despedimento com justa causa de
Trabalhadores que, no seu entender, praticaram atos que poderão ser enquadrados nas disposições aplicáveis (artigo 351.°, n.
os 1 e 2, do Código do Trabalho), a Entidade Patronal deverá comunicar ao Trabalhador, de forma circunstanciada, os factos que lhe são imputados (artigo 353.°, n.° 1, do Código do Trabalho), deverá igualmente o Condomínio comunicar ao Administrador exonerado, de forma circunstanciada, os factos que lhe são imputados (artigo 1435.°, n.° 3, 2.a Parte, do Código Civil) e que deveres foram violados com tais condutas (artigo 1436.°, do Código Civil). Assim a "exoneração" operada constituiu uma verdadeira denúncia unilateral e ilegal do vínculo que obrigava ambas as partes até ao final do ano de 2022.

VIII - Só desta forma é que o Administrador exonerado poderá exercer, de
forma adequada, o seu contraditório. A este respeito, vide a conclusão apresentada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.° 2/20.0GEBRG.G1, de 05/07/2021:

«I- Os factos imputados na acusação (e consequentemente na sentença) não podem traduzir-se numa mera descrição de conceitos vagos, imprecisos, genéricos e conclusivos, sob pena de ficar prejudicado o contraditório e, consequentemente, o direito de defesa do arguido.

II- O arguido terá de conhecer, com o necessário rigor, os factos que lhe são imputados, descritos de forma a que não subsistam dúvidas no seu espirito sobre qual o "pedaço de vida" em discussão. Pois pior do que não poder defender-se é, à semelhança de um processo tipo kafkiano, não saber do que defender-se.».

IX - O artigo 1435.°, n.° 3, do Código Civil exige uma demonstração ou pelo
menos que as irregularidades ou atuações negligentes imputadas ao Administrador
exonerado sejam adequadamente elencadas, permitindo-lhe saber o que de facto lhe é imputado.

X - A interpretação do artigo 1435.°, n.° 1, do Código Civil, realizada pelo
Tribunal "a quo", como sendo suficiente, para a exoneração do Administrador, em
contexto de propriedade horizontal, uma simples deliberação da Assembleia de
Condóminos, com essa precisa intencionalidade, quer tenha ou não sido legalmente
convocada, quer tenha ou não sido legalmente deliberada a exoneração, afigura-se
materialmente inconstitucional, sendo uma restrição ilegítima à iniciativa privada,
direito de propriedade, segurança no emprego e direito ao trabalho e dos trabalhadores, nos termos do disposto nos artigos 2.°, 9.°, alínea b), 13.° 18.°, n.
os 2 e 3, 53.°, 58.°, 59.°, 61.°, 62.°, 204.°, 205.°, 280.° e 282.°, da Constituição da República Portuguesa.

XI - Tal não sucedeu, até porque apenas quando foi notificada da Contestação do Condomínio do Clube Praia da Rocha - Bloco I no dia 7 de Janeiro de 2020 é que a RECORRENTE teve conhecimento das irregularidades, atuações negligentes ou quaisquer outras violações de deveres que lhe foram imputadas na Assembleia Geral de Condóminos realizada no dia 17 de Junho de 2019.

XII. - A Ata da Assembleia de Condóminos realizada no dia 17/06/2019 ao referir apenas que existem «várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada» é violadora do princípio do ónus da prova e das regras da sua distribuição, traduzindo-se numa violação do dever de fundamentação e consubstanciando uma inadmissível restrição ao direito ao contraditório da RECORRENTE.

XIII.- No que respeita à imperatividade do regime previsto no artigo 1435.°. n.° 4, do Código Civil, entende a ora RECORRENTE que tal entendimento também não deverá merecer colhimento.

XIV. - O citado artigo dispõe que «4 - O cargo de administrador é remunerável e tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro; o período de funções é. salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.» e tal "disposição em contrário" existe e é consubstanciada pela deliberação tomada pela Assembleia de Condóminos quando nomeou a RECORRENTE para administrar o Condomínio pelo período de 5 (Cinco) anos. Nesse sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 5307/04.5YXLSB.L1-2, 28/05/2009:

«Com efeito, o administrador é eleito, salvo disposição em contrário, para um período de um ano, podendo ser renovável, conforme decorre do n° 4 do artigo 1435a do Código Civil.

Tratando-se de uma norma supletiva, e não se tendo apurado nos autos, ter a assembleia de condóminos deliberado em sentido divergente, ou que coisa diferente resulte do Regulamento do Condomínio, que não foi junto aos autos, há que entender que o contrato de prestação de serviços ficou estabelecido por aquele período de tempo.».

XV - Pelo exposto, deverá V. Ex.a revogar o Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, substituindo-o por outro que julgue não verificada a existência de justa causa,
por preterição de formalidades atinentes ao conteúdo da comunicação a efetuar à
Administradora de Condomínio exonerada e, em consequência, condenar a
RECORRIDA ao pagamento de indemnização à RECORRENTE correspondente ao
tempo remanescente da prestação de serviços, ou seja até ao final do ano de 2022, o que
perfaz um valor global de € 119.925,00 (Cento e Dezanove Mi! Novecentos e Vinte e Cinco Euros), acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, vencidos desde a citação até integral e efetivo pagamento.”

Culmina pedindo:

“NESTES TERMOS, SEM PREJUÍZO DO DOUTO SUPRIMENTO POR VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ:

I - ADMITIR O PRESENTE RECURSO DE REVISTA, CONSIDERANDO-O PROCEDENTE, NOS TERMOS PETICIONADOS; E, EM CONSEQUÊNCIA,

II - REVOGAR O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, SUBSTITUÍNDO-O POR OUTRO QUE CONDENE A RÉ AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 119.925,00 (CENTO E DEZANOVE MIL NOVECENTOS E VINTE E CINCO EUROS), ACRESCIDA DE JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL APLICÁVEL ÀS DÍVIDAS COMERCIAIS, VENCIDOS DESDE A CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL E EFETIVO PAGAMENTO;

III-DECRETAR-SE:

III-A - A INVALIDADE DA DELIBERAÇÃO DO CONDOMÍNIO DE EXONERAÇÃO POR INEXISTÊNCIA DE "JUSTA CAUSA" (CONDUTA IRREGULAR OU NEGLIGÊNCIA DA RECORRENTE); ETPOUR CAUSA,

III-B - A EXISTÊNCIA DE UMA RUTURA ILEGÍTIMA DA RELAÇÃO CONTRATUAL, REPONDO-SE, POR VIA DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL, A SITUAÇÃO QUE O PATRIMÓNIO DA RECORRENTE DETERIA CASO NÃO FOSSE O ATO LESIVO E EXPROPRIATIVO DO REMANESCENTE PATRIMONIAL INERENTE À DURAÇÃO CONTRATUAL ACORDADA;

IV - RECONHECER-SE TER EXISTIDO ERRO DE DIREITO NA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1435.°, N.os 1 E 3, DO CÓDIGO CIVIL.”

8. O Réu contra-alegou, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“I – No presente processo a autora/recorrente interpôs recurso de revista relativamente ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora que julgou improcedente o recurso de apelação por si interposto da sentença da 1.ª instância, que por sua vez julgou improcedente a ação interposta pela autora/recorrente e absolveu o réu/recorrido do pedido, bem como julgou parcialmente procedente a reconvenção e condenou a autora/recorrente a restituir ao recorrido a quantia de € 9.225,00, absolvendo-a do demais peticionado.

II – O recurso de revista interposto pela autora recorrente é inadmissível pelas seguintes razões:

A. Nos presentes autos verifica-se a dupla conforme, enquanto situação processual impeditiva do recurso de revista, visto que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora confirmou, por unanimidade, a decisão tomada em 1.ª instância, e sem fundamentação essencialmente diferente, uma vez que das conclusões da recorrente, que objetivamente delimitam o objeto do recurso, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões que delas não constem, constata-se que aquela se limita a impugnar apenas um segmento do Acórdão do Tribunal da Relação, concretamente sobre a distribuição do ónus de prova da justa causa para a destituição. Não discutindo nas suas conclusões se os motivos de destituição apontados pelo Tribunal da Relação configuram ou não justa causa, não se pode considerar que a decisão recorrida assentou de modo radicalmente ou profundamente inovatório em normas, interpretações, ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada.

B. A argumentação agora aduzida pela recorrente no seu recurso de revista para o Supremo, configura matéria inovadora relativamente àquela que foi discutida nas instâncias, pelo que não pode ser conhecida. Nas instâncias anteriores a recorrente limitou-se a tentar imputar à ata da assembleia de destituição diversas irregularidades, que poderiam em abstrato consubstanciar a sua anulabilidade, tendo as instâncias julgado válida e eficaz a ata, mas a recorrente nunca alegou sobre o ónus de prova que agora traz como fundamento inovador no seu recurso. Por isso, não pode ser objeto de apreciação pelo Supremo, por força do disposto nos artigos 5.º, 608.º, n.º2, 627.º, 684.º, n.º 2 e 3, todos do Cód. de Processo Civil, posto que os recursos se destinam a reapreciar e, eventualmente, a alterar/modificar decisões proferidas sobre questões anteriormente decididas e não apreciar questões novas ou a criar decisões sobre matéria nova, não sendo, por isso, lícito às partes invocarem, nos mesmos, questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.

C. Uma vez que nos presentes autos apenas de trata da subsunção jurídica da matéria de facto já assente ao conceito de justa causa, conforme entendeu o Tribunal da Relação ser o caso, e não tendo sido sindicada a reapreciação dessa matéria, afigura-se que também nesta parte o recurso é inadmissível.

D. A competência do Supremo Tribunal de Justiça está confinada à matéria de direito, estando vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, que aplica definitivamente o regime jurídico tido como adequado, não havendo motivo para questionar os efeitos jurídicos que da mesma foram extraídos, tanto mais que resulta daquele acervo fáctico que a recorrente foi destituída com justa causa.

III – Na parte do recurso que se refere ao ónus de prova as regras para a sua distribuição, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar que:

“Com efeito, na ata da assembleia em que destituiu a autora, o condomínio fez constar a referência a que ali foram enunciadas «várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada».

Cremos ser bastante, porquanto, aquando da notificação da sua exoneração, a autora ficou a conhecer que o condomínio considerava ter motivos para deliberar a extinção do contrato entre ambos vigente, desde logo pelo segmento final vertido na ata a respeito da avaliação que os condóminos faziam do (pelo menos) defeituoso cumprimento do contrato.

Não se conformando com a imputação genérica efetuada, a Autora, sem qualquer prejuízo para a sua posição jurídica, instaurou a ação com a simples menção acima reproduzida, devolvendo à ré, o ónus de alegação e prova da factualidade integrante da invocada justa causa.”

IV - A ata da assembleia de condómino é elaborada por resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, nela tendo ficado a constar as razões para a destituição, com salvaguarda do bom nome da entidade visada.

V - À autora nunca foi vedado o acesso ou foi impedida de estar presente e participar na assembleia em que foi deliberada a sua destituição, nem lhe foi vedado o exercício do contraditório, quer extrajudicialmente, quer judicialmente, tendo sido sempre assegurados todos os seus direito e garantias.

Aquando da entrada da petição inicial a autora já tinha perfeito conhecimento da ata e do seu conteúdo, tendo deduzido réplica onde contestou os factos e fundamentos alegados na contestação.

VI - Ademais, não corresponde à verdade a conclusão formulada pela recorrente no ponto III das suas conclusões, quando refere que apenas tomou conhecimento de que fora exonerada sem que da ata constasse a deliberação com discriminação das razões para a justa causa.

VII - De igual modo também não corresponde à verdade o que a recorrente afirma no ponto IV das suas conclusões, uma vez que claramente existem razões e que ficaram sobejamente provadas nos autos para a destituição por justa causa, não tendo sido violado qualquer ónus de prova sobre essa matéria.

VIII –A recorrente confunde a distribuição do ónus da prova do disposto nos artigos 342.º a344.º do Código Civil, considerando que no caso os condóminos pretendessem obter a exoneração judicialmente teriam de alegar e provar os factos que fundamentam a exoneração, ignorando que no caso não deixa de existir um processo onde é discutida a existência de justa causa, onde esse ónus recaiu sobre o réu, e nele a recorrente sindicando judicialmente a decisão de destituição, bem como confunde a questão da justa causa com validade ou eficácia da destituição, quando é pacifico que o apuramento da justa causa se prende somente com a indeminização a que a recorrente pudesse eventualmente ter direito.

IX - No tratamento jurídico desta matéria, não podem ser chamadas à colação normas que pela natureza das matérias que tratam são absolutamente especiais, como é caso das normas penais ou laborais.

X - Por referência ao ponto X das conclusões do recurso, a recorrente invoca que a sentença proferida nos autos é inconstitucional, distorcendo propositadamente o que é afirmado pelo Tribunal da Relação. A ata em causa não foi impugnada e sobre ela foi tomada posição expressa por ambos os tribunais no sentido de admitir a sua validade. O Tribunal da Relação fundamentou que na perspetiva que tem da correta distribuição do ónus da prova, nos termos assinalados, crê ser bastante o conteúdo da ata, porquanto, aquando da notificação da sua exoneração, a autora ficou a conhecer que o condomínio considerava ter motivos para deliberar a extinção do contrato entre ambos vigente, desde logo pelo segmento final vertido na ata a respeito da avaliação que os condóminos faziam do (pelo menos) defeituoso cumprimento do contrato. Não se vislumbrando onde reside a inconstitucionalidade invocada pela recorrente, ou qualquer outra.

XI – A questão levantada nos autos sobre o artigo 1435.º do Código Civil, nomeadamente de saber se a exoneração do administrador feita pela assembleia de condóminos é ou não livre sem dar lugar a eventual que julgue não verificada a existência de justa causa. No entanto, a recorrente justifica esse seu pedido com base na “preterição de formalidades atinentes ao conteúdo da comunicação a efetuar à Administradora exonerada”. A recorrente não discute a idoneidade (enquanto aptidão para configurar justa causa) dos factos apurados nos autos que o Tribunal da Relação teve em conta para considerar a existência de justa causa, mas apenas discute uma mera formalidade, cuja preterição não existiu como de resto sustentou o Tribunal da Relação, e que já demos conta. indeminização, embora dentro do mesmo quadro normativo, constituí uma divergência entre as instâncias, que se prende somente com o facto de no caso da destituição se referir um terceiro ao condomínio, que exerça tais funções por lhe ter sido conferido esse mandato também no seu interesse, entende o Tribunal da Relação que para não haver lugar a indemnização então ter-se-á de alegar justa causa.

XII – Porém, não restam dúvidas que a deliberação tomada pela assembleia de condóminos de destituir a administração de condomínio produz efeitos, independentemente da existência de justa causa. Como consequência a administração destituída deixa naturalmente de exercer as suas funções.

XIII – Tratando-se de um terceiro ao condomínio e que exerça essas funções, ter-se-á de assumir a referência a sinalagma, cuja relação entre o condomínio e esse terceiro assenta na ideia de interdependência entre as obrigações que reciprocamente emergem para ambas as partes. Neste caso impõe-se uma justiça comutativa, não se afigurando que uma das partes, a entidade destituída, possa ficar desonerada das suas obrigações, desde logo que não tenha de exercer as funções de administradora, e a outra parte tenha de suportar, ainda por cima de uma só vez, o valor correspondente à contraprestação.

XIV – Assim, a solução preconizada pelo Tribunal da Relação deverá ser conjugada com a da 1.ª instância, nomeadamente devendo fazer recair sobre o autor o ónus de alegar e provar os prejuízos causados pela deliberação que não correspondam diretamente à retribuição pelos atos ou funções que a mesma acabou por não desempenhar. Ora, tendo a autora reclamado a retribuição que esperava receber pelo trabalho que não veio a realizar, uma vez que foi exonerada, e não ter alegado a existência de qualquer dano sofrido, também poderia não poderia ser fixada qualquer indemnização a seu favor.

XV - Ainda sobre o artigo 1435.º do Cód. Civil, prazo previsto no n.º 4 do artigo 1435.º é de natureza imperativa, bem como pelo paralelismo que não pode deixar de ser feito em relação ao n.º 1 do artigo 1431.º do Cód. Civil, que se reporta precisamente à assembleia de condóminos, enquanto o outro órgão que também compõe a administração das partes comuns (cf. artigo 1430.º do Cód. Civil), particularmente quando na parte final daquele preceito se refere “o ano”

XVI - No Acórdão recorrido conclui-se pela existência de justa causa de exoneração, enquanto facto impeditivo do direito de indemnização invocado pela autora. Nas suas conclusões, concretamente no ponto XV, a recorrente vem requerer a revogação do Acórdão da Relação de Évora, e a sua substituição por outro

XVII - As violações dos deveres de administrador apontadas à autora/recorrente tornam objetivamente insustentável a sua manutenção em funções, designadamente por constituírem uma quebra irreversível do elo de confiança imprescindível para o exercício de tais funções e para o correto desenvolvimento e realização das suas funções.

XVIII – Assim, por tudo o que fica dito, não merece reparo o Acórdão do Tribunal da Relação, não havendo qualquer violação do princípio do ónus da prova e das regras para a sua distribuição, nem razões que justifiquem a alteração do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, pelo que deve o mesmo ser mantido, e, consequentemente, julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela autora/recorrente.”

9. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

1 - Em ação a pedir indemnização por destituição da administração de condomínio, sem justa causa, o condomínio pode alegar e provar que existia uma justa causa para a destituição, que torne impeditivo o direito à indemnização;

2 - O art.º 1435.º do CC obriga a que a ata do condomínio indique os motivos da justa causa, sob pena de se entender que a mesma é uma destituição ad nutum;

3 - Há alguma inconstitucionalidade normativa na solução preconizada na interpretação das normas jurídicas aplicadas pelo tribunal recorrido.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social, entre outros, a administração de condomínios (resposta ao artº 1º da p.i.).

1.2. No âmbito do desempenho do seu objeto social apresentou a sua candidatura para administrar o condomínio réu na assembleia geral de proprietários que teve lugar no dia 14 de dezembro de 2017, vindo a autora a ser nomeada para administrar o condomínio réu pelo período de 5 anos, com início no dia 1 de janeiro de 2018 e termo no dia 31 de dezembro de 2022 (resposta aos artºs 2º e 3º da p.i. e 2º da contestação).

1.3. Nessa assembleia não foram admitidas quaisquer outras propostas de administração do condomínio (resposta ao artº 3º da contestação).

1.4. A retribuição mensal da autora foi fixada em 2.500,00€ (resposta ao artº 4º da p.i.).

1.5. O condomínio é composto por 327 frações autónomas destinadas ao comércio, indústria hoteleira (restaurantes e bares) e habitação (resposta ao artº 5º da p.i.).

1.6. No dia 1 de janeiro de 2018 a autora tomou posse e iniciou o desempenho das suas funções (resposta ao artº 6º da p.i.).

1.7. Nesse dia o condomínio não tinha fundos em caixa e em depósitos bancários tinha € 40 (resposta ao artº 7º da p.i.).

1.8. Os Funcionários afetos à administração do condomínio tinham salários em atraso e a segurança social por pagar, sendo que desde há muitos anos não recebiam o salário a tempo e horas e, trabalhando desde há vários anos exclusivamente nos serviços administrativos do condomínio, não tinham contratos de trabalho (resposta aos artºs 8º da p.i. e 14º e 15º da réplica).

1.9. Foram feitos contratos de trabalho aos funcionários do condomínio em 5 de janeiro de 2018 (resposta ao artº 11º da contestação).

1.10. A autora celebrou os contratos de trabalho em termos que não foram aprovados pela assembleia de condóminos, nomeadamente assumindo a antiguidade dos funcionários, pelo menos, desde 2012 (resposta ao artº 64º da contestação).

1.11. No âmbito das suas funções a autora, sem recurso a orçamentos suplementares, pagou sempre os salários e a segurança social dos funcionários (administrativos, de limpeza e da manutenção) antes do final de cada mês (resposta aos artºs 12º da p.i. e 16º da réplica).

1.12. Existiam também, quando a A. iniciou funções, faturas emitidas pela EDP por pagar e o fornecimento de energia elétrica à totalidade do imóvel (áreas comuns e frações autónomas) estava na iminência de ser cortado (resposta ao artº 10º da p.i.)

1.13. E estavam por fazer as obras relativas à preparação da rede elétrica do imóvel para que cada condómino pudesse ter o seu contador de energia, obras já pagas pelos condóminos (resposta ao artº 11º da p.i.).

1.14. A A. mandou fazer e pagou a totalidade das obras que permitiram no final do ano de 2018 a instalação de contadores de energia elétrica em cada uma das frações autónomas (resposta ao artº 15º da p.i.).

1.15. A realização das obras para permitir a instalação de contadores de eletricidade e água nas frações autónomas sempre foi uma exigência antiga dos condóminos tendo esse processo começado na administração anterior à da autora e apenas foi concluída por esta (resposta ao artº 24º da contestação).

1.16. Existiam, aquando da tomada de posse da A., faturas relativas à manutenção e reparação dos elevadores por pagar à empresa OTIS, que fazia a manutenção e havia reparado os elevadores (resposta ao artº 9º da p.i.).

1.17. A A. pagou as faturas relativas à manutenção e segurança dos elevadores que se iam vencendo (resposta ao artº 13º da p.i.).

1.18. Para além destes pagamentos, entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de junho de 2019 a A. pagou ainda à OTIS parte do valor das faturas relativas à reparação e manutenção dos elevadores que no final de 2017 estavam por pagar (resposta aos artºs 14º da p.i. e 20º e 21º da contestação).

1.19. Aquando da tomada de posse da nova administração do condomínio, que ocorreu em 24 de junho de 2019, em função das deliberações tomadas na assembleia extraordinária de 18.05.2019, constatou-se que ainda existiam dívidas do condomínio à OTIS (resposta aos artºs 13º, 14º, 20º e 21º da contestação).

1.20. Apesar de ter sido aprovado no orçamento para 2018 a quantia de € 55.350,00 destinada a pagar os elevadores, os elevadores não foram renovados (resposta aos artºs 15º e 16º da contestação).

1.21. Como a autora não recebeu a totalidade das quotas do ano de 2018, não podia nem encomendar nem pagar a renovação dos elevadores, sendo ainda que no mês de janeiro de 2018 a autora foi informada pela empresa OTIS que os elevadores só podiam ser renovados depois do condomínio efetuar o pagamento de uma dívida que, em janeiro de 2018, ascendia a cerca de 60.000,00€, pelo que, por não haver verbas para pagar a divida à OTIS antes de se iniciar a renovação dos elevadores, os elevadores não puderam ser renovados (resposta aos artºs 5º a 9º da réplica).

1.22. As contas da administração do condomínio do ano de 2018 que a autora apresentou foram aprovadas na assembleia geral de condóminos que teve lugar no dia 31 de janeiro de 2019 (resposta aos artºs 16º e 17º da p.i. e 3º e 4º da réplica).

1.23. Na assembleia de 31 de janeiro, foi rejeitado um conjunto de procurações, o que fez com que os votos favoráveis da condómina “Y..., S.A.”, que representa 21,475% do capital do prédio, permitissem alcançar a aprovação das contas de 2018 e do orçamento de 2019, tendo inclusive essas deliberações sido impugnadas judicialmente (resposta aos artºs 29º e 30º da contestação).

1.24. Foi realizada em 18 de maio de 2019 assembleia extraordinária de condóminos onde, entre outras, foi tomada a deliberação de destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio, sendo que, segundo se menciona na respetiva ata, tal ocorreu na sequência de prévia convocatória feita pelos condóminos, representando pelos menos 25% do capital investido do edifício, vindo a destituição a ser aprovada com 97% dos votos a favor, correspondentes a 39,655% do capital do prédio (resposta ao artº 31º da contestação).

1.25. Ainda segundo se menciona na respetiva ata, estiveram presentes ou representados condóminos representando 40,8% do capital investido do condomínio e a aprovação das deliberações foi feita sem votos contra (resposta ao artº 32º da contestação).

1.26. Dessa ata consta menção às razões que basearam a destituição da administração: “No ponto UM, destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio, o presidente da mesa fez uma exposição sobre as causas que levaram a convocação da assembleia extraordinária. Na assembleia foram enunciadas várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada.” (resposta ao artº 43º da contestação).

1.27. Os únicos nomes que constam da ata são os nomes das pessoas que assinam como tendo estado na mesa da assembleia geral (resposta ao artº 20º da réplica).

1.28. A autora também foi convocada para estar presente nessa assembleia, mas não compareceu, nem se fez representar, nem justificou a sua ausência (resposta aos artºs 33º e 34º da contestação).

1.29. Igualmente a autora foi notificada da ata daquela assembleia (resposta ao artº 35º da contestação).

1.30. As deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 18 de maio de 2019 não foram impugnadas (resposta ao artº 36º da contestação).

1.31. À autora foi comunicado, através de carta datada de 17 de junho de 2019, que tinha sido destituída do seu cargo por uma deliberação da assembleia geral de condóminos (resposta ao artº 18º da p.i.).

1.32. Esta deliberação fez com que a autora tivesse sido forçada a deixar de exercer as suas funções no dia em que a nova administração se apresentou nos serviços administrativos do condomínio para iniciar o mandato (resposta ao artº 19º da p.i.).

1.33. A autora recebeu a retribuição mensal aprovada pela assembleia geral de condomínios até ao mês de setembro de 2019 (resposta ao artº 23º da p.i.).

1.34. A autora recebeu a quantia de € 2.500,00, acrescida de € 575,00 de IVA, nos meses de julho, agosto e setembro de 2019, o que perfaz a quantia recebida nesses meses de € 9.225,00, sendo que a tomada de posse da nova administração ocorreu no dia 24 de junho de 2019 e nos meses de julho, agosto e setembro de 2019, a autora já não prestou quaisquer serviços ao condomínio (resposta aos artºs 121º e 122º da contestação).

1.35. A autora deixou por entregar à nova administração documentos do condomínio, como extratos bancários, documentos contabilísticos, como faturas e recibos, e processos (resposta aos artºs 5º e 6º da contestação).

1.36. A autora não convocou uma assembleia para informar os condóminos e deliberar as medidas a tomar quanto à falta de fundos, como aprovação de orçamento retificativo ou medidas a tomar contra a administração anterior (resposta aos artºs 8º e 9º da contestação).

1.37. A A. não tomou qualquer medida contra a anterior administração, em particular em relação às contas do ano de 2017 que continuam por aprovar (resposta ao artº 60º da contestação).

1.38. Nos anos anteriores a 2019, os serviços de que o condomínio precisava eram assegurados pela exploração turística que era feita no prédio por terceiros (resposta ao artº 25º da contestação).

1.39. Apesar de o orçamento de 2019 conter uma rubrica destinada ao contencioso no valor global de € 25.000,00, até 24 de junho de 2019, data de tomada de posse da nova administração, em apenas 6 meses, a autora já tinha pago só à sociedade de advogados “Al...” a quantia de € 27.060,00 (resposta ao artº 26º da contestação).

1.40. A autora instaurou, através da sociedade de advogados “Al...”, ações executivas para cobrança de dívidas de condóminos (resposta aos artºs 53º a 55º e 124º da contestação).

1.41. A autora fez um acordo com a sociedade de advogados “Al...”, sem aprovação da assembleia de condóminos, que implicava o pagamento à mesma de 25% do valor dos processos executivos instaurados (resposta ao artº 56º da contestação).

1.42. Pela sociedade de advogados “Al...” e pelo Dr. AA foi intentado contra o condomínio o processo n.º 2149/19.7..., que corre termos no Tribunal judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível de ..., no âmbito do qual os autores estão a exigir ao condomínio o pagamento da quantia global de € 131.632,90, acrescida de juros, pelo facto de, segundo alegado pelos autores, as anteriores administrações do condomínio, incluindo a autora na qualidade de administradora ter celebrado com essa sociedade de advogados um acordo que previa uma remuneração de 25% sobre o valor dos processos executivos instaurados, a que acresce despesas relacionadas com os processos, e independentemente de o condomínio receber ou não as quantias exequendas pedidas nos processos (resposta aos artºs 107º e 108º da contestação).

1.43. Isto para além da remuneração mensal de € 1.537,50 (com IVA incluído) estabelecida através de contrato de avença, e o pagamento de todas as despesas relacionadas com os processos, desde taxas de justiça, honorários de agente de execução, deslocações, estadias, refeições, entre outras (resposta ao artº 109º da contestação).

1.44. Enquanto a autora administrou o condomínio e com base nesse acordo a referida sociedade de advogados reclama ao condomínio o pagamento do montante global de € 40.753,08 relativamente ao ano de 2018 (resposta ao artº 110º da contestação).

1.45. De igual modo, enquanto a autora administrou o condomínio e com base nesse acordo a referida sociedade de advogados reclama ao condomínio o pagamento do montante global de € 26.821,27 relativamente ao ano de 2019 (resposta ao artº 111º da contestação).

1.46. A estas quantias, alega ainda aquela sociedade de advogados, acresce o IVA à taxa legal de 23%, o que perfaz o valor global de € 83.117,14 reclamado ao condomínio por atos praticados pela autora enquanto foi administradora do condomínio (resposta ao artº 112º da contestação).

1.47. Tais acordos não foram submetidos nem foram aprovados pela assembleia de condóminos, tendo ocorrido que a ação referida foi julgada improcedente em primeira instância, por decisão ainda não transitada (resposta ao artº 113º da contestação).

1.48. Em 24 de Junho de 2019, os representantes da sociedade “A..., Lda.”, BB, CC, DD e EE, compareceram nas instalações do condomínio, os quais se apresentaram na qualidade de nova administração do condomínio eleita na referida assembleia realizada no dia 18 de maio de 2019, mediante a exibição da respetiva ata, reclamaram a entrega dos documentos, bens e dinheiro, respeitantes ao condomínio que, até então, se encontravam confiados à guarda da autora (resposta aos artºs 37º e 38º da contestação).

1.49. Os serviços de limpeza não eram considerados satisfatórios pelos condóminos (resposta ao artº 58º da contestação).

1.50. Ocorria, por vezes, a entrada e permanência no interior do prédio de pessoas estranhas ao mesmo (resposta ao artº 51º da contestação).

1.51. Pelo menos desde o ano de 2012, a assembleia de condóminos nunca deliberou sobre autorização do uso do Fundo Comum de Reserva, sendo que nos orçamentos aprovados desde 2012 a 2019, o valor do fundo de reserva era o seguinte, por ano:

a. 2012 --- 300.041,00 --- 5% = 14.287,00; b. 2013 --- 296.961,00 --- 5 % = 14.141,00; c. 2014 --- 364.623,00 --- 5 % = 17.363,00; d. 2015 --- 294.300,30 --- 5 % = 14.014,30; e. 2016 --- 210.804,50 --- 5 % = 10.038,31; f. 2017 --- 252.654,50 --- 5 % = 12.031,17; g. 2018 --- 252.654,50 --- 5 % = 12.031,17; e

h. 2019 --- 162.050,00 --- 5 % = 7.716,67 (resposta aos artºs 62º, 63º, 98º e 100º da contestação).

1.52. Segundo as atas das assembleias de condóminos, pelo menos desde o ano de 2012 até 2019, os condóminos deveriam ter pago 5 % do valor do orçamento a título de fundo de reserva (resposta ao artº 99º da contestação).

1.53. A autora não recebeu nem a totalidade das quotas de condomínio do ano de 2018 nem a totalidade das quotas de condomínio do ano de 2019, incluindo as verbas destinadas ao fundo de reserva (resposta aos artºs 5º e 6º da réplica).

1.54. Quando a atual administração tomou posse na conta denominada conta corrente do condomínio constava apenas o valor de € 2.821,20 e na conta denominada de recuperação € 6.328,76 (resposta aos artºs 103º e 104º da contestação).

1.55. A autora não ficou impedida de se recandidatar novamente a administradora de condomínio (resposta ao artº 94º da contestação).

2. E foi julgada como não provada “a matéria dos artºs 7º, 28º, 39º, 45º a 47º, 50º, 52º, 57º, 61º, 93º, 95º, 105º e 125º a 127º da contestação e 10º a 13º, e 17º a 19º da réplica.”.

3. Apreciação do recurso

3.1. A primeira questão objeto do recurso – a de saber se em ação a pedir indemnização por destituição da administração de condomínio, sem justa causa, o condomínio pode alegar e provar que existia uma justa causa para a destituição, que torne impeditivo o direito à indemnização – deve ser antecedida de algumas considerações, que apontam na mesmo sentido da análise já empreendida no Acórdão recorrido (e das citações doutrinais aí efetuadas de Aragão Seia e Sandra Passinhas), ao indicar que a exoneração por parte da assembleia de condóminos do administrador é livre e não exige uma motivação especial. Mas isso não significa que a existir um motivo, o mesmo seja irrelevante, para o destituído e para o condomínio.

Mas a primeira questão não deve ser vista desligada da segunda – a de saber se o artigo 1435.º do Código Civil obriga a que a ata do condomínio indique os motivos da justa causa, sob pena de se entender que a mesma é uma destituição ad nutum – pelo que as analisaremos em conjunto.

Neste sentido, diz-se na anotação ao art.º 1435.º do CC, na obra Comentário ao Código Civil – Direito das coisas, UCEditora, 2021, p. 515-516 (anotação de Ana Filipa Morais Antunes/ Rodrigo Moreira):

“A exoneração por parte da assembleia de condóminos, é livre e não exige uma motivação especial. Em todo o caso, pode fundamentar-se em justa causa, isto é, em factos e circunstâncias sérios e objetivos que suportem a inexigibilidade de manutenção do administrador no exercício das funções. É o que pode suceder, designadamente, em casos de falta de confiança no administrador, e de diagnóstico de atos de administração ruinosos. A Este respeito, cfr. Ac RP 27.06.2018 – que fundamenta a responsabilidade civil do administrador, nos termos do artigo 798.º do CC, por violação culposa dos seus deveres funcionais.

A exoneração pode ocorrer a todo o tempo. Por outro lado, sempre que a administração seja exercida com carácter oneroso, isto é, sendo o administrador remunerado, o termo antecipado das funções, por efeitos da exoneração, pode fundamentar a obrigação de indemnizar o administrador cessante, nos termos previstos nos art.ºs 1170.º, n.º2, e 1172.º, al. c), ambos do CC, que aqui se devem aplicar por analogia (cfr., em sentido próximo, Ac. RP 14.12.2004¸e, na doutrina, Abílio neto, 2015: 661-662). Justifica-se, ainda, recordar que o mandato se presume oneroso sempre que tiver por objeto atos que o mandatário pratique por profissão) cf. art.º 1158.º, n.º1 do CC).”

Estando explicitada a liberdade de exoneração do administrador, vejamos se faz sentido que, sendo a exoneração com justa causa, as circunstâncias que fundamentem a justa causa têm de constar da ata da assembleia que exonerou o administrador.

Nada na lei aponta neste sentido.

Nada na lei justifica que se aplique à exoneração do administrador o regime do despedimento de trabalhadores – com envio de nota de culpa e indicação dos motivos do possível despedimento. Não há comparação possível entre o regime laboral e o regime do condomínio.

Nada na lei justifica que se aplique à exoneração do administrador o regime penal. Não há comparação possível entre o regime penal e o regime do condomínio.

A haver semelhanças de institutos, dir-se-ia que as podíamos ir buscar ao regime de destituição do gerente, no âmbito do regime das sociedades comerciais – artigo 257.º e ss do CSC – por aí também haver uma previsão legal que aponta para a destituição poder ocorrer a qualquer momento e por qualquer causa (destituição ad nutum). Mas se formos por esta solução – e a analogia sistémica não leva a que se exclua – a solução terá de ser a de se admitir que a destituição por deliberação não obriga a que na ata correspondente se indiquem os motivos da causa, sob pena de não se entender admissível a prova da ocorrência da justa causa.

Na doutrina comercialista, o tema encontra-se trabalhado com bastante profundidade, mas vamos apenas centrar-nos na análise de Coutinho de Abreu, na anotação ao art.º 257.º do CSC, p. 135-135, na obra Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, 2ª ed, 2012, onde se lê:

“Pedindo judicialmente um gerente destituído indemnização, pertence a ele alegar e provar a inexistência de justa causa? Ou incumbe à sociedade, como contestante do pedido, alegar e provar a situação que consubstancie justa causa e exclua a indemnização? Parece mais razoável a segunda alternativa (cfr. art.º342.º, n.2 do CC)”

E na mesma obra, continua o A. a análise sobre a importância da ata e do seu conteúdo – p. 125-126:

Segundo alguma jurisprudência, nos casos de destituição deliberada em assembleia geral de sócios, a ata respetiva é o único meio de provar os motivos da destituição…..

Não posso concordar.

A ata é meio (substituível) de prova de deliberações dos sócios, não único meio de prova de motivos ou fundamentos das deliberações; estas, enquanto decisões adoptadas pelo órgão social de formação da vontade e imputáveis juridicamente à sociedade, não se confundem com aqueles…..

(…) a análise judicial da justa causa incidirá nos factos trazidos ao processo e nele comprovados, ainda que não constem do teor da deliberação nem da ata.”

O recurso ao regime comercial para suprir as lacunas legais em matérias de funcionamento das assembleias de condóminos, por via da sua aplicação analógica, é igualmente defendido pela Doutrina: Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4ª ed., 2020, p. 185.

Não há dúvidas de que as atas servem para demonstrar que a deliberação foi adotada. Sendo de destituição do administrador do condomínio, feita a prova do seu afastamento por deliberação dos condóminos, não fica precludida a possibilidade de demonstrar que o afastamento teve na sua base uma justa causa; esta demonstração pode ser efetivada na contestação da ação em que o exonerado peça a indemnização por considerar que não existia uma justa causa.

As regras do ónus da prova em nada colidem com o referido entendimento, sendo certo até que só relevam – na sua essência – quando não se prova um facto e se impõe adotar uma decisão jurídica sobre uma questão, caso em que a mesma será proferida contra quem tinha o ónus da prova – e não conseguiu fazer a prova dos factos que se justificam ser provados para o efeito pretendido.

A comparação entre o regime da exoneração do administrador por via de aprovação em deliberação e por via de ação judicial especificamente proposta com esta finalidade, não permitem que se conclua que na exoneração por deliberação a justa causa tenha de constar da ata. Nem a jurisprudência que a Recorrente cita (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 141/16.2T8AMD. Ll-8, de 12/04/2018) sobre a ação judicial pode significar a importação das regras desta para a resolução da questão dos presentes autos, que se insere no âmbito da exoneração do administrador por via de aprovação em deliberação, sendo absolutamente natural que numa ação destinada à destituição seja o A. que tenha de apresentar os elementos necessários para a procedência do seu pedido – nesse caso, a prova da justa causa que entende dever levar o tribunal a decidir existir para poder afastar o administrador.

No acórdão citado pela Recorrente, a ação foi intentada por um condómino contra o administrador do condomínio, pedindo a exoneração do administrador. Entendeu-se nessa decisão que competia ao Autor (condómino alegar e provar a justa causa).

No Acórdão recorrido considerou-se que a causa da exoneração da administradora do condomínio não carecia de constar da ata da assembleia de condóminos que deliberou a exoneração, mas que o condomínio, em ação intentada pelo administrador do condomínio exonerado deve alegar e provar a justa causa para a exoneração; por outro lado, o Acórdão recorrido considerou que os factos alegados pelo condomínio para demonstrar a justa causa na exoneração se mostram provados e que configuram justa causa.

Nenhuma censura merece a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora.

3.2. Quanto à inconstitucionalidade invocada, diz a Recorrente na conclusão X:

A interpretação do artigo 1435.°, n.°1, do Código Civil, realizada pelo
Tribunal "a quo", como sendo suficiente, para a exoneração do Administrador, em
contexto de propriedade horizontal, uma simples deliberação da Assembleia de
Condóminos, com essa precisa intencionalidade, quer tenha ou não sido legalmente
convocada, quer tenha ou não sido legalmente deliberada a exoneração, afigura-se
materialmente inconstitucional, sendo uma restrição ilegítima à iniciativa privada,
direito de propriedade, segurança no emprego e direito ao trabalho e dos trabalhadores, nos termos do disposto nos artigos 2.°, 9.°, alínea b), 13.° 18.°, n.
os 2 e 3, 53.°, 58.°, 59.°, 61.°, 62.°, 204.°, 205.°, 280.° e 282.°, da Constituição da República Portuguesa.”

A invocada inconstitucionalidade normativa não vem ancorada numa explicitação do porquê se entender que viola a Constituição, mas apenas reportada a uma enumeração de artigos da mesma lei fundamental.

Na alegação do recurso não se obtém a resposta a esta dúvida, pois aí também apenas consta:

20“- A interpretação do artigo 1435.°, n.°1, do Código Civil, realizada pelo Tribunal "a quo", como sendo suficiente, para a exoneração do Administrador, em contexto de propriedade horizontal, uma simples deliberação da Assembleia de Condóminos, com essa precisa intencionalidade, quer tenha ou não sido legalmente convocada, quer tenha ou não sido legalmente deliberada a exoneração, afigura-se materialmente inconstitucional, sendo uma restrição ilegítima à iniciativa privada, direito de propriedade, segurança no emprego e direito ao trabalho e dos trabalhadores, nos termos do disposto nos artigos 2.°, 9.°, alínea b), 13.° 18.°, n.os2 e 3, 53.°, 58.°, 59.°, 61.°, 62.°, 204.°, 205.°, 280.° e 282.°, da Constituição da República Portuguesa. Ao contrário do que é referido pelo Douto Tribunal, a Jurisprudência aplica, de forma recorrente, as normas reguladoras do mandato à destituição de administrador de condomínio, já que o regime previsto no artigo 1435.°, do Código Civil não concretiza que eventuais direitos é que o administrador possa ter nestas situações de destituição sem justa causa, o que significa que o regime em causa tem lacunas e essas mesmas lacunas deverão ser preenchidas pelo regime supletivo do mandato.

21- Importa, ainda, notar que da conjugação dos factos 9., 10., 36., 37., 49. e 50., não podemos identificar qualquer "irregularidade" ou facto "culposo''' que, por si, conjugado com outros, à luz das regras de experiência e normal acontecer, pudesse lograr permitir-se a exoneração, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 1435.°, n.os1 e 3, do Código Civil, quer porque, a ser assim, estaríamos a valorar, indevidamente, uma Ata inexistente, dando relevância jurídica a um "falso", em violação do disposto nos artigos 372.°, n.os2 e 3, do Código Civil e artigos 446.° a 450.°, do Código de Processo Civil, bem como a ignorar o disposto no artigo 255.° e 256.°, do Código Penal, bem como o princípio geral de proibição de prova, derivado dos artigos 126.° e 167.°, do Código de Processo Penal, e artigo 32.°, n.°8, da Constituição da República Portuguesa, em ofensa ao princípio da unidade da ordem jurídica, do artigo 9.°, n.°1, do Código Civil, que impõe, em matéria de prova, o princípio da unidade probatória, que exige que a produção de um meio de prova não configure o preenchimento de um tipo de ilícito criminal, sob pena de não poder ser valorado, apenas se verificando a exceção de punição dos agentes infratores, no limite apertado do artigo 126.°, n.° 4, do Código de Processo penal.”

Nos termos em que vem alegada, não vislumbramos, nem a Recorrente o esclarece, como poderia tal consubstanciar qualquer “inconstitucionalidade”, pelo que não se impõe ao tribunal conhecer de questão meramente hipotética.

Improcede a questão.

Em face do exposto, improcedem as questões suscitas no recurso.

Deste modo, o recurso tem de improceder

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de novembro de 2023

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Nelson Borges Carneiro

Jorge Leal